O melhor edifício de Colón parece ser o hotel em que ficámos, o Sand Diamond, que anteriormente era o Sheraton. Arquitectura notável, tudo o mais com grandes deficiências a denotar escassez de tesouraria ou processo de degradação financeira algo mais avançado – minibares vazios com a desculpa de que eram geridos por outra empresa, frascos de shampoo e sabão líquido vazios, o restaurante concessionado a um libanês que nos serviu doses para halterofilistas e um vinho da sua terra com alguma qualidade mas quase ao preço de compra da própria vinha… fiquei na dúvida sobre quem servia os relativamente bons pequenos almoços. Pareceu-me absurdo o preço que me pediram por um café expresso. Não sou forreta mas passei perfeitamente sem esse concentrado de cafeína. Contudo, as camas eram boas e dormimos confortavelmente. Os lençóis que me couberam em sorte estavam bons mas essa condição não mereceu a unanimidade no nosso grupo. As «sandes» encomendadas ao room service devem ter sido comidas por algum gato – mas também não no-las debitaram. Não faltaria mais nada! Wi Fi gratuito e sem limite de tempo. Para fechar este tema do hotel, sugiro aos meus leitores que, se lá forem, se munam de farnel para não ficarem tempos infindos à espera duma «sandes» e duma cola que alguém se esqueça de lhe entregar.
Globalmente, a cidade pareceu-me insignificante, o que não quer dizer pobre pois tem o porto marítimo e uma zona franca (absurdamente aberta para não dizer mesmo desbragada) que são o suporte de alguma sustentação. Não se vê mendicidade nem alardes de novo-riquismo.
Com tempo suficiente antes de embarcarmos no cruzeiro, fomos visitar o Canal. No caminho, enquanto nos arredores de Colón, fiquei sem saber se a estrada estava esburacada ou se os saltos que a carrinha dava eram o resultado de erupções pedregosas que por ali havia no esmerado piso. Chegados à estrada para além da cidade, tudo normal. Conclusão: administração autárquica algo “pedregosa”.
Inaugurada em Agosto de 2019, a Puente Atlântico liga a região de Colón ao território mais isolado do país e que urge desenvolver sob pena de cobiça externa. Trata-se da terceira travessia do Canal e é uma bela obra de engenharia sob a qual passam folgadamente os navios da classe neo-panamax, ou seja, os que por ali podem passar desde que o Canal foi alargado.
Há muito boa gente que não acredita no princípio dos vasos comunicantes e teima em dizer que os Oceanos Atlântico e Pacífico têm alturas diferentes. Nunca perdi o meu tempo a corrigir tamanho disparate pois sempre tive a certeza de que as eclusas servem, também aqui, apenas para ultrapassar desníveis orográficos e nada têm a ver com a altitude zero a que as águas dos dois Oceanos funcionam. Se assim não fosse, imagine-se o que seria o pandemónio no Estreito de Magalhães e o infernal encontro dos Oceanos no Cabo Hornus. Estive no extremo pacífico do Estreito de Magalhães e dobrei o Cabo Hornus com águas planas e sem «degraus» absurdos. Mas não precisaria de lá ter ido para saber que era assim, apenas lá fui passear e não em missão científica para pôr o princípio dos vazos comunicantes em causa. Admito que haja densidades diferentes nas águas dos dois Oceanos do mesmo modo que se pode verificar no Cabo da Boa Esperança onde também não há degraus aquáticos[i]. Aqui, no Canal do Panamá, o desnível é de 17 ou 18 metros (dependendo das marés em cada extremo) e não de 80 metros como eu julgava nem de 8 como diziam os nossos companheiros de viagem – nem 8 nem 80.
O posto turístico de observação do funcionamento das eclusas do lado atlântico (acabámos por não ir ao outro extremo por culpa do corona) é muito interessante e bem organizado. Para além de vermos os barcos em movimento, um alto-falante vai explicando o que se passa à nossa frente. Recomendam também que se assista a um filme sobre a história do Canal.
Depois de várias tentativas goradas – nomeadamente por Ferdinand de Lesseps, o homem do Canal de Suez – o Canal do Panamá foi inaugurado em 1914 depois de os EUA terem assumido o projecto, a obra e o respectivo funcionamento. Definido o espaço envolvente do Canal como fazendo parte da exploração do mesmo, ficaram os EUA a administrar tudo até 31 de Dezembro de 1999. O Panamá recebia as verbas que os EUA lhe queriam dar e não havia discussões que vingassem sobre a «compra de vontades» de alguns políticos locais. Esta presença americana no Panamá foi excessivamente longa e provocou um certo azedume nas populações contra os gringos. Bom seria que não fossem necessários mais 85 anos para adoçar o azedume.
(continua)
Março de 2020
Henrique Salles da Fonseca
[i] - Interessante também o que acontece quando os rios Negro e Solimões se juntam frente a Manaus para formarem o Amazonas com as águas de cada um dos rios, com acidezes, densidades e materiais em suspensão diferentes, correm em paralelo durante quilómetros antes de se misturarem
O título de qualquer escrito deve ser a síntese da matéria tratada e deve ser curto. Se assim não for, cai-se na situação infelizmente tão frequente nos jornais de o título ser muito chamativo e, afinal, não corresponder ao conteúdo da notícia; quanto a ser curto, é fundamental que não se caia no erro de Marco Polo em cujo livro os títulos dos capítulos são tão longos que a meio da leitura de cada um já ficamos com vontade de mandar o livro todo às urtigas. Eis por que me fixei no título acima depois de várias hipóteses ou muito longas ou pouco interessantes.
Significa o título que demos o salto para o outro lado do meridiano definido pelo Tratado de Tordesilhas naquela que foi a sua versão final das não sei quantas léguas a Oeste de Cabo Verde[1].
O «salto» propriamente dito foi dado de Madrid a Panamá City no dia 3 de Março e demorou 10 horas, muitas das quais num mapa sem legendas pois era apenas mar duma ponta à outra da carta de marear que nos era apresentada em contínuo ao longo do «salto». Já fiz vôos mais longos (de Amesterdão a Hong Kong em 11 h e 30’), (Dubai-Melbourne em 13 h) mas esta viagem de agora foi diurna e, como tal, teve horas muito mais compridas do que as da noite. Mas Cristóvão Colombo demorou muito mais tempo, rumou a um sítio que não era (enquanto eu sabia muito bem para onde me encaminhava) e – dizem por aí – ele enganou muito bem os reis de Espanha (eu não pretendi enganar ninguém apesar de uma brincadeira de espionagem que a seu tempo contarei). E se o fito era o de enganar os reis espanhóis, Colombo fê-lo com tal perícia que repetiu a dose mais duas vezes. Na volta da primeiro viagem, aportou a Lisboa (por engano?) e foi a Valparaíso, localidade do Concelho de Azambuja, contar não sei exactamente o quê ao nosso rei D. João II que lhe terá dito ou ordenado o que não ficou registado na História. Não consta que no regresso da segunda nem da terceira viagens se tenha enganado no azimute da foz do Guadalquivir ou no da praia da Malagueta.
Entretanto, os nossos navegavam em segredo por África abaixo…
E foi pensando nestas e noutras piruetas e rapiocas da História que pus pé no Panamá, lá quase na outra banda, perto do Pacífico.
Pode ter sido a agente que me calhou em «sorte» nas formalidades de entrada no país mas, sem animosidades a assinalar, já me encontrei com gente muito mais simpátrica. E então, lembrei-me de que durante muito tempo aquele não foi o país da Alice: conquistadores mais ou menos sanguinários mas todos rudes, piratas e corsários, gringos dominadores, independência fictícia, narcotraficantes e banqueiros aventureiros… E foi neste remoinho de lembranças que me veio à memória esse General bexigoso, Noriega, que ameaçou o Tio Sam de dar com a língua nos dentes sobre o tráfico de influências no financiamento do processo «Irão-Contras» e acabou por passar uma temporada larga nos calabouços americanos sob a acusação de tráfico de droga. Longe de mim dizer que Noriega era um «santinho» ou sequer um democrata endeusado pelo seu povo; pelo contrário, sempre o tive por um grande malandro, autocrata, vingativo e corrupto mas eventualmente menos pior do que outros que giraram na História do Panamá. Do «drama» Noriega extraio um clima historicamente dominante de injustiça que azeda aquela Nação. Compreendo a rudeza daquela gente – de que a Fulana dos passaportes é mero exemplo - e tenho pena de ter ouvido a resposta que me deram quando perguntei se o actual regime político é democrático ou autocrático: - Corrupto mas com eleições.
Do aeroporto de Panamá City rumámos directamente a Colón que é o porto marítimo atlântico. Foram 80 Kms por estradas assim-assim e por uma autoestrada aceitável. Era noite, não vi nada.
Quando leio que Espanha se avizinha por vezes de taxas de desemprego superiores a 20% da população activa, um único comentário me ocorre: - É mentira!
Por mais de uma vez ouvi mesmo referir essa taxa no nível dos 25% e logo me lembrei das contas feitas pelo Banco de Espanha aquando da substituição da Peseta pelo Euro que se mostraram erradas por defeito também na ordem dos 25%. Como assim? O erro estava no cálculo da economia paralela que seguramente ultrapassava essa percentagem. E vá de fazer a correr mais 25% de Euros…
Como é possível a economia paralela tomar conta de mais de 25% da economia de um país? Não é assim tão difícil se assentarmos na definição de economia paralela. Esta, é toda a que passa por fora da fiscalidade e não é necessariamente «caso de polícia» - partindo do pressuposto (muito discutível) de que a fuga ao Fisco não é «caso de polícia». Dito de outro modo, nem toda a economia paralela é criminosa de tráfico de seres humanos ou de matérias alucinogénias, etc. Economia paralela é a transacção não escriturada e, portanto, oficialmente inexistente, não tributada. Portanto, a conclusão é a de que, sim, é possível que a economia paralela de um país atinja essas percentagens que nos parecem absurdas: basta que os publicanos locais decidam, também eles, facturar privadamente uma fatia do que deveriam tributar o súbdito a favor da causa do Rei. Se aos publicanos referidos se juntarem os inspectores do trabalho, lá estão as empresas-fantasma, as que pura e simplesmente não existem pois todo o seu pessoal está no desemprego, mas a trabalhar clandestinamente. E o Rei a ver os navios a passar…
Lembro-me também de Milton Friedman quando ele blasfemava contra os preços administrativos das moedas – aquilo a que chamamos os câmbios oficiais – e dizia que o verdadeiro valor das moedas é o que vigora nos mercados paralelos. Abaixo o Banco de Angola, viva o Roque Santeiro!
Em Portugal, pelo contrário, temos uma Administração Fiscal ubíqua e considerada como uma das mais eficazes a nível mundial (5º ou 6º lugar num ranking que o meu contabilista não identificou) e não será difícil esse big brother saber quantos caroços de azeitona eu deitei para o lixo.
Eis a Península Ibérica a apresentar exemplos de eficácia fiscal entre o 8 e o 80 com todas as consequências que isso significa a nível da distorção da concorrência internacional e com os porcos espanhóis a chegarem ao Montijo mais baratos do que os produzidos localmente. Os cábulas a comerem as papas na cabeça dos bons alunos.
Apesar de tudo, conseguimos crescer 2,2% em 2019 e ter uma das mais baixas taxas de desemprego registadas aqui pelas redondezas.
Milagre? Não certamente. O turismo tem sido «pau para toda a obra» apesar da guerra que a esquerda parlamentar constantemente lhe move – cujo ideal de desenvolvimento deve ter algo a ver com o modelo cubano se não mesmo com o norte coreano. Mas temos também os chamados para-choques que evitam crises e fracturas. São eles a capacidade de adaptação de uma mão de obra de fraca formação e fraquíssima especialização a funções tão diversas como empregados de mesa, taxistas mais ou menos aperaltados, agentes imobiliários, telefonistas nos call centres, caixas nas grandes superfícies. Imagine-se o que seria toda esta gente licenciada em engenharias e outras ciências e tecnologias mais ou menos sofisticadas numa economia fiscalmente estrangulada, submetida à concorrência fiscal desleal e com um cenário parlamentar controleiro.
Se a tudo isto somarmos o facto de sermos uma economia pouco produtiva porque a voracidade sindical matou as grandes empresas ou as passou para o controle estrangeiro, uma medonha propensão marginal à importação, uma política fomentadora do consumo, o conceito de que o crédito é um direito (e não uma conquista de gente honesta) com a banca a falir estrondosamente e a passar também ela para mãos estrangeiras, temos todos os ingredientes para que a «coisa» dê para o torto. E, contudo, ainda só nos encaminhamos para a 5ª Grande Falência Nacional desde 1974.
Devemos estar sob a asa de São Miguel Arcanjo, o protector de Portugal e será por isso que ainda há quem tenha motivos para sorrir.
Sim, deve andar por aí muita mitologia a proteger a nossa democracia.