São 532 páginas de texto e 16 de imagens a que se juntam mais 40 de informação bibliográfica, índice onomástico e índice do plano da obra.
Da profundidade da investigação dá testemunho a bibliografia que identifica as fontes directas como de outros tipos. Investigação ao nível do que de melhor se pode esperar de um membro da Academia Portuguesa de História.
O Autor, licenciado em Economia pelo ISCEF onde desempenhou a sua carreira académica até ao topo, dedicou-se ao estudo da História e, mais especificamente, ao desenvolvimento económico português. Daqui surgiu o estudo do trabalho de desenvolvimento protagonizado por Joaquim Pedro Saldanha, 2º Barão de Quintela e 1º Conde do Farrobo. Claramente, um dos mais notáveis desenvolvimentistas do séc. XIX português cuja acção se repercutiu até à actualidade, nomeadamente na actividade seguradora. Mas, vítima da inveja e das suas irmãs, a mesquinhez e a cobiça, morreu na miséria depois de ter sido um dos homens mais ridos de Portugal se não mesmo o mais rico da sua época.
Boa apresentação, a da contracapa…
Não por acaso, a última palavra de Os Lusíadas é INVEJA. No caso vertente, com o envolvimento de «gente da melhor sociedade», acho ter atingido as culminâncias de PERFÍDIA.
Farrobo foi objecto da inveja dos poderosos: os próceres dos diferentes quadrantes do arco governatiVo comportaram-se como um só quando se aperceberam de que do fabuloso contrato recebido como recompensa régia de D. Pedro e D. Maria II se poderia cavar a sua ruína.
No processo judicial em que Farrobo foi réu inventado pela ganância dos subcontratadores do tabaco, centenças e acórdãos dos Tribunais da Relação favoráveis ao Conde foram anulados pelo Supremo por minudências processuais, não pela inovação de mais lídima doutrina jurídica.
O Conde do Farrobo assumiu a direcção da Companhia de Seguros Bonança em 1839, para do seu bolso pagar as volumosas dívidas da empresa, salvando-a da falência iminente. Assim, a Bonança pôde chegar ao século XXI e ser incorporada na Companhia de Seguros Fidelidade.
Em 1843, o Conde do Farrobo fundou um banco – Companhia União Comercial – dotado de tal pujança três anos após, que o Governo, depois de criar o Banco de Portugal, em 1846, pretendeu que se lhe associasse para fortalecer o recém criado.
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Esta, sim, uma obra de leitura obrigatória para quem queira combater a inveja, a mesquinhez e a cobiça; uma obra destinada a envergonhar esses tantos conluios ocultos que hoje se diz que enxameiam e diminuem Portugal.
Era um grupo duma trintena de amigos, todos ex-alunos de um importante colégio em Lisboa; todos casados ou, entretanto, viúvos com excepção de um que era Padre.
Reuniam-se a um determinado Domingto de cada mês para o almoço mas, antes, os católicos iam à Missa e os outros liam o «Diário de Notícias»
O Estado Português da Índia existiu desde 1510 a finais de 1961. Foram 451 anos de convivência intercultural a que deveremos acrescer os anos que antecederam a criação oficial do referido Estado e os anos que já decorreram desde a sua extinção de facto até ao presente. São, praticamente, cinco séculos de intercâmbio cultural cuja realidade global deve ser reconhecida como verdadeiro Património da Humanidade tanto na vertente material como na imaterial.
Arquitectura, religião, língua, mobiliário, medicina, literatura, pintura, música, enfim, todas as vertentes da intelectualidade e da cultura popular.
A cultura indo-portuguesa consubstancia um estilo de vida que traduz uma Civilização híbrida de grande mérito dentro e fora do subcontinente hindustânico. São inúmeras as personalidades oriundas desse estrato civilizacional que ao longo da História se elevaram aos mais altos postos das hierarquias indiana e portuguesa. Por exemplo, Jorge Fernandes que foi Ministro da Defesa da Índia de 2001 a 2004 e António Costa que é o actual Primeiro Ministro de Portugal.
Mas esta cultura vem desaparecendo porque as vicissitudes da História puseram fim à presença da Administração Portuguesa, porque os indo-portugueses vêm emigrando e porque o espaço assim deixado vago vai sendo preenchido por quem não se sente ligado a essa tradição cultural. Mesmo a Igreja Católica se apressou a substituir a língua portuguesa pela inglesa nas suas celebrações e esse foi, só por si, um golpe da maior gravidade na coesão da cultura indo-portuguesa. Como se a luta do Mahatma Gandhi contra os ingleses tivesse sido vã.
Não é compreensível pedir agora ao Patriarca do Oriente, Arcebispo de Goa, que decrete o regresso do seu Patriarcado à língua portuguesa. Mais lógico seria que regressasse ao concanim românico nas suas celebrações diárias em Goa mas não será absurdo pedir-lhe que introduza no Seminário de Rachol uma aula de português para que futuramente se possa celebrar em português uma vez por semana nas igrejas de Goa, Damão, Dadra, Nagar Haveli, Diu, Baçaim, na de Korlai pois que Chaul já morreu e nas do Kerala onde em Cochim continua uma grande peregrinação ao túmulo vazio de Vasco da Gama na igreja de São Francisco. São muitos os indianos que balbuciam as suas orações em português e que com dificuldade aceitam o desprezo linguístico da sua Igreja.
Entretanto, a Universidade de Goa acolheu o Instituto Camões e ali se ministra a didática da língua portuguesa aos futuros professores. Este é um trabalho ciclópico a que não poupo louvores. Conjuntamente com a delegação do mesmo Instituto em Delhi, estão lançados os fundamentos para uma Associação Cultural dos Professores de Português da Índia cuja constituição aqui deixo sugerida aos meus amigos Catarina Índia e Ajay Prazad.
Assim nasceu a Sociedade de Amizade Indo-Portuguesa, Goa (Indo-Portuguese Friendship Society, Goa) que, pela mão do saudoso Dr. Jorge Fernandes, vem desempenhando um papel da maior relevância no estreitamento das relações de amizade entre os dois países, ou seja, entre as duas culturas. O mesmo é dizer que vêm preservando a cultura indo-portuguesa.
Falta que em Damão-Silvasssa e em Diu os lusófilos se associem de modo semelhante em Sociedades de Amizade Indo-Portuguesa, recrutem professores indianos de língua portuguesa e preservem desse modo a identidade civilizacional que os distingue a nível mundial.
Se poderes públicos ajudarem, tanto melhor; caso não, as gentes que salvem a sua própria Cultura.
A palavra «moçárabe» é uma corruptela de «mostarib» ,
nome dado pelos árabes aos estrangeiros que viviam entre eles.
Os moçárabes eram os cristãos que permaneceram com os árabes continuando com a sua administração vivendo em bairros separados.
A sua condição foi agravada a partir dos reinos da taifa e ainda mais com os Almorávidas sendo objecto de perseguições por parte de Abderramão II.
Os Almóadas foram ainda mais intolerantes com estas comunidades demolindo igrejas cristãs e expulsando os moçárabes sobretudo os de Marrocos que se refugiaram em Castela. À medida que as conquistas cristãs avançavam, a vida dos moçárabes nos territórios muçulmanos tornava-se mais difícil levando-os a refugiarem-se em praças cristãs.
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O Norte e o Sul da Península Ibérica, separados pela Meseta Central, para além de um relacionamento natural mútuo, mantêm contactos com zonas afins numa corrente migratória constante que acabou por acentuar dependências étnicas e civilizacionais. Enquanto que o Norte, desde muito cedo, se liga à Galiza, o Sul prolonga-se para a África do Norte e, de uma maneira geral, para as rotas do mar interior.
A partir do século IV d. C., as estruturas políticas do Império Romano começam a desvanecer-se e as funções urbanas são completamente reorganizadas por mercadores de origem oriental criando novos polos de atracção em detrimento da antiga cidade do poder romano.
Esta nova reorganização traz uma nova dinâmica social e económica a Lisboa e Coimbra e esvazia as antigas cidades de Scalabis e Conímbriga. Começam a esboçar-se os mecanismos de uma autarcia urbana, cuja tradição se perde no Mediterrâneo e que irá atingir o seu apogeu na época islâmica. São estas comunidades urbanas, islamizadas desde muito cedo, que irão introduzir a nova religião muçulmana, que afinal é a que melhor se molda aos seus interesses internacionais e aos circuitos de mercados.
A grande massa humana que enche as ruas das cidades é formada, na sua maioria, por uma diversidade de mercadores, artesãos e antigos camponeses que passaram a hortelãos-jardineiros, vindos dos locais mais diversos e de diferentes etnias. As ruas e bairros encontravam-se organizados em comunidades sendo estas as responsáveis pelo carácter único da cidade mediterrânica. São cristãos moçárabes, são cristãos de culto oriental, são judeus ortodoxos ou já convertidos, são sírios, alexandrinos, sicilianos ou malteses de culto muçulmano que participam com regularidade nos ritos e festividades da sua paróquia.
No decorrer do século VIII, quando surgem os primeiros sintomas de arabização no Garb-al-Andaluz, em quase toda a Península Ibérica falava-se o latim. No entanto, o crescente prestígio árabe e o simultâneo enfraquecimento das autoridades eclesiásticas levam a uma imposição gradual no mundo urbano da nova língua.
Até há bem pouco tempo, considerava-se que a ocupação em massa da Península Ibérica pelos exércitos árabes, iemenitas, sírios e berberes tinha contribuído para uma rápida imposição da lei de Maomé através de massacres ou empurrando para Norte os cristãos. Hoje, pelo contrário, dá-se pouca importância à contribuição das forças militares na islamização do Andaluz salientando-se o contributo dos caminhos e rotas do comércio oriental no estabelecimento da religião muçulmana que foi, no entanto, de progressão lenta e gradual. Só nos finais do século X os muçulmanos terão ultrapassado mais de metade de toda a população andaluza.
Se até meados do século X a maioria da população andaluza era não muçulmana e a comunidade judaica não excedia as 10 mil pessoas, é fácil concluir da importância e da extensão do fenómeno moçárabe na história andaluza. Do ponto de vista religioso, interessa destacar duas facetas principais: a ortodoxia urbana exacerbada no choque ideológico com o adversário; uma proliferação de cultos regionais arreigados num meio rural ainda mal cristianizado e votado ao abandono pela Igreja que perdera o poder secular.
Nas grandes extensões interurbanas, onde se tinham enraizado os dialectos moçárabes, permaneceu também uma pesada tradição cristã na sua vertente mais profunda, isto é, o culto dos mortos. Existiam cultos regionais em que era notória a sacralização cristã dos sítios e locais anteriormente habitados por outros deuses. Existiam pequenos mosteiros instalados em antigas villae romanas.
A velha Igreja visigótica, adaptando-se à nova ordem, dispersa-se por alguns poderosos bispados que, durante séculos, vão ser os mediadores das comunidades moçárabes no diálogo com os alcaides e autoridades muçulmanas. Contestando um justificado isolamento perante as outras igrejas cristãs e o papado, em 924 o Papa João X enviou um representante à Espanha muçulmana, que reconheceu a ortodoxia e a legitimidade cristã da liturgia visigótica preservada pelos moçárabes.
Num outro sentido, existem notícias de outro tipo de simbioses e integração no mundo muçulmano. O monge João de Gorze, embaixador em Córdova de Otão, o Grande, em meados do século X, constata que os cristãos do al-Andaluz não comiam carne de porco.
Tudo indica que no Garb-al-Andaluz, a proporção de moçárabes no seio das populações urbanas era bastante elevada, à imagem do que se passava no al-Andaluz. E em Coimbra, a sua presença era largamente maioritária embora o seu culto em nada se assemelhasse àquele que os bispos do Norte impuseram depois de ocupar a cidade em 1064. Nesta altura, durante os confrontos e as negociações para entregar a cidade, os moçárabes foram apelidados de traidores por se terem posto ao lado dos muçulmanos. Os confrontos serão ainda mais exacerbados quando o Concílio de Burgos, em 1080, abule o rito moçárabe. Os conflitos irão reacender-se ciclicamente até se tornarem nas revoltas generalizadas de 1111.
As comunidades moçárabes eram muito poderosas nas cidades do Algarve que eram geridas por famílias locais. A capital da região é referida no século XI como "Santa Maria", denominação que evidencia a presença poderosa de uma comunidade cristã. No extremo da terra, sobre o promontório sagrado dos antigos, encontrava-se a igreja do Corvo (Vila do Bispo), citada pelos cronistas árabes como símbolo do moçarabismo ocidental.
O Islão, última grande civilização mediterrânica, com todos os seus saberes milenares e culturais, foi não só o transmissor do mundo clássico para os tempos modernos mas também o agente activo de uma síntese artística e estética inovadora, ainda hoje dominante nos países muçulmanos e marcou durante vários séculos a produção artística do Ocidente em geral e da Península Ibérica em particular. Os melhores exemplos desta produção artística podem, ainda hoje, ser admirados no Sul de Espanha.
(…) face ao que se requere a Vossa Excelência se digne determinar que
se retome a campanha de educação e formação de adultos por integração da actividade formativa do IEFP no ensino secundário;
se abram as portas a Universidades estrangeiras de cujos corpos docentes constem, pelo menos, 2 ou 3 nobelizdos nos ramos científicos a ministrar entre nós;
na análise do investimento público se inclua obrigatoriamente a fundamentação da previsão do impacto sobre o PIB;
se confirme que o tratamento fiscal preferencial da comunidade chinesa se enquadra no grupo das «fake news»;
não se perca mais tempo a desmontar o oligopsónio no mercado dos bens alimentares;
se proceda de imediato à criação das condições necessárias à realização de operações contratuais sobre futuros agrícolas e respectivos derivados (2º mercado);
se criem as condições convenientes para a distribuição equitativa do risco entre a oferta e a procura no mercado primário de pescado fresco.
Traduzindo de «economês» para a nossa língua corrente, mande Vossa Excelência que
se convide a Bolsa (de Mercadorias) de São Paulo a instalar a Bolsa Portuguesa de Mercadorias;
se determine que, na lota, o leilão passe de descendente a ascendente.
Mais se requere a Vossa Excelência que numa economia pouco produtiva, pouco competitiva e completamente exposta à concorrência externa, o consumo deixe de ser tido por «motor do desenvolvimento» e passe a ser reconhecido como potencial causador da bancarrota nacional.
SUGESTÃO - Sugiro aos meus leitores que leiam os comentários aos textos pois dão pistas de reflexão complementar aos raciocínios que expresso e por vezes, sendo antagónicos, refletem opiniões sempre importantes para uma visão holística da realidade.
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Dentre os Partidos do grupo a que em Portugal se tem chamado o «arco da governação», falta referir o benjamim, o «CDS – Centro Democrático Social» a que posteriormente, por moda meramente onomástica vinda do lado de lá da Ribeira do Caia, se juntou o complemento «Partido Popular» - doutrinariamente, epíteto de importância nula.
Nascido sob a égide da «democracia cristã», foi sucessivamente abrindo alas ao «liberalismo», ao «conservadorismo» e, mais recentemente, a tendências de direita sem doutrina explícita. Perdida a orientação doutrinária estaminal, o «CDS» passou a ser igual aos outros Partidos tão democráticos como ele próprio com a diferença de ser mais pequeno e, portanto, menos influente. Com o aparecimento da «Iniciativa Liberal» que, como o próprio nome faz supor, esvaziou o «CDS» da continuação dessa ala no seu ceio e com o aparecimento do «Chega» polarizando a direita do espectro político português, resta ao «CDS» a alternativa entre a refundação doutrinária e a prossecução na senda da menorização.
No cenário actual de clubismo, sem nada que os distinga no modelo de desenvolvimento que propõem para a economia portuguesa nem no conceito de bem comum que pretendem para a Nação, a filiação num qualquer Partido do «arco da governação» só se justifica por motivos conjunturais ou de perspectivas de influência.
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Vista a História á vol d’oiseau, o modelo salazarista de estabilidade económica (mais do que de desenvolvimento) assentava numa complementaridade territorial do género de o que um produzia, os outros estavam proibidos de produzir:
A Metrópole tinha o exclusivo da produção de vinho e azeite;
São Tomé e Príncipe produzia cacau e marginalmente algum café;
Angola produzia café e diamantes (e tudo o mais que a Natureza lhe deu…);
Moçambique produzia chá e algodão (e mais o que a Natureza lhe deu…);
(…);
Todo o comércio externo passava obrigatoriamente pelo «Banco de Portugal» – grande motivador para as famosas «800 toneladas de oiro»..
O modelo de desenvolvimento do Professor Marcelo Caetano seguiu o mesmo padrão do seu antecessor mas numa perspectiva desenvolvimentista o que significou algo de muito semelhante a políticas mercantilistas, ou seja, de forte incentivo à produção. Este foi o modelo que maiores taxas de crescimento gerou no nosso passado não longínquo.
Com o fim do Império, reduzida a economia portuguesa à dimensão europeia, deu-se a destruição revolucionária de parte substancial da malha produtiva pelo que o modelo foi de retrocesso, não de desenvolvimento.
Passado o temporal político, foi tempo de retomar alguma ordem pela lenta regularização da titularidade patrimonial do tecido empresarial no qual, muito depauperado pela intervenção revolucionária, foi necessário incentivar o investimento. Tratou-se de um processo de reconstrução da maior relevância fundado em subsídios públicos que a então CEE cofinanciou em parte muito substancial (~75%). Este foi um passo estrutural na reconstrução da capacidade produtiva com linhas de orientação sectorial, o que traduzia indubitavelmente um modelo de desenvolvimento. Mas o PEDIP e programas homólogos chegaram ao fim e os tempos mudaram. Seguiu-se uma aposta muito forte no Turismo mas não se cuidou de assegurar a transparência dos mercados e a grande pecha da actual economia portuguesa continua a ser a forma absurda de formação dos preços. Se a este desincentivo à produção juntarmos o conceito de que o consumo é motor do desenvolvimento, temos a explicação para a necessidade de ciclicamente termos de recorrer à esmola externa.
Até que os chineses soltaram o vírus e a quase tudo se celebram exéquias.
E aqui chegados, preparemo-nos para novo ciclo de reconstrução no âmbito de um modelo que, espero bem, seja claro e lógico.
tirado que foi no texto anterior o marxismo totalitário para o lixo da História, com ele foram algumas peças essenciais desse ordenamento político, nomeadamente a ditadura do proletariado, a diabolização do lucro e o determinismo histórico.
Excisados esses tumores malignos do pensamento revolucionário, adoptou-se a via cordata e o marxismo passou a chamar-se «socialismo democrático» e «social democracia».
Oriundos do marxismo duro em que prevalecia a propriedade pública de todos os meios de produção, o «socialismo democrático» passou a admitir que os sectores não essenciais pudessem ser privados e a «social democracia» admite que tudo possa ser privado mas fortemente tributado. Não fora a evolução histórica da democracia ocidental e estas duas correntes de pensamento poderiam ter gerado modelos de desenvolvimento substancialmente diferentes. Mas ambos acabaram por se encontrar na prática liberal e na forte tributação do cidadão que ouse produzir alguma riqueza.
Continuando a abordar o tema na grande generalidade, os dois conceitos de bem comum também actualmente não diferem substancialmente e as estruturas partidárias que suportam cada opção tendem a distinguir-se sobretudo pelas respectivas bases sociológicas estaminais. Na actualidade, ultrapassada a era dos fundadores, já nem essa base sociológica é assim tão díspar. Se na origem do socialismo democrático estava uma base humana de índole laboral industrial e no movimento social democrata se aglutinava uma base laboral dos serviços e uma pequena burguesia, com o aburguesamento geral da população afecta à indústria, passaram os Partidos a disputar o apoio de uma massa humana entretanto homogeneizada. Sem uma base doutrinária definidora das suas próprias características no que respeita a modelos de desenvolvimento e de conceitos de bem comum, os Partidos em compita distinguem-se apenas como núcleos de pertença clubística, como grupos de pressão com mais ou menos transparência, com maior ou menor influência de seitas e tendências.
Em Portugal, anoto dois factos históricos enformadores de toda esta matéria:
A decisão do Dr. Francisco Sá Carneiro de fundar o «PPD – Partido Popular Democrático» onde congregou parte importante da «ala liberal» da «ANP - Acção Nacional Popular» do Professor Marcelo Caetano que, por sua vez, derivara da «UN - União Nacional» do Doutor Salazar e que, carecendo de reconhecimento internacional, escolheu a denominação complementar (que estava livre) de «PSD – Partido Social Democrata» assim se vestindo uma farda de origem marxista a uma base sociológica oriunda da direita não obrigatoriamente democrática (eis o spin-off a que se chama «Chega»);
O momento em que o Dr. Mário Soares, então Primeiro Ministro (II Governo Constitucional) anunciou ao país que «metera o socialismo na gaveta» - e o «PS» nunca mais voltou a ser socialista.
Assim se compreende como em Portugal…
… qualquer solução governativa do «bloco central» se assemelha a um «saco de gatos»;
… o sindicalismo ou é comunista ou não é sindicalismo;
… por que na nossa «praça política» ninguém discute modelos alternativos de desenvolvimento;
… o conceito de bem comum se confunda com os níveis de consumo e de ostentação.
À semelhança dos textos anteriores sob a mesma epígrafe, este também é de opinião, não é nem pretende ser um Tratado sobre a Teoria do Desenvolvimento; não me limito a descrever conceitos e modelos, não hesito em emitir juízos de valor.
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Tenho o conceito de bem comum e o modelo de desenvolvimento numa relação direecta uma vez que cada modelo de desenvolvimento resulta necessariamente de um conceito de bem comum; o vice-versa pode não ser tão taxativo porquanto a um conceito de bem comum podem corresponder vários modelos alternativos de desenvolvimento. A biunivocidade não é linear.
A biunivocidade não é linear nos regimes democráticos, pluripartidários mas nos regimes monolíticos, ditatoriais, não há discussão de nada, não há modelos alternativos de desenvolvimento e os conceitos de bem comum são autocraticamente definidos (por unanimidade) de acordo com a vontade do «dono da verdade».
Estou, obviamente, a referir a todos os países comunistas eufemisticamente denominados «socialistas, democráticos e populares» e academicamente chamados «de direcção e planeamento centrais».
Nestes conceitos de bem comum e de modelo de desenvolvimento enquadram-se actualmente todos os países com regimes totalitários marxistas leninistas e maoistas já que de trotskistas e gramscianos não houve experiências históricas registadas com perenidade suficiente para que se consiga estabelecer alguma distinção dos casos conhecidos de flagrante fiasco no que se refere ao «bem comum contido pela cortina de ferro» e à ruina económica em resultado da diabolização marxista do lucro e, consequentemente, da morte conjunta da poupança e do investimento. De tudo, testemunha a inversão estrondosa do «determinismo histórico» de Marx.
Em Portugal, os adeptos deste fiasco historicamente registado são o PCP (marxista leninista e stalinista) e o BE (marxista gramsciano, trotskista, anarquista…) e o MRPP (marxista maoista).
Noto o absurdo de uma corrente de pensamento que pugna pela anulação do Estado (no sentido de Autoridade pública), o anarquismo, se integrar em Partido, 0 o BE, onde as correntes dominantes são as marxistas trotskista e gramsciana que preconizam a supremacia absoluta da Autoridade pública com exclusão de tudo o mais[i].
O modelo marxista de desenvolvimento assenta na propriedade pública de todos os meios de produção cuja missão é a de cumprirem as determinações qualitativas e quantitativas emanadas da Administração Central do Plano com exclusão de todas as alternativas e improvisos; o conceito de bem comum assenta no princípio de que o Estado assegura todas as necessidades das pessoas com excepção de todas as alternativas de provedoria. E à pergunta de como se justifica o grande crescimento económico da República Popular da China, a resposta é pelo abandono chinês do modelo exclusivamente comunista e, desde a liderança de Deng Xiao Ping, a adopção do modelo «um país (politicamente comunista) dois sistemas (económicos)» em que prevalecem dois motores de desenvolvimento, a saber, as empresas privadas e a inexistência de liberdade sindical (mão de obra a raiar a escravatura). E não estou a referir o trabalho prisional forçado.
Cada bugiganga que compramos na «loja do chinês» na esquina ali ao fundo, configura a nossa conivência com a barbárie enunciada.
(continua)
Janeiro de 2021
Henrique Salles da Fonseca
[i] - Historicamente, registe-se que em 1920, o Príncipe Pyotr Kropotkin, líder do movimento anarquista russo, morreu na mais aviltante miséria de fome frio por ter sido votado ao ostracismo pelo poder soviético então liderado por Lenine. Para saber mais, ver p. ex. https://en.wikipedia.org/wiki/Peter_Kropotkin
Ramona é como se chama aos carros em que a Polícia transporta aqueles que mantém à sua guarda e Catita é uma macaquita de tamanho nem grande nem pequeno, deve ter cerca de meia dúzoa de quilos, não mais.
A cena passou-se em Março de 2015 na floresta sobranceira ao lago de que se abastece Cochim[i], a cidade capital do Estado do Kerala no sudoeste da Índia.
Atravessando a pé a dita floresta para chegarmos ao ancoradouro onde o barco nos esperava, íamos acompanhados por um bando de macacos que sabiam que alguém lhes haveria de dar daquelas bananas pequenas que se vendem no sítio onde os autocarros deixam os turistas. E é um gozo ver a macacada aos saltos e aos guinchos a pedir bananas. Mas há uma macaca maneta da direita que tem muita dificuldade em descascar as bananas e os outros macacos não hesitam em lhas roubar enquanto ela não consegue comê-las. E a pobrezinha desespera e guincha com a perda do petisco. Tive pena dela e decidi protege-la. Deixou-me pegar-lhe ao colo e fiz menção de tirar as bananas que tinha no bolso mas os outros macacos começaram a rodear-me e achei melhor chegar-me junto do carro da Polícia que estava ali na berma da estrada. Só que a macacada não respeitava a Autoridade e, mesmo do tejadilho do carro, me tentavam sacar as bananas. E eu, sempre com a macaca ao colo, via a minha vida a andar para trás apesar da ajuda que os dois ou três polícias me davam a tentar afastar a bicharada. Até que um deles me convida a entrar no carro para poder levar a cabo a minha boa acção. Assim foi que me vi metido numa ramona indiana acompanhado duma macaca a quem queria dar bananas. E dei! Eram três bananitas pouco maiores do que um polegar que ela comeu avidamente. No fim, atirei as cascas pela janela e, quando o bando viu que já não havia nada para ninguém, dispersou. Então, com muita pompa e circunstância, os polícias abriram a porta da ramona e Sua Excelência e eu pudemos sair em segurança. Já no chão e satisfeita com o petisco, começou a afastar-se mas, a pouca distância, virou-se, fez uma grimace e eu tenho a certeza de que aquilo foi um sorriso de agradecimento. Virou costas e lá foi ela toda catita à sua vidinha…
E porquê tanta diligência policial para comigo com uma macaca maneta ao colo? Pois não sei exactamente mas, na mitologia hindu, o deus macaco Hanuman, o das causas difíceis, ajudou Rama, o Deus supremo, a combater Ravana, o demónio.
Também eu, depois de apanhar as cascas das bananas e de as deitar num caixote de lixo, agradeci aos polícias a quem esbocei uma continência e segui para o ancoradouro. Navegámos agradavelmente pelo lago cheio de recantos lindissimos. Acabado o passeio, eis que a avó Graça se começa a queixar de uma dor na perna direita e a ter dificuldade extrema em subir do ancoradouro para a margem e, daí, mais um quilómetro através da floresta dos macacos até ao autocarro que nos levaria ao hotel uns cinco quilómetros lá para a frente…
Mas agora pode ter sido Hamunan a agradecer e pôs os solícitos polícias ali mesmo a dez passos de distância que, vendo o sofrimento da avó, se prontificaram a levar-nos ao hotel. Eis como, num só dia, por evidente amabilidade policial, me vi metido duas vezes numa ramónia indiana. Chegados ao hotel, continência à séria e não apenas esboçada ao que eles corresponderam de igual modo e, mais, puseram as mãos na típica saudação de agradecimento.
O que dá ser amigo da «Catita», uma macaquita maneta…
Janeiro de 2021
Henrique Salles da Fonseca
[i] - Foi em Cochim que morreu Vasco da Gama na véspera do Natal de 1524