Ferdinand von Saxe-Coburg und Gotha (Viena, 1816 – Lisboa, 1885) nasceu Príncipe austríaco e morreu em Portugal com o título de Rei.
Segundo marido da nossa Rainha D. Maria II foi escolhido por nele se adivinhar a fogosidade capaz de assegurar a sucessão dinástica na Casa Real de Portugal. E o Príncipe-Rei não se fez rogado pois a Rainha engravidou até à exaustão: morreu no seu décimo primeiro parto. Reconheçamos que, se ao Príncipe se lhe pedia descendência, bem mereceu o título de Rei – mesmo que apenas honorífico.
E se a missão de garantir a sucessão ao trono era assunto de Estado a tomar na mais alta consideração, D. Fernando terá querido assegurar-se da sua permanente condição operacional e não se cingiu aos horários de serviço pois ensaiou em horários extra tomando como «partenaires» damas e moçoilas sobre quem os seus olhos descessem.
A Rainha, nem sempre disponível para a fogosidade do Rei, inventava pretextos para o afastar das saias dela ou alheias e assim foi que, certa vez, o mandou supervisionar umas manobras militares no Alentejo. Embarcados no Terreiro do Paço e desembarcados em Cacilhas, instala-se o pânico no séquito real pois Sua Majestade desaparecera. Havia a certeza de que o Rei não saltara borda fora e até fora visto em terra a encaminhar-se para um canto por trás da casa do Chefe local dos Correios no largo donde saía a rua de acesso a Almada para se aliviar de alguma real precisão, mas, depois disso, estava desaparecido. Esfumara-se. E foram três dias de grande aflição sem se saber se se deveria informar a Rainha da sua putativa viuvez e, daí, a eventual vacatura do lugar ao seu lado no trono…
… e as buscas prosseguiram…
… até que ao terceiro dia foram encontrar o Rei em casa do Chefe dos Correios de Cacilhas a dar «lições de piano» á filha do dito Chefe. Pois…
* * *
Elise Frederika Hensler, suiça de nascimento, era actriz de teatro e ficou conhecida como Condessa de Edla. Sim, claro, era «próxima» do Rei e essa proximidade era de tal modo que teve direito a um «chalet» logo ali nas faldas do Castelo da Pena onde a Rainha passava temporadas. Sua Majestade, o Rei, parecia gostar de exercícios de ubiquidade.
Falecida Sua Majestade a Rainha D. Maria II ao seu infausto décimo primeiro parto, fez D. Fernando o luto oficial e o da conveniência social para casar com a Condessa.
Uma vez que D. Fernando mais não era do que um «reprodutor de Estado, Rei a fingir, à Rainha defunta sucedeu no trono o primogénito Pedro, o quinto desse nome no trono de Portugal, que morreu sem que lhe fosse conhecida descendência pelo que o fogosíssimo D, Fernando viu o seu segundo filho varão, Luís, subir ao trono. E foi por escassos quatro anos que não viu o neto Carlos sentado no lugar régio.
Compreende-se que D. Fernando II, Rei (a fingir) tenha tido cabimento no Panteão Nacional, mas que a Condessa de Edla (falecida em 1920, já a República com 10 anos andados) esteja no Panteão dos Braganças, é que me parece uma vingança jacobina de Afonso Costa.
Houve um quarto Rei Mago, que também viu a estrela brilhar em Belém e decidiu segui-la. Como presente, pensou em oferecer ao Menino um baú cheio de pérolas preciosas. No entanto, em seu caminho, ele encontrou várias pessoas a pedir ajuda. Este Rei Mago parou para, com alegria e diligência, ajudar deixando a cada um deles uma pérola, apesar de isso atrasar a sua chegada. Quando continuou o seu caminho, encontrou pobres, doentes, aprisionados e miseráveis, e não podia deixá-los sem ajuda Ele ficou com eles pelo tempo necessário para aliviar a dor e depois partiu, sendo novamente interrompido por outro desamparado. Aconteceu que quando, finalmente, chegou a Belém, os outros Magos já não estavam lá e o Menino fugira com seus pais para o Egito, porque o rei Herodes queria matá-lo. O Rei Mago continuou procurando-o, sem a estrela que o guiara antes. Ele procurou e procurou e procurou ... E dizem que ele passou mais de trinta anos viajando pela terra, procurando a Criança e ajudando os necessitados. Até que um dia a sua busca levou-o a Jerusalém, justamente no momento em que a multidão enfurecida exigia a morte de um homem pobre. Olhando-o, ele reconheceu algo familiar em seus olhos. Entre dor, sangue e sofrimento, pôde ver, em seus olhos, o brilho daquela estrela. O miserável que estava sendo executado, era a criança que ele havia procurado por tanto tempo!... A tristeza encheu seu coração, já velho e cansado pelo tempo! Embora ainda guardasse uma pérola na bolsa, era tarde demais para oferecê-la à criança que agora, transformada em homem, pendia de uma cruz. Ele tinha falhado na sua missão. E sem ter para onde ir, ficou em Jerusalém, para esperar a sua própria morte… Apenas três dias se passaram, quando uma luz mais brilhante do que mil estrelas encheu o seu quarto! Foi o Ressuscitado que veio ao seu encontro! O Rei Mago, caindo de joelhos diante dEle, pegou a pérola que ficou e estendeu-a a Jesus, que a segurou e carinhosamente lhe disse: "Você não falhou. Pelo contrário, encontrou-me por toda a sua vida. Eu estava nu e vestiu-me. Eu estava com fome e deu-me de comer. Eu estava com sede e deu-me o que beber. Eu fui preso e visitou-me. Eu estava em todas as pessoas pobres que você ajudou no seu caminho. Muito obrigado por tantos presentes de amor! Agora você estará comigo para sempre, porque o Céu é a sua recompensa!... Cada um de nós é, todos os dias, o quarto Mago, e damos continuidade ao seu trabalho sempre que ajudamos alguém.”
POLÍTICA MONETÁRIA DO REGENTE D. PEDRO (1439-1448)
Maria José Pimenta Ferro
A economia monetária portuguesa caracterizou-se por vários factores que devemos ter sempre presentes:
a dependência em metais preciosos do mundo exterior: Europa (prata e cobre) e África (ouro e cobre);
a constante «guerra monetária» entre Portugal e Castela;
a sangria da prata e bolhão para o mundo mediterrânico;
a deficitária balança comercial portuguesa onde primam as importações sobre as exportações, e a que nem os «alealdamentos» evitarão o empobrecimento do reino em metais preciosos amoedados.
Esta problemática ajudar-nos-á a compreender a quebra de prestígio do infante D. Pedro junto da população urbana [1] e o não cumprimento do seu ideário, expresso na carta enviada de Bruges a D. Duarte [2].
A relativa escassez de prata que, na Europa central, pode ser analisada a nível de conjuntura [3], era uma constante num reino sem produção argentífera. Este traço estrutural esteve bem demarcado ao longo da nossa
história monetária pelas contínuas vicissitudes por que passaram as espécies brancas aqui lavradas, e pelo facto de Portugal ter sido o primeiro reino europeu a lançar moeda subsidiária de cobre (os reais pretos de D. Duarte), quando no resto do continente, essa função cabia ainda ao bolhão [4].
Apesar disto, podemos afirmar que a partir de 1415 houve uma tentativa de sanar o nosso numerário com o lançamento dos reais de prata a qual seria confirmada pelas emissões eduardinas de leais e escudos, estes em ouro [5][6]. Concomitante a esta atitude dos monarcas, tínhamos a defesa da boa moeda pelos «grandes», quer pertencessem à nobreza quer à burguesia.
De facto, o infante D. Pedro ao escrever a D. Duarte, de Bruges, aconselhava-o a não quebrar as espécies em circulação, o que «he cousa que se custuma fazer em nosa terra e vem delo grande mal a todos aqueles a que vos soes theudo de fazer bem, e se segue delo grande proveza a terra» 6. Idêntica posição assumia o conde de Ourem, em 1433 [7].
Os conselhos de Catalão e Abravanel são exemplo da aspiração do grupo mercantil à estabilidade monetária, ao inserir esta na problemática peninsular. Assim, defendia o lavramento de escudos e meios escudos, em ouro, e dos leais de prata, em abundância e sem quaisquer mutações, enquanto que os reais brancos e pretos que circulavam já em quantidades excessivas, deveriam ter as suas emissões reduzidas [8].
No entanto, a política régia era diferente e explicava-se pela pobreza do reino em metal branco. Ela oscilava entre as medidas tendentes a atrair, para o reino, a prata, sobrevalorizando-a em relação aos outros reinos e isentando os mercadores que a trouxessem do pagamento da dizima e, por outro lado, limitando o comércio interno deste metal, restringindo o trabalho dos ourives.
Assim, em 1441, o regente D. Pedro que assumira, anos atrás, uma posição definida contra as mutações monetárias e uma defesa implícita do lavramento da boa moeda, via-se constrangido a proibir a compra e venda deste metal, excepto no câmbio do rei 9. Em 1442, nas cortes de Évora, os povos opunham-se a esta determinação tomada em Torres Vedras pelo que lhes era concedido o comércio livre dos dois metais preciosos, desde que não ultrapassassem o preço estabelecido na ordenação. Ao elevar o valor da prata e ao limitá-lo aos negociantes e ourives, vedando o lanço livre, o regente procurava atraí-la ao reino e à Moeda, trazida pelos mercadores nacionais e estrangeiros *0.
De novo, em 1446, se levantavam os protestos contra a impossibilidade dos ourives negociarem livremente aquele metal o que foi justificado pela defesa do não abaixamento da lei dos reais brancos n. A revogação desta medida seria tomada por D. Afonso V, nas primeiras cortes após Alfarrobeira [9][10][11][12][13].
O século xv caracterizou-se pela abundância de metal amarelo. Também Portugal participou desta realidade europeia pois a Lisboa afiuiu, sobretudo, a partir de 1443, o ouro da costa africana *3.
*À morte de D. Duarte, o numerário português constava de espécies:
— em ouro, os escudos, lavrados em lei de 18 quilates, em número de 50 peças no marco e com o valor nominal de 140 reais brancos [14];
em prata, os leais, em número de 80 peças no marco de prata de lei de 11 dinheiros, circulando com o valor de 10 reais brancos [15];
em bolhão, os reais brancos de 35 libras que, segundo os conselhos de Catalão, 836 faziam um marco de prata de 11 dinheiros [16], ou seja, 76 peças no marco de bolhão;
em cobre, os reais pretos ou de 3 libras e meia, ou seja 1/10 do real branco [17][18].
Estas eram as peças monetárias em circulação e emitidas por D. Afonso V, durante a regência de D. Pedro.
Em 1441, a casa da moeda de Lisboa retomava o trabalho para cunhar escudos, leais e bolhões, em nome do novo soberano se não o fizera já, pelo menos, no ano anterior. São várias as referências documentais àquele funcionamento. Assim, pela carta de quitação de Pero Eanes Çarrabodes, feitor em Bruges, sabemos que enviou a Rui Gonçalves de Castelo Branco, tesoureiro da oficina monetária de Lisboa, 175 quintais, 2 arrobas e 9 libras e meia de cobre, metade em Junho e a outra metade em Outubro *8.
Em 1442, e 1444, esta encontrava-se ainda a lavrar, como podemos verificar pelos registos feitos pelo escrivão da dita casa e que chegaram até nós, através de umas folhas soltas e fragmentadas, existentes no Arquivo Nacional da Torre do Tombo [19].
Pela carta de quitação de João Martins, do pedido e meio do almoxa- rifado de Tavira, em 1442, sabemos que 114 marcos e 7/8 de prata entraram na casa da moeda para lavramento 2 o.
Entre 14 40-41, com os tesoureiros Diogo Gonçalves [20][21] e Rui Gonçalves de Castelo Branco [22], lavravam-se reais brancos de 35 libras e leais [23]. Neste último ano, o regente, talvez pela falta de prata para a moeda, mandou Bartolomeu Gomes, Gonçalo Gonçalves e o ensaiador Álvaro Gil, ensaiarem amostras de lei de 22, 20 e 12 grãos [24] que julgamos ser de reais brancos, se atendermos a que o real de 3 libras e meia era de cobre, desde D. Duarte [25].
Segundo o recibo de 22 de Agosto, dado a Rui Gonçalves, fabricaram-se 95 marcos de bolhões de lei de 33 grãos e 1/2, obtidos da fundição das seguintes peças:
Moeda
reais de 35 libras
reais de 3 libras 1/2 (velhos)
reais cruzados (velhos)
reais cruzados segundos
reais brancos de lei de 3 dins.
reais de 3 libras e 1/2 da rosa
Peso
5.100
68
marcos
1.220
13
marcos
e
3
onças
675
10
marcos
e
7
onças
110
1
marco
e
6
onças
250
3
marcos
e
2
onças
100
1
marco
e
1
onça
N.° de peças
Daqui o regente lavrou 7.125 ou 7220 peças de reais de 35 libras de lei de 33 grãos e 1/2, consoante tomarmos para número de base no marco, 75 ou 76 peças [26].
Em Setembro, Álvaro Gil ensaiou 83 marcos e 6 onças de toque de 35 grãos os quais foram obtidos com moedas da primeira dinastia (dinheiros afonsins) e de D. João I e D. Duarte 2s. Também, neste mês, o tesoureiro recebeu 102 leais de lei de 9 dinheiros, além de 7 peças áureas que o infante mandou contra-ensaiar e que foram usadas na feitura de escudos 2 9. Pela mesma altura lavrou-se ouro de lei de 20 quilates, no total de 1 marco, 6 onças, seis oitavas e uma quarta. Este metal, à semelhança do bolhão foi obtido da fundição de moedas, provenientes do câmbio real3 o.
A par destas informações, possuímos ainda o registo de entrada na casa da moeda de cobre, vindo da Flandres, parte do qual foi entregue na oficina monetária do Porto 3b
— nobres da Flandres
— dobras branquilhas
— coroas novas
— coroas velhas
— dobras branquilhas
— dobras valedias
— dobras ceitis
— florins de Aragao
— escudos do rei (quebrados)
— salutos
— «rides» da Flandres
8 peças
7 »
5 »
9 »
7 »
2 »
1 »
3 »
2 »
3 »
44 » (Ibidem, fl. 6).
A 9 de Março de 1441, o infante D. Pedro alterou o valor nominal dos leais que passavam a correr por 12 reais brancos em vez dos 10 anteriores 32. Justificou esta medida pela necessidade de impedir a sua drenagem para o exterior e a sua fundição para aproveitamento por particulares de metal nobre, por um lado, e a reposição em circulação dos que se [27][28][29][30]
Estas moedas de ouro flamengas (nobres e «rides»), francesas (coroas e salutos), castelhanas (dobras), aragonesas (florim), ceitis e portuguesas foram fundidas e com elas o infante obteve escudos de ouro de lei de 20 quilates.
Ibidem, fl. 4 v.°.
Oliveira Martins, ciL, vol. II, págs. 218-219; V. Magalhães Godinho, ob. cit., pág. 161; A. Teixeira de Aragão, ob. ciL, pág. 232.
Embora os leais se tivessem mantido com a designação de reais de 10 reais brancos, na acepção do pedido e meio de 1442 já foram cotados em 12 reais brancos (A. N. T. T., Chancelaria de D. Afonso 7, liv. 5, fl. 73 v.°; Odiana, liv. 3, fl. 291; P. de Azevedo, ob. cit., ob. cit., vol. I, págs, 328-331).
encontravam entesourados, aumentando-lhe o poder de compra, por outro. E provável que o primeiro desígnio tenha sido alcançado, atendendo à diminuição na lei dos novos leais, em comparação com os de D. Duarte [31], mas duvidamos muito que a sua circulação tenha sido uma realidade. Pelo contrário, cremos que houve uma retracção, pelo menos, dos bons leais que, de novo, foram entesourados.
Se analisarmos a resposta do regente nas cortes de Évora de 1442, veremos que de facto o objectivo não foi conseguido, devendo-se ter agravado com a raridade da prata no mercado português. D. Pedro era peremptório ao afirmar que, embora ganhasse com as emissões de leais e de reais pretos, estas constituíam uma perda para o reino pelo que optava pelo lavramento dos reais brancos [32].
Se ignoramos qual o lucro obtido com a feitura da moeda de cobre, podemos fazer uma estimativa para o numerário branco. Tomando como preço do marco de prata de 11 dinheiros, 700 reais brancos[33], teríamos um ganho que oscilaria entre 260 e 380 reais brancos, consoante se lavrassem 80 ou 84 peças [34]. Na hipótese dos leais terem sido lavrados na lei de 9 dinheiros, aquele variaria entre 387 e 435 reais brancos. Para o bolhão, a oscilação da senhoriagem estaria entre 125 e 136 reais brancos, no marco de 11 dinheiros, conforme se cunhassem 75 ou 76 peças no marco de bolhão [35][36].
Quando em 1446, os procuradores às cortes levantaram de novo a questão do livre comércio da prata, a sua proibição foi justificada para assegurar a não alteração da liga dos reais brancos, «porque se tal soltamento sse desse aa prata e a ello dessemos nossa autoridade, era neçessaria nossa moeda de reaaes brancos virem a tam grande abatimento que seria forçado de sse de todo desfazer e tornar em bulhom e fazermos outra moeda de novo e bem assi aa moeda velha darmos vallia nova per que era forçado de sse fazer em todo o rregno grande abatimento» 3S.
Ora, se nos basearmos nos documentos atrás mencionados, veremos que os reais brancos, lavrados pelo regente, eram de lei baixa, 30 e 33 grãos, se excluirmos a hipótese de que não chegou a haver emissão de 20 grãos. O real branco como espécie circulante estava a caminho do fim. O seu longo reinado iria ser como unidade de conta.
Além destas espécies cunhou-se numerario de cobre, os chamados reais de 3 libras e meia ou reais pretos de 120 peças no marco, na hipótese de se ter mantido o peso das espécies eduardinas, o que duvidamos 3 9. De facto, se atentarmos no peso médio destes e no dos de D. Afonso V [37][38], concluiremos que houve uma quebra .De 1,49 gramas nos de D. Duarte passámos a 0,94 grs. nos de seu filho, o que nos leva a calcular que o número médio de peças no marco passou de 120 e 154, aproximadamente, a cerca de 244. Donde o podermos afirmar tal como o fizeram as cortes de 1442 que havia lucro no lavramento destas espécies. Se computarmos o preço do quintal de cobre em 800 reais brancos [39], somos levados a concluir que o soberano obtinha de lucro com a sua feitura, excluindo a braçagem e outros gastos, cerca de 4.667 reais brancos. No caso do cobre, oriundo do norte de África, o ganho era menor [40], embora fosse ainda considerável, ou seja, 4.057 reais brancos aproximadamente.
Na carta de quitação dos 4 pedidos, recebidos por Rui Lopes no almo- xarifado de Lamego, entre 1444-49, sabemos que este entregou 3.560 reais brancos a Leonel de Beça, tesoureiro da casa da moeda do Porto, «em pretos grandes pera a dieta moeda» [41]. Ora estes 35.600 reais de 3 libras e meia só podiam ser os de D. João I, oscilando entre 90-92 peças no marco de bolhão [42] ou os de 120 no marco de cobre de D. Duarte.
Nas cortes de 1449, o concelho do Porto pedia a D. Afonso V para que se não lavrasse mais moeda preta porque era causa de destruição do reino [43]. Também no mesmo ano, esta cidade escrevia ao monarca a insistir que a moeda de cobre «he grande abatimento de suas rendas e estruiçam de seu povoo» [44].
Catalão, nos conselhos dados a D. Afonso V[45], tendo em atenção que 1 marco de prata equivalia a 1 quintal de cobre [46], afirmava que «em rezam dos reaes pretos de 3 libras mea que se ora lauram que sam sem nenhuma liga de prata e 10 delles vallem hum reall branco, he muito grande torvaçam ao Reyno porque as pessoas que tem os reaes brancos guardam nos e nom nos querem trazer a vso comum, porque segundo o vallor do cobre de que elles sam feitos 30 delles deviam de valler huum Reall branco e mais nam e esto porque nom tem liga nenhua de prata ca sam de cobre» [47]. De facto, lavrando-se no marco de prata de 11 dinheiros, 836 reais brancos e no quintal de cobre, 26.880 pretos [48]o, a 1 real branco correspondiam 32,15 pretos, ou seja, sensivelmente os 30 que Catalão mencionava, enquanto que legalmente eles corriam por 1/10 dos brancos. Se transpusermos o mesmo raciocínio para a regência de D. Pedro, teremos o real de 35 libras equiva- valente a 65,37 pretos[49]. Daí podermos perceber a recusa do infante em emitir esta moeda tal como a de prata, embora obtivesse lucro com o seu fabrico, e a sua opção pelo lavramento de bolhões. Ambas tendiam a empobrecer o reino em prata. Os leais seriam expulsos pela moeda fraca de bolhão e cobre que circulava em abundância, e esta última afastaria os brancos da circulação.
Assim, ao assentar as bases das cunhagens, na boa moeda de ouro e prata, e aconselhando a que se lavrassem poucos reais brancos e pretos, sobretudo destes últimos que já corriam em demasia, Catalão defendia a teoría monetária do grupo mercantil que irla culminar na definição das ideias mercantilistas, nos finais do século xv e que se prolongariam até ao aparecimento do fisiocratismo no século xvni[50]. Dentro da mesma perspectiva propunha o abaixamento do preço das mercadorias para que houvesse uma maior circulação de bens e correlativamente da moeda, «qua toda franqueza he chamada gouernança e regimento de boa justiça a quall he dar a cada hua cousa seu merecer e dar ao ornem o que he pera os omens uiue- rem em regra de grande fartura e riqueza fora de toda mingoa e pobreza que he catiueyro contra franqueza: E asy todos sendo avondados he força senhor vos serdes riquo» [51].
Igualmente explicitava na prática a conhecida lei de Gresham, ou seja, a má moeda expulsa a boa da circulação, ao afirmar que os reais pretos irradiavam do circuito monetário os brancos [52].
No entanto, os seus conselhos não foram seguidos nem pelo regente nem por D. Afonso V. Se podemos pôr a hipótese de que os reais de 3 libras e meia se deixaram de lavrar com D. Pedro [53], ao atentarmos nos poucos exemplares chegados até nós, isto não quer dizer que se tivesse abandonado o lavramento do cobre, pelo contrário, ele continuou a ser amoedado em quantidades excessivas, embora, neste caso, possamos pensar que ele tivesse outro destino: a costa de África. Assim, logo nos primeiros anos de governo de D. Afonso V, como rei, entre 1448-49, ter-se-iam cunhado os chamados céitis[54], pois no assalto à judiaria de Lisboa, em Dezembro deste último ano, encontravam-se mencionados nos vários roubos que os judeus sofre- ram 57. Sendo o seu peso médio as 2 grs5S, deduz-se que teriam sido lavrados, tal como os reais pretos em 120 peças no marco. Deixando estes de ser emitidos, o ceitil tornou-se o submúltiplo do real branco, circulando com o valor inicial de 1/5 deste[55][56][57].
Em ouro, cunharam-se os escudos, provavelmente dentro da metrologia iniciada por D. Duarte, ou seja, em número de 50 peças no marco e peso médio de 4,5 grs. [58]°. A lei ter-se-ia mantido inferior à da boa moeda áurea europeia, talvez entre 18 e 20 quilates[59]. O seu valor nominal oscilou entre os 120 reais da dobra de banda e os 140, conferidos pela lei de 1451 [60], se atendermos à afirmação de Catalão [61] que exigia a necessidade de lhe dar um valor paritário ao da dobra de banda castelhana.
$* *
Como acabámos de ver a política monetária do regente D. Pedro não se coadunou com o ideário expresso na carta de Bruges. No entanto o seu abandono não pode ser entendido como a rejeição pura e simples das ideias que anteriormente perfilhava mas como a consciencialização da realidade do reino, pobre em metais preciosos, fraco em exportação e de paz periclitante, motivada pelo auxilio bélico que os infantes de Aragão procuravam dar a rainha viúva D. Leonor [62].
Obviamente esta política monetária, baseada na recusa à emissão das espécies fortes de ouro e prata, e no lavramento quase exclusivo de numerário de bolhão baixo para evitar a sua expulsão para o exterior, não servia os interesses dos concelhos, sobretudo de Lisboa e Porto, onde se localizavam preferencialmente os grupos mais activos de mercadores nacionais. Daí que possamos perceber o abandono da causa do Regente pelos municípios e por aquela cidade e a sua opção por D. Afonso V.
SUMMARY: Monetary policy at this time was determined by several factors:
A dépendance on imported precious metals from Europe (silver and copper) and Africa (gold and copper) ;
The constant monetary war between Portugal and the Kingdom of Castille;
Heavy exports of silver and bullion to the mediterranean countries;
The deficit in the Portuguese balance of payments, where imports greatly exceeded exports, and where a policy of «aldeamento» could not impede the impoverishment of the kingdom regarding coined precious metals.
The above circumstances help us to understand the reasons for the devaluation of the currency under the reign of the Regent D. Pedro and his Consequent loss of prestige in face of the urban population, as well as his inability to fullfill those promises stated in a letter sent to D. Duarte from Bruges.
[1] Humberto Baquero Moreno, A batalha de Alfarrobeira. Antecedentes e significado histórico, Lourenço Marques, 1973, cap. VI, pág. 264 e ss.
[2] Oliveira Martins, Os filhos de D. João I, Guimarães Editores, 1958, vol. II, págs. 175-186- Monumenta Henricina, Coimbra, 1961, vol. III, págs. 140-149; V. Magalhães Godi- nho, Véconomie de Vempire portugais aux XVe et XVIe siècles, SEVPEN, Paris, 1969, págs. 160-161.
[3] Josef Janacek, «L’argent tchèque et la Méditerranée (XIVe et XVe siècles», in Mélanges en Vhonneur de Fernand Braudel, vol. I — Histoire économique du monde méditerranéen 1450-1650, ed. Privât, Tolosa, 1973, págs. 253-257; Franz Graus, «La crise monétaire du XVe siècle», in Revue belge de philologie et d’histoire, Bruxelas, 1951, vol. 29, págs. 445 e ss.; Desanka Kovacevtc, «Les mines d’or et d’argent en Serbie et Bosnie», in Annales E. S. C., 1960, Março-Abril, págs. 248 e ss.; Etienne Fournial, Histoire monétaire de VOccident médiéval, ed. Fernand Nathan, Fac., Paris, 1970, págs. 112-117; Jacques Heers, Gênes au XVe siècle, eds. Flammarion, Paris, 1971, págs. 65-80.
[4] Frank C. SpooNERjjLVcowomie mondiale et les frappes monétaires en Eranee. 1493-1680, eds. Armand Colín, Paris, 1956, págs. 46, 48, 247.
Segundo este A. só no século xvi a moeda de cobre fará o seu aparecimento no continente.
[5] Maria José P. Ferro, Estudos de história monetária portuguesa (1383-1438), Lisboa 1974, págs. 29-36 e bibliografia aqui indicada.
[8] A. Teixeira de Aragão, Descrição geral e histórica das moedas cunhadas em nome dos reis, regentes e governadores de Portugal, 2.a ed., Porto, 1964, vol. I, doc. n.a 33, págs. 376-377.
Este curioso documento, conhecido pelos Conselhos de Catalão e Abravanel, é de problemática datação pois nele encontramos referidas duas datas: 1435 e 1453. Não cremos, ao contrário de Teixeira de Aragão, que a datação a propor seja 1470. (A. Teixeira de Aragão, ob, cit., pág. 381, nota 1), atendendo à nao referência aos cruzados e aos ceitis que já circulavam há largos anos, pelo que preferimos avançar com um ano entre 1453 e 1457, data em que segundo Rui de Pina se emitiram os cruzados de ouro {Idem, ob. cit., pág. 230).
[9] A. N. T. T., jV. A. 117, Cortes, vol. 43, fls. 49-51; Cortes, vol. 29, fl. 21; Gama Barros, História da Administração pública em Portugal, tios séculos XII a XV, Lisboa, 1946, 2.a ed,, vol. III, pág. 149-150 e vol. IX, págs. 253-254.
[13] V. Magalhães Godinho, A economia dos descobrimentos henriquinos, Lisboa, 1962, cap. XII, págs, 189-198; Fernand Brudel, La Méditerranée et le monde méditerranéen à Vépoque de Philippe II, Armand Colin, Paris, 1966, 2.a ed., vol. I, págs. 424-429; Manuel Nunes Dias, O capitalismo monárquico português (1415-1549), Coimbra, 1963, vol. I, págs. 57-193.
[14] Rui de Pina, «Chronica de D. Duarte», in Collecção de Livros Inéditos de História Portugueza dos reinados de D, João I, D. Duarte, D, Affonso V e D. João II, Lisboa, 1790, tomo I, 2 cap. VII, pág. 93; A. Teixeira de Aragão, ob. cit., pág. 219. A. S. S. da Costa Lobo, Historia da sociedade portuguesa no século xv, Lisboa, 1903, págs. 308, 411 e 412; A. H. de Oliveira Marques, «A moeda portuguesa durante a Idade Média», in Ensaios de história de história medieval, Lisboa, 1965, pág. 290; V, Magalhães Godinho, Uéconomie de Vempire..., pág. 157; Maria José Ferro, ob. cit., pág. 35.
É provável que o valor nominal do escudo fosse inferior a 140 reais brancos inicial- mente, se atendermos à sua paridade com a dobra de banda castelhana,
[15] Rui de Pina, ob. cit., pág. 93; A. Teixeira de Aragão, ob. cit., págs. 219 e doc. 28,
pág. 372; A. H. de Oliveira Marques, ob. cit., pág. 290; V. Magalhães Godinho, ob. cit., pág. 158; Costa Lobo, ob. cit., pág. 308; Maria José P. Ferro, ob. cit., pág. 34.
[16] A. Teixeira de Aragão, ob. cit., doc. 32, pág. 376.
[17] A. Teixeira de Aragão, ob. cit., págs. 220-221 e 376; A. H. de Oliveira Marques, ob. cit., pág. 290; V. Magalhães Godinho, ob. cit., pág. 158; Maria José P. Ferro,
cit., pág. 34.
[18] A. N. T. T., Chancelaria de D. Afonso V, liv. 27, fls. 122-123 v.°; J. M. Silva Marques, Descobrimentos portugueses, Lisboa, 1944, vol. I, págs. 427-434.
[19] A. N. T. T., Colecção de Fragmentos, caixa n.° 10, doc. n.° 8.
[20] Ibidem, Chancelaria de D. Afonso V, liv. 5, fl. 73 v.°; Odiana, liv. 3, fl. 291; Pedro de Azevedo, Documentos das chancelarias reais anteriores a 1531 relativos a Marrocos, Lisboa, 1915, vol. I, págs. 328-331.
[21] A. N. T. T., Colecção de Fragmentos, caixa n.° 10, doc. n.° 8, fl. 3 v.°.
[29] De Afonso Gonçalves, cambiador, recebeu o tesoureiro da moeda de Lisboa
as seguintes peças de ouro:
[31] Houve, em princípio, uma diminuição na lei, pois os reais de prata de D. Duarte teriam sido de 11 dinheiros, enquanto que os de D. Pedro eram de 9 dinheiros (A. N. T. T., Colecção de Fragmentos, caixa 10, doe. n.° 8, fl. 6 v.°.)
[33] Ver nota 20 e A. Teixeira de Aragão, ob. cit., vol. I, pág. 221 e doc. 28. págs. 371-372; Gosta Lobo, ob. cit., págs. 315 e 318; V. Magalhães Godinho, ob. cit., pág. 160; A. H. Oliveira Marques, ob. cit., pág. 306, nota 87; Maria José P. Ferro, ob. cit., págs. 76 e 78.
[35] A. Teixeira de Aragão, ob. cit., doc. n.° 25, pág. 366 e doc. n.° 32, pág. 376.
[36] Porto, Gabinete de História da Cidade, Pergaminhos, liv. 4, fl. 31; A. N, T. T., Cortes n.° 29, fl. 25; jV, A. 117, Cortes, vol. 43, fls, 61-63,
[37] A. Teixeira de Aragão, ob. cit., vol. I, pág. 222; Maria José P. Ferro, ob, cit., pág. 109. O peso médio seria 1,9 grs.
[38] Calculámos o peso médio a partir das indicações ponderais, apresentadas no Catálogo descritivo das moedas portuguesas —■ Museu Numismático Português, Casa da Moeda — Imprensa Nacional, Lisboa, 1977, vol. I, págs. 315-318 e 358-360.
Não podemos deixar de referir que, no caso das moedas de D. Duarte, incluímos no cálculo os designados ceitis, pois não acreditamos que a ter-se lavrado moeda nova com este monarca, ela tivesse mantido o mesmo tipo do anverso e do reverso dos reais de 3 libras e meia. O facto de pertencer aos chamados «ceitis» o peso que mais se aproxima das 2 grs., melhor dizendo 1,91 grs. que caberia às 120 peças cunhadas no marco de cobre de 229,5 grs., só significa que pertencem às primeiras emissões do reinado enquanto que os restantes, desvalorizados, inserir-se-iam na crítica que o conde de Ourém fez ao soberano, ao afirmar que «tanto dano se recrece do mudamento dela (moeda) como se mostrou quando se fez esta que agora corre» (ver nota 7).
[39] A. Teixeira de Aragão, ob. cit., vol. I, doc. 25, pág. 368; Maria José P. Ferro, ob. cit., pág. 76.
[40] A. Teixeira de Aragão, ob. cit., vol. I, doc. 25, pág. 368; V. Magalhães Go- dinho, ob. cit., pág. 161; Maria José P. Ferro, ob. cit,, pág. 76.
[41] A. N. T. T., Chancelaria de D. Afonso V, liv. 34, fis. 68 v.°-69.
[48] A base para o nosso cálculo foi: 76 peças no marco de bolhão e 120 no marco de cobre.
[49] Aqui avaliámos o marco de cobre em 244 peças de reais de 3 libras e meia.
[50] Henri Denis, Histoire de la pensêe êconomique, col. Thémis, PUF, Paris, 3.“ ed. 1971, págs. 97 e ss.; J. Borges de Macedo, «Mercantilismo» in Dicionário de História de Portugal, dir. por Joel Serrão, Iniciativas Editoriais, Lisboa, 1968, vol. III, págs. 35-39
[51] A. Teixeira de Aragão, ob. cit., doc. 32, pág. 377.
[53] Talvez a corroborar a nossa ideia, temos um documento truncado de D. Afonso V, datado de 2 de Junho de 1452, onde se encontra referido um lavramento de cobre na casa da moeda do Porto, autorizado pelo regente. O texto não é muito claro como se pode verificar: «tyo de hy lavrar çerto cobre e avemos de seer terminado sobre a dieta moeda preta que nom corra seeria a ello fecto agravo em nom hussar da merçee que lhe teemos fecta» (Porto, Gabinete de História da Cidade, Livro Antigo de Provisões, fl. 51).
[54] Gabe-nos aqui corrigir uma afirmação feita no nosso trabalho, Estudos de história monetária portuguesa, sobre o lavramento de ceitis no reinado de D. João I. O documento referenciado na nota 42 da pág. 31 (A. N. T. T., Além Douro, liv. 5, fl. 47 v.°) deve pertencer ao reinado de D. João II com ano errado e, daí, o nosso engano, ou ao de D. Afonso V e, neste caso, o erro do copista incidiu no nome do soberano. O seu valor nominal seria 1-5 do real branco.
[55] A. N. T. T., Chancelaria de D. Afonso V, liv. 11, fls. 2, 4 v.°; lív. 35, fl. 18; H.Ba- quero Moreno, O assalto à judiaria grande de Lisboa em Dezembro de 1449, sep. da Revista de Ciências do Homem, Universidade de Lourenço Marques, vol. III, 1970, págs. 48, 49.
[56] Catálogo descritivo das moedas..., págs. 339-358.
[57] Porto, Gabinete de História da Cidade, Vereações, liv. 4, fls. 97 v.°, 108 v.°; Pergaminhos, liv. 4, fls. 32, 33, 36, 46, 61.
(60) Este cálculo aproximado foi obtido dos pesos indicados por A. Teixeira de Aragão, ob. cit., pág. 226 e Catálogo descritivo das moedas..., pág. 331.
[59] Rui de Pina afirmou que os escudos eram moeda de fraca aceitação no exterior devido à sua baixa lei (Rui de Pina, «Crónica de D. Afonso V», in Inéditos de História Por- tugueza, tomo I, cap. 138, pág. 459).
O regente D. Pedro lavrou escudos na lei de 20 quilates (A. N. T. T., Colecção de Fragmentos, caixa 10, doc. n.° 8, fl. 6).
[60] A. Teixeira de Aragão, ob. cit., doc. 31, pág. 374.
Pergunta: - Como teria sido se não tivesse sido como foi?
Resposta: - Essa pergunta é um disparate pois só pode conduzir à especulação sobre os resultados alcançados por uma experiência não experimentada. E a questão objectiva é a de imaginarmos como teria sido se na batalha de Alfarrobeira as forças do Infante D. Pedro tivessem saído vitoriosas e o próprio Infante tivesse sobrevivido à dita batalha.
* * *
Apesar da evidência da resposta acima, tentemos…
… imaginar D. Duarte e D. Pedro, esses dois membros da Ínclita Geração.
Do reinado de D. Duarte, destaco da minha memória a «Lei Mental» (8 de Abril de 1434) que deve ter sido escrita por ilustres sucessores do Doutor João das Regras (1357-1404) e o «Livro da Ensinança de Bem Cavalgar Toda Sela» que, este sim, tenha sido escrito pelo próprio D. Duarte, já Rei.
Sobre o grande mérito da referida obra legislativa não restam quaisquer dúvidas, mas sobre o livro de equitação, tenho sérias dúvidas porque…
… produzir um escrito na Idade Média sobre equitação é praticamente o mesmo que compor hoje um manual de instruções para uso de um carro do topo ou da base de qualquer gama. E não imagino o nosso Professor Marcelo a ocupar os seus tempos (mesmo livres, se os tem) numa tal tarefa.
Como podemos facilmente imaginar, a dita obra sobre equitação está completamente desactualizada.
Duarte padecia de melancolia, esse mal a que actualmente chamamos depressão. Como é sabido, trata-se de mal que pode chegar a extremos incapacitantes e, quiçá, fatais. O reinado de D. Duarte sofreu directamente as consequências dessa grave enfermidade real apesar de o Infante D. Pedro, Duque de Coimbra e que ficou conhecido como «o Infante das Sete Partidas» (por viajar muito) lhe ter endereçado a famosa «Carta de Bruges», verdadeiro «vade mecum» para a boa governação.
Na sua condição de filho segundo, não lhe caberia subir ao trono a menos que o primogénito varão morresse sem descendência. Tal não aconteceu e D. Afonso V foi entronizado ainda criança ficando o seu tio, o Infante D. Pedro, como Regente.
Foi então a hora de pôr em prática os princípios da «Carta de Bruges» tendo o Reino beneficiado de um período da melhor governação da História de Portugal.
Está claro que a melancolia de D. Duarte deve ter possibilitado todos os abusos e é óbvio que o Regente D. Pedro deve ter tido algum trabalho a fazer cessar os desmandos. Eis como os povos se puseram ao lado do Regente e os que se tinham visto usurpados de mordomias imorais alinharam com o jovem D. Afonso V, então apenas Rei «in nomine».
Azedado o ambiente, deu-se a Batalha de Alfarrobeira – em Vialonga, Concelho de Vila Franca de Xira, onde actualmente se situa a fábrica da cerveja «Sagres» - donde resultou a morte do Infante D. Pedro.
Assim começou a desdita dos que pretendem servir Portugal e tomou rédea o «self service» patenteado diariamente pela comunicação social.
Esta, a saga de um País que teve um Rei que não foi.
Janeiro de 2023
Henrique Salles da Fonseca
NB – Logo que a encontre, publicarei na íntegra a «Carta de Bruges»
À volta de Gulliver, todos são liliputs e se alguns se julgam grandes, não passam de pigmeus. E quando algum pequenote se porta mal, é mandado para um canto, virado para a parede e com orelhas de burro. Sem desprimor para esse simpático animal que tão útil foi para a Sagrada Família.
* * *
Os EUA são um buraco negro que tudo absorve à sua volta ou é um benigno Tio Sam rodeado de sobrinhos e afilhados?
Humanamente, é um chamariz mirífico que atrai multidões desgraçadas pelo subdesenvolvimento intelectual de tiranos, tiranetes, caciques e caudilhos nepóticos. E a pergunta é: os EUA são poderosos porque são grandes ou porque são democráticos? Creio que a resposta é porque são democráticos e têm a sorte de serem grandes. Mas, para além do sentido democrático do regime pluripartidário e do plebiscito periódico e universal da opinião dos cidadãos, há o sentido cultural que dá à maioria dos políticos americanos o conceito de serviço ao bem comum, o Sentido de Estado enquanto nos liliputs raria a democracia e sobra o Sentido de Propriedade por parte do «Dono do País».
Nesta viagem, lembrei-me de Friedrich List que dizia que a liberdade comercial internacional só é globalmente útil quando os países envolvidos se encontram sensivelmente no mesmo grau de desenvolvimento; caso contrário, os mais desenvolvidos arrasam os menos desenvolvidos. Vidé, o caso da NAFTA a beneficiar os EUA e o Cabadá em desfavor do México. Mas será mesmo por isto que o México não passa duma relativa cepa torta ou é a tal questão cultural do Sentido de Estado dos dirigentes?
Baixando agora ao nível liliputiano, constato as diferenças abissais entre opções tão opostas como a da hostilidade cubana para com os EUA e a atitude cooperante das Bahamas com omacro vizinho. E os resultados são tão deferentes que me limito a dizer que os cubanos cantam para espantarem os males que os afligem enquanto nas Bahamas a abundância é evidente e o povo é sereno.
Boa solução, a das Bahamas, que tem um Rei lá longe e que não se imiscui na vida do país e um Tio (Sam) que lhe dá navios para registo em bandeira de conveniência. E a economia suporta perfeitamente uma moeda tão forte como o US$ ou a matriarcal £. E assim foi que me lembrei de quem certa vez disse que Trãs os Montes se esvaziaram porque não aguentaram uma moeda tão forte como foi o Escudo nos seus inícios. Não creio! Trás os Montes esvaziaram-se quando os trasmontanos se fartaram do ostracismo e optaram pela aventura de melhores paragens. E viva a «Porca de Murça» que vale hoje bem mais do que Maurício de Nassau.
Pode não ser o maior navio de cruzeiros, mas é muito grande. Eis o «FREEDOM OF THE SEAS»!
Maior que este, só tinha visitado o portaviões americano «FORRESTAL» numa sua vinda ao Tejo.
Impressionante, o peso com que um conjunto de gotas de água aguenta!
* * *
Cruzeiro de Miami às Bahamas e volta com escalas em Cocobay e Nassau.
Ao zarparmos de Miami, notei a profusão de barcos da Polícia a apitar e a «correr» à nossa volta enquanto manobrávamos. Não passavam de «polícias de trânsito» pois que, também por ali, o sentido da liberdade tem que ser domado para não se transformar em caos e potencial tragédia. Será que aquele enxame de «Davids» imagina conseguir parar os dois «Golias» que nos encarreirávamos para o mar? Se na cidade assinalei um grande sentido de responsabilidade, aqui, na água, tive a sensação de que em terra todos eram responsáveis porque todos os irresponsáveis eram embarcadiços no porto.
Mar liso como mesa de bilhar. E assim seria até ao fim do passeio.
E, a propósito de passeios, faço agora uma breve resenha dos extremos por que já andei e dos povos que contactei entretanto: o ponto mais setentrional que já visitei foi o Cabo Norte no extremo norte da Noruega; o Cabo Horn foi o extremo sul da América do Sul; Alotau foi o ponto mais oriental no extremo leste da Papua Nova-Guiné; Santiago do Chile e Lima do Peru disputam o meu limite ocidental. Entre estes extremos, dá para imaginar que conheço muito mais do que Cacilhas e suas gentes. Pois bem, nunca vira mole tão ruidosa como esta «salada» de americanos eufóricos e latinos no seu ruidoso natural, nem nas manifestações de apoio ao Almirante Pinheiro de Azevedo.
Esta turba era ruidosa, mas ordeira. Eufórica, talvez, por este ser o cruzeiro da vida deles. E, então, deu para os ver com olhos de simpatia (apesar dos decibéis) ficando nós satisfeitos com a satisfação alheia. Mas, apesar disto, sou levado a pensar que o ruido e a intelectualidade variam em escalas inversas. Estimulantes à parte, o mesmo direi das latitudes e das altitudes. Conclusão: um intelectual norueguês que viva no cimo de um fiorde é um chato macambúzio e um favelado carioca delira com desfile no Sambódromo.
Outra particularidade que me anda a atazanar tem a ver com a velocidade estonteante com que certas pessoas falam. Algumas delas chegam a atirar a língua contra o palato com uma força tão grande que aquelas partes nem parece pertencerem-lhes. Os pioneiros do velocímetro linguístico que notei foram os madrilenos e admiti que tentassem recuperar o tempo perdido na «siesta» mantendo padrões europeus de produtividade, mas «castanholas» linguísticas são portuguesas e brasileiras. À falta de melhor explicação, creio que é apenas preocupação de dar nas vistas sem que lhes passe pelas cabeças que apenas conseguem irritar quem os ouve. Nesta viagem cruzei-me com acelerados linguísticos, mas não tive que aturar nenhum castanholeiro da fala.
Foi em Nassau que a guia deve ter batido todos os recordes de velocidade oral, Falou ininterruptamente numa velocidade estonteante durante as duas horas do circuito e admito que todos os bahamenses (ou bahamitas?) tenham ali caído de paraquedas poucos dias antes pois absolutamente nada nos foi dito sobre a História do País. Em Miami ainda passámos por uma estátua de Juan Ponce de León, mas nas Bahamas nem o pirata da perna de pau é referido. E o mais triste é que os turistas parece não estarem minimamente interessados em «velharias» da História. Como dizia o Embaixador americano em Londres quando o Lord lhe perguntou sobre a sua genealogia, «Ah sim! A minha genealogia começa comigo.»
Magnífico, o «campus» universitário de Medicina situado no limite urbano de Miami na saída para Everglades. Andam por lá portuguesas a estudar, o que ficámos a saber no dia seguinte ao pequeno-almoço quando duas jovens Senhoras, na mesa ao nosso lado, fizeram questão de nos fazer saber que por ali eram imigrantes intelectuais e não braçais. Votos de que o autismo corporativista médico português não lhes levante obstáculos ao exercício da profissão quando, prontas, regressarem.
«Everglades» significa «pântanos» e nada tem a ver com a eternidade sugerida pela partícula «ever». Mas para nós, pântano está associado a água estagnada, borbulhante de pútrida, fétida. Nada disso por ali, talvez haja alguma correnteza. Naquelas paragens, os crocodilos chamam-se aligators e se mudam de nome, não é por uma questão de originalidade mas porque têm características que os distinguem dos «primos» da «Lacoste»: o crocodilo tem o nariz recto e tendencialmente convexo enquanto os aligators têm um perfil côncavo; o aligator tem menos uma vértebra cervical do que o crocodilo pelo que aquele não flecte o pescoço – e assim é que pelo pescoço morre o aligator.
Dizem-me que o aligator não é perigoso. Não acredito! À semelhança dos crocodilos, têm aquela combinação terrível que é a de terem um cérebro pequeno e uma boca enorme cheia de dentes. É claro que não meti as mãos no pântano – com aquela água não me lavarei!
Regressados a Miami para o almoço e um passeio a pé para «esmoermos» a mexicanada, foi hora de emalar a trouxa pois no dia seguinte embarcaríamos por aqueles mares além…
(continua)
Janeiro de 2023
Henrique Salles da Fonseca
NB: Continuo convencido de que os grandes pássaros vistosos imóveis e os aligators alapados ali na berma junto ao barco… eram de porcelana.
Liberdade é conceito unicitários, não fragmentável. No máximo, podemos identificar-lhe secções h0000000000000000omogéneas que, só por si, não representam o todo. Vide, o conhecido sofisma do Dr. Álvaro Cunhal que apregoava um regime assente nas «mais amplas liberdades», ou seja, sem liberdade pois as partes amplas ou minguadas, não fazem o todo.
Em paralelo com a liberdade (unicitária), corre a responsabilidade. Tudo, em consonância com um quadro legal construído por consensos democráticos definindo direitos e obrigações sob a égide de conceitos tão fundamentais como o bem e o mal, E é neste quadro que o cidadão exerce o livre arbítrio: só quem é livre pode ser responsável. Este, um princípio fundamental do sistema educativo americano. Se a esta liberdade responsável juntarmos um clima ameno e caloroso, compreendemos o patente gosto pela vida que os «miamianos» exibem por contraste com a vizinha Cuba donde as pessoas continuam a chegar. Dá gosto ir a Miami e tomar um banho na praia. O problema está em que os tubarões também gostam daquelas águas.
Miami tem cerca de dois milhões de habitantes, metade dos quais é constituída por imigrantes. Destes, parte substancial é de refugiados cubanos e seus descendentes.
Diz-se que 80% da população de Miami fala espanhol, mas há irredutíveis de ambos os lados: 20% de anglófonos só fala a sua língua materna e há «latinos» (cubanos) que sobrevive décadas e décadas nos EUA sem falar inglês. É obra! Depois de visitar o auto-gueto «Little Havana» fiquei com a quase certeza de que esses castelhanófonos monolingues o são devido a baixo ou muito baixo nível cultural e porque se restringem a sobreviver no seu «barrio». A sorte desses madraços está no facto de haver muitos bilingues. Foi preciso chegar a «Little Havana» para ouvir um galo a cantar como que a dizer-me que por ali há economia de subsistência, o que confirmei por uma vendedeira ambulante que apregoava com estridência algo que me apressei a ignorar. E tudo isto se passa num local aberto dentro duma cidade (Miami) formidável, próspera e cheia de gente acolhedora e que exibe felicidade.
Sim, tudo indica ser bom gozar da liberdade (e da responsabilidade) americana vivendo em Miami.
Mais do que a condição lógica, impera a física na impossibilidade de o conteúdo ser maior que o contentor e, daí, que com o exercício da síntese, algo fique de fora. Se a síntese pretender ser superlativa, corre-se o risco da perda de itens essenciais. Já raiará a subjectividade quando entrarmos na consideração de que há pontos cuja essencialidade seja mais importante que a de outros também essenciais.
Contudo, a alternativa à síntese é, muito provavelmente, um tratado e, para isso, não há conhecimentos que exaustivamente abarquem tudo, passe o pleonasmo.
Fico-me, portanto, pela síntese e, nela, pelo seu grau superlativo, fico-me pelo sumo da síntese.
* * *
O exercício a que nestes últimos dias me dediquei foi o de tentar definir uma religião com uma única palavra e pensei no Budismo, no Judaísmo, no Cristianismo e no Islamismo: Admito breves contextualizações entre parêntises.
Budismo – compaixão (procedimento individual visando a felicidade alheia);
Islamismo – talionismo (vingança; «olho por olho, dente por dente»).
Facilmente se constata que não toco no relacionamento de cada religião com a respectiva Divindade e que me centro apenas na relação com os respectivos crentes. Chamemos-lhe a orientação religiosa dada à atitude social. E fico-me por este esboço (caricatura é expressão inaceitável quando o tema é religioso) pois considero que a fé não se discute e muito menos se adjectiva.
Em todos os casos referidos, considweo apenas o que se passa actualmente: ouso ignorar esse absurso do perdão católico que foi a Inquisição (apenas extinta em Portugal com a entrada em vigor da Carta Constitucuinal de 1821) nem o que era o Islamismo pré-wahhabismo (nosso séc. XVIII).
NOTAS FINAIS
A Santa Sé «adamou» a Inquisição (os Tribunais do Santo Ofício) transformando-a na «Congregação para a Doutrina da Fé» cujo responsável máximo foi Joseph Cardinal Ratzinger antes de se transformar no Papa Bento XVI.
“Ei pour cause”, recordo Frei Leonardo Boff e a sua «Teologia da Libertação» com o que – na ausência de debate harmonioso – levou à perda da maioria absoluta do catolicismo no Brasil e ao fulgurante aparecimento da «indústria evangélica de milagres» (com o que Boff nada tem a ver, creio).
Admito que a «Juventude Hitleriana» poderia ter sido ainda mais malévola se o jovem Joseph Ratzinger não tivesse passado pelas suas fileiras e que o holocausto de judeus e arianos (os ciganos são arianos) pudesse ter sido ainda mais mortífero se Joseph Ratzinger não tivesse estado militarmente colocado num campo de concentração.
De seguida, peço que releiam os últimos versículos do capítulo 16 de Ezequiel quando o Senhor revela que estabeleceria a Sua aliança com Israel, dizendo-lhe: “Tu saberás que eu sou o Senhor, para que te recordes e te envergonhes e, na tua confusão, não abras mais a boca quando eu te tiver perdoado por aquilo que fizeste”. (Ezequiel 16: 62,63)