A propósito do texto «RADICAIS E PERMISSIVOS», a minha ilustre parente Benilde Tomás da Fonseca enviou-me o seguinte comentário…
«Gosto desta frase: “liberdade, sim, mas sem fraternidade é como o cozinhado a que falta o tempero. Não se pode tragar” Fonseca, Tomás da, Memórias dum Chefe de Gabinete, livros do Brasil, Limitada, Lisboa 1949, p. 53. Abraço»
… que decidi trazer aqui para o glosar.
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Formado em Teologia pelo Seminário Maior de Coimbra, o meu avô, Tomás da Fonseca, não tomou votos sacerdotais e logo se declarou ateu. Não terá tardado muito para se declarar anarquista. No lintel interior da porta da biblioteca da sua casa em Mortágua sempre manteve o retrato (em tamanho quase natural de Piotr Kropotkin, esse Príncipe russo que Stalin tentou aniquilar pela fome e pelo frio).
Naturalmente bom, generoso e compassivo militante, sempre meditou na condição humana e, daí, a frase citada. Efectivamente o tripé em que assenta o homem moderno é o da «liberdade, igualdade fraternidade» pelo que não faz qualquer sentido omitir uma dessas componentes. E disso se encarregou o pós-modernismo.
Alheado do temor do castigo divino, o homem pós-moderno ignora a existência de códigos laicos morais e éticos pelo que vive numa nebulosa quântica formada por partículas resultantes da farinação do bem e do mal apenas ziguezagueando entre algumas das normas legais que conhece; quebrado o vínculo com os valores morais e éticos – mesmo que já só de génese profana - dos seus antepassados, o pós-moderno perde-se no anonimato da selva urbana e luta pela própria salvação sem querer saber do que e de quem o rodeia – torna-se egocêntrico, ignora a existência desse tal conceito a que os antigos chamavam solidariedade.
E aí estava Tomás da Fonseca a referir esse flagelo e, sem o dizer expressamente, a pugnar pela prevalência da clara distinção entre o bem e o mal como realidades anteriores às religiões.
Do dicionário, extrai-se que radical tem o significado geral de «drástico» e que em política significa «aquele que quer reformas/alterações/mudanças completas» e que permissivo significa «indulgente» e/ou «ética e moralmente relaxado».
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No Estado liberal, ocidental, a liberdade é conceito unicitário e integra facetas essenciais como sejam a liberdade de opinião e a liberdade e de iniciativa. Tudo condicionado pelo princípio de que a liberdade de cada um cessa onde começa a liberdade do próximo, a começar pelo valor supremo que é a vida. As condicionantes à liberdade têm a ver com o respeito pela propriedade, pelo ambiente e pela fiscalidade. Foi a partir deste conjunto de ideias maiores que nasceram diversos ideais de bem-comum, aqueles a que actualmente chamamos de Socialismo Democrático, Social Democracia, Democracia Cristã (não confessional) e Liberalismo (propriamente dito). Desta macroestrutura excluo os movimentos políticos de base étnico-regionais pois que podem assumir qualquer tipo de projecto acima referido e excluo o Conservadorismo britânico (misto de Democracia Cristã e de Liberalismo)
E o Trabalhismo britânico (misto de Socialismo Democrático e de Social Democracia). Europa que é o berço das políticas de essência democrática.
Contudo, a prática inquestionável da liberdade permite a instalação de forças que, utilizando a liberdade instituída, preconizam modelos sociais em que essa mesma liberdade não existe. São modelos de génese autocrática que não permitem a liberdade de opinião nem a propriedade e não provaram até hoje qualquer respeito pelo ambiente. À radical militância totalitária, a democracia liberal responde com permissividade na esperança de que, nas urnas, as propostas democraticamente absurdas chumbem rotundamente. O pior é se não o são rotundamente… Mas a luta é cansativa e os instalados no conforto do bem-estar padecem da mândria.
Confortavelmente instalada no progresso material que a democracia lhe tem proporcionado desde o final da II Guerra Mundial, a burguesia ocidental não tem encontrado tempo para ver o que se passa à sua volta. E o que é?
- Um paternalista Estado social super protector que desincentiva o desenrascanço dos menos habilitados que assim se entregam ao ócio;
- Um «neo-ocidentalismo» em que preponderam os direitos e escasseiam os deveres cívicos à mistura com uma tendência amoral do pós-modernismo, uma inequívoca afirmação hedonista e a ambição imediatista do «tudo JÁ!»,…
… fazem do moderno europeu (sobretudo) um ser a quem tudo é devido. Daqui à mândria dista um infinitésimo. Tudo agravado quando esse ocidental o é ao abrigo do Direito positivo, mas que, no plano cultural, se encontra vinculado a padrões forjados alhures. Intimamente desenraizados, entregam-se à reivindicação pela reivindicação, fazem das «poubelles flammentes» uma barricada e esperam que os tradicionalistas os temam e se agachem. E estes, permissivos, esperam pela ronda eleitoral seguinte para dizerem que o caminho chegou ao fim.
Que caminho?
O da mândria, dos compadrios na gestão da «coisa» geral, da «liberté à outrance». E então, teremos que ser nós, novamente, a desentupir esgotos, a semear batatas, a deitarmo-nos cedo e a levantarmo-nos antes do Sol deixando as pranchas de surf arrumadas até ao fim de semana seguinte.
- Da população residente com mais de 10 anos de idade, 3,08% eram analfabetos pois não sabiam ler nem escrever - (0% na Noruega);
- Da população com mais de 18 anos de idade, ~25% tinha o ensino obrigatório (82% na Noruega);
- da população com mais de 18 anos de idade~ 20% tinha formação superior (~48% na Noruega)
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Conclusões imediatas:
- Para uma população de 10 milhões de habitantes, havia (já depois da chacina provocada pelo Covid nos idosos), algo como 308 mil analfabetos em Portugal;
- Da população com mais de 18 anos de idade, 75% não tinha concluído o ensino obrigatório;
- A percentagem de licenciados é muito baixa (apesar de muito «gato por lebre» que por aí pulula).
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De acordo com os sucessivos relatórios anuais do desenvolvimento humano do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), a Noruega é a campeã mundial e a «lanterna vermelha» tem sido a Somália alternando com o Sudão do Sul e quejandos países martirizados por rixas sucessivas. O rol integra algo como 160 países e nós temo-nos passeado à volta da 30ª posição.
Quando, nos anos 20 do século XX, se descobriu um analfabeto que vivia isolado num recanto obscuro de um fiorde da Noruega, o escândalo foi tal que o Governo se demitiu. Eis por que preconizo uma campanha a nível nacional de alfabetização de adultos. Admito que não se incomode quem já esteja acamado, mas sugiro, isso sim, que o IEFP forme alfabetizadores que passem a actuar a nível autárquico, Misericórdias, etc. Os idosos não são negligenciáveis e é nossa obrigação pôr um ponto final no desprezo (intelectual) a que as elites nacionais quase sempre votaram hordas sucessivas de «servos das glebas».
No que se refere ao ensino obrigatório (12º ano de escolaridade), é maioritário e legalmente inconsequente o incumprimento dessa obrigação. A banalidade está no abandono escolar precoce. Porquê? Creio que por duas razões principais e algumas, outras, secundárias. As principais são a mândria intelectual e a chatice dos programas; as secundárias são todas as outras. (Entre irmãos e primos direitos, eramos 21 dos quais apenas 4 concluímos o ensino secundário o que hoje corresponde ao ensino obrigatório, mas, destes, apenas um se licenciou com curso superior. E não foi por razões económicas).
Então, se quanto à mândria se podem inventar acções (positivas ou punitivas) que a corrijam, solução mais fácil parece ser a criação de vias profissionalizantes que se mostrem mais atractivas para quem não esteja motivado para a intelectualidade e a reabertura da telescola para regiões remotas. Vias essas profissionalizantes equivalentes ao nível do ensino obrigatório e, portanto, abrindo caminho para o superior. A igualdade de oportunidades deve ser universal, a começar pela liberdade de se optar pela via erudita, a do ensino geral, e as vias pragmáticas, as profissionalizantes. O Estado Social de que hoje dispomos permite que «quem queira e não possa» se consiga candidatar ao ensino superior. Basta que tenha notas. A questão está em que há quem não encontre alternativa à maçada da Filosofia preferindo aprender electrónica naval, mecânica de máquinas agrícolas ou informática de uso industrial… A falsa questão de que «nem todos podemos ser Doutores» deve ser substituída pela realidade de que nem todos querem ser Doutores. Eis por que há tanta gente que não possui o ensino obrigatório. Urge, pois, alargar a panóplia da oferta de vias profissionalizantes equivalentes ao ensino obrigatório e, daí, permitindo o acesso ao ensino superior. Por exemplo, instalando mais Escolas Práticas de Agricultura (por cópia da que funciona na Paiã)
e outras de modelo equivalente vocacionadas para o mar.
Dominando as volatilidades e desprezando as ciências exactas, a Universidade de Coimbra funcionou durante séculos em regime de autismo hermético e teve o monopólio da formação superior em Portugal até que a República instituiu as Universidades de Lisboa e do Porto. O corporativismo universitário foi absoluto até à queda do dogma do exclusivismo público do ensino superior durante o consulado marcelista, mas só depois de1974 é que a oferta de cursos pós-secundários cresceu como cogumelos. Contudo, apareceu muito gato disfarçado de lebre para satisfação da apetência por um título de Dr. Ou Eng. Mesmo que se trate de passaporte directo para o desemprego.
CONCLUSÕES
A génese dos nossos problemas de desenvolvimento está no elevado nível de iliteracia;
É politicamente importante erradicar o analfabetismo;
Há que diversificar o ensino secundário pelas vias profissionalizantes;
No pós-secundário, há que «defender o consumidor».
A) 5 DE OUTUBRO DE 1143 - assinatura do Tratado de Zamora
B) 5 DE OUTUBRO DE 1910 - implantação da República Portuguesa
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Do Tratado de Zamora resultou «de facto» a transformação do Condado Portucalense em Reino de Portugal; em 1910, os portugueses deixaram de ser súbditos e passaram a ser cidadãos.