Hoje, começo com um axioma: «O dinheiro só foge de onde se sente em perigo».
Digo, perigo de falta de liberdade ou de nacionalização por confisco ou por carga fiscal excessiva. Limitações à livre circulação dos capitais, situações de instabilidade política ou custos de contexto asfixiantes são motivos para a drenagem financeira com destino a paragens consideradas mais benignas.
Em Portugal, já passámos por todos estes cenários em singelo e conjugados. Actualmente, bem gostaríamos de ver uma descida significativa na carga fiscal. Aliás, esta redução pode mesmo constituir um bom instrumento de combate à economia paralela (v. «QUANDO IRÁ O FISCO AO LUPANAR?» -https://abemdanacao.blogs.sapo.pt/128218.html ).
«Paraísos fiscais» à parte e partindo do pressuposto de que o Plano Oficial de Contas Europeu já é uma realidade consolidada, interessa considerar a concorrência fiscal dentro da União Europeia onde já só parece faltar a harmonização dos métodos de cálculo das matérias tributáveis para que - então e só então - as taxas sejam o grande parâmetro da tão desejada competitividade fiscal. (Usar a disparidade dos métodos de cálculo das matérias tributáveis como parte integrante da concorrência fiscal, pode ser politicamente muito interessante, mas à U, E. não caberá o epíteto «União»).
O tratamento discriminatório dado pela negativa ao investimento nacional relativamente ao estrangeiro fez com que a política de internacionalização da nossa economia se traduzisse na venda de empresas portuguesas a investidores estrangeiros. Uma vez na posse dessas empresas, os novos proprietários fechavam-nas e passavam a abastecer o nosso mercado a partir das respectivas sedes localizadas «lá fora». Também os processos de reprivatização de empresas pareceu hostil aos capitais nacionais optando pelas alienações em grandes blocos a interessados estrangeiros. Como se em Portugal não houvesse Bolsa(s) de Valores. Todo, num processo que, afinal, teve como consequência o desbragamento da nossa economia e a destruição de importantes unidades fabris. Se a isto somarmos o encerramento de empresas para «partir os dentes aos Sindicatos» … dá para imaginar o caminho que nos resta percorrer para voltarmos a ser uma economia competitiva na produção de bens transacionáveis.
E hoje não refiro a questão da clarificação do método de formação dos preços agrícolas pois isso quase pareceria um Programa de Governo e eu não sou candidato a Ministro da Agricultura. Nem sequer fui convidado.
«A democracia é o pior dos sistemas políticos com excepção de todos os outros» - Winston Churchill
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Democracia é o sistema político cuja legitimidade do poder é conferida pelo universo dos cidadãos no pleno uso das respectivas capacidades e direitos sendo esse poder referendado periodicamente e exercido sob fiscalização vinculativa.
Autocracia é qualquer outro sistema político, nomeadamente todo aquele que, sob a égide de uma personalidade que exerça o poder sem fiscalização efectiva, não cumpra a definição de democracia quer no todo quer em parte.
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Tanto nas democracias como nas autocracias se praticam políticas que se podem considerar de direita como de esquerda. Mas, não vindo aqui nem agora esta distinção de políticas à colação, retenhamos que a linha divisória das opiniões que ora interessa definir tem a ver com o sistema político e não com as políticas.
Quero com isto significar que há democratas de direita e de esquerda e que há adeptos dos eufemisticamente chamados «regimes fortes» que preferem políticas de esquerda ou de direita.
Eis como chegámos a esta situação «sui generis» de vermos comunistas e direitistas a apoiar Putin. Não pelas acções que o autocrata assume, mas sim por ser alguém que exerce o poder sem discussão pública das suas determinações. De modo mais aberto ou mais encapotado, os adeptos das autocracias optam pelo «haja quem mande» e rejeitam a discussão pública.
Fica por provar o apoio que dispensariam ao «novo Czar» se tivessem que se submeter às atitudes autocráticas de Putin.
Eis-nos, pois, perante uma brecha na coesão ocidental perante o transe por que ora passamos.
Mas há mais…
Nas relações internacionais não há amizades, há interesses, mas há que ponderar até que ponto os dirigentes políticos conseguem separar as suas simpatias pessoais e o «sentido de Estado» que deles é legítimo esperar sobretudo se se trata de políticos democraticamente eleitos e democraticamente fiscalizados.
Na dimensão macro, a coesão ocidental pode estar ameaçada pela Hungria e por Itália, mas tenhamos esperança de que nos «corredores diplomáticos» se descubram soluções a contento dos interesses em jogo.
Este é um texto triste pois que me limito a apontar problemas sem lhes sugerir soluções. Resta o consolo de que em democracia é importante identificar problemas na esperança de que alguém «tire o coelho da cartola».
Para obrigar o investimento a saltar para a frente do desejado desenvolvimento, Draghi desenvolveu a política dos juros tão baixos que chegaram a negativos levando também o BCE a entrar no mercado primário das dívidas soberanas;
As poupanças sairam do entesouramento (que passara a ter rentabolidade negativa)e (como Draghi queria) optaram por aplicações mesmo que de modesta rentabilidade;
A política dos juros negativos conduziu à remuneração negativa das dívidas públicas e, daí, a avultados ganhos dos Estados devedores e a elevadas perdar dos respectivos credores.
No cenário do «Dinheiro barato»…
… os investimentos de modesta TIR puderam ver a luz do dia porque os custos de capital eram baixos e porque os capitais preferiam uma remuneração modesta em vez de uma negativa;
…aos projectos de elevada TIR também não faltavam (obviamente) os capitais necessários.
CENA FINAL DO ACTO 1
Com Draghi, a economia europeia «mexeu» porque os capitais eram baratos.
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INTERVALO – as pessoas dirigem-se ao «foyer» e conversam…
…o negócio bancário lida mal com dinheiro barato e pessimamente com juros negativos, há que mudar o cenário (de genericamente protector do devedor para assumidamente protector do credor; de defensor dos países perdulários do Sul para defensor dos frugais do Norte europeu) e também o intérprete.
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ACTO 2
CENA 1 – Sai Draghi e entra Lagarde.
Sem solavancos, começam «murmúrios à navegação» de que os juros deixarão de ser negativos e de que as «facility easings» estavam num verdadeiro estado de moribundez,, que a Reserva Federal estava a aunmentar a taxa de juros «para «segurar a inflação» e que nós não podíamos continuar a política draghiana…
Até que a Rússia invade a Ucrânia e disparam os preços da energia e dos cereais.
E Lagarde esfrega as mãos de contente pois é necessário aumentar as taxas de juro «para conter a inflação».
CENA FINAL DO ACTO 2
Francesa, Lagarde dirá para com os seus botões «Merci, Monsieur Putin!»;
Ao fundo, ouve-se um coro de frugais entoando carinhosos e agradecidos «VIVAS À CRISTINA!».
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Como se mete pelos olhos de qualquer leigo, a inflação resulta da escassez (ou da putativa escassez) dos produtos inflacionados e nada a move que não sejam as causas que a provocaram, Os juros são consequência e não controlam nada a não ser uma eventual redução do investimento (carestia dos capitais), redução da produção, escassez da oferta, mais pressão inflacionista.
PERGUNTA: - Então, qual é a solução?
RESPOSTA: - Esvaziar o Kremlin de licenciados pela «fábrica de monstros» que é o KGB; acabar com a guerra; integrar a Ucrânia na EUE e respectivos métodos de formação de preços, nomeadamente agrícolas; deixar de mentir sobre a política monetária.
Se as taxas de juros activas para os titulares dos capitais (passivas para a banca) forem inferiores às taxas da inflação, ocorrerá a desvalorização dos capitais postos à guarda do sistema bancário, Ou seja, regressamos à situação draghiana do primeiro acto deste teatro.
1975 – entrega das colónias portuguesas aos «cuidados do Império Soviético; entrada em vigor da nova Constituição «rumo ao socialismo»; inversão de todos os Valores até então vigentes pelo PREC (Processo Revolucionário Em Curso; golpe militar em 25 de Novembro repondo a democracia;
1976 – ano 0 (zero) da Democracia na 3ª República Portuguesa.
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De regresso à dimensão territorial do séc. XV, a europeia, havia a necessidade de obstar aos apetites soviéticos e aos do iberismo. A solução foi a da adesão à então CEE a qual, para além do mais, era totalmente compatível com a já então longa pertença à NATO.
A partir daqui, afastado o perigo (real) de sovietização e de absorção (potencial) ibérica, todas as opções estruturais foram sendo tomadas por arrastamento e por validação democrática à posteriori, nas eleições que se foram seguindo em que foram homologadas as decisões anteriores pela vitória sucessiva ou alternada dos Partidos que haviam «assinado» as ditas opções. Refiro-me à adesão à CEE, à transformação desta em União e à adesão ao Euro. A alternativa teria sido a nossa albanização «enver ohxiana» ou o retorno ao «orgulhosamente sós», mas já sem Império e sem o correspondente afluxo de divisas e oiro aos activos do Banco de Portugal.
Reconheçamos hoje que, apesar de nem sempre termos estado do lado maioritário, as opções seguidas foram as sensatas.
Perdemos parte da Soberania Nacional? Sim, sem dúvida e isso foi muito penoso para muitos de nós, nomeadamente para mim próprio mas…
… uma das primeiras perdas da nossa Soberania terá sido quando há muito tempo aderimos à Convenção Internacional dos Correios…
… estas últimas perdas (no âmbito da CEE/UE) foram o «preço a pagar» pela garantia desse Valor mais alto que é a Independência Nacional integrada num espaço plurinacional solidário e de coesão sempre negociada.
E agora?
Agora, aqui chegados e depois de termos evitado alguns exageros (Federação e Constituição p. ex.), vamos continuar a viver numa União de Estados Soberanos.
A propósito dos ilustres comentadores televisivos que de todos os círculos e de todos os quadrados tudo sabem, lembrei-me hoje de uma historieta que o meu pai contou à mesa do jantar já lá vão cerca de sessenta anos ou mesmo mais.
Eis do que me lembro:
«Antes de emigrar para os EUA, Einstein reunia-se regularmente em Zurique com uma tertúlia de eruditos composta sobretudo por filósofos e historiadores. Todos falavam sobre as respectivas confabulações histórico-filosóficas e Einstein deixava-se ficar discretamente num canto, calado e encantado com o que ouvia.
Até que, instado a que dissesse algo, respondeu que não tinha nada de interessante nem sequer imp0ortante a dizer mas que, sendo assim tão simpáticos para o convidarem a falar, ele avisaria quando tivesse alguma coisa que merecesse ser ouvida por tão distinta assistência.
Chegado o dia que Einstein considerou apropriado, avisou o grupo e este reuniu de imediato para escutar o que há tanto tempo estava calado.
E Einstein, recorrendo a sua encantadora simplicidade, escolheu a linguagem mais comum para que a silenciosa, atenta e reverente audiência não se enfadasse, explicou as funções matemáticas que deram origem à teoria da relatividade.
Consta que os “sábios” ouvintes não perceberam patavina da exposição mas que se convenceram de que o mundo acabava de dar uma grande reviravolta».
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E hoje, com o mundo à beira de um ataque de nervos por causa do perigo do lançamento de uma bomba atómica, reconheçamos a inocência de Einstein no mau uso que outros fizeram dos seus prolegómenos nucleares.
Cheguei ao fim do presente texto sem que nenhum azougado carregasse num fatídico botão vermelho.
Deo gratias!
No extremo ferroviário oposto a Vladivostok, 22 DE Setembro de 2022
Consta que, na primeira versão do «Regulamento de Disciplina Militar», o Conde de Lippe terá mandado escrever algo como «o Sargento deve saber ler, escrever e contar, pois, o Oficial, sendo nobre, pode não saber» - séc. XVIII, reinado de D. José;
Dizia Eça de Queiroz na segunda metade do séc. XIX que «Portugal é Lisboa e o resto é paisagem».
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Depois de D. João Peculiar ter estado seguramente por trás de D, Afonso Henriques na definição dos interesses estratégicos que conduziram à afirmação da Soberania Portuguesa, depois de João das Regras ter claramente estado por trás de D. João I na definição da defesa contra Castela como elemento essencial da nossa estratégia e depois de D. João II não ter precisado de ninguém para definir a edificação do Império como a melhor forma de nos defendermos da cobiçosa vizinhança ibérica, chegou ao fim a nossa «gloriosa era joanina» e qualquer João sequente foi apenas um mero executante.
Até que tudo ruiu e regressámos às Berlengas.
Foi então que deixámos de ter que manter o povo insatisfeito por cá para que se decidisse por melhores horizontes e fosse tomar posse do Império. Esta, uma opção estratégica que, sendo vergonhosa, nunca foi reconhecida mas que, afinal, foi o «segredo da abelha» em relação à duração do Império: a baixa condição cultural do colono branco facilitou a misceginação e a criação de ambientes de paz.
Perdidos os anéis. Foi a hora de tratar dos dedos, o capital humano.
A iliteracia rein, vergonhosa, não consta dos anais da História Pátriaava ou era reinante?
Não vou perder tempo com jogos de palavras, apenas constato que em 1910 o analfabetismo adulto era um flagelo que afectava a quase totalidade da população e que em 2022 ainda estamos longe dos níveis de instrução há muito alcançados pelos países norte-europeus. Não estranhemos, pois, a inércia que temos de vencer arrastando hordas sem instrução nem formação moderna.
Demorámos tempo demais a vencer a doutrina que dizia que «o povo é muito mais feliz quanto mais ignorante for». Ainda não derrubámos políticas estaticistas (o chamado «trabalhar para as estatísticas») para nos enganarmos a nós próprios e talvez (?) as estatísticas internacionais. Refiro-me a mentiras como as “socráticas ”«Novas Oportunidades» e ao actual «RVCC – Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências», programas essencialmente facilitadores de «obtenção de falsos canudos», sem a exigência curricular típica do ensino regular.
Compreende-se que deva haver um estímulo, mas nada que afecte a exigência curricular. Por exemplo, aos alunos «fora de prazo» (25 anos<) que queiram completar o nível obrigatório, permita-se-lhes apresentarem-se a uma disciplina em cada época de Exames de Estado na mesma base curricular exigida aos «alunos atempados».
Outra «mentira» é o «Instituto do Emprego e Formação Profissional» que há muito tempo deveria ter sido partido com a competência do Emprego valendo como Agência Estatal de Emprego e a valência da Formação absorvida pelo ensino regular.
A opção estratégica por que optámos de valorização do nosso capital humano não é compatível com «mentiras» nem sequer com «poeira para os olhos».
Em todo o nosso processo histórico, muitos foram os fios de espada gastos, nomeadamente em Aljubarrota, mas não quero esquecer dois pensadores decisivos. Refiro-me a D. João Peculiar de quem se fala menos do que de Egas Moniz e a João das Regras de quem se fala menos do que de D. Nuno Álvares Pereira. E, contudo, foram esses quase ocultos cuja erudição decidiu a definição dos interesses estratégicos do «Portugal a ser» no vale do Vez e do «Portugal em risco de ser» nas circunstâncias de Aljubarrota.
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Dos poucos episódios assinalados, dá para extrair várias conclusões, dentre as quais assinalo que…
…as nossas opções estratégicas variaram ao longo dos tempos;
… nem sempre houve uma sequência lógica no curso da nossa História;
… as batalhas resultaram mais do pensamento do que do improviso ou do capricho;
… nem sempre os «opinion makers» foram patriotas.
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Numa perspectiva euro centrista, fomos os primeiros a ir e fomos os últimos a voltar, fomos os que mais tempo andámos por fora. E isso foi entre o dia 21 de Agosto de 1415 com a batalha da conquista de Ceuta e o dia em que, em 1975, a última colónia africana assumiu a respectiva independência.
E porquê tanto tempo? Porque nos miscigenámos, vivemos e deixámos viver enquanto outros mantiveram distâncias humilhantes e até chegaram ao extermínio das gentes locais. Quanto a nós, fizemos amigos desde a nossa feitoria mais oriental em Nagasaki até às alturas pós andinas do rio Solimões no interior amazónico.
E se assim foi quando eramos um potentado, por maioria de razões a nossa estratégia actual, autorreduzidos que estamos à dimensão europeia, assenta imperativamente na paz. Mas na paz auto comandada e não na paz demolidora das nossas virtualidades defensivas como pretendiam os «pacifistas» do moscovita «Comité Português para a Paz e Cooperação». A esta pseudo paz de submissão à Rússia respondemos com uma inequívoca pertença à NATO.
Lisboa, 15 de Setembro de 2022
Henrique Salles da Fonseca
NOTAS DE PÉ DE PÁGINA
1 - Título - «Os Lusíadas», Canto I, estrofe 4
2 – Patriotas - «…também entre os portugueses traidores houve algumas vezes» - «Os Lus+iadas», Canto IV, estrofe 33
Este texto esteve para se intitular «Trompe l’oeil» ou «Eppatant les innocents» mas lembrei-me de que já somos poucos os que sabemos francês e, vai daí, fiquei-me por algo mais directo.
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Então, já que o princípio não é como devia ser, vai tudo às avessas e começo pela conclusão:
Conclusão – As Divindades não se deixam enganar e mal vai quem o tente.
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As vestes antigas eram de outras modas e não faria sentido que a nossa actual Primeira Dama se apresentasse num qualquer acto público vestida como a D. Urraca o faria se por cá andasse. Não faltaria quem dissesse que a solenidade se transformava numa mascarada.
Dizem as pinturas antigas que tanto homens como mulheres de elevada condição usavam aquilo a que hoje chamamos saias e o povo usava tangas. Os sacerdotes egípcios usavam um «chapéu» alto, cilíndrico e que à frente ostentava uma cobra, o símbolo da Divindade invocada nas respectivas solenidades.
Claramente, todo o aparato vestimental tinha como propósito convencer os fiéis de que aquela pessoa assim paramentada possuía o poder de comunicar com a Divindade, o que estava vedado ao comum dos mortais. E os fiéis acreditavam nessa mediunidade.
Hoje, sabemos que essas Divindades do politeísmo eram falsas e que não podia haver mediunidade com algo que, afinal, era falso. Mas as pessoas impressionavam-se com as solenidades, a simbologia de gestos, vestes, ornatos e preces.
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Nos primeiros anos deste século, morreu uma das minhas inquilinas cujo único familiar era o Patriarca de uma Igreja de rito ortodoxo a quem tive que transmitir a infausta notícia e perguntar qual o destino a dar ao recheio do apartamento. Temas bem prosaicos para um Patriarca. Fiz-me anunciar com alguns dias de antecedência para que Sua Eminência tivesse tempo de pensar em assuntos tão vulgares e no dia aprazado compareci no templo uns minutos antes da hora combinada e não me fizeram esperar: abriu-se uma porta igual a qualquer porta de casa antiga na parte alta de Alfama, em Lisboa. Depara-se-me uma sala relativamente pequena e apenas iluminada por três ou quatro velas. O suficiente para me aperceber de um vulto mediano envergando uma veste longa negra e com decorações (bordados?) doirados. Na cabeça, um gorro do feitio dos cofiós, negro e com decoração doirada. Tive alguma dificuldade em me adaptar à escuridão e foi no último instante que retive alguma manifestação de surpresa (alguma gargalhada) pelo espectáculo que inesperadamente se me deparava. Logo me imaginei num cerimonial de veneração a Amon ou Zaratustra mas contive-me e comportei-me com o respeito devido a fé alheia. Tratámos dos assuntos que lá me tinham levado, despedimo-nos cerimoniosamente e regressei ao século XXI.
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Creio que o misticismo não carece de balandraus, gorros nem casulas ou tiaras. Mais creio que todo esse «décor serve apenas para impressionar (enganar) os inocentes mortais pois Deus e os Santos de altar não se deixam enganar.
Bem sei que a todo o cerimonial religioso cumpre o respeito pelas Divindades invocadas e, às gentes cumpre um formalismo igualmente respeitoso pelo que, não aceitando indumentárias desrespeitosas, também creio que os celebrantes e a assembleia de fiéis deviam trajar com formalismo da época e sem ornatos enganadores. A fé não se confunde com balandraus.
A conclusão está no quase início do presente texto.
Ficou célebre a frase de Vasco da Gama em que ele disse que «Há homens para tudo, até para andar ao mar».
Foi já no século XX que o meu avô conheceu um Comandante da Marinha Mercante que, em serviço, usava habitualmente um chicote.
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Nem todas as ondas foram sempre cavalgadas por nobres cavalheiros e heróis, também as houve galgadaspor plebeus, vilões e quejandos «de quem sõ Deus sabe»…
Seria bonito dizer aqui que é gloriosa a saga de um povo que cavalgou os mares para conquistar o mundo mas a realidade não se fica por aí: moldou-se pela necessidade do ganho de dimensão que nos permitisse a defesa contra a cobiça do vizinho ibérico, pela fuga da fome causada por terras curtas e magras, enfim, por aqueles que, depois de algumas doses de carrascão do Cartaxo, adormeciam à porta das tabernas lisboetas e acordavam com o balanço das naus fazendo já parte das tripulações. E, contudo, todos serviram a causa.
Uma das maiores fraudes intelectuais que hoje podemos cometer é o julgamento da História ao abrigo dos actuais conceitos éticos, nomeadamente a questão da escravatura.
O Império que os nossos navegantes construíram foi eminentemente comercial e marítimo. A componente terrestre foi sobretudo uma consequência, não um propósito. As especiarias e os escravos eram as «commodities» de então que os nossos mareantes compravam ali para vender acolá… e os mares não tinham fim…
Quem foram os comerciantes portugueses que colaboraram na reconstrução de Jakarta depois de vizinhos malignos a terem arrasado? Quem foram esses embarcadiços que colaboraram na saga do dente de Buda no regresso a Candi? Quem foram, Cavalheiros ou de outras condições, que criaram e fizeram funcionar os 17 hospitais de apoio à rota da Índia entre Tavira e Baçaim? Quem foram os soldados e marinheiros algarvios daquém e dalém mar em África que se perderam com Gaspar e com Miguel Corte Real nas imensidões do Atlântico Norte? Quem foram os que morreram com Bartolomeu Dias? Tantos… muitos mais do que todos aqueles que ficaram na História. E, contudo, todos eles fizeram História. Então, já que o «Padrão dos Descobrimentosc» elebra os feitos dos gloriosos, façamos da Torre de Belém o «Memorial ao Navegante Desconhecido».
«Nunca se mente tanto como antes de umas eleições, durante uma guerra ou depois de uma caçada».
Há quem atribua este aforismo ao Barão Otto Von Bismarck mas eu não creio que ele soubesse o que eram eleições. Contudo, mais importante que a autoria da frase é o seu conteúdo, o objectivo da mentira. Deixemos as eleições e as caladas e passemos para o que por agora mais nos preocupa, a guerra.
Pergunta - Para quê mentir na guerra travada na época dos satélites espiões?
Resposta – Para o mentiroso se enganar a si próprio.
E agora venho a outro aforismo» É fácil enganar algumas pessoas durante algum tempo mas é impossível enganar muita gente durante muito tempo.»
É que, mesmo que o telejornal minta, o caixão à porta de casa com os restos do filho morto na guerra não engana a família destroçada. Foi assim que a URSS foi corrida do Afeganistão. O desespero das «matriokas: não há regime policial que aguente uma Nação desesperada. E mesmo que o KGB seja uma «fábrica de monstros», também os há que cedem às suas próprias «matrioskas» e estas, sim, são o pilar de todas as sociedades.
Não creio nas capacidades adivinhatórias de cartomantes nem de astrólogos mas não prevejo nada de bom para o momento em que a «marmita da Papin» russa atinja o limite da pressão a que está a ser submetida desde que morreu o primeiro soldado russo. A sociedade russa está contida num sistema fechado, sem válvulas de despressurização enquanto a ucraniana pode contar com a diáspora, com a solidariedade internacional e com informação tão realista ou tão fantasiosa quanto a que circula no mundo livre. Ou seja, a sociedade ucraniana tem modos solidários de fazer os seus lutos; os dramas russos são vividos em contenção potencialmente explosiva.
Mais: parte (que não sei quantificar) dos efectivos humanos das Forças Armadas ucranianas é constituída por voluntaristas enquanto do lado russo não tenho informação de teor semelhante. Dizem os fleumáticos «inteligentes» britânicos que do lado russo campeia a indisciplina militar. Será? Se sim, é mau para Putin.
Preparando uma conclusão, registo três factos: Kiev foi bombardeada pelos russos quando Guterres lá esteve: o porto de Odessa foi bombardeado logo após a assinatura do acordo mediado pela ONU para escoamento dos cereais até então retidos nos portos ucranianos; a missão da Agência Internacional da Energia Nuclear está sob pressão militar russa na visita à central de Zaporíjia.
Conclusão nº 1: a Rússia de Putin ataca a ONU assim se auto isolando do concerto internacional.
Conclusão nº 2: a Rússia, sem ser expulsa da ONU, devia perder ali o direito de voto e, por maioria de razão, o de veto.
4 de Setembro de 2022
Henrique Salles da Fonseca
Nota de pé de página: de regresso a Lisboa, fica em Tavira o meu «Lorosae» mas levo esperança na bagagem.