No primeiro texto sob esta mesma epígrafe referi-me ao cosmopolitismo étnico, na perspectiva que deu origem ao conceito a que hoje há quem chame multiculturalismo; no segundo texto referi-me ao cosmopolitismo científico, o antónimo do autismo universitário; no presente texto refiro-me ao cosmopolitismo cultural.
Assim me refiro a uma dimensão macro, a uma micro e a uma dimensão individual. Outras dimensões haverá…
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Em conformidade com o dicionário, cosmopolita é aquele que conhece muitos lugares.
Assim como aquele que sabe muitas coisas não passa de uma enciclopédia, também o maquinista do Transiberiano conhece muitos locais. No entanto, nem um é necessariamente culto nem o outro é necessariamente cosmopolita. Porquê? Porque culto é aquele que busca o significado (das coisas, dos acontecimentos…) e cosmopolita é aquele que busca a epifania (a essência, a História) dos lugares. O cosmopolita é necessariamente culto; o culto pode não ser cosmopolita.
Se a tudo isto juntarmos a afirmação de que «a História é a essência da Cultura», compreendemos a sugestão de James Joyce no sentido de procurarmos descobrir «o que as pedras tenham para nos contar», aquilo a que ele chamava a epifania dos lugares a que eu passei a chamar a epifania joyceana.
Ou seja, para se ser cosmopolita não basta ter um conhecimento topográfico ou pictórico dos lugares visitados, é necessário conhecer-lhes a essência. E para que isto aconteça, é fundamental despertar a curiosidade do candidato a cosmopolita. Curiosidade desperta-se pela boa pedagogia e esta pratica-se nas escolas, nas palestras, nas visitas guiadas… e uma das acções mais importantes é a do combate ao abandono escolar precoce.
A acumulação de vagas sucessivas de desistentes escolares produziu o actual flagelo de uma enorme percentagem da nossa população em idade activa não possuir o ensino obrigatório.
Assim chegamos à conclusão de que nos sobra «chico-espertismo» e nos falta cosmopolitismo.
Vinham os bisonhos das berças lanares e logo se encantavam com o pequeno burgo que se lhes abria como raio de Sol. E assim era que ciclicamente a cidadezinha se enchia de jovens apenas talhados pelo escopro rural e a que faltava o buril urbano.
Cidade capital do nosso Rei fundador, foi também ela escolhida por D. Telmo, D. João Peculiar e São Teotónio para sede da Ordem da Santa Cruz que viria a receber a mercê de D. Dinis para governar a Universidade. Foi nos tempos de D. João III que o Padre Iñigo Lopez Recaldo – que passaria à História como Stº Inácio de Loyola – ali fundou o «Colégio das Onze Mil Virgens», primeiro da Companhia de Jesus, para o qual redigiu a sua obra de orientação pedagógica «Ratio Studiorum» que passaria a vigorar em todos os colégios jesuítas em todo o mundo. Na mesma época em que se inaugurava o Observatório em Greenwich, se media a velocidade da luz e se descobria o espermatozoide, o Rei D. João V teve que publicar Decreto ordenando à Universidade que passasse a incluir no seu currículo académico o Dogma da Imaculada Concepção de Maria. Na mesma universidade era então proibido dissecar cadáveres para se ter a certeza de não esquartejar a alma do defunto. Assim se manteve a tónica intelectual em Portugal até… que a República instaurou as Universidades de Lisboa e do Porto. Só que, entretanto, foram séculos e séculos de «cada vez mais do mesmo» com as instituições coimbrãs agarradas aos respectivos cânones fundacionais, entretanto caducos, em defesa de unidades de doutrina e métodos obsoletos. O colégio jesuíta desapareceu na voragem pombalina e a Universidade prosseguiu com os seus Lentes (os que leem as sebentas herdadas dos respectivos antecessores) numa actividade a que hoje chamamos «copy-paste» sem qualquer valor acrescentado. Eis como aquela Universidade se constituiu em instrumento sombrio em vez de luminoso como as suas congéneres além-Pirinéus. Reconheçamos, contudo, que Coimbra não foi monopolista na distribuição das sombras pois foi nisso acompanhada por Évora desde o Cardeal-Rei até ao consulado pombalino. Faltou concorrência laica onde os cadáveres pudessem ser dissecados. Faltou – também e sobretudo – que essas instituições tivessem combatido o autismo e tivessem procurado o cosmopolitismo intelectual.
Colhe perguntar se a Inquisição permitiria que tudo fossem luzes em vez de trevas e colhe perguntar também se, hoje ainda, não estará a «Lusa Atenas» cativa de persistentes dogmas de racionalidade obtusa leia -se falaciosa e comprovadamente caduca para não dizer falaciosa.
É que perguntar não ofende e é tempo de parar com essa ridicularia que consiste em cardar lanzudos bisonhos vindos das berças. Está visto que esses que chegam já não vêm das berças, mas sim da Internet. O prestígio da «sapientíssima cátedra» constrói-se diariamente pela adução constante de valor científico e não mais pela tirania da arrogância e da ameaça de um chumbo.
O cosmopolitismo intelectual é a solução para a ultrapassagem do nosso atraso endémico e – correndo o risco de cavarmos ainda mais o fosso entre um país pensante e um país boçal – a Universidade tem que se tornar cosmopolita e atirar togas, capelos e outras praxes para o balde dos desperdícios.
Dos dicionários se extrai que ambiente cosmopolita é aquele em que todas as nacionalidades do Cosmos se cruzam.
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O famoso ambiente cosmopolita parisiense permite que o indivíduo sinta uma liberdade superlativa que facilmente se transforma em indisciplina.
O famoso ambiente cosmopolita parisiense gera um sentimento de tal modo igualitário que o indivíduo o sublima pela arrogância.
O famoso ambiente cosmopolita parisiense produz um anonimato que gera o autismo e o egoísmo.
Tudo, porque «sauve qui peut» …
… e assim é que os outros franceses acusam os parisienses de treslerem os grandes valores republicanos trocando a liberdade pela indisciplina, a igualdade pela arrogância e a fraternidade pelo egoísmo.
Não culpemos, contudo, os forasteiros, mas apenas os residentes.
Salvando algumas metástases para outras zonas urbanas, o actual problema da arruaça francesa é sobretudo parisiense e há gente por essa França além que diz que tudo regressará ao normal assim que cessar a arruaça parisiense nem que para isso seja necessário inventar um problema de sinal contrário. Má solução que conduzirá à ingovernabilidade e à priclitância da democracia.
Duvido que haja preces suficientemente fortes para que uma vaga de bom senso invada Paris e creio mais pragmático tentar chamar à razão os instigadores das arruaças e da inflamação dos caixotes de lixo pois não é admissível que, em período de guerra, a única potência nuclear europeia esteja a braços com problema paralisante.
Afinal, o problema não é apenas francês, mas sim europeu e potencialmente de todo o Ocidente.
Qualquer pretexto serviria para lançar o caos e paralisar a única potência nuclear europeia e Macron caiu na ratoeira.
A profusão de notícias alarmistas cria a ansiedade; a pessoa ansiosa fica vulnerável; a pessoa vulnerável aceita facilmente qualquer ajuda; quem aceita qualquer ajuda pode ser objecto de manipulação, a manipulação pode ser feita sob a forma de publicidade; a publicidade vale milhões.
O náufrago sobrevive até à praia onde morre.
O aviso meteorológico laranja, a grande ondulação marítima, a negligência médica e o caos na TAP ou no SNS, o detergente que lava mais branco até as roupas de cor, os protestos dos professores, a melhor agencia de viagens o supermercado mais barato, o Partido político que defende os desgraçados e aquele que arrebanha corruptos, a greve do pessoal menor numa refinaria de petróleo na Nigéria a provocar subida de preços..., eis a fértil sementeira da ansiedade que ainda pode ser adubada com uma ou outra «fake».
TUDO MAU!
Jornalismo policial para denunciar falta de policiamento? Não, para produzir hordas de náufragos ávidos de detergentes.
«PANZER, PANZER – GERADE AUS!!!» - este, o brado da Cavalaria blindada alemã cuja tradução é «PANZER, PANZER – A DIRECTO EM FRENTE!!!».
Este brado é tipicamente masculino com a concentração total no objectivo que foi considerado prioritário e abstração da envolvência. De modo diferente, a mulher tende a esbater as relevâncias do que a cerca e, daí, a ter uma visão holística, menos focada. Eis por que o casal homem-mulher, agindo em consonância, segue num rumo determinado sem descurar a envolvência.
Mais prosaicamente, o homem só olha em frente e é colhido pelos flancos; a mulher só olha em redor e perde o rumo (o fio à meada).
Dando de barato todas as simplificações e generalizações anteriores, demos um salto até aos primórdios dos tempos e reconheçamos que o homem, recorrendo à força física, impôs à subtileza feminina a determinação de ser ele a mandar. Muito mais tarde, apareceu a «finura» e a lei sálica, mas, entretanto, no antigo Egipto, Faraó era função masculina e ponto final na discussão. A menos que…
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…O DEUS VIVO, O FARAÓ, DECIDISSE DE OUTRO MODO, e Tutmés I decidiu que a sua filha lhe sucederia no trono. E, com choros vários e muito ranger de dentes, Achetsup governou de facto durante 22 anos incluindo aqueles em que o fez como regente em nome de Tutmés III que subira ao trono com 2 anos de idade. Adorada pelo povo e odiada pelos misóginos, abdicou a favor do sobrinho (que ela preparara para a governação) quando este atingiu a idade apropriada, retirou-se para uma merecida aposentação. Obesa e desdentada, morreu aos 60 (então provectos) anos de idade.
Mas a história dos violinos e passarinhos chilreantes começa quando, criança de 7 anos, se encanta por um rapazinho da mesma idade que frequentava o palácio do faraó e que, com ela, partilhava as atenções dos mesmos professores. Correspondida na paixão, assim passaram da infância Á adolescência, à juventude, à idade adulta e à idade madura. Ele foi primeiro ministro e arquitecto principal no Vale dos Reis; ela cumpriu as suas obrigações casando com um meio-irmão para assegurar descendência real mas a paixão mútua foi da infância aos túmulos – se não mesmo para além deles…
Pena foi que a famosa Corin Tellado não tivesse escrito esta história. Teria posto o mundo feminino a sonhar com um Primeiro Minostro.
ÁCHETSUP – nome quase indizível para praticantes de leitura rápida numa primeira aproximação a esta «faraona» que o foi mais «de facto» que «de jure». Ou terá sido precisamente ao contrário, mais «de jure» que «de facto»? Esta é uma questão a abordar noutro texto em que contarei uma história para ler ao som de violinos e com passarinhos esvoaçantes e cantantes…
Mas rapidamente resolvi o problema quando, rodeado de franceses, traduzi o nome para «achète soupe».
E foi com esta brincalhotice que coloquei ao nosso eruditíssimo guia (cristão copta) a questão fonética: como podemos saber se esta fonética corresponde minimamente aos sons pronunciados pelos antigos egípcios? E a resposta foi imediata: - Tirando algumas particularidades que se pudessem identificar na pronúncia, a antiga língua egípcia é a actual língua copta, a utilizada nas celebrações cristãs ortodoxas tal como os católicos usavam o latim nas suas celebrações antes de Concílio Vaticano II. Confesso que se encheu o espírito de dúvidas pois que, assim sendo, a tradução da Pedra de Roseta feita por Champollion teria sido uma impostura- e tudo aponta para que foi trabalho sério.
Colocada a mesma questão a outro guia turístico (neste caso, muçulmano), a resposta também foi imediata no sentido de que Champollion descobriu o significado dos hieróglifos, mas não a sua fonética; pode-se ler em qualquer língua e, de facto, o sapientíssimo (?) guia cristão lera muitos hieróglifos utilizando a língua francesa. Instalada a dúvida, espero que a interpretação tenha sido minimamente correcta.
Três dúvidas restam por esclarecer:
Qual a inequívoca origem da língua copta?
Porquê Achetsup e não quaisquer outros sons tais como «Laurindinha» ou …?,
Quando perguntei durante um espetáculo de som e luz em karnac, como se tinha conseguido «traduzir os sons musicais, a resposta foi imediata: - Inspiração hollywoodesca.
Tudo meditado, preio que, depois de uma solução milenar na continuidade oral, é impossível retomar a fonética dos egípcios faraónicos.
NOTA PRÉVIA – Hoje trato da Teologia dos egípcios antigos e de outras crenças associáveis. Se quem me lê gosta de temas escaldantes, fique desde já sabendo que tudo foi concebido e alcandorados à categoria de religião sob temperaturas que facilmente rondavam os 40º Centígrados; se prefere temas políticos, de traições, corrupção e «levantamentos de rancho», então leia o que segue imaginando tudo isso porque, afinal, hoje temos a mesma essência que já definia esses antigos. Sim, evoluímos tecnologicamente, mas não essencialmente porque, nomeadamente, temos as mesmas aspirações básicas: o conforto na Terra e a eternidade nos Céus.
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Hórus, Isis, Osíris, Rá (a que também há quem chame Ré), Amon e mais não sei quantos deuses a quem já perdi a conta e os nomes… Muito importante, a definição do Bem simbolizado por Hórus e do Mal correspondendo ao crocodilo, ou seja, os primórdios de uma Moral da qual deverá ter resultado uma Ética (sobre que nada me foi contado) e, daí, o exercício da Justiça no âmbito de uma sociedade organizada, isto é, um Estado.
O eixo do mundo definido pelo Nilo, com o Sol (Rá ou Ré) a nascer todos os dias do lado da vida (a margem leste) e a desaparecer nas profundezas do mundo dos mortos (a margem esquerda); cidades e templos do lado da vida, a margem direita e as necrópoles (nomeadamente, o Vale dos Reis) na margem esquerda. Todas as noites o Sol a visitar o mundo subterrâneo dos mortos na vida eterna para voltar a nascer para aquecer o Nilo e fazer a humidade que é a fonte da vida.
Se o busto que lhe conhecemos corresponde à realidade que a esculpida teve, Nefertiti ainda hoje tem lugar cativo no podium da estética feminina.
Primeira mulher do faraó Amenófis IV, mais conhecido por Akenator, protagonizaram uma revolução religiosa substituindo o politeísmo até ali reinante pela imposição de um Deus único, Ator. Obviamente, lançaram no desemprego toda a classe sacerdotal politeísta e isso criou grande instabilidade num regime cuja legitimidade assenta na inspiração divina e cuja legitimação depende da classe sacerdotal. Por alguma razão, o faraó seguinte subiu ao trono com 10 anos de idade – bem antes da «idade da razão» - sendo induzido a revogar o monoteísmo de Ator e regressando ao politeísmo onde Amon recuperou o culto que perdera para Ator, Essa criança passou à história com o nome de Tutank Amon. Morreu aos 19 anos (antes de fazer alguma reviravolta como fizera o seu paizinho).
Tudo, claro está, sob a égide do amuleto da sorte e da felicidade, o escaravelho.