Pese embora a tradição, hoje começo por identificar as fontes de que me servi para o texto que se seguirá.
BIBLIOGRAFIA:
Economia ao Minu
Expresso
Jornal de Negócios
Jornal Económico
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Dados relativos a 2019 medidos sobre os períodos homólogos do ano anterior:
Δ do PIB no 2º Trim => 1,8%
Δ preços Agosto => - 0,1%
Δ FBCF 1º Trim => 11,8%
Δ FBCF 2º Trim => 6,9%
Δ Consumo bens duradouros 1º Trim => 3,1%
Δ Consumo bens duradouros 2º Trim => 0,2%
Δ Cons. bens não duradouros 1º Trim => 2,3%
Δ Cons. bens não duradouros 2º Trim => 2,2%
Δ Consumo privado 1º Trim => 2,3%
Δ Consumo privado 2º Trim => 1,9%
Δ Importações 1º Trim => 8,1%
Δ Importações 2º Trim => 3,1%
Δ Exportações 1º Trim => 3,7%
Δ Exportações 2º Trim => 2,0%
Δ Exportações de serviços (c/ Turismo) 1º Trim => 4,6%
Δ Exportações de serviços (c/ Turismo) 2º Trim => o,8%
Δ Exportações de bens 1º Trim => 3,4%
Δ Exportações de bens 2º Trim => 2,4%
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A primeira observação que me ocorre é o crescimento das importações ser sempre superior ao das exportações em que estas, virtuosas, devem ser confrontadas com aquelas que, muito frequentemente, correspondem ao esbanjamento de meios de pagamento sobre o exterior na compra de quinquilharia, o que ligo ao pujante consumo de bens não duradouros. Adivinho o quase certo aumento galopante do endividamento dos bancos portugueses sobre os homólogos estrangeiros.
A segunda observação tem a ver com o Investimento (FBCF) que, segundo a Católica Lisbon Forescasting (in Jornal Económico), se degradou pela redução da aquisição de máquinas e equipamentos - ou seja, pela redução da renovação tecnológica ou pela redução do aumento da capacidade produtiva. Não disponho, contudo, de elementos que me permitam perceber qual a importância que os equipamentos necessários ao enchimento de nova bolha no mercado de novas habitações assumem nesta redução do investimento.
A terceira observação está relacionada com a elasticidade do consumo de bens duradouros e a rigidez do consumo da quinquilharia chinesa e quejanda. De qualquer modo, apesar desta constatação, vemos por aí pulularem empresas que se dedicam à concessão de crédito ao consumo e, obviamente, de bens duradouros, não de bugigangas. Seria interessante dispormos de um barómetro do endividamento das famílias mas há muito tempo que não ouço o Banco dePortugal prestar essa importante informação. Não quero crer que esse silêncio tenha algo a ver com a aproximação do 6 de Outubro, com algum apavoramento dos eleitores e, quiçá, com desvio de votos. Pois, não quero crer mas adivinho que as famílias estão novamente super endividadas e que nova borrasca se aproxima.
Quase no fim, registo a informação do INE relativa à deflação de 0,1% em Agosto devido a uma quebra nos preços dos combustíveis. A ser mesmo essa a causa, pois então que continue a deflação por muitos e bons anos.
Finalmente, uma questão semântica: se a uma economia estagnada (ou mesmo em recessão) mas com os preços a subir se diz estar em estagflação, como se diz duma economia em crescimento (Δ do PIB no 2º Trim => 1,8%) e em deflação? Será apenas uma história mal contada?
De acordo com a informação oficial, em Julho de 2019, o índice de preços no consumidor em Portugal desceu 0,3% em relação ao período homólogo (Julho de 2018). Diz o INE que o fenómeno se ficou a dever à baixa nos preços praticados na restauração e na hotelaria bem como à redução do IVA no gaz e na electricidade.
A ser assim, dá para ficarmos mais tranquilos do que ficaríamos se a baixa dos preços resultasse de causas mais profundas, nomeadamente de políticas públicas activas.
Efectivamente, a euforia que reinava na hotelaria e na restauração tinha que abrandar sob pena de levar os turistas para outras paragens e, de repente, ficarmos todos a xuxar no dedo por termos partido a «corda» de tanto dela abusarmos. Se os empresários do sector se decidiram por alguma moderação, só demonstraram sensatez. O caminho por que vinham trilhando era favorável ao Norte de África como destino turístico, apesar de alguns perigos que sempre se perfilam por aqueles azimutes.
Relativamente à redução do IVA, trata-se de uma medida administrativa de cariz pré-eleitoral sem qualquer relevância na análise económica ou da conjuntura financeira global. Não quer isto, contudo, dizer que a medida não tenha consequências na problemática orçamental, no equilíbrio das contas públicas e na redução do stock da dívida. Mas isto é futuro e o que por agora interessa é o passado.
O perigo seria que a deflação resultasse das restrições orçamentais em curso pela via das cativações mas, pelos vistos, quem está na posse dos números (INE), não assesta armas nesse sentido como acima refiro e eu fico muito tranquilo. Mais: respiro mesmo de alívio ao constatar que a presente deflação resulta da correcção de exageros e não de sangria de fundos que fizessem efectiva falta à economia, que a política em curso de anulação do défice público não encontrou aqui qualquer obstáculo e que a eleitoralista redução do IVA deixa adivinhar que existe alguma almofada por aí escondida onde possamos descarregar o peso de alguns actos de manipulação polítiqueira.
Perigoso seria que os preços tivessem baixado como reacção a uma quebra involuntária da procura e isso, sim, seria escandaloso quando o modelo socialista de desenvolvimento tem no consumo um motor que considera importante. Mas não, o consumo interno continua puante, a balança de bens até já voltou aos défices, o endividamento sobre o exterior está impante, o crédito às famílias a retomar tempos anteriores à troika, a bolha da habitação a dizer que há muita gente que não aprendeu nada.
Perguntado sobre se o “A bem da Nação” se pronuncia sobre os fogos na Amazónia, respondo que a desinformação me parece muito grande, o que obsta a que consigamos fazer raciocínios minimamente fundamentados em informação credível. De tudo o que me chega, extraio a sensação de que, das duas, uma: ou é verdade ou é mentira.
Portanto, louvo-me na opinião do meu amigo Francisco Gomes de Amorim que vive no Brasil há mais de 40 anos, tem uma visão holística do assunto, conhece os brasileiros nas suas virtudes e nos seus podres e conhece os que se lhes opõem nas suas virtudes e nos seus podres.
Da conversa telefónica que tivemos extraio que:
Sempre houve queimadas na Amazónia que, descontroladas, se transformaram em acidentes;
A pressão para a extensão das áreas agrícolas e pecuárias incide na região amazónica na razão directa da corruptibilidade governativa;
A cooperação internacional vem sendo feita a pretexto do combate aos fogos mas tendo como objectivo real a prospecção das riquezas naturais, em especial as do subsolo;
O Brasil dispõe dos meios necessários ao combate aos fogos mas seria importante que estes deixassem de ser ateados por quem quer manter as equipas prospectoras das riquezas naturais na Amazónia;
De momento, são conhecidos os interesses de França, da Alemanha e da Noruega;
Adivinha-se a decisão internacional de imposição de sanções ao Brasil com vista a impedir acordos comerciais que facilitem a entrada de produtos agrícolas (e pecuários) e agrícolas transformados nos mercados europeus.
Uma das riquezas do subsolo amazónico parece ser essa tal dos metais raros.
Seguem-se dois gráficos que me foram enviados por outro contacto meu no Brasil.
Richard Wagner usava roupa interior feita à medida e de seda. Esta, tinha que ser duma qualidade considerada extrafina e resistente e só era vendida por um certo comerciante em Basileia.
Tribschen, a mansão que o rei Luís da Baviera mandara construir perto de Basileia para seu próprio descanso mas que pusera também à disposição do compositor, foi o local que Wagner aproveitou para compor parte importante da sua obra operática. Foi também aí que nasceu Siegfried, o terceiro filho que teve com Cosima, a filha de Liszt.
Construída ao gosto de um louco perdulário e usada para que um excêntrico desse largas à sua genialidade musical, em Tribschen vivia-se num mundo muito diferente do que era próprio da gente comum.
Quando Nietzsche assumiu a cátedra de Filologia Clássica na Universidade de Basileia, logo aproveitou para visitar o seu ídolo musical com quem na juventude trocara alguns pontos de vista sobre a tragédia grega – tema que levou o compositor a passar a escrever-lhe com frequência e que fundamentou uma amizade perene.
A relação intelectual entre Wagner e Nietzsche foi tal que em Tribschen só o Rei Luís, Wagner (e respeciva família) e Nietzsche possuíam aposentos privados. O Rei ia lá raramente, o compositor vivia lá em permanência e o filólogo (que ficou conhecido como filósofo), ia lá passar os fins de semana e as férias.
As longas conversas entre Wagner e Nietzsche rondavam sobretudo a tragédia grega a qual servia de inspiração às óperas que o compositor ia produzindo. E Nietzche era a única pessoa autorizada a permanecer na sala contígua à que Wagner usava como sala de trabalho – assim ficando «à mão de semear» para qualquer esclarecimento filológico - e ter-se-á mesmo referido algures ao ritmo de trabalho do compositor como começando por trautear ou mesmo cantar na sua voz rude um trecho, seguido de breves instantes de silencia enquanto se dirigia ao piano para ouvir o resultado do que imaginara, seguido de novo silêncio durante o qual Wagner passava para a pauta a versão que considerava definitiva.
Entretanto, o adiantado estado de gravidez de Cosima provocava-lhe muita inércia pelo que, certa vez, chegou mesmo a pedir a Nietzsche que comprasse em Basileia uma peça de seda para os efeitos já nossos conhecidos. Sim, claro que o faria e no fim de semana seguinte já traria a encomenda.
Durante a semana que ia decorrendo na Universidade, Nietzsche sentia-se cada vez mais embaraçado mas encheu-se de coragem e pediu a um aluno que lhe indicasse uma loja onde pudesse comprar uma peça de seda. O aluno não teve qualquer dificuldade em responder e na primeira oportunidade Nietzsche dirigiu-se ao local indicado mas não teve «lata» de dizer que a seda era para fazer umas cuecas a Wagner e comprou a primeira seda que o lojista lhe apresentou.
Chegado todo ufano a Tribschen no fim de semana seguinte, entregou a encomenda a Cosima que logo lhe agradeceu muito, lhe pagou e abriu o embrulho. O filósofo logo se apercebeu de que a qualidade da seda não era a indicada para as partes íntimas de Wagner mas ninguém teceu qualquer comentário e fica para o infinito dos tempos o esclarecimento da questão de qual a influência indirecta que Nietzsche provocou nas partes pudibundas wagnerianas e, quiçá, nos acordes e dissonâncias do Anel dos Nibelungos.
Agosto de 2019
Henrique Salles da Fonseca
Bibliografia:
«EU SOU DINAMITE - A VIDA DE FRIEDDRICH NITZSCHE» - Sue Prideaux, Círculo Leitores, 1ª edição, Abril de 2019
Chegando a Lourenço Marques numa radiosa manhâ domingueira de Março de 1974 no vôo que saira de Lisboa no final de Sábado, levava eu o Expresso já lido e relido debaixo do braço. Dirigi-me para a recolha das bagagens e, daí, para a Alfândega. E eis que sou mandado parar. Parei de imediato e perfilei-me perante o agente daquela Autoridade. O jornal Expresso estava apreendido. Logo informei que não era necessário apreendê-lo e perder tempo com a elaboração do auto de apreensão. Eu oferecia-o ao Chefe da Delegação Aduaneira do aeroporto para que o lesse tranquilamente. Aceite a oferta, fui-me ao meu destino levando comigo a derrogação do princípio sacrosanto de "Portugal uno e indivizível do Minho a Timor".
Tenhamos fé em que o passado nos ensine a fazer um futuro risonho e não rizível.
Chegada a Maputo a meio da tarde depois de vôo sem história e sem hospedeira loira madraça. E será que a outra era mandriona e esclavagista como dei a entender? Não creio, bem vistas as coisas, ela apenas ia a examinar a adjunta para a «largar» e lhe passar carta profissional. Mesmo que esta versão não corresponda à verdade, pelo menos é mais simpática. Desta vez, a tripulação era toda negra.
Como que por magia, o Polana deve ter adivinhado que nós estávamos a chegar e tinha uma carrinha de transfer à nossa espera. Melhor assim do que de táxi.
Check in para o Polana Mar novamente mas apenas para duas noites na sequência do que voaríamos para Lisboa.
Retoma da bagagem que tínhamos deixado em depósito por não precisarmos dela no Bazaruto e… onde está o bastão mágico? Qual bastão? Uma bengala? Não! Um bastão não é uma bengala. Que não sabiam do que se tratava. Venha o Chefe disto. Veio o Chefe daquilo. Não sabia do que se tratava. Que eu não tinha registado o depósito do bastão. Porque me disseram que não era necessário. Venha o Chefe do Chefe. Veio o Chefe daquilo tudo que se fez de muito zangado com o pessoal de turno mas que não teve a magia para fazer aparecer o bastão mágico. Vamos dar o assunto por encerrado aqui mas que fique bem claro que se trata de um caso de gatunagem.
E se, quanto a mim, a magia ficou por se realizar, não sei se o bastão castigou o gatuno ou se, pelo contrário, lhe agradeceu por o ter livrado de vir para a Europa tirando-o da sua querida África.
Invocados os Xicuembos que por ali andassem, ficou tudo mais calmo com a nossa decisão de passarmos o dia seguinte no hotel com piscina a condizer com as salsas ondas da baía índica lá em baixo. Pequeno almoço na grande varanda, almoço leve entre dois mergulhos, decidimos ficar por ali dando dois dedos de conversa para a direita e para a esquerda. Em português, só o pessoal que se desfazia em mesuras e vergonha vergonhosa por causa do bastão. Sim, a notícia circulara e todos sabiam do desaparecimento do bastão. E até que ponto o sentimento de repulsa era sincero? Não sei nem virei a saber porque se eu soubesse que um estrangeiro queria levar um bastão mágico para fora de Portugal, eu tudo faria para que isso não acontecesse. Da mesma forma que se fosse uma tela da Joséfa de Óbidos e de modo contrário aos quadro do Miró que não fazem cá falta nenhuma. Mas estes, saindo, só depois do devido pagamento. E o «meu» bastão, afinal, não era meu porque faz parte da mágica africana.
No dia da piscina, pelo final da tarde e antes de nos dirigirmos à sala de jantar, passámos pelo sítio onde antigamente era a esplanada do «tout Paris» e demos lá de caras com um antigo guerrilheiro que se fazia rodear de vários guarda-costas para estar ali num espaço público a fazer não sei o quê. Sei apenas que fiquei impressionado com a segurança. É preciso temer muito para se fazer rodear de tanto «polícia». Eu, por exemplo, andava na terra dele totalmente desarmado e tranquilo. Mas eu nunca fiz mal a ninguém e isso deve ser o que o distingue de mim e da gente comum que me rodeava. Também nas terras boas há gente má e o mais grave é quando essas pessoas assumem cargos relevantes. Também nós, em Portugal, temos tido alguns casos desses mas ninguém que desmembre e decapite inocentes para, lançando o terror, desertificar humanamente certas áreas que se diz serem ricas em jazidas disto e daquilo.
Lastimo, Caros Leitores, concluir este conjunto de crónicas com uma anotação negativa mas a realidade não pode ser escamoteada: em Moçambique também há bandidos que ainda andam à solta e que ainda não foram expulsos do Partido que assume a governação.
No dia seguinte, avião para Lisboa e a mulher do amigo que me dera o bastão mágico vinha no mesmo vôo. O pai dela vivia (ou ainda vive) em Tavira, onde eu escrevi estas linhas sobre Moçambique, um país que merece tudo de bom.
Na doca de Mucoque, como previsto, o transfer à nossa espera. Um último olhar para o que tinha sido o Hotel Don’Ana – fechado mas não em ruinas – e vá de passeio pela estrada sobranceira às praias até Vilanculo, quase sempre à sombra das casuarinas e do assobio que a brisa marítima faz nas suas faúlhas. Temperatura amena a dizer que aquele é um bom local para se viver. Casas de praia em madeira que já tinham visto melhores dias mas, assinada a paz e com aquela localização, seria fácil adivinhar que qualquer dia estariam recompostas. Até porque se o turismo nas ilhas do Bazaruto é para desportistas do mar, nada obsta a que do lado de cá não possa haver turismo para sossegados.
Entrámos na malha urbana de Vilanculo sem nos darmos conta pois que, de início, tudo se fez por vivendas cada vez mais chegadas até que começaram a aparecer casas de tijolo pegadas umas às outras, sem quintais de permeio. Et voila, c’est la ville! E porquê uma expressão em francês? Porque em espanhol seria muito feio devido à terminação do nome da cidade.
A azáfama era enorme no largo da Câmara Municipal pois estava a chegar a camioneta que vinha de Maputo. Viagem de cerca de 700 quilómetros, penso que tenha vindo aos saltinhos pois custa-me a crer que as cabras e as galinhas que vimos serem apeadas do tejadilho tivessem sobrevivido à soalheira desde a capital até ali. Eventualmente, vinham de alguma localidade ali próxima. Mas isso não é importante para o que me pareceu. E o que me pareceu foi que a vida retomara o seu curso depois da guerra civil e que as populações estão muito mais interessadas em que as deixem viver do que nas altas lucubrações da política. O problema surge quando os da política impedem as populações de viver e, aí, chaga-lhes a mostarda ao nariz e entorna-se o caldo. Foi isso que aconteceu quando o Partido que então era único fez as estupidezes que já referi em crónicas anteriores instaurando a revolução dita proletária (de que proletariado por ali?), privando as pessoas dos seus bens, querendo que elas pensassem conforme cartilhas que vinham do frio,… Então, houve guerra e os dogmáticos viram-se obrigados a negociar. Mas, mesmo assim, demora tempo a que os políticos se habituem a ter alguém a espreitar-lhes por cima de um ombro e mais tempo ainda a adoptarem novas práticas que não as das tais cartilhas malévolas.
Bem sei que só tinham então passado quatro anos desde a assinatura da paz lá em Roma mas não deixei de reparar no mau estado de conservação das ruas e num certo desleixo generalizado. Vilanculo merecia melhor sorte na Administração que lhe coubera.
Dada a volta prevista pela cidade, era hora de rumarmos ao aeródromo. Feito o check in, enviadas as malas para a respectiva fila de embarque ali bem perto e debaixo dos nossos olhos, esperámos junto da porta de embarque dos passageiros numa «sala de embarque» com porta directa para a rua e outra igual mas do lado oposto que dava directamente para a placa de estacionamento dos aviões. Agente fardado da Polícia a olhar por tudo e por todos, garantindo total segurança. Ficámos então a saber que naquela «sala de embarque» entrava (e saía?) quem queria uma vez que, vindo da rua, se aproximou de nós um Fulano razoavelmente vestido de camisa, calças compridas e sapatos que, ali debaixo de nariz do polícia, nos perguntou se queríamos o pó branco que descontraidamente exibia para nossa apreciação. Rejeitada a oferta, saiu para a rua com a mesma descontração com que entrara e nós ficámos convencidos de que ou ele era sócio do polícia ou este era comissionista da droga vendida na «sala de embarque» do aeródromo de Vilanculo. A menos que o tal pó branco fosse de talco para tirar alguma nódoa que nos tivesse visto nas vestimentas. Seria? É que a origem mais próxima da matéria prima para fabrico do pó de talco se situa ali em frente, do outro lado do Oceano Índico, numa mina a céu aberto vizinha de Geraldton, cidade da Austrália Ocidental, a dois dias de navegação a norte de Perth.
Vôo sem história até Maputo no avião da contravolta.
Batucada forte a soar por toda a parte, a chamar para o jantar e nós já casually dressed for dinner, lá fomos pelo passadiço bem alto, ao nível das copas das árvores. Passarada na chilreada de arrumar os ninhos para a noite que não tardava; nada de macacos. Destes, viemos a saber que, contra os nossos receios iniciais, não havia. Como os pássaros, teríamos as noites mais tranquilas sem macacos pelas redondezas.
E chagámos à porta do batuque que só parou quando nos perfilámos à espera que nos mandassem entrar. Ficámos a saber que hóspedes novos vencem batucada até chegarem à sala de jantar.
Todos os batuqueiros se puseram à nossa frente com sorrisos abertos de orelha a orelha e mãos postas ao estilo oriental em cumprimento de boas vindas. O que claramente era o chefe de sala, tomou a iniciativa de nos conduzir a uma mesa e de nos informar (já o sabíamos por no-lo terem dito no check in) que eramos os primeiros clientes portugueses do Marlin Lodge e que eles, os funcionários, teriam o maior gosto em nos servir da melhor maneira de que fossem capazes. Mas ele, o chefe, estava com um problema pois todos os outros nos queriam servir e ele não sabia como devia proceder. Ao que logo lhe agradeci o modo como nos estavam a receber e sugeri que, sendo os outros, 6 empregados de mesa, ele que escalasse dois para o pequeno almoço, outros dois para o almoço e os restantes dois para o jantar. No final, eu trataria todos por igual. E assim foi que tudo correu às mil maravilhas, com a particularidade de quatro deles se chamarem Fernando.
Por portas e travessas ficámos a saber que a gorjeta final que demos a cada um (não fomos nessa do bolo geral pois nunca se sabe quem parte e reparte…) correspondeu quase a um mês de salário. Não, a nossa generosidade não foi excessiva, o salário deles é que era muito baixo. Mais nos disseram que trabalhavam 45 dias consecutivos e folgavam sete dias no continente.
Ainda eles não imaginavam qual seria a dimensão da nossa generosidade e quando, num jantar ao ar livre na praia com espectáculo do folclore da região, caiu uma chuvada que não constava do programa, nós fomos os primeiros a ser acudidos na trasfega do nosso jantar para debaixo de telha e os outros clientes… não ficaram tão secos como nós.
De manhã, deixávamo-nos ficar pela praia do Robinson Crusoe dando umas braçadas e tentando espreitar algum manatim. Braçadas, sim; mas de manatins, nem a sombra. Deviam estar com os leões de há 32 anos. De tarde, habitualmente íamos de jeep dar uma volta pela ilha que não é tão pequena como de início imaginávamos. Habitada escassamente por quem se dedica à economia de subsistência tanto na agricultura como na pesca, só recentemente teriam tido contacto com a economia monetarizada. As duas unidades hoteleiras existentes devem ter passado a ser bons clientes de peixe e talvez mesmo de quaisquer outros comestíveis.
O sereno canal entre o continente e as ilhas sobre o qual se debruçava a escada da nossa cabana, parecia o «lago do Campo Grande» mas na outra costa da ilha, a de nascente, o mar aberto dava que contar. E era precisamente para aí que iam os que se dedicavam ao big game fishing, à caça submarina e mais outras tropelias aquáticas que nem sei contar. E aí, sim, havia «dentuças» em barda. Mas enquanto lá estivemos, não faltou ninguém ao jantar por ter sido ele o jantar de algum tubarão.
32 anos antes, o então Presidente da Câmara Municipal de Nampula, desapareceu num desastre no canal entre o continente e a Ilha de Moçambique quando o seu barco de recreio se voltou; o companheiro de pescarias sobreviveu e disse mais tarde, quando saiu do estado de choque, que momentos antes do desaparecimento do Presidente, nunca vira um tubarão tão grande. Eu próprio vi nesse mesmo canal duas barbatanas dorsais a uma trintena de metros da ponte cais desactivada da Ilha.
E nunca esquecer que o tubarão ataca de frente abrindo a bocarra como os aviões de carga, não precisa de se virar de lado, não precisa de muita água, basta-lhe aquela em que molhamos as canelas.
E assim foi que, passada uma semana, amarinhámos já não sei como para dentro do barco que estava encalhado na praia à nossa frente, regressámos ao continente, demos uma volta por Vilanculo e nos dirigimos ao aeródromo local.
Check out parcial do Polana porque deixávamos lá guardada a bagagem de que não precisaríamos no Bazaruto onde passaríamos a semana seguinte. O bastão mágico ficava, eu não tencionava exibir qualquer poder ou exercer qualquer magia.
Bimotor a hélices para cerca de uma dúzia de passageiros mais uma tripulação de piloto (sul africano preto), co-piloto (misto moçambicano), hospedeira (branca loira sul africana) e respectiva adjunta (preta moçambicana). Só me lembro de que era uma empresa associada da LAM em parceria com uma outra transportadora aérea sul africana. A hospedeira instalou-se no lugar mais ao fundo da cabine e copiou-me nas funções que exerci a bordo: pus o cinto de segurança, olhei a paisagem que passava por baixo de nós e vi o piloto, o co-piloto e a adjunta da hospedeira a trabalhar. O nosso vôo foi de uma hora de Maputo a Vilanculo (no antigamente, Vilanculos, no plural, mas depois da independência, talvez num ensaio de austeridade, puseram o nome da cidade no singular). Depois de nos deixar, o avião seguiria para a Beira e daí para Joanesburgo e Maputo fechando o circuito. Viagem sem nada a assinalar e o piloto a fazer-se à aterragem como eu gosto, com os motores bem activos e não a pairar como as folhas no Outono.
No aeródromo – pintado de fresco – aguardava-nos o transfer para a povoação próxima, Mucoque (onde nascera uma cunhada minha quando o pai dela administrava esse posto), para aí tomarmos um barco típico da pesca ao espadarte que nos levaria até uma ilha ali bem à nossa frente, a uma trintena de quilómetros.
É em Mucoque que se localiza o Hotel Don’Ana, famoso pelo molho à base de piri-piri que a tal Dom’Ana fazia no antigamente. Foi nesse hotel que fiquei instalado mais de 30 anos antes quando fiz parte duma Junta de Recrutamento Militar em toda a zona a sul do Save. Foi daí que avistei pela primeira vez as então chamadas Ilhas do Paraíso que os independentistas rebaptizaram de Arquipélago do Bazaruto - muito nacionalista, muito cultural mas nada romântico. Temendo essa mesma onda estética, não apurei qual o actual nome da Ilha de Santa Carolina e só espero que não a tenham rebaptizado com tanta fealdade sonora como a ilha para que nos dirigíamos agora, Benguerra.
É na antiga ilha de Santa Carolina que se localiza o hotel do grupo Pestana para que tínhamos inicialmente assestado o azimute mas um ciclone que nos antecedeu, inviabilizou a nossa pretensão. Fomos para a ilha ali ao lado, para um empreendimento hoteleiro sul africano também ele dedicado ao big game fishing denominado Marlin Lodge.
Desembarque por encalhe do barco na praia mesmo em frente da recepção do hotel, salto por cima da borda do barco e «arenagem» (em pé, de preferência) na areia com água por meio da canela. Como se imagina, é conveniente ter-se alguma mobilidade física para se conseguir desembarcar e não ter que regressar ao continente onde, aí sim, há uma escada de pedra a que o barco encosta.
O Marlin Lodge é todo em madeira (construção pré-fabricada?) e desenvolve-se num só piso para que se sobe directamente da areia da praia por escadas largas de 3 ou 4 degraus. Nessa zona de entrada localiza-se a recepção propriamente dita, uma ampla sala de estar, a casa de jantar e a cozinha e respectivos anexos. Aos quartos acede-se por um passadiço em madeira e cordame que se desenvolve ao nível das copas das árvores pelo que nos sentimos primos da macacada. Cada quarto é uma cabana com telhado de colmo, paredes em caniço por onde passa uma mão vertical, uma casa de banho muito melhor do que a que coube em sorte a Robinson Crusoe, uma cama amplíssima com rede mosquiteira. A sala de estar é um varandim com duas cadeiras muito confortáveis, cada uma com sua mesa de apoio. O «jardim» fronteiro é uma praia para que se desce por uma dúzia de degraus rústicos de areia sustida por tábuas, tudo rodeado por vegetação que isola cada cabana das que lhe estejam próximas. A água, a uma vintena de metros na maré cheia, tem manatins e outros animais exóticos mas consta que só bicharada pacífica. Pode-se nadar à vontade sem temer o «dentuças».
Instalados, foi-nos sugerido que ao jantar nos apresentássemos em smart casualdress code. Of course, a Graça e eu não estamos habituados a jantar de fato de banho, nem mesmo quando estamos sozinhos na casa da praia.
E a certa altura começou um batuque como há mais de 30 anos eu não ouvia…
Durante a minha estadia em Moçambique de Abril de 1971 a Julho de 1974 andei à procura de leões mas…
… certa vez, passando um fim de semana na Ilha de Moçambique, ouvimos dizer que estava um leão na praia do lado do continente à sombra da ponte. Meti-me no carro com quem mais nele cabia e fomos até lá. Quando lá chegámos, vimos-lhe o rasto fecal e nada mais. Até se poderia dar o caso de estar ali bem perto de nós, oculto pelo capim e essa a razão pela qual sugeri às minhas amigas que se deixassem de aventuras no mato e não pensassem sequer em abrir as portas do carro. Mais: que tivessem a mão nos manípulos das manivelas dos vidros não fosse necessário fechá-los mais rápidamente do que o calor nos sugeria. Eu sabia que aquela era zona de leão pois uns tempos antes da minha chegada a África, os banhistas na praia das Chocas (onde Vasco da Gama fez aguada para seguir viagem até Quiloa) ter-se-ão visto encurralados entre os tubarões quase na areia e os leões junto dos automóveis estacionados no parque sobranceiro à praia.
Nunca mais ouvi falar da presença de leões até que na grande viagem de Nampula a Lourenço Marques fomos três vezes à chamada «casa dos leões» na Gorongosa e só lhes vimos os ditos rastos acima referidos.
Já como civil, decidido a regressar a Portugal depois do «glorioso», pensei que seria uma vergonha chegar a Lisboa e ter que confessar que estivera aquele tempo todo em África sem ver um leão. De nada serviria garantir que os ouvia todos os dias rugir à hora das refeições no Jardim Zoológico ali mesmo ao lado do «meu» Centro Hípico. Então, para não passar por um vexame a-leónidas, apeei-me do cavalo, meti-me nos calcantes, paguei bilhete de visitante e entrei no Jardim Zoológico de Lourenço Marques para finalmente ver um leão em África. E lá estava o casal que eu todos os dias ouvia à hora das respectivas refeições.
Lembro-me de ter dito a quem se foi despedir de mim junto das escadas do portaló do «Infante D. Henrique» que conseguira mesmo ver leão em África, o que nem todos eles tinham ainda conseguido. Mas não lhes disse do Zoo pelo que só agora, se lerem estas linhas, o ficarão a saber.
Passados 32 anos, estava decidido a ver leões em liberdade e não mais num zoo. Essa, a razão da ida ao Krueger Park, na África do Sul, ali mesmo junto da fronteira e apenas a 111 quilómetros de Maputo.
E assim foi: minibus só para nós à porta do Polana que a meu pedido foi em viagem de passeio até ao destino (por uma estrada nova e boa que substituiu a vergonha do nosso tempo a que me referirei noutra crónica) para poder matar saudades; uma hora e picos depois, formalidades de fronteira que me fizeram lembrar que a União Europeia é «outra loiça»; mais meia dúzia de quilómetros e entrámos no Parque; alguns quilómetros depois e eis-nos a entrar no recinto do Hotel Pestana junto do Crocodile River, afluente do Limpopo.
Três dias de bicharada de manhã à noite e mesmo pela noite dentro para vermos os noctívagos. E destes, os leopardos, nada vimos porque o frio era tanto que a trintena de turistas na camioneta (ficámos então a saber que eramos todos portugueses e que tínhamos feito figura de parvos ao falarmos uns com os outros em inglês até então) deu ordem ao motorista que deixasse os leopardos tranquilos e nos pusesse de novo no hotel.
Regresso a Maputo pela mesma estrada e num minibus equivalente mas de matrícula sul africana, o que não me preocupou absolutamente nada porque as formalidades de fronteira foram (ou nos pareceram) menos morosas.
Do lado sul africano, agricultura por toda a parte até aos arames que demarcam a linha de fronteira com óbvia excepção da área pertencente ao Krueger; do lado moçambicano, «África minha».
Chegando ao hotel, tínhamos o meu amigo Sebastião à nossa espera. Conhecera-o em Lisboa durante o exílio a que ele se viu forçado por incompatibilidade com o comunismo mas regressara depois do Acordo de Paz assinado em Roma. Convidado a entrar, preferiu convidar-nos para sua casa. Lindamente recebidos pela sua família que eu já conhecia de Lisboa, quis honrar-me e beneficiar-me oferecendo-me um bastão de madeira bem polida que parecia uma bengala. Mas não era uma bengala e era suposto não só simbolizar o poder de quem o possuísse como também… algo mais que ele não especificou. Ficámos, a Graça e eu, a imaginar que haveria por ali… o quê???
Jantar no Polana, um show qualquer igual a todos os outros que se vêem no resto do mundo e cama pois no dia seguinte voamos para Vilanculos e Arquipélago do Bazaruto.