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Hoje, a alvorada foi pelas 6,30 h, bem mais tarde do que a anterior. Não faltariam protestos nem talvez mesmo alguns «mimos» ao estilo da intifada se eu fizesse soar o clarim pelo que me deixei guiar pelo arrulho das rolas, as mais madrugadoras, logo seguido pelo chilrear da outra passarada. E assim foi que, entre arrulhos e chilreios, dei por mim a imaginar o modelo econométrico que nos poderia ajudar a medir a eficácia de uma política de substituição de importações capaz de transformar os nossos endémicos défices comerciais em superávites, mesmo que modestos. Tudo, claro está, no âmbito duma economia aberta como a nossa (para não lhe chamar desbragada) e de livre iniciativa. Então, «caí na real» quando me deparei com parâmetros dificilmente quantificáveis tais como a «mândria nacional», a elevada propensão para a «licenciatura em remanso de praia» e outros óbices de cariz estatístico de que os arrulhos e chilreios me distraíram. Concluo que o liberalismo em moda e em curso carece de uma mentalidade mais produtiva e muito menos esbanjadora. No meu modelo não entraram «casos de Polícia», que os há.
Agosto de 2o21
Henrique Salles da Fonseca
Delfim Correia Da Silva (Prof.)
Director do «Instituto Camões» em Goa
Departamento de Estudos Portugueses - Universidade de Goa
16 August at 18:25 ·
Caros amigos, vem este meu texto a propósito da verdadeira "mis en scène" que constituiu a reportagem altamente difundida pela AFP e vertiginosamente transmitida, no último fim de semana, em várias línguas, através de diversos orgãos de comunicação social internacionais, sobre o rápido desaparecimento da herança lusófona em Goa e, muito em particular, a morte da língua portuguesa.
Dois factos curiosos a registar:
1) a matéria parece não ter sido muito valorizada pelos jornais locais.
2) a reportagem foi realizada em fevereiro/março de 2021, mas só agora divulgada.
A História é o que é. Não podemos reescrevê-la de acordo com aquilo que gostaríamos que tivesse sido. O copo para uns está meio cheio, e para outros meio vazio, ou até totalmente vazio! O que, relativamente à herança portuguesa em Goa, não é francamente o caso! Não vou discutir as razões sustentadas pelas aves necrófagas ou profetas da desgraça, nem tentar dourar a pílula, apenas apresentar neste meu espaço factos que contrariam essa narrativa e que tenho ouvido desde a minha chegada a Goa em 2008.
A herança cultural portuguesa não se reduz ao pastel de nata ou ao fado, a cujo ressurgimento tive o prazer de assistir, principalmente a partir de 2014, com a realização do concerto de Cuca Roseta na Kala Academy, o Concurso de Fado da Semana da Cultura Indo-Portuguesa, o projeto cultural “Fado de Goa” do Hotel Taj Vivanta, liderado por Ravi Nischal, ao qual Sónia Sirsat deu a melhor continuidade e mais recentemente a criação do CIPA onde os turistas afluem para sentir, a exemplo do icónico restaurante Alfama no Hotel Cidade de Goa, o ambiente de uma verdadeira casa de fado. Hoje em dia, começa a despontar um leque de entusiastas fadistas que seguem não só os passos da sua mentora e formadora, Sónia Sirsat, mas também da talentosa Nadia Rebelo. O fado é ainda objeto de estudo académico, pois integra desde o ano académico 2018-2019 o programa de uma disciplina curricular do B.A. em estudos portugueses, na Universidade de Goa.
Escusado será de referir a importância do rico património cultural de influência portuguesa existente em Goa, quer a nível da arquitectura, quer nas áreas da literatura, da música ou das artes em geral que atraem anualmente centenas de investigadores nacionais e estrangeiros, possivelmente tantos ou mais do que a Macau, território que serve muitas vezes para estabelecer uma errónea comparação com Goa, realidades muito distintas por razões que, por serem fastidiosas, me abstenho de desenvolver.
A peça jornalística, centrada na rápida perda da identidade cultural portuguesa, mereceu algum destaque no que diz respeito à língua, e o estado lastimoso em que se encontra neste território. E mais uma vez, não podemos tomar como referência o pujante crescimento verificado na China e em Macau, em particular, por se tratarem de realidades muito diferentes.
Sei que este texto, poderá ser lido, na sua forma original, por pouco mais de 10,000 habitantes em Goa, número escasso se comparado com os potenciais leitores de há 60 anos. Mas ao contrário do apregoado declínio da língua portuguesa no território, nos programas escolares e académicos temos assistido a um lento, mas seguro progresso do português.
Sim, é verdade, após 1961 a língua sobreviveu em ambiente familiar, em quase clandestinidade, a transmissão foi estabelecida dos pais para os filhos e mais tarde para os netos. Noutros casos, com a morte dos mais velhos, morreu também uma língua de herança.
O português, em contexto de ensino-aprendizagem, é uma língua estrangeira em Goa, a par do francês, havendo ainda a considerar alguns, poucos, aprendentes de alemão, italiano e espanhol.
A minha experiência em Goa, enquanto leitor do Camões na Universidade de Goa, responsável pelo Departamento de Português e Estudos Lusófonos de 2009 a 2018, coordenador da Cátedra Camões “Joaquim Heliodoro da Cunha Rivara” e membro, até muito recentemente, do Board of Studies de Português permite-me assegurar que os estudos portugueses estão, contrariamente ao que pretendem fazer crer, de saúde, com resultados nunca antes alcançados.
O Departamento de Português esteve encerrado de 2001 a 2005. Até esse período, 39 alunos saíram formados com o M.A., registando-se apenas um doutorado, em 1995. Graças ao extraordinário trabalho do meu antecessor, foi possível reabrir o Departamento e reiniciar o programa de M.A. em 2006. Desde então, saíram da Universidade de Goa 95 mestres em Literatura e Cultura Portuguesas, muitos deles, hoje, docentes em universidades indianas, colégios e escolas secundárias. Hoje em dia, o Departamento de Português oferece um amplo programa de Estudos Portugueses. Para além do M.A. e do M.Phil, criado em 2014, os cursos de graduação contam também com os programas de B.A. Honors, inaugurado em 2019-2020, e do Doutoramento relançado em 2020-2021.
Se nos últimos dois anos, assistimos a uma redução no número de alunos inscritos nos cursos livres e opcionais, em grande parte devido à suspensão das aulas presenciais e dos cursos da Cátedra, consequência da pandemia, o número de inscritos nos cursos de graduação, afinal o que mais importa em termos académicos, aumentou substancialmente. E muito em breve, com o conhecimento exato dos resultados das matrículas para o presente ano letivo 2021-2022, haverá, estou certo, dados ainda mais animadores.
Há muito tempo que o Departamento de Português deixou de ser a “lanterna vermelha” na Universidade de Goa, considerando o número de alunos matriculados. O M.A. em português tem, desde 2006, funcionado ininterruptamente e nos programas até se verificou uma expansão.
Claro, o copo está apenas meio cheio! Falta desenvolver projetos academicamente mais ambiciosos. Estamos a dar nesse sentido alguns importantes passos. Para além da Cátedra Cunha Rivara que conta com conceituados investigadores e professores visitantes de prestigiadas universidades portuguesas, deu-se início no ano passado ao programa de Doutoramento em Português. Dos alunos formados com M.A. pelo Departamento após 2006, dois estão atualmente inscritos no PhD da Universidade de Goa, um inscrito no programa de PhD da Universidade de Delhi, dois encontram-se na fase da escrita da tese doutoral (um, pela Universidade Nova de Lisboa, e o outro, pela JNU/Universidade do Porto), e um outro, após ter concluído o M.A. em 2010, defendeu recentemente a sua tese de doutoramento na JNU.
Poderia, como bom indicador, mencionar ainda a procura que temos sentido no Centro de Língua Portuguesa do Camões em Pangim. Devido à pandemia encerramos os cursos presenciais em março de 2019. Em junho de 2019 reiniciamo-los na modalidade online com muito mais sucesso. Este ano já ultrapassamos a centena de inscritos.
Em janeiro de 2021 realizamos, a pedido da diretora dos Arquivos e Arqueologia, um exame para a seleção de tradutores. Dos 20 candidatos, 19 foram aprovados com elevadas classificações.
Estes são alguns dos factos, e poderia apresentar muitos mais, que, no mínimo, mostram que o rei não vai assim tão despido. Tirem as vossas conclusões!
https://www.sitiodolivro.pt/URBI-ET-ORBE-Viagens-pelo-Mundo
Do meu Amigo Coronel Adriano Miranda Lima recebi por e-mail a mensagem que segue:
«Boa noite, Sr. Doutor.
Não é a primeira vez que o faço e peço desculpa por alguma impertinência. É pena que os desafios que amiúde lança no blogue não motivem, regra geral, algum debate. Eu já nem me refiro aos preguiçosos, ou ausentes, mas penso que devia, da sua parte, contribuir para algum debate reagindo às intervenções dos comentadores. Caso contrário, fica-se com a sensação de alguma inutilidade e perda de tempo para quem procurar colaborar. Espero que compreenda a sinceridade deste meu reparo.
Um abraço
Adriano Lima»
Invoco igualmente aqui o comentário (em duas partes) do Senhor Coronel ao meu texto «Especulando» que antecede este na cronologia do blog.
* * *
Posto o que se me dá discorrer como segue:
Relativamente ao conteúdo do comentário a que ora me refiro, parece-me que o Senhor Coronel, com o seu habitual racionalismo, percorre linhas de plausibilidade do maior interesse que não diferem essencialmente das minhas perspectivas. Acresce motivos que poderão incentivar os investigadores. Assim estes nos leiam e se entusiasmem tanto quanto nós gostaríamos de os saber embrenhados em confirmar ou infirmar as nossas especulações. Não para alterarmos a História mas para a compreendermos melhor. Tudo, a bem da nossa Nação.
Continuemos…
Henrique Salles da Fonseca
Quando, em História, colocamos hipóteses que não tencionamos demonstrar (por dificuldade, preguiça ou teimosia) e descrevemos cenários mais ou menos plausíveis, estamos apenas a especular mas se o fizermos com o intuito de sugerirmos pistas de investigação, então deixamos de ser uns charlatães e passamos a ser uns pensadores mais ou menos respeitados (conforme a plausibilidade do cenário engendrado).
Assim, numa conformidade incentivadora de investigação histórica, estou a sugerir que…
… para melhor se compreender…
E o cerne da especulação histórica consiste…
* * * *
Aqui ficam as sugestões de investigação a quem tenha olhos para ler documentos antigos, a quem tenha tempo e a quem tenha motivação.
E não me sentirei diminuído se a minha especulação se revelar precisamente como tal, especulação; se se revelar verdadeira, não cobrarei royalties.
Agosto de 2021
Henrique Salles da Fonseca
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