O que é verdade para os produtos da terra aplica-se «ipsis verbis» aos do mar com o acréscimo da mudança do absurdo leilão descendente para ascendente a fim de instalar a concorrência dentro da procura em lota e dificultar o cambão. Neste mercado, há que instituir a «Bolsa de Congelados» para, nomeadamente, evitar a sobrepesca…
… e cá estamos nós nos excessos que referi no final do texto anterior.
Sobrepesca nas épocas de afundamento dos preços unitários com vista a sustentar as receitas globais, o mesmo se dizendo de outras unidades de produção cujos custos fixos globais têm que ser cobertos sob pena de colapso financeiro.
O excesso oposto é castigador da procura imediata (grossista) e da procura final, o consumidor.
Os preços sobem e descem por diversas razões como todos sabemos e eu já referi ao longo dos textos anteriores, mas cujas causas agrupo em dois áreas: as naturais que se traduzem nas variações sazonais e as artificiais que provocam a aceleração do ritmo e das amplitudes naturais. As naturais são isso mesmo, naturais; as artificiais (sobretudo as «fake news») devem ser contrariadas. Devemos louvar a especulação bolsista, devemos combater a manipulação dos mercados. Não podemos deixar-nos guiar por uma «mão invisível» ou um «big brother» nem sempre benignos, temos que dispor de instrumentos dissipadores dos excessos.
Eis porque é fundamental deixarmos preços formarem-se livremente no confronto transparente da oferta e da procura, deixando-os evoluir de modo a não defraudar as espectativas da saudável especulação bolsista, mas devemos poder contar com importantes operadores, com suficiente capacidade de intervenção – compra na baixa (tentando suster a descida para além de um determinado limite a baixo de um preço historicamente médio), armazenagem e venda nas altas (tentando suster as subidas para além de um certo nível a cima do tal valor historicamente médio).
Eis, em matéria de preços, a «ténue» diferença entre o liberalismo puro e a democracia-cristã.
Sim, em Portugal, os preços são determinados… no estrangeiro!
Como assim?Pois assim:
Os preços de alguns cereais (milho, sobretudo) produzidos cá são os fixados pela Bolsa de Chicago. Como é isso possível sem total desprezo +elos nossos reais custos de produção e sem total desbragamento aduaneiro?
As costeletas do borrego neozelandês são as que mais frequentemente chegam às mesas portuguesas. Como é isso possível sem forte prática do «dumping»?
Os porcos espanhóis chegam ao Montijo mais baratos do que os criados localmente. Como é isso possível sem recurso à economia paralela na origem?
A quinquilharia chinesa chega às lojas portuguesas a preços imbatíveis por qualquer tentativa nacional de produção equivalente. Como é isso possível sem total desprezo pelos Direitos Humanos e do ambiente no naquela República?
«Et ceteris paribus» ao longo de outros capítulos da Pauta Aduaneira… Como é isso possível?
E, aqui chegados, põe-se a questão de saber como «dar a volta por cima» ao problema.
Resposta: começando por perguntar cá quanto vale certa mercadoria, hoje e dentro de algum temo. E assim se ensaia o funcionamento de uma Bolsa de Mercadorias com produtos reais e onde se «fale» de produtos normalizados (standard) reais (já existentes) ou que só venham a ser produzidos depois de obtida uma cotação satisfatória para a oferta e para a procura. Perguntas feitas e respostas obtidas anonimamente à dita Bolsa que divulga todos os lances de «Compra», «Venda» e de «Efectuado». Quando este acordo é alcançado, é emitido um contrato ao abrigo do qual Fulano se compromete a entregar a Beltrano no prazo p uma certa quantidade da mercadoria M ao preço P. Estes documentos são endossáveis e descontáveis assim se criando um mercado secundário onde a especulação bolsista dá largas à compra na baixa e à venda na alta assim trazendo ao mercado muito mais operadores do que aqueles que estão efectivamente interessados nas mercadorias reais.
Diluídos no meio da multidão, os antigos manipuladores do mercado perdem o controlo da situação e são confrontados com a necessidade de seguirem os preços cotados ou não chegarem a ver a mercadoria.
Na Idade Média, os vendedores e os compradores tinham que se deslocar à Bolsa (de Amesterdão, p. ex.) mas na actualidade basta consultarem a Internet e darem as respectivas ordens de compra ou venda ao seu próprio agente, um «Corrector de Bolsa» devidamente credenciado e especialista em toda aquela matéria. A sofisticação dos mercados modernos faz com que os Correctores apresentem aos respectivos clientes «pacotes» de aplicações em derivados de futuros.
O risco consiste na diferença entre os valores investidos e a cotação global desses pacotes na data do respectivo vencimento. Mas este risco já ocorre numa esfera diferente da do produtor que só assumiu custos com a produção depois de anular incertezas ao aceitar um preço da sua conveniência. O risco é assim transferido para quem joga na especulação bolsista.
E reconheçamos, contudo, que é esta especulação que atrai aos mercados uma significativa massa crítica de agentes que permite o anonimato do confronto das forças de mercado e a formação de preços sem abusos de posição dominante.
Resta tratarmos dos excessos.
(continua)
Fevereiro de 2023
Henrique Salles da Fonseca
NOTA PS: Para melhores esclarecimento de dúvidas, consultar a Internet por «Bolsa de Mercadorias» e por «Bolsa de São Paulo»
Em complemento da definição anterior de transparência mercantil, os mercados ou são transparentes ou manipulados: transparentes quando o risco se distribui equitativamente pela oferta e pela procura; manipulados por quem alija o risco.
Alija o risco quem determina o preço ludibriando o confronto da oferta e da procura condicionando a liberdade de licitação, o anonimato dos agentes e a publicidade dos próprios preços. A criação de monopólios (um só fornecedor), de monopsónios (um só comprador), de oligopólios (domínio do mercado por poucos grandes fornecedores), de oligopsónios (domínio do mercado por poucos grandes compradores), enfim, da cartelização e da combinação de estratégias (e de preços) são modos limitadores/impeditivos da concorrência que obstam à transparência e carregam o risco para uma banda em favor da outra.
Tudo isto, nos mercados à vista porque, nos mercados de futuros, acoisa» pia mais fininho. Já lá iremos…
Historicamente, em traços muito gerais, o mundo rural sempre assentou no autoabastecimento e nos intermediários para os excedentes. Grande primitivismo que os poderes políticos tentaram remediar pela agremiação da oferta nos Grémios do Estado Novo e nas cooperativas do pós-25.
E, para manter a serenidade de espírito, passo por cima dos verdadeiros atentados de «lesa Nação» que se ensaiaram na estrutura fundiária nacional com parcelamentos, emparcelamentos, nacionalizações e não sei já que outras vilanias..
Até à nossa entrada para a CEE existiam os Organismos de Coordenação Económica a quem competia dessazonalisar os preços. Com a adesão à CEE/UE, passou a vigorar a Política Agrícola Comum. Contudo, houve outra medida de política que raramente é assinalada, mas que teve um enorme impacto nos nossos mercados domésticos e ela foi da iniciativa do então Primeiro Ministro Cavaco Silva ao incentivar a entrada em Portugal das chamadas Grandes Superfícies. Teve o mérito de combater a inflação que então rondava os 30% ao permitir a concorrência externa, mas esmagou a produção nacional de cujos custos não cuidou. E assim se instalou o actual oligopsónio em que os preços são marcados fora de Portugal.
Xipamanine era uma praça na periferia urbana de Lourenço Marques. Era ali a fronteira entre a cidade de cimento e o caniço, teria sido um mercado municipal, mas os autarcas devem ter percebido que era mais importante dar largas à economia informal do que espartilhá-la em ridículas, entorpecedoras e quiçá revoltantes licenças e taxas de importância nula na tesouraria municipal. Desde toda a variedade de produtos oriundos das maxambas (hortas) circundantes da cidade às especiarias de paladares e aromas exóticos ali trazidos pelos indianos que também vendiam linha de coser a metro e negociavam em câmbios, aquele era o local que todos tínhamos de visitar se queríamos começar a conhecer Moçambique. Não me lembro de ouvir referências a problemas de segurança: na generalidade, o moçambicano é civilizado.
Em Xipamanine reinava a economia informal, aquela não era uma «feira da ladra» nem «Roque Santeiro»onde girassam produtos roubados. Ali, sim, vigoravam os preços verdadeiros, formados sem taxas ou subsídios nem influenciados por «fake news». Mas, como na generalidade dos mercados primitivos, quem tudo definia era a oferta e, mesmo assim, sem orquestração.
Era assim até há 50 anos. Espero que assim continue porque a cidade de Maputo tem tido à sua frente esse verdadeiro sábio que é Eneias Dias Comiche, economista que honra a Universidade do Porto.
Na sua rude dimensão física, a confusão quântica dos mercados primitivos é sinónima de caos e, contudo, foi a partir deles que emergiu a economia livre, ou seja, aquela em que livremente se encontram a oferta e a procura. E aí está ela, a grande diferença entre o primitivismo e a modernidade, a transparência no método de formação dos preços.
Diz-se que um mercado é transparente quando nele se confrontam a oferta e a procura em total liberdade, os agentes actuam sob anonimato e todos os lances são do conhecimento púbico.
A nossa antiquíssima tradição mercantil levou-nos ao baptismo dos dias da semana com a numeração das feiras que, no entanto, se fossilizaram sob o mando da procura com total desprezo pela oferta. Creio que é nesta realidade que assenta parte substancial da inércia secular ao nosso desenvolvimento.
O Dr. João Salgueiro (1934-2023) é personalidade da maior estima por parte de muitos de nós, economistas portugueses licenciados na segunda metade do séc. XX.
Dispensa apresentações.
Há, contudo, uma faceta do seu percurso que não vejo referida nos obituários que já li e à qual dou grande relevância: tutelando o então Secretariado Técnico da Presidência do Conselho durante o Consulado do Professor Marcelo Caetano, o Dr. João Salgueiro protagonizou, na governação económica e finanra, a substituição de políticos de formação jurídica por economistas políticos.
Coincidência ou não, Portugal atravessou então um período de fulgurante crescimento.
Se vivêssemos num compêndio de economia, diríamos que a inflação e a deflação correspondem a descoordenações entre o volume dos meios de pagamento em circulação numa economia e a oferta de bens e serviços nessa mesma economia, mas vivemos no mundo real e os conceitos correntes são o de que a inflação é o aumento dos preços e a deflação é o seu contrário.
A inflação moderada é incentivadora, a galopante é devastadora; nos telejornais, a deflação é sempre má. Porquê? Porque uma ligeira subida regular dos preços leva ao incentivo da actividade económica através do raciocínio «Compre agora pois amanhã será mais caro» e a deflação conduz ao travão económico pelo «Compre amanhã pois será mais barato do que hoje». A inflação galopante é má porque leva tudo de rojo e uma das causas mais típicas tem a ver com a emissão monetária «à la diable» tais como no Brasil durante a vigência do Cruzeiro, do Zimbabwe nos últimos anos do consulado de Robert Mugabe, etc.
O surto inflacionista por que ora passamos tem origem nas cotações do crude, do gás natural e dos cereais, tudo causado pela guerra na Ucrânia e pela quase coincidência temporal com o cansaço dos mercados de capitais da política dos juros negativos.
A alta das cotações das «commodities» tem a ver com a normal especulação bolsista e com a pecaminosa manipulação dos mercados através de «news» mais ou menos» fake que tanto servem as altas como as baixas. Mas, por bem ou por mal, há custos contabilísticos iniludíveis que não podem ser violados sob pena de suicídio financeiro dos agentes económicos. A compra na baixa e a venda na alta fazem os mercados mexer mas a aceleração e/ou ampliação dessas oscilações desvirtua a transparência dos mercados e justificaria a existência de instituições públicas nacionais ou internacionais que se propusessem intervir nas baixas em defesa da oferta e nas altas em defesa da procura imediata (em Bolsa) ou final (os consumidores). Os Poderes Públicos não se podem alhear do zelo pelo bem-comum.
Queixam-se os nossos governantes sucessivos de que tudo são causas externas que escapam ao controlo das políticas internas.
No consulado do Doutor Salazar, a economia de subsistência era vista mais como uma virtude cristã do que como um índice subdesenvolvimento e as pessoas trabalhavam até morrerem. Segurança Social? Havia umas «Casas do Povo» e umas «Casas de Pescadores» para as quais os respectivos “beneficiários” descontavam verba simbólica recebendo em retorno algo que também mais não era mais do que simbólico. As férias eram «coisa» típica de madraços.
Foi no consulado do Professor Marcelo Caetano que rurais e pescadores passaram a ter uma Caixa de Previdência assim como muitas outras profissões que, também elas, andavam ao sabor da Providência Divina, mas sem Previdência terrena. Foi neste período de autêntica corrida contra o tempo perdido que as férias passaram a constituir um direito de quem trabalhara no ano anterior bem como o respectivo subsídio. Também o Subsídio de Natal foi então instituído.
Na saúde, havia a ADSE (assistência aos servidores civis do Estado) e a ADME (para os militares). O resto da população… «saúdinha da boa é o que desejo aos Senhores»…
E assim era «no tempo da outra Senhora».
* * *
«Com esta Senhora» …
… foi instituído o Serviço Nacional de Saúde e as Caixas de Previdência foram nacionalizadas e fundidas dando origem ao Sistema/Regime Geral da Segurança Social.
Creio que merece apoio unânime de que todos os cidadãos têm (obrigatoriamente que ter um regime de segurança social público complementável por regimes privados caso seja essa a vontade de cada um. O mesmo se dizendo em relação à saúde.
Contudo, toda a regra tem excepção e esta é a que respeita àqueles cidadãos que se voluntariaram para servir a Pátria com risco da própria vida – os militares – a quem podemos/devemos reconhecer o direito de usufruírem de um regime especial de saúde, a ADME.
Já quanto à ADSE, não vejo qualquer razão que obste à sua absorção pelo Serviço Nacional de Saúde. A menos que essa absorção seja financeiramente perigosa para a entidade absorvente. Mas, nessa eventualidade, lá estará o Estado a tirar de um bolso para meter noutro,
Ou será que as mordomias são outras e há cidadãos de primeira e de segunda? É que, se assim for, é a democracia que se deve sentir defraudada.
Diz-se que uma relação é biunívoca quando cada um dos dois (e, por isso, bi) elementos se relaciona essencialmente com o outro. Ou seja, nenhum dos elementos existe sem o outro. No mesmo grau de intimidade, admitamos a existência de relações pluriunívocas.
Matematicamente, ambos os tipos de relações descritas são igualdades sendo que na biunivocidade podemos imaginar uma equação e na pluriunivocidade podemos imaginar uma matriz ou determinante.
Até aqui, tudo é instantâneo, o tempo não vem à colação. Mas se introduzirmos o factor tempo, já a relação passa a sucessiva e podemos deparar-nos com questões darwinescas. Ou seja, as relações abandonam a univocidade (relação essencial) e passam para o campo das sucessões (influência genética, lógica., legal…).
Passemos a um caso concreto: é a cultura (instrução, educação
formação) que promove o desenvolvimento económico ou vice-versa?
Antes do mais, explicitemos os conceitos «cultura» e «desenvolvimento económico» neste primeiro quarto do séc. XXI.
CULTURA – diz-se que uma sociedade (Nação ou País) é culta quando se encontra no quartil mais elevado desse parâmetro do PNUD, ou seja, quando não existe analfabetismo, toda a população em idade activa concluiu o ensino obrigatório (em Portugal, o 9º ano), a maioria absoluta da população em idade activa completou o secundário superior (12º) e mais de metade dessa população tem formação superior;
DESENVOLVIMENTO ECOMÓMICO – diz-se que uma sociedade ou país são desenvolvidos quando, no «benchmarking» mundial, se encontram no quartil mais elevado da OCDE.
Parametrizada a questão, salta à vista a existência duma multiplicidade de variáveis de complexa qualificação no que possa respeitar a uma relação causa-efeito. Não sendo meu propósito construir um modelo (nem sequer estático, quanto mais dinâmico) de mero interesse académico, sou levado a sugerir aos Investigadores matematizados que avancem na escalpelização de um modelo que eu próprio não ouso desbravar limitando-me, pelo contrário e, arrepiando caminho, pergunto-me se os políticos devem começar por acelerar o desenvolvimento económico para obterem mais cultura ou se devem instruir primeiro para receberem o desenvolvimento mais tarde.
Sempre fui adepto da prioridade das políticas de educação-instrução-formação, mas recentemente encontrei mentes ilustríssimas a pensar o contrário.
A minha opção inspira-se nos clássicos gtrgos e resulta de um silogismo composto por dois axiomas e uma conclusão:
Em 2022, o PIB a preços constantes teve uma variação positiva de 6,7% e a inflação foi de 7,8% pelo que o PIB a preços variáveis cresceu 14,5%
Dá para podermos imaginar o que poderia ter sido o crescimento…
… se não tivéssemos ainda uma vergonhosa taxa de analfabetismo de 3,1% e se TODA a população em idade activa tivesse, pelo menos, o ensino obrigatório;
… se os nossos mercados fossem transparentes com os preços a resultarem do confronto anónimo entre a oferta e a procura em vez de estarem condicionados por um oligopsónio (nomeadamente nos agrícolas e agrícolas transformados) nem a distorções institucionais (pescas);
… se a iniciativa empresarial não fosse encarada com desconfiança e amiúde alcunhada de ganância nem os lucros
… tivessem sido inculcados como diabólicos nas mentes populares;
… se as condicionantes legais e burocráticas à iniciativa privada não fossem tantas;
… se a carga fiscal não fosse asfixiante;
… se, como informa a comunicação social, não houvesse tanta «volatilidade» na gestão da «coisa» pública…