O Estado Português da Índia existiu desde 1510 a finais de 1961. Foram 451 anos de convivência intercultural a que deveremos acrescer os anos que antecederam a criação oficial do referido Estado e os anos que já decorreram desde a sua extinção de facto até ao presente. São, praticamente, cinco séculos de intercâmbio cultural cuja realidade global deve ser reconhecida como verdadeiro Património da Humanidade tanto na vertente material como na imaterial.
Arquitectura, religião, língua, mobiliário, medicina, literatura, pintura, música, enfim, todas as vertentes da intelectualidade e da cultura popular.
A cultura indo-portuguesa consubstancia um estilo de vida que traduz uma Civilização híbrida de grande mérito dentro e fora do subcontinente hindustânico. São inúmeras as personalidades oriundas desse estrato civilizacional que ao longo da História se elevaram aos mais altos postos das hierarquias indiana e portuguesa. Por exemplo, Jorge Fernandes que foi Ministro da Defesa da Índia de 2001 a 2004 e António Costa que é o actual Primeiro Ministro de Portugal.
Mas esta cultura vem desaparecendo porque as vicissitudes da História puseram fim à presença da Administração Portuguesa, porque os indo-portugueses vêm emigrando e porque o espaço assim deixado vago vai sendo preenchido por quem não se sente ligado a essa tradição cultural. Mesmo a Igreja Católica se apressou a substituir a língua portuguesa pela inglesa nas homilias das suas celebrações e esse foi, só por si, um golpe da maior gravidade na coesão da cultura indo-portuguesa.
Valha o Visconde Seabra cujo Código Civil prevaleceu.
Entretanto, a Universidade de Goa acolheu o Instituto Camões e ali se ministra a didática da língua portuguesa aos futuros professores. Este é um trabalho ciclópico a que não poupo louvores.
Mas os professores não podem ensinar se não houver quem os queira escutar e eles próprios precisam de viver.
Assim nasceu a Sociedade de Amizade Indo-Portuguesa, Goa (Indo-Portuguese Friendship Society, Goa) que vem desempenhando um papel da maior relevância no estreitamento das relações de amizade entre os dois países, ou seja, entre as duas culturas. O mesmo é dizer que vêm preservando a cultura indo-portuguesa.
Falta que em Damão-Silvasssa e em Diu os lusófilos se associem de modo semelhante em Sociedades de Amizade Indo-Portuguesa, recrutem professores indianos de língua portuguesa e preservem desse modo a identidade civilizacional que os distingue a nível mundial.
Falta promover a Cultura Indo-Portuguesa a Património da Humanidade.
Lisboa, Abril de 2022
Henrique Salles da Fonseca
(publicado na «Revista da Casa de Goa», ed. Julho-Agosto de 2023)
Hoje, começo com um quase-enigma que, submetido a breve reflexão, se transforma em quase-axioma:
«A história é a essência da cultura».
E porquê esse «quase-quase»? Porque a explicação é muito simples e porque se fosse axioma não precisava de explicação. E aqui vai ela: Genética e culturalmente, somos herdeiros dos nossos antepassados e, daí, «o chá que bebemos em pequeninos» que é como quem diz, a educação, os conceitos básicos, morais, inerentes à (nossa) Civilização. Mais do que isto é o estudo para se saber como ali se chegou. A cultura é o conhecimento da própria condição e esta resulta dos prolegómenos, ou seja, da História. Eis como esta é a essência da cultura.
Conclusão: se queremos saber o que somos e como aqui chegámos, temos que conhecer os tais prolegómenos, ou seja, a História.
* * *
Na busca perene que muitos de nós fazemos das causas que expliquem os padecimentps (sociais) que nos preocupam, estudamos a nossa História na esperança de encontrarmos essas explicações e, daí, encontrarmos as «chaves» que nos permitam imaginar políticas correctivas, de desenvolvimento.
Com esse propósito, ficou célebre o livro de Antero de Quental intitulado «Causas da decadência dos povos ibéricos» cuja leitura recomendo mas o meu primo Luís Soares de Oliveira enviou-me por e-mail um seu texto que me permito classificar de notabilíssimo. Aínda pensei citá-lo em cada ponto-chave mas decidi não o truncar e transcrevo-o na íntegra para ter a certeza de não lhe perdermos qualquer parcela do enorme valor que nos acrescenta.
Aí vai, com a devida vénia:
«O CONHECIMENTO DOS ERROS PASSADOS É A MELHOR FORMA DE MELHORAR O FUTURO.
A POLITICA PORTUGUESA DOS ANOS 10 DO SÉCULO PASSADO.
(extrato do livro em preparação: " A guerra civil que não aconteceu"
Aos políticos do tempo sobrava formação jurídica e faltava cultura económica; o ensino universitário dessa época ainda não distinguia a economia da ciência jurídica. Séculos antes, a Inquisição, tinha-se encarregado de converter o enriquecimento em pecado imediata e cruelmente punível. Diferentemente das democracias nórdicas que foram criadas e orientadas por empreendedores habituados a colaborar entre si para produzir riqueza, a portuguesa foi, através dos tempos, dominada por gente que considerava o enriquecimento pecaminoso e adverso à segurança do Estado. E, de tal forma a ideia persistiu, que acabou com o crescimento do produto. Faltava também civismo: à maneira das peixeiras a uma ofensa respondiam com outra ofensa; a uma violência com outra violência. Confundiam educação com presunção e humor com sarcasmo e assim nunca aprenderam a arte de dizer o que é preciso sem magoar.
Eleições havia mas eram garantidamente fraudulentas. O direito de voto era seletivo. controlado pela Maçonaria Apesar da contestação interna, o Partido Republicano ganhava sempre. A ausência de alternância provocou a dificuldade das forças da oposição em aceder aos órgãos do Poder e privou de representatividade e de participação política grande parte da população o que não reforçou a estabilidade do novo regime republicano.
Em Lisboa, predominava a chamada geração do Ultimato[1], gente que havia perdido confiança na Monarquia por esta não ter conseguido impor-se aos ingleses na defesa das Colónias. A transição de regime Monárquico para o republicano fez-se ali sem sobressalto; nas vilas e áreas rurais o povo limitou-se a receber a notícia e tomou conhecimento de que o Rei já não era rei e de que os funcionários públicos seriam permutados oportunamente. Quem regulava a ordem fora de Lisboa era a Igreja e os chamados "trauliteiros" - estes, a soldo dos latifundiários. O resultado era um regime despótico e intrusivo propenso a usar o dinheiro público para sustento de uma classe parasitária de baixareis formados (ou meros frequentadores ) na Universidade de Coimbra.
Os revolucionários republicanos começavam então a alargar a sua actividade às cidades e vilas provincianas através dos "comités de vigilantes" da Carbonaria-Formiga Branca. Estes perseguiam os reacionários e prometiam aos locais melhorias, especialmente no domínio fiscal. Os trabalhadores acreditaram e a violência instalou-se. Os bandos armados multiplicavam-se: era a guerra de todos contra todos em que levavam vantagem os mais violentos e imunizados, designadamente os sicários de Afonso Costa.
A Maçonaria seria de fundação francesa, enquanto a Carbonária era tipicamente siciliana e do sul de Itália. Recorria à violência irregular enquanto que, para a primeira, a violência era sistemática. A repressão violente tornou-se tanto mais frequente quanto maior era a distância entre o conteúdo doutrinário dos revolucionários e o entendimento do povo. Isto explica o crescente e inevitável predomínio da Afonso Costa. Entre os cabecilhas históricos do movimento republicano português seria ele o único preparado para e dispostos a usar a violência até às suas últimas consequências. Aos restantes faltava qualquer coisa.
A revolução Republicana foi realizada desde início sem dinheiro, poucas armas e mal preparada. Estava pois condenada à dissidência perpétua Machado dos Santos - o herói da Rotunda - era o desordeiro puro, totalmente destituído de doutrina. O que o seduzia era acção, não a palavra.. Os restantes eram tribunos de mão cheia mas não preenchiam o quadro de exigências do revolucionário. Manuel Arriaga, pioneiro do republicanismo em Portugal, era consciencioso, sincero, responsável, mas demasiado bondoso para a política. O académico Bernardino Machado vivia nas nuvens, sempre pronto a agradar e a enganar. Frases suas "Portugal tem grandeza moral. Isto basta para que nos respeitem"; "É preciso enviar dinheiro a el rei", estando este no exílio; e outras…O tribuno António José de Almeida, médico e humanista, esgotava-se na eloquência; mas não ia além disso. Por fim, mas não de menos importância, o iluminado Brito Camacho, o mais bem orientado de todos, preferia os bastidores ao proscénio. Foi o único que deixou obra. O IST e o ISCEF entre outras instituições de ensino.
Teixeira Gomes homem viajado, comerciante exportador antes de se tornar político, dizia dos seus confrades. "não dão provas suficientes das sua capacidades, nem podiam dar, falhos inteiramente do indispensável tirocínio que somente se alcança em países organizados, tratando com estadistas experientes e conhecedores das suas forças e das suas aspirações … O facto é que o futuro da nacionalidade portuguesa é negro e pesa sobre estes homens uma responsabilidade tremenda, de que a história lhes pedirá pesadíssimas contas". Numa palavra, Teixeira Gomes considerava os seus ilustres colegas altamente incompetentes em matéria de governação.[2] E estes esforçaram-se por não desmentir. Luís Soares de Oliveira»
Considero este texto absolutamente notável e por isso o republico. Tiremos as ilações que ele nos proporciona.
Em três penadas, a «coisa» foi, é, e poderá vir a ser assim:
1ª penada – Desde o bafordo do Vez, Portugal é um espinho encravado na garganta de Castela e, quanto por menos seja pela via da inveja, nas gargantas das demais Espanhas;
2ª penada – Perdido o Império que durante séculos foi o garante da nossa soberania contra a cobiça espanhola, rapidamente colapsou o quase mercantilismo em que vivíamos e logo houve quem se entretivesse a desmantelar ou a vender a estrangeiros o que por cá era tido por indústria pesada; a demagogia encarregou-se de elevar o consumo a motor do desenvolvimento e bancarrotas já vão quatro entre 1974 e 2023 com a banca a passar para controlo estrangeiro;
3ª penada – E agora? Agora, aqui chegados, resta-nos reconhecer que pouco mais temos do que «as ruas para passear», mas envergando camisas que pareçam sujas para não despertarmos a cobiça alheia.