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A bem da Nação

A SINFONIA DO NOVO MUNDO – 3

Enclausurado, sem mais nada que fazer a não ser pensar, penso. E continuo a pensar no globalismo (que é a globalização com estruturas plurinacionais) que poderá (deverá) definir o novo mundo que por aí vem depois de amainada, controlada e extirpada a actual pandemia.

Submetida a República Popular da China a embargo comercial total pelo resto do mundo e substituída a ONU por instituição equivalente onde não exista o direito de veto, penso hoje na União Europeia.

Não me atenho muito ao que diz a imprensa sobre a desunião europeia e vejo-a numa perspectiva de conjugação de interesses complementares e não necessariamente de confrontos.

Eis o que vejo:

  • Um conjunto de países que quer ganhar mercados para os seus produtos (bens e serviços transacionáveis) e que deseja um mercado único tão vasto quanto a imaginação permita (aquele grupo a que habitualmente chamamos os países do norte);
  • Um grupo de países que procura protecção política (aquele grupo a que habitualmente chamamos o leste europeu);
  • Um grupo de países que quer apoio financeiro ao desenvolvimento (aquele grupo a que habitualmente chamamos do sul).

Interesses complementares e não conflituantes: os do norte a ganharem dinheiro com o que exportam para os do sul, dinheiro que emprestam aos do sul para o tal desenvolvimento; os do leste a verem tudo e a apanharem umas migalhas e a obterem a protecção contra o imperialismo russo.

Os problemas surgem com os desvirtuamentos e com os percalços. O primeiro desvirtuamento vem com as nem sempre virtuosas aplicações dos dinheiros dos países do norte destinados ao desenvolvimento dos do sul – investimentos amiúde sem retorno, desequilíbrio perene das contas públicas e inerentes endividamentos galopantes; os países do norte a estrangularem a hipotética capacidade produtiva dos do sul para que os respectivos mercados se lhes mantenham abertos (o engodo do investimento externo que compra empresas concorrentes para as fechar); os países do sul a falirem e os do norte sem saberem onde está p alguidar para porem as barbas de molho…

Todas estas realidades, umas mais «especiais» que outras, atravessadas por percalços como a pandemia, podem ser adamadas pelo debate político e pela convivência intercultural – missão muito importante para o Parlamento Europeu servir - pois a divisão da UE só conseguiria fazer com que os do norte perdessem a «quintarola» no sul e os do sul perdessem a caixinha das esmolas do norte. Aos do leste também não lhes vejo razão para saírem não só por falta de alternativa que os preserve da garra temida como lhes vejo também a possibilidade de substituírem a sucata que eram as suas estruturas industriais e sequente esperança de também eles ganharem mercados bons pagadores. Apesar de não existir uma estrutura militar europeia que lhes dê alguma protecçao  - caminho que aponto à Europa em paralelo (em não em substituição) com as Forças Armadas nacionais de cada Estado-membro da UE, algo como uma NATO europeia.

Tudo isto, regado por uma moeda forte aceite em todo o mundo (fala a minha experiência de viajante frequente) demonstrando que as políticas cambiais das desvalorizações discretas ou deslizantes são uma falácia encobridora de problemas no âmbito da competitividade das economias.

Ou seja, não vejo razão para que a UE se desintegre. O não conseguir produzir políticas comuns para além da pró-francesa  da agricultura (que precisa de uns puxões de orelhas, nomeadamente no que toca aos cereais), não rouba espaço de manobra aos Estados-membro caso voltassem a isolar-se. Não há, pois, perdas, há apenas falta de ganhos.

Então, por que saíram os ingleses? Exactamente porque o são, ingleses. Creio que lhes passa pela cabeça a retoma de um esplendor imperial que não estavam a conseguir com aquilo que lhes parecia a «diluição europeia», o temor de deixarem de ser tão ingleses e passarem a ser mais europeus. Não vejo – pelo menos, por enquanto – que esse sentimento de putativa utilidade se espelhe noutros Estados-membro da actual UE. Mas eu não estou a contar com populistas que apareçam no cenário europeu.

Entretanto, quarentenemo-nos…

(continua)

Abril de 2020

Henrique Salles da Fonseca

 

 

A SINFONIA DO NOVO MUNDO – 2

Sendo o direito de veto um conceito democraticamente absurdo, há que o banir dos fora internacionais em que ele persiste. E como esse banimento será vetado por quem é detentor do dito direito, resta a solução de esvaziar as instituições em que ele vigora. Refiro-me à ONU e a todas as suas agências onde presumo que tal direito vigore igualmente (a confirmar ou infirmar).

Mas, para que o mundo não se afogue num emaranhado quântico de meras relações bilaterais, haverá que criar o Forum Mundial em que assentem todos os países do mundo em pé de igualdade, sem votos ponderados nem privilégios democraticamente absurdos. Se os votos fossem ponderados, por exemplo conforme a população, era ver o Lichtenstein a apregoar que tinha 5 ou 10 milhões de habitantes e a comunidade internacional a ter que andar de Herodes para Pilatos a ver quem mentia mais.

Também anacrónica é hoje a divisão do mundo em Primeiro Mundo (o correspondente aos países integrantes da OCDE), o Segundo Mundo (o que compreende os países que pertenceram ao defunto Pacto de Varsóvia, alguns dos quais até já integram a UE) e o Terceiro Mundo (todos os demais países). Eis por que a OCDE e o PNUD deviam ser fundidos e fazer a sua integração no novo Forum Mundial como sua agência para o desenvolvimento económico e humano.

E já que estamos no mesmo paralelo de Nova Iorque, creio que a nova instituição poderia perfeitamente assentar unitariamente em Lisboa em vez da actual repartição entre Genève e Nova Iorque. Deixariamos a FAO em Roma e na Suíça a União Mundial das Telecomunicações, a Organização Mundial do Trabalho (o que tem feito a OIT contra o trabalho escravo na RPChina?) e a da Saúde (com quem o mundo tem muitas contas a ajustar a propósito do Covid-19). Ou não? É que, se a Suíça reiteradamente se pronuncia pela não pertença a todas essas organizações, não faz mais sentido continuar a albergar as respecivas sedes.

(continua)

Abril de 2020

Henrique Salles da Fonseca

A SINFONIA DO NOVO MUNDO – 1

 

Seremos todos Cristóvãos Colombo ou seremos Bartolomeus Dias ou Vascos da Gama?

Como assim?

É que Bartolomeu Dias e Vasco da Gama sabiam perfeitamente o que faziam mas Cristóvão Colombo chegou a um sítio novo, sim, mas que desconhecia por completo e não era, de todo, o que procurava.

E nós, saberemos para onde vamos depois de sobrevivermos à tentativa de extermínio a que estamos a ser sujeitos?

Tudo depende do grau de manobra que permitirmos ao agressor, o Regime ditatorial chinês. Se não lhe impusermos regras de convivência planetária, corremos o risco de que novas calamidades dali surjam na continuação de um processo repetitivo de que este Covid-19 é apenas mais um caso. Lançado de propósito ou sem querer, o mal está aí com perfil de chacina global e não se pode repetir. Impõe-se uma reacção do resto do mundo e se as actuais Autoridades chinesas não dão garantias formais e credíveis de que dali não virão mais calamidades, então o resto do mundo assume a legitimidade de uma imprescindível intervenção.

Perante o que, numa fase imediata, deve ser retirado à China (leia-se, ao actual Regime ditatorial chinês) o direito de veto na ONU, tanto no Conselho de Segurança como noutros quaisquer órgãos daquela instituição em que essa singularidade antidemocrática esteja prevista.

Aliás, não devem ter direito de veto quaisquer Regimes políticos que não sejam comprovadamente democráticos, independentemente da dimensão humana a que correspondam. Não é por dominar um quarto da Humanidade que o Regime ditatorial chinês adquire legitimidade para condicionar decisivamente o bem comum aos outros três quartos da população mundial. Quando a representatividade não tem uma base democrática, não é legítima.

(continua)

Abril de 2020

Henrique Salles da Fonseca

CLAUSURA - 16

Tout passe, tout casse, tout lasse (tudo passa, tudo acaba, tudo esquece)

* * *

Louvo-me na opinião do Embaixador Francisco Henriques da Silva que resumo por palavras minhas, não por transcrição, no que respeita ao novo mundo, o pós viral:

  • A globalização vingará sobre o globalismo dada a falta de eficácia (leia-se utilidade, prestígio) das instituições multilaterais tais como a ONU e a UE que tenderão a desaparecer ou a serem marginalizadas;
  • Tendo-se a China conduzido à posição de inimiga do resto do mundo, deverá ser objecto de embargo global;
  • Uma vez que os EUA se remeteram à política do «America first», retiraram-se da liderança do mundo ocidental;
  • A Rússia ainda carrega o fardo de potência despótica e imperialista no leste europeu pelo que concita a desconfiança dos seus vizinhos e não está em condições de assumir qualquer líder regional;
  • A União Europeia tem dado mostras de total incapacidade na resolução de problemas gerais (sanitários – pandemias; financeiros, - dívidas soberanas; humanos – imigrantes) em que os Estados-membro recorrem a políticas próprias sem qualquer coordenação entre si numa de «sauve qui peut».

A partir deste cenário, creio que:

  • Está na altura de nos deixarmos de hipocrisias e reconhecermos Taiwan como Estado soberano oferecendo-lhe protecção militar internacional;
  • Devemos tentar remodelar a UE para a salvarmos do colapso de que se aproxima, criar a NATO europeia e apostar fortemente no Euro mas aproveitando a ocasião para repensarmos o Espaço Schengen de tal modo que possamos dar livre estabelecimento em Portugal aos cidadãos da CPLP;
  • Devemos reforçar a CPLP com uma estrutura militar e uma moeda comum;
  • Seria bom que tentássemos começar a pagar a dívida brutal que vamos acumular no presente stress, antes que os juros subam.

Tudo isto que digo poderá ser pura fantasia mas o mundo que se aproxima depois desta pandemia que veio para nos destruir, vai ser muito diferente do antes dela.

A ver vamos…

Abril de 2020

FIM

Henrique Salles da Fonseca

CLAUSURA – 15

A minha mãe dizia que se estivesse uns tempos sem ler - entenda-se um livro de substância e não «de cordel» - se sentia embrutecer. E, livro sim–livro não, procurava alternar entre português e francês com o Paris Match à mistura. O inglês reservava-o para o National Geographic Magazine.

A inteligência humana e o seu contrário têm tudo a ver com a funcionalidade cerebral e, dizem os entendidos, com a densidade da malha neuronal e com a qualidade dos impulsos eléctricos trocados entre as sinapses. É claro que as endorfinas andam pelo meio disto tudo.

Da conjugação dos dois parágrafos anteriores, dá para perceber que a «máquina» tem que ser ginasticada e que deve haver diferenças substanciais entre o cérebro de um adulto analfabeto e o de um professor universitário. No meio destes polos, a massa humana comum. E é nesta média que se poderão medir as influências do ambiente social, da qualidade da comunicação, dos hábitos culturais e da sua ausência, do tipo de alimentação e bebidas, sei lá mais quê… Hábitos de sobriedade criarão um ambiente cerebral necessariamente diferente do que acontece com hábitos de alcoolémia.

Neste tipo de circunstâncias, poderá dizer-se que um povo é mais ou menos inteligente que outro? Creio que já não pois, embora os condicionalismos inerentes ao isolamento geográfico e de desenvolvimento cultural condicionem o desempenho cerebral, a globalização tem promovido a uniformização dos parâmetros civilizacionais e, daí, que já não possamos dizer que os chineses urbanizados são mais inteligentes que os urbanizados suecos ou australianos.

Tudo isto para dizer que todos temos direito à vida e que ninguém tem o direito de se sobrepor aos outros. O colonialismo já lá vai com todas as virtudes e vícios que teve.

Eis por que, no novo mundo pós viral, deveremos apostar na solidariedade internacional, sim, mas sem gigantismos avassaladores dos de menor dimensão. Até porque, mais do que a famosa expressão small is beautifull, devemos admitir que small may also be usefull.

(continua)

Abril de 2020

Henrique Salles da Fonseca

CLAUSURA – 14

Na guerra da informação e da contrainformação, o que me interessa saber não é quem criou a «besta» mas sim quem a soltou. E se na primeira questão, o jogo do empurra faz suspeitar de ambos – EUA e China – na segunda questão, a da soltura, não restam dúvidas de que o culpado é chinês. Fê-lo acidental ou propositadamente, não sei e creio que isso pode ser esclarecido mais tarde. Para já, fê-lo e constituiu-se como inimigo do resto do mundo.

Sem recorrer a tempos muito idos, lembro-me do triste fim que teve Napoleão por ter tido a veleidade de ser dono do mundo; lembro-me da miséria a que Hitler conduziu a Alemanha e creio que o fim de Xi não vai ser muito diferente. Porquê? Porque os outros, os não chineses, também temos direito à vida e não vamos esquecer rapidamente a chacina a que estamos a ser sujeitos por causa da China sob a direcção de Xi. Vamos obviamente poupar a China mas algo vai ter que mudar - e muito.

Lembramo-nos da ida de Nixon a Pequim combinar com Xu En Lai o modo de desenvolver a China e de partir os dentes aos Sindicatos americanos: as empresas americanas que se deslocalizassem para a China passavam a abastecer o mercado asiático como até então lhes estava vedado (por causa dos custos americanos) e a partir dessa cooperação novas perspectivas bilaterais se abririam.

O resto da história é conhecido: os Sindicatos americanos desapareceram, Detroit faliu, a balança do comércio bilateral desequilibrou-se a favor da China, o Banco Central da China investiu fortemente em títulos da dívida americana (sobre cuja montanha hoje se senta confortavelmente), os europeus seguiram a mesma deslocalização e a China arvora-se hoje como a potência mais dinâmica a nível mundial e em condições de ditar as suas fórmulas para que os outros povos se aguentem no balanço da vida que levavam antes deste pandemónio.

Mas eu estou em crer que a actual arrogância chinesa cometeu um erro fatal para si própria: não contou com a reacção do resto do mundo.

(continua)

Abril de 2020

Henrique Salles da Fonseca

CLAUSURA – 13

Enquanto os otomanos atacam Constantinopla, os frades discutem o sexo dos anjos.

* * *

Assim diz quem me critica por nestas crónicas não me referir ao problema pandémico por que a Humanidade está a passar, ao que respond0 de seguida:

  • Em primeiro lugar, creio que os meus leitores já têm informação suficiente – se não mesmo de sobra – acerca da chacina em curso;
  • Diz-se que a solução do problema, a vacina, só chegará lá para as calendas, no que não posso ajudar tanto em conceito como na respectiva materialização;
  • A profilaxia mais eficaz parece ser a clausura em que me encontro desde que regressei ao país e cuja intensificação (confinar-me a um quarto cá em casa) é ineficaz sob o ponto de vista viral e prejudicial sob o ponto de vista da sanidade mental;
  • A terapêutica não ma fazem por inaplicável;
  • Objectivamente, o máximo que posso fazer para combater a virose é não dar guarida aos vírus que por aí andem à solta e que assim morram por falta de hospedaria;
  • Nada podendo acrescentar neste processo viral de utilidade para os meus leitores, resta-me tratar de outros temas, o que venho fazendo.

Perante o que me parece haver mais mundo para além do vírus e dado que à Drª Graça de Freitas não foi concedido o monopólio da fala, ater-me-ei doravante a temas que podem interessar ao novo mundo, esse que se aproxima com a ultrapassagem da calamidade em curso.

(continua)

Abril de 2020

Henrique Salles da Fonseca

CLAUSURA – 12

À pergunta do porquê escrever curto, respondo que o faço por várias razões sendo que a primeira tem a ver com o facto de escrever para gente culta e inteligente e, daí, não serem necessários muitos prolegómenos. Se a isso somarmos o estilo enxuto que cultivo com perda para os adjectivos, resultam textos curtos. Mas também escrevo curto para não dar largas à ignorância – definir parâmetros gerais e quem quiser que se dedique aos pormenores e às excepções. Não gosto de repisar um mesmo tema até à náusea; há mais temas à espera de serem abordados.

Escrevo curto porque faço frases curtas, apenas com sujeito, predicado e complemento directo, raramente com um complemento indirecto e, aí, sim, com alguns parêntesis ou travessões. Mas estes são isso mesmo, apêndices que não pertencem propriamente à frase. Podia transformá-los em notas de pé de página mas já estou a imaginar os leitores a blasfemar por terem que desviar a atenção para o fim da página ou, pior, para o fim do texto.

É fácil escrever curto: basta saber exactamente o que se quer dizer e, sobretudo, antes de pegar na caneta ou de atirar os dedos para cima do teclado, saber como acaba a história. Isso permite ir direito ao objectivo final em vez de andar a vaguear sem rumo ao longo das páginas e da paciência do leitor.

Escrevo curto porque os meus leitores têm muito mais que fazer do que perderem tempo com floreados literários.

Finalmente, escrevo curto porque concedo a Immanuel Kant o monopólio de meter cinquenta ideias numa só frase e assim se tornar ilegível por gente normal.

 

(continua)

Abril de 2020

Henrique Salles da Fonseca

CLAUSURA – 11

Alto, magro, sempre amparado por duas pessoas, o Senhor paralítico dava uns passinhos milimétricos e tinha que ser levantado no ar em cada um dos cinco degraus que havia entre o hall do prédio e o patamar do elevador. Tinha um Mercedes cinzento escuro e um chauffeur fardado com uma sobrecasaca cinzenta clara com punhos e gola verdes. O Senhor paralítico era simpático e acenava com a cabeça – e nos seus finais, apenas com o olhar – a todas as pessoas que com ele se cruzavam. Ia mesmo ao ponto de dar a prioridade a outras pessoas no elevador já que ele e companhia ocupavam todo o espaço. Nunca vi ninguém aproveitar essa gentileza e o Senhor paralítico sempre foi o primeiro a usar o elevador. Certo dia, o chauffeur regressou sem o patrão a bordo, nunca mais o vi e passado pouco tempo, o apartamento em que vivia foi esvaziado. Do Senhor paralítico ficou uma memória simpática mas nem o nome lhe retive.

Impante, o Senhor Director Geral não cabia em si de importância e o mundo parecia pequeno para albergar tanto convencimento. O Estado tinha-lhe posto ao serviço um Vauxhall e um motorista que todas as manhãs aguardavam frente à porta do prédio que Sua Excelência se dignasse aparecer. Ninguém, dentre a miudagem do prédio, ousava entrar no elevador com ele não fosse algum bocado de pesporrência soltar-se e magoar algum de nós. Temeroso, distante e mais qualquer outro adjectivo antipático. Certo dia, o motorista e o Vauxhall não estavam à porta e o Senhor Director Geral não desceu no elevador à hora da tradição. Passaram-se uns tempos até que se soubesse – conversas de porteira e empregadas domésticas – que o Senhor Director Geral já não o era, que fora substituído. As domésticas e afins estavam eufóricas por considerarem a substituição como um castigo do «mais poderoso» mas nós, os outros inquilinos, viemos a saber que a substituição se devera ao facto de o Cavalheiro ter atingido o limite de idade. Vai daí, não tardou muito para que o Senhor ex-Director Geral passasse a comportar-se como um cidadão comum e foi com simpatia que correu a notícia que dali para a frente era ele que passava a ir às compras e não mais a empregada velhota que já não podia com o peso dos sacos. E o Senhor ex-importante, passou a ser visto ajoujado com sacos da mercearia e de mais não sei quê, cumprimentando toda a gente e lastimando-se de que o vencimento de reformado era curto. E que era ele que fazia as compras para que não houvesse mais «comissões de intermediação» entre os lojistas e a patroa lá de casa. E de tão importante que ele tinha sido, foi passar a vê-lo com sacos de papel higiénico.

Memento, homo, quia pulvis es, et in pulverem reverteris ...

(continua)

Abril de 2020

Henrique Salles da Fonseca

CLAUSURA – 10

Páscoa feliz para quem ler este escrito. E também para quem o não ler.

No meu escrito anterior prometi que desta vez seria mais objectivo e me deixaria de volatilidades literárias como aquelas de que nele tratei. Vamos, então, a temas concretos.

* * *

O Natal comemora a passagem do tempo do Pai para o tempo do Filho e a Páscoa celebra a passagem do tempo do Filho para o tempo do Espírito Santo, este em que estamos. E é neste tempo que ficaremos até à Parúsia e, então e só então, passaremos ao Juízo Final. E porque a Páscoa significa a ressurreição de Cristo com a Sua desmaterialização e passagem à imaterialidade espiritual, o Espírito Santo que permanece entre nós, esta é de facto a festa maior do Cristianismo. A ressurreição é o fundamento da fé cristã.

Mas o Cristianismo é mais do que a sua Religião pois há quem não se sinta ligado aos dogmas da fé mas cumpra “religiosamente” os seus preceitos morais e, por consequência, adopte o respectivo código ético. E, dentre estes, há-os certamente que nascem, vivem e morrem sem nunca terem assistido – e muito menos participado - a cultos religiosos.

E os outros, esses que não são religiosos – de qualquer religião - e não cumprem princípios morais nem regras éticas? Esses são casos de Polícia e foi sobretudo por causa deles que nasceram os quadros jurídicos em que todos navegamos.

No Ocidente, conseguimos laicizar a definição do bem e do mal, conseguimos avançar na parametrização do bem comum.

Mas não deixa de ser interessante recordarmos algumas questões em torno do bem e do mal.

O mal está no contrário do bem. Portanto, basta encontrarmos o bem para que, no seu oposto, nos deparemos com o mal.

 E o que é o bem?

O bem é o que está conforme à ética e à moral sendo esta a questão dos princípios e aquela a dos factos.

 A condição ética definida pela síntese do «eu, tu, ele», enquadra-nos na síntese do ideal social definido pela questão: o que é que eu quero, posso e devo fazer por ti sem o prejudicar a ele, esse terceiro que pode nem sequer ser nosso conhecido?

Uma atitude inicial que parte do voluntarismo traduzido pelo «quero», que reconhece – com mais ou menos humildade – as limitações pessoais através do «posso» e que se auto impõe o «dever»: altruísmo, humildade, sentido do dever.

Aí está ele, o contrário do bem, o mal representado pelo egoísmo, pela arrogância e pela irresponsabilidade.

E se passarmos do singular ao plural na síntese do «nós, vós, eles», chegamos ao bem-comum (a que também poderemos chamar «Sentido de Estado»): o que é que nós podemos fazer por vós sem os prejudicar a eles, esses terceiros que não sabemos sequer quem são.

Eis-nos assim regressados aos primórdios da distinção entre o bem e o mal.

Estes são temas sobre que nunca é demais pensar, sobretudo num dia em que celebramos a transição para um tempo anterior ao Juízo Final. Até porque, como dizia Pascal no seu argumento ontológico, mais vale crer, em que tudo se pode ganhar, do que não crer e tudo se perde pela certa.

 (continua)

Abril de 2020

Henrique Salles da Fonseca

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