“ESPELHO MEU …
… diz-me se no mundo existe alguém mais bonito do que eu”
Assim pede a másona da história que as avós contam às criancinhas. E o espelho, contrariando as leis da física mas obedecendo à imaginação do narrador e dos ouvintes, responde que a fulana é mesmo a mais bonita que existe e blá, blá, blá …
Assim estamos com as estatísticas que são a enumeração fiel das ocorrências ao passo que a interpretação estatística com as médias, desvios e outras modas se compraz amiúde na distorção das realidades “para inglês ver”. A contabilidade também passa muitas vezes por tais vexames pois regista uma realidade e logo aparece um “Xico esperto” a apresentar uns rebuscados rácios que, conforme o interesse do cliente, assim embelezam ou desfeiam a foto inicial.
Aquele médico que sofria de esclerose múltipla e que, já terminal, baixou a um hospital público, esteve para ser recambiado para casa pois não havia ciência actual que lhe pudesse valer, porque a cama e maquinaria diversa poderiam ser necessárias para outro “cliente” e porque seria estatisticamente inconveniente registar mais um óbito. Só não teve “alta” por uma questão de solidariedade corporativa sendo entendido que a um colega não se faz uma maldade dessas.
Aquele outro que era um alcoólico inveterado a quem fígado e rins haviam entrado em colapso e baixou a outro hospital público à custa da pressão familiar na esperança – vã, aliás – de que ainda houvesse alguma coisa que se lhe pudesse fazer, teimava com o pessoal clínico que estava de perfeita saúde e que queria ir para casa. Com base no argumento de que ninguém pode ser hospitalizado contra vontade, preparavam-se para lhe dar “alta” quando a morte chegou.
Eis como foram prejudicados os rácios da eficácia hospitalar. E se estes são dois casos meus conhecidos, quantos haverá que desconheço com desfecho fatal, sim, mas em casa e não no hospital?
E depois venham-me cá dizer que a população está muito mais saudável pois ocorrem menos óbitos no sistema hospitalar público …
Moral da história: não se deve gerir um “negócio” em função das estatísticas.
Mas a questão pode ser vista numa perspectiva mais longa e recordemos o atraso com que sempre eram publicadas as estatísticas no tempo do Doutor Salazar. Dizia-se que elas só eram publicadas depois de o Presidente do Conselho emitir o respectivo “nihil obstat”. E mesmo assim, admito que o Chefe do Governo já recebesse matéria muito “lavada” por diversos crivos técnicos, políticos e tecno-políticos tais como Conselhos Superiores disto e daquilo. O que interessava era que as estatísticas que viessem a ser publicadas fossem conformes aos interesses do Regime. Mais valia o silêncio do que algum número politicamente incómodo.
Tempos houve – menos antigos que os do Doutor Salazar – em que a taxa de inflação só era divulgada depois de circulada pelos Ministros …
Na certeza, porém, de que “malgré tout”, o INE lá foi conseguindo conquistar fiabilidade e as estatísticas portuguesas têm uma credibilidade ímpar na Europa austral.
Só gostaríamos agora de ter uma maior desagregação das exportações para dormirmos descansados quanto à taxa de crescimento do PIB e para podermos dar todo o crédito ao défice público que se divulga. Mas isto são esquisitices de quem não tem mais nada que fazer …
Lisboa, Setembro de 2007
Henrique Salles da Fonseca