APOSENTADOS
Aposentado – subst. masc., aquele que se recolheu ao aposento, conforme dicionário Torrinha na sua edição de 1947.
Contudo, quando o Sol brilha, é vê-los nesses jardins de Lisboa aos magotes a jogar a bisca lambida, o dominó ou, sei lá, algum outro jogo menos inocente … E depois da batota vem um copito na tasca para alegrar o convívio. Aposento? Só às refeições e para dormir. A menos que chova pois, de contrário, a “patroa” há-de queixar-se de ter o homem sempre metido lá em casa não a deixando endireitar o mundo à conversa com as vizinhas. É que, está bem de ver, o culpado disto tudo é o Governo e eles, que andaram a estudar e até têm os livros, afinal não percebem nada disto como elas querem que seja. E agora com os homens metidos em casa é que não pode ser mesmo nada: os homens querem-se é na rua e se chegarem à noite com um copito a mais … é da maneira que se deitam logo a dormir em vez de andarem com conversas parvas a quererem baile …
A pensão pode não ser grande coisa mas dá para … não fazer nada. E é disso que a gente gosta.
Isto é o que se passa em Lisboa, capital do Império. É claro que no resto do país sucede exactamente o mesmo ou ainda mais.
Se a este cenário somarmos o encerramento de Escolas por esse país além, ficamos com uma ideia bem clara do processo de envelhecimento e paralisia por que a nossa sociedade passa.
E quando vejo aqueles ociosos todos, lembro-me do Sousa que em 1945 começou a trabalhar na empresa que foi fundada por familiares meus nesse mesmo ano em que nasci e que dela se reformou quando eu era membro da Administração, por meados dos idos de 80 do século passado, o XX. Já tinha direito à reforma mas não queria ir para casa e eu, sabendo disso, sempre lhe disse que enquanto ele quisesse trabalhar, o posto era dele. Nunca lhe disse que o cargo seria extinto quando ele saísse. Ele era útil pelo bom senso que lhe era peculiar e a que eu frequentemente recorria, não propriamente pelo trabalho que exercia. Mas a família dele – mãe que ainda tinha, mulher e filha – insistia na reforma e certa vez ele disse-me que já não podia aguentar mais a pressão e que ia mesmo aposentar-se. E assim se fez. Papelada tratada e o Sousa ficou certo dia em casa. Sentou-se comodamente num sofá e … entristeceu de tal modo que lhe apareceram todas as maleitas que o trabalho fizera esquecer e passada meia dúzia de meses fui ao seu enterro.
É claro que ninguém cá fica para semente e que por isto ou por aquilo todos havemos de conjugar o verbo ir mas se esta história do Sousa confirma o ditado que reza que “parar é morrer”, os da bisca lambida acham que só trabalha quem não sabe fazer mais nada. E o que será melhor? Ser-se ergomaníaco ou madraço? Ou muito me engano ou também agora se justifica o conceito de que “in medium virtus”.
Eu explico: àqueles a quem sobra o tempo e se sentam, enferrujam-se-lhes os neurónios e doem-lhes as cãibras ou as varizes numa intensa inactividade; os da bisca lambida não têm problemas de consciência por se transformarem em meros consumidores de oxigénio e peso bruto na despesa pública; os do meio-termo tentam gozar a vida e trabalham um pouco para não enferrujarem rapidamente.
E onde me localizo eu próprio? Algures num ponto que o mais sofisticado GPS não vai conseguir determinar com exactidão: estou aposentado, nada tenho formalmente que fazer e, contudo, o meu horário está de tal modo preenchido que não consigo arranjar tempo para actualizar o “A bem da Nação”.
Mas eu prometo que vou retomar o ritmo. Só peço que me deixem aproveitar esta onda de alguma animação do mercado de arrendamento, antes que o BCE decrete alguma descida – espúria, aliás – das taxas de juro e os senhorios voltem à tradicional situação de caridosos benfeitores de inquilinos pobrezinhos que querem ir para o jardim jogar à batota da bisca lambida e às manifestações do Sindicato com deslocação de autocarro paga pelo Partido exigindo melhores reformas … para poderem tomar mais um copito lá na tasca da esquina.
Prometo.
Lisboa, Setembro de 2007
Henrique Salles da Fonseca