ETNIAS DE MOÇAMBIQUE - novo mapa
Imagem gentilmente cedida por Francisco Gomes de Amorim
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Imagem gentilmente cedida por Francisco Gomes de Amorim
Abordados os pretos, os brancos e os mistos na crónica anterior, refiro-me agora aos grandes comerciantes em Moçambique, os indianos.
De origens e religiões diferentes, não funcionavam como um grupo homogéneo. Basta referir que uns seguiam o hinduísmo, outros eram muçulmanos sunitas e outros ainda (creio que os mais importantes) eram muçulmanos ismaelitas (do Aga Khan).
Historicamente, Moçambique foi administrado a partir de Goa desde a instituição do Vice-Reinado até ao Consulado Pombalino pelo que a influência dos indianos (v. p. ex. em «Companhia dos Mazanes») foi usada como «braço» da administração colonial portuguesa. E a vida continuou até que o caldo se entornou em 1961 com a invasão indiana do Estado Português da Índia. Então, os indianos residentes em Moçambique foram metidos em campos de concentração para daí serem expulsos perdendo todas as suas propriedades em território português… a menos que renunciassem à nacionalidade indiana. Creio que alguns, poucos, terão sido expulsos mas uma grande quantidade optou pela nacionalidade paquistanesa. Alguns optaram pela nossa nacionalidade. Não encontrei informação sobre que percentagens optaram por isto e por aquilo.
Nos meus tempos em Moçambique (Abril de 1971 – Julho de 1974) a etnia indiana ou era portuguesa ou paquistanesa; outras nacionalidades passariam despercebidas mas da indiana é que, de certeza, não eram. E todos se dedicavam ao comércio desde as ruas mais importantes de Lourenço Marques ao recanto mais afastado no mapa da savana.
Mas também estas paragens remotas atraíam alguns brancos, portugueses. Por exemplo, num desses cantos remotos da savana que ao fim de quase 50 anos já não sou capaz de localizar, encontrei um cruzamento de duas estradas naquilo a que costumamos chamar «4 caminhos» onde se localizavam, frente a frente, duas cantinas de duas famílias do norte de Portugal. Num raio de muitos quilómetros, o vazio total mas ali, à distância de não mais de 40 metros, duas cantinas que se guerreavam na mais aguerrida e absurda concorrência.
Voltando aos indianos, há que referir o facto de muitos deles se terem alcandorado aos mais altos postos da Administração Pública moçambicana tanto antes como depois da independência. Mais subiram a cargos governativos também antes e depois da dita independência.
A perspectiva religiosa é determinante em muitas circunstâncias da vida. Assim, por exemplo, consta que a Fundação Aga Khan financia sem juros (parece que o Corão proíbe a cobrança de juros num versículo que não localizei) o capital inicial para que os seus fiéis se estabeleçam economicamente mas os beneficiados ficam a pagar uma amortização anual vitalícia.
A comunidade ismaelita dispõe em Lourenço Marques/Maputo de um centro cívico, religioso e administrativo de grande relevo equivalente ao que, entretanto, foi erigido em Lisboa. Comunidade laboriosa e empreendedora, nunca se ouviu dizer que os seus membros se envolvessem nas quezílias típicas de outras facções muçulmanas.
* * *
A título de curiosidade, o Príncipe Aga Khan decidiu instalar em Lisboa a sua sede mundial pelo que nós, os lisboetas, nos orgulhamos de termos connosco o «Vaticano do Aga Khan».
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Voltando a Moçambique, poderia ainda falar dos chineses se deles houvesse alguma coisa de especial a dizer. Que eu saiba, não há. Primavam pela descrição e quase me apetece especular hoje sobre se esses relativamente poucos que por lá havia não seriam a «guarda avançada» para a invasão futura, quando fosse o tempo de cobrar a factura pela ajuda dada aos movimentos de guerrilha contra os portugueses. Mas isso é só especulação minha. O esbulho actual das riquezas moçambicanas por empresas chinesas é uma mera coincidência.
Feito um périplo muito genérica pela antropologia moçambicana naqueles finais da época colonial, voltamos a Lourenço Marques já na próxima edição. Até logo!
Julho de 2019
Henrique Salles da Fonseca
Eros para elas e Freia para nós, homens. Bem procurei as divindades homólogas da mitologia moçambicana. Debalde. Aliás, sempre achei que o paganismo em Moçambique não tem vida fácil. Mas isso não deveria obstar a que se estudasse essa parte da Cultura. Para quê se já não tem expressão? Mas certamente já teve e desconfio que deixou rastos. Não deixou? Sim, deixou! Se não, donde vêm os Xiquembos? É claro que sim, a cultura moçambicana tem o seu quê de pagão com todo o misticismo e mistério inerentes. Deveria ser giríssimo estudar isso. Quanto mais não fosse para reconstituição histórica, cultura geral. Bom tema para uma Universidade da Terceira Idade. Aqui fica a sugestão.
E a pergunta é: - A que propósito vem isto aqui quando o que se pretende é uma visão do que deixou saudades e motivou a revisita?
E a resposta é: - Todos gostamos de voltar aos locais por que vogámos prazenteiros e tanto Eros como Freia foram muito bem achados na circunstância.
E quem eramos nós, os que lá vivíamos? Muitos e variados, uns daqui, outros dali, muitos de lá mesmo. Maioria castanha, não zulu que esses, sim, são mesmo pretos da cor da noite. O moçambicano é mais claro. Mas para não dizer muito disparate, fui à Internet e encontrei bastante informação. Escolhi esta que segue donde saquei o mapa que publico de seguida
https://terrasdemozambique.wordpress.com/2012/08/22/finas-misturas-de-um-povo/etnias-em-moz/
Assim alijo parte da responsabilidade nos erros que alguém detecte. E eu próprio pergunto se os macondes de Cabo Delgado são macuas como o mapa dá a entender…. Venha quem saiba e nos ensine. Os moçambicanos pretos (deixemo-nos de eufemismos amaneirados) com quem contactei foram os macuas de Nampula e os landins de Lourenço Marques. Estes, seriam de várias etnias que eu associo aos xhosas mas o melhor é calar-me para ter a certeza de não dizer muitos disparates.
Os moçambicanos não pretos eram brancos, mistos, indianos e chineses.
Como já contei numa crónica anterior, não era qualquer branco de Portugal que emigrava para Moçambique só porque lhe apetecia. O Governo do Doutor Salazar não facilitava essa emigração e quem o antecedeu no mando em Lisboa também navegava pelas mesmas águas. Porquê? Não vou agora alargar-me com isso, apenas constato o facto que se traduzia numa «escolha» apertada de quem podia seguir para Moçambique. Funcionários públicos (incluindo professores), militares, funcionários superiores das «companhias majestáticas» (enquanto as houve) e técnicos da mais ampla hierarquia chamados para o exercício de funções específicas. O Zé dos Pincéis ali da esquina não era autorizado a emigrar para lá. Que fosse para Angola.
Ou seja, o branco em Moçambique ou era ele próprio membro de um escol elitista (passe o pleonasmo) ou era seu descendente. Uma parte numericamente insignificante descendia de quem, condenado na Metrópole e deportado, readquirira a liberdade ao pisar o solo africano. Mas esta «experiência» ao estilo anglo-australiana não fez escola maior por lá. O que chegou a ter algum significado foi a quantidade de militares do contingente metropolitano que decidiam passar à disponibilidade em Moçambique em vez de regressarem a Portugal. Nas «sombras verdes» de Nampula, havia muitos desses ex-militares com família mono ou poligâmica, pululante filharada mulata, tranquila existência em condições bem mais benignas do que as homólogas nas gélidas berças estaminais mais de mistura com rezes do que com gentes. Estes, assimilados, não pertenciam ao escol que há pouco referi mas foram eles que, na base social, muito contribuíram para que nós, portugueses, tendo sido os primeiros europeus a trilhar caminhos em África, fossemos os últimos a regressar às origens. Muitos, com uma mão à frente e a outra a trás.
E se a independência significou a instauração de um clima revolucionário com perseguições, exílios, campos de «reeducação» e morte, lá veio a pergunta inocente, ávida de paz: - Patrão, quando acaba independência?
(continua)
Julho de 2019
Henrique Salles da Fonseca
«E porque inocentes, deixaram-se enganar por missangas contra cordões de oiro» - esta, a loa esquerdista tão em voga ainda hoje diabolizando o branco e santificando o preto. Ou seja, enchendo o branco de maldade e atribuindo ao preto um vil atestado de incapacidade mental. Racismo abjecto. E o pior é que nem sequer passa pela cabeça desses críticos que o valor atribuído pelos pretos às missangas até pudesse ser superior ao valor atribuído pelos brancos aos cordões de oiro. O que é o valor? Eis um conceito de difícil percepção por quem apenas leu Marx ignorando Adam Smith e seus sucessores.
Racismo manhoso, este que, afinal e como mostraram os acontecimentos posteriores às «independências» das colónias portuguesas, mais não queria do que precipitar a saída dos portugueses de África para que os soviéticos pudessem entrar. Sol de pouca dura, aliás, pois já saíram os soviéticos que não foram substituídos por russos. Restam alguns cubanos, soviéticos de escolha serôdia.
Esta é a hora dos chineses. Até ver…
Mas esta é também a hora do capitalismo selvagem, aquele que se entrega nas mãos dos gatunos disfarçados de políticos com a boca cheia de parangonas a favor do povo e de loas ao nacionalismo contra os colonialistas.
Exauridos, os novos Estados não existem fora da propriedade dos seus Chefes de nomenklatura reinante. Os povos, abandonados, continuam à procura da salvação no dia-a-dia. Com uma diferença muito grande em relação aos tempos anteriores às «independências»: dantes, faziam pela vida nos seus ambientes naturais; agora, depois das guerras civis, fazem-no nos ambientes de refúgio que são as «selvas urbanas» onde tudo vale, inclusivé tirar olhos. E a insegurança mudou de terrorismo para banditismo, de luta politico-militar em teatros de guerrilha rural para desordem cívica urbana, da guerra com objectivos (de algum modo) superiores para o horror do «salve-se quem puder». E os únicos que se salvam são os que puseram a mão nos cofres públicos.
E, apesar de tudo, quem conheceu Moçambique não esquece aquela terra de sonho, aquelas populações cerimoniosas, civilizadas, propensas ao bem e que, por isso mesmo, nos despertam sentimentos de compaixão.
A revisitar!
* * *
Quando a Graça, a minha mulher, me ouvia falar de África, sempre dizia que também já lá estivera porque fora num cruzeiro de Lisboa a Ceuta. Ao que eu sempre lhe respondia que Marrocos só é África no mapa que a Senhora Professora tem pendurado na parede lá da escola. A verdadeira África, a apaixonante, é a que se estende a sul do Sahara. E mais lhe dizia (e digo) que se há coisas que se mostram em fotos e vídeos, outras há que só no local se percebem.
Não preciso agora de citar muito mais coisas do que os cheiros… De náusea, dirão os narizes mais habituados aos grands boulevards de Paris. Da Natureza, digo eu e todos os que já cheiraram a savana ao pôr do Sol com uma girafa recortada pelos últimos raios, o esguicho das narinas de uma família de hipopótamos vista da margem do Limpopo ao raiar da aurorã, a macacada e sua guincharia nos ramos das árvores por cima da minha pista de equitações em Lourenço Marques, a mistura das essências expostas à porta do xitolo do monhé, o cheiro da mandioca fumegante, o cheiro da terra molhada pela chuva de pingo grosso… o cheiro da nossa própria juventude, cãs então longínquas, sangue na guelra. Esses, sim, são cheiros saudáveis, não as «eaux de vie 5 ou 10» que disfarçam sebências mal lavadas ou vícios inconfessáveis.
Esta, uma das duas Áfricas que eu queria mostrar à Graça; a outra, seria a de Lourenço Marques que nós, portugueses, fizemos em paralelo com a cheirosa.
Março de 2006 foi quando se proporcionou mostrar-lha.
Já lá vamos…
Julho de 2019
Henrique Salles da Fonseca
Sim, refiro-me a Pôncio Pilatos, o Governador romano da Judeia, figura histórica sobre quem pouco estudei mas que fui encontrar a pág. 76 da edição portuguesa do livro de Sue Prideaux «EU SOU DINAMITE – a vida de Friedrich Nietzsche» (Círculo de Leitores, 1ª edição, Abril de 2019) donde transcrevo com algumas explicações entre parênteses:
(…) as vistas transcendentes de cada janela de Tribschen (a casa que o rei Luís da Baviera pusera à disposição de Wagner) poderiam desencadear uma inspiração sublime tanto em Wagner como em Nietzsche, independentemente de para onde olhassem. Através das janelas viradas para oeste, onde o Sol se punha, erguiam-se as neves eternas do Monte Pilatos, originalmente um [templo pagão] de dragões e duendes lendários, rebaptizado numa época posterior e cristã, com o nome de Pôncio Pilatos que, banido da Galileia após a crucificação de Cristo, fugiu para Lucerna. Aí, esmagado pelo remorso, subiu os dois mil metros até ao cume do monte (…) donde se lançou para o pequeno lago, escuro como breu, que se pode ver no sopé. Aqui vive o seu fantasma num silêncio e numa imobilidade totais. Os guias locais dir-lhe-ão [a Nietzsche] que a própria água está morta, referindo como prova o facto de a sua superfície se manter sempre imóvel e incapaz de ser agitada mesmo pelo vento forte. (…)
De acordo com o apócrifo "Evangelho de Nicodemos" também conhecido por “Actos de Pilatos”, a responsabilidade sobre a condenação de Jesus recai sobre os judeus e o papel de Pilatos é minimizado. Assim, na Igreja Ortodoxa e na Igreja Ortodoxa Etíope fez-se a reabilitação de Pilatos ao ponto da sua canonização pela Igreja Etíope e da canonização da sua mulher, Santa Prócula, por ambas as ditas Igrejas.
Para saber mais, ver por exemplo em
https://pt.wikipedia.org/wiki/P%C3%B4ncio_Pilatos
* * *
A título de mera curiosidade, finalmente percebi a razão de ser do nome «Pilatos» da marca dos aviões suíços fabricados em Alverca.
Julho de 2019
Henrique Salles da Fonseca
Era noite escura quando acordei. Um candeeiro da iluminação pública lembrou-me que estava encostado à berma da estrada que entrava em João Belo, vindo de cima em direcção a Lourenço Marques. Se bem me lembrava das contas da véspera, faltavam 220 quilómetros para chegar ao destino. Os companheiros estavam a bordo, dormiam. Eram 2 da manhã, nem sei quantas horas dormira. Para aí umas 6. Sentado ao volante, doía-me o corpo. Apetecia-me esticar as pernas e dar um jeito às costas, para além de outra vontade de cariz físico-hidráulico. Antes de abrir a porta e sair, pareceu-me leal avisar a tripulação de que o Comandante ia sair e esticar as pernas. Acordaram com feitio de guardas monárquicos em regime republicano ou vice-versa. Saí, estiquei-me e fiz o mais que tinha a fazer, dei uma volta ao carro e verifiquei que, aparentemente, estava tudo em ordem. Em silêncio, cada um deles saiu e fez o que considerou oportuno. De volta aos nossos postos, dei a volta à chave da ignição e o mostrador da gasolina disse que não haveria mal para o andamento da viagem se tratasse de pôr a bóia mais em cima. Tudo bem, mas a estação de serviço que havia logo ali à frente tinha um letreiro a avisar que só abriria pelas 5 da manhã. Faltavam 3 horas, tempo de encostar de novo. Ninguém protestou. Fomos acordados pelas luzes fluorescentes do posto a que estávamos acostados. Fiz o pleno da gasolina e vi água e óleo. Tudo nos conformes, passei água pelos olhos. Cada um fez mais o que considerava apropriado, dei a volta à chave da ignição e aí vamos nós…
Três homens normais metidos num carro durante tanto tempo, gera cansaço. Sem nada confessarmos, estávamos desejosos de chegar ao destino e mudar de ambiente. Tudo bem, sim, mas bastava. A placa a anunciar a chegada a Lourenço Marques apareceu por volta das 7 e meia e o meu cansaço era tal que nem olhei para o lado quando passámos à porta do «meu» outro Centro Hípico à frente do qual havia uma placa de informação quilométrica a dizer que a Beira ficava a cerca de 1300 quilómetros pelas estradas de antigamente. Pelo conta-quilómetros do nosso «herói», entre viagem propriamente dita mais voltas e voltinhas, tínhamos feito qualquer coisa como 2500 quilómetros desde Nampula até à entrada de Lourenço Marques.
Foi giro, cansativo e inesquecível. Mas foi mais do que isso: foi a afirmação de que Moçambique era então uma terra pacífica na sua maior extensão em que as pessoas viviam e deixavam viver, em que o futuro se apresentava radioso se os intrusos não cobiçassem aquela terra de gente cerimoniosa e vocacionada para o bem. E foi também o tributo de três não operacionais àqueles que, em zonas de combate, sustinham o imperialismo soviético e, com o seu sacrifício, permitiam que milhões de pacíficos vivessem harmoniosamente. A esses operacionais, toda a honra desta viagem.
Podiam os moçambicanos pretos ter uma civilização diferente da minha mas eram muito civilizados. Não me canso de dizer que fui para Moçambique com um espirito civilizador e que, afinal, fui eu que muito por lá aprendi. Trouxe de lá um sentido de respeito que facilmente conduziu a uma simpatia perene, a uma predisposição de compaixão, ao reconhecimento de uma tranquilidade apenas perturbada por factores externos de que eles, moçambicanos, merecem ser apartados.
Quem verdadeiramente amar Moçambique, afaste dele os abutres externos e os piores de todos, os internos.
Entrados na cidade, dirigi-me ao Clube Militar que era onde funcionava a Messe de Oficiais. O Miguel despediu-se ali mesmo à porta porque tinha não sei quem à espera dele com o bilhete para as corridas de automóveis que se realizavam no dia seguinte ou coisa parecida; lembro-me de que o Tó, Oficial como eu, ainda entrou no Clube para tomar qualquer refresco e seguiu logo depois para casa duns primos que lá viviam; eu aboletei-me na Messe e deixei o meu «herói» descansar durante dois ou três dias.
* * *
A vida continuou para cada um de nós…
Pela minha parte, conclui a comissão de serviço militar, fui a Lisboa passar à disponibilidade e regressei a Moçambique como civil onde apanhei o 25 de Abril de 1974. Regressei a Lisboa em Agosto de 1974 depois de um «cruzeiro» de 15 dias com a namorada no “Infante D. Henrique” e trazendo o meu «herói» também ele são e salvo.
Voltei a encontrar o Miguel uns 20 e tal anos depois mas ao Tó não voltei a encontrar. A ambos desafiei para me ajudarem a contar esta história. O Miguel tem feito um ou outro comentário (muito menos do que eu tento gostaria), nomeadamente o do Xiquembo, mas do Tó não tive respostas às mensagens que tentei que a irmã lhe transmitisse.
Moçambique é terra que merece tudo de bom, não o que lhe têm feito. Que todos os Xiquembos se juntem para salvação de toda aquela terra de tão boa gente.
Passados 30 anos, voltei a Moçambique. Houve coisas de que gostei.
FIM
Julho de 2019
Henrique Salles da Fonseca
Para quem não conheça, explico que a Maxixe é a localidade na Estrada Nacional 1 (a longitudinal que já então vinha de Porto Amélia até Lourenço Marques e que nós vimos percorrendo desde Nampula) que se situa frente à enseada existente entre o continente e a cidade de Inhambane (a terra da boa gente como lhe chamaram os nossos navegadores primevos) localizada no quase extremo da restinga que, de Sul para Norte, forma a dita enseada.
E se Inhambane, geograficamente isolada lá na ponta da restinga, se debatia com problemas de sustentabilidade económica, a Maxixe, por sua vez, crescia a olhos vistos. E um dos motivos desse crescimento era uma Pousada (de sul africanos ou rodesianos, já não me lembro – só me lembro de que eram «bifes») que apostara no «big game fishing» (naqueles tempos, por ali, ainda não se falava de «seafary»), ou seja, a pesca grossa, nomeadamente ao espadarte, o marlin para eles, os da estranja.
É claro que apontámos à Estalagem para saber se tinham um quarto com três camas para aquela noite. É claro que não tinham. Nem com três camas, nem com duas, nem sequer com uma só. Estavam cheios e com «overbooking» (se não foi a primeira vez que ouvi a expressão, é porque me tinha esquecido de a ter ouvido antes). - E há por aí mais onde passar a noite? Duvidavam porque eles próprios tinham preenchido tudo para colmatarem o tal «overbooking». E tinham chegado a Inhambane. Não me recordo se naquela época já existia a expressão de «estarmos feitos ao bife» mas, na realidade, era o que apetecia dizer. O «bife» com que falávamos não resolveu o nosso problema.
Maxixe - a baía vista da Estalagem
- E agora?
- Agora temos cerca de 500 quilómetros até Lourenço Marques.
Cá está nova ocasião em que silencio as expressões «protocolares» que os meus companheiros proferiram.
- Se formos a ver, é praticamente a mesma distância de Estremoz a Madrid.
- Sim, claro! Ou de Roma a Bari para irmos visitar o Pai Natal.
- O Pai Natal em Bari? Então, não é na Finlândia?
- Isso da Finlândia e das renas é conversa da «Coca Cola». O Pai Natal era Bispo de Mira, na actual Turquia, onde morreu e foi enterrado. Mas durante a ocupação romana foi trasladado para Bari. Mas isso agora não interessa. O que fazemos? Vamos até Lourenço Marques ou ficamos a meio caminho? – perorei eu.
- Vamos em direcção a Bari e se nos fartarmos a meio caminho, paramos e dormimos. – disse o Tó.
- Muito bem, mas há particularidades nesta «estrada para Bari». Pode não haver uma estalagem, pode não haver sequer um parque fechado ao estilo do campismo, haverá certamente campo aberto e, aí, pode haver um ou outro «leanito» ou um cornúpeto qualquer de mau feitio. A irmos, é «non stop».
A minha audiência votou por unanimidade que eu guiasse mais 500 quilómetros non stop e não bufasse sob pena de se queixarem ao Kaulza.
Verificados os níveis de satisfação do nosso «herói» e aprovisionadas algumas vitualhas para nós, os bípedes, eis-nos feitos à estrada rumo a Lourenço Marques mas passando obrigatoriamente por várias terras importantes onde eu, sem avisar, haveria de encostar a uma box qualquer que se apresentasse capaz de me deixar passar pelas brasas. Dividindo psicologicamente o esticão nos primeiros 255 quilómetros a João Belo (Xai Xai) e os 220 seguintes a Lourenço Marques, tudo se faria mais tranquilamente do que pensando numa vezada só.
Foi então que me lembrei do meu primo Luís que nasceu no Xai Xai quando o pai dele, Oficial da Marinha, ali fazia uma comissão de serviço. E lembrei-me do progresso enorme que foi para toda aquela região quando em meados dos anos 60 do séc. XX os batelões foram substituídos pela ponte sobre o Limpopo. Toda aquela região se passou a sentir como fazendo parte do progresso e não mais como uma parte esquecida do Império. E lá voltei à mesma, tudo uma manta de retalhos, sem tessitura contínua. O mesmo que estava agora a acontecer com a barragem de Cabora Bassa, isolada no meio de nenhures e que por certo demoraria muito tempo a criar riqueza de proximidade ou sequer em relação à cidade mais próxima, Tete. Felizmente, o tempo fora de algum modo vencido pela DETA, o serviço aéreo que havia agora que promover a empresa mas que, entretanto, ligava as «ilhas» que constituíam Moçambique. E lembrei-me de que, naqueles primeiros dois meses da minha comissão militar em Lourenço Marques (foi depois desse curto período que fui transferido para Nampula donde estava agora a ser retransferido) o Secretário Provincial dos Transportes e Comunicações, Eng. Vilar Queiroz, me tinha dito que, à falta de estradas operacionais ao longo do ano, o transporte aéreo era prioritário e que tudo começava pela escolha de um local próximo de uma localidade considerada prioritária onde se pudesse terraplanar uma pista. Seguia-se, à medida que ia havendo dinheiro, a compra do espaço, se fazia a terraplanagem, se consolidava o piso para a pista poder ser usada o ano todo, se construía a torre de controle, se equipava essa mesma torre, se improvisava uma protecção para os aviões que tivessem que pernoitar no local e só no fim é que se pensava, sobrando algum dinheiro, na aerogare para os passageiros.
Foi também nesse primeiro período da minha presença em Lourenço Marques que um companheiro de equitações – entretanto proprietário de algumas empresas industriais - me contou que a primeira noite que ele e a mulher dormiram em Moçambique foi na garagem do Governo Geral cujo titular (não me disse o nome) se interessou pela determinação daquele jovem casal de ficar em Moçambique em vez de seguir viagem para alguma colónia francesa na rota do navio que os trazia de Toulon. Sim, nesses idos de 50, havia uma política de obstrução à imigração de portugueses em Moçambique e só o empenho pessoal do Governador Geral foi capaz de furar essa proibição. E já que estou a referir um casal luso-francês, pergunto: «à quoi bon?».
Chagámos a João Belo um pouco antes do pôr do Sol e, sem pedir opiniões, encostei o «herói» por ali e declarei que ia descansar um pouco.
O que faço agora também neste ponto da escrita. Até logo.
Julho de 2019
Henrique Salles da Fonseca
- Bom dia, Camaradas! – disse o Miguel – São 6 horas, é hora de levantar!
- Então, como é? São 6 e é hora? Ou são ou é, as duas coisas é que não pode ser. Se é plural, não é singular e vice-versa.
- Olha, olha! A este deu-lhe para acordar com a semântica e com a sintaxe… caiu-te mal o jantar? – perguntava eu.
- Achas então que a frase estava bem construída?
- Eh pá! Deixa-te de preciosismos linguísticos e não chateies o nosso relógio. Ele só anda no liceu, faltam-lhe ainda os tempos gerúndicos dos verbos. O que interessa é que ele sabe ver as horas.
- Tá bem! Mas o que está mal é levantarmo-nos tão cedo para fazermos só 200 quilómetros – entremeou o Tó com um bocejo.
- 205 – corrigiu o Miguel
- Essa diferença faz-se a pé numa hora de mochila às costas e de Kropashek ao ombro.
- Kropa quê? – perguntou o civil do relógio.
- É uma espingarda da primeira guerra mundial que põem aos ombros dos Cadetes só para chatear – disse eu – mas continuem nessas parvoíces que é para eu me ir arranjar em vez de ser eu hoje a esperar por Vosselências.
- Esta selência volta-se para o outro lado enquanto espera – disse o Tó
Eram 7 e meia quando dei à ignição e a resposta do nosso «herói» foi de evidente noite bem dormida. E eu também não sentia do que me queixar. 205 quilómetros era coisa para fazermos em menos de duas horas. Estaríamos na Maxixe pelas 10 da manhã, o mais tardar. E que havemos de fazer no resto do dia? O melhor é nem levantar a questão, não vão os gajos porem-se com ideias… e quem padece é o «herói» e eu agarrado ao volante. Calemo-nos e andemos!
E, calado, andei.
E porque o caminho seria tranquilo, tanto o «desempregado» como o «relógio» se deixaram dormir e aqui o «homem do leme» que se atribulasse com as conveniências e precisões. E como não tinha com quem conversar, fui-me lembrando de que…
… este era o Reino de Gaza onde o Mouzinho tinha andado à espadeirada e onde puxara as orelhas ao Gungunhana.
E pensei nesse rei que poderia ter tido uma vida regalada e porque não seguiu as sugestões do seu tio Molungo, conselheiro e companheiro de exílio, deitou tudo a perder e perdeu mesmo tudo. E como teria sido a História de Moçambique se a inteligência de Molungo se tivesse sobreposto à rigidez mental de Gungunhana? Como é possível sujeitar povos inteiros aos caprichos de incompetentes que nem sequer são capazes de assumir a tirania e se limitam a bafejar as ocorrências com halos de boçalidade? Pena que Molungo não tenha aceite liderar um golpe de Estado contra o sobrinho; pena Godide, o filho de Gungunhana, ter confirmado a lealdade antes jurada ao pai - o que como filho é louvável mas como homem de Estado foi deplorável para os interesses reais do seu povo; pena Gungunhana ser tão «quadrado».
Mas não vale a pena tentarmos imaginar como tudo teria sido na continuação do que não foi. É que, bem vistas as coisas, nunca se poderão conhecer os resultados das experiências não experimentadas. Mouzinho fez várias propostas a Gungunhana a ponto de o deixar governar num enquadramento de paz com os demais povos que Portugal superentendia mas não, o «leão de Gaza» não queria a paz com os vizinhos mais próximos e queria continuar a pôr e a dispor da sua Justiça sem as leis consuetudinárias dos Conselhos de Velhos, a equidade preta ou branca e muito menos as orientações do nosso Direito positivo. Outra questão: terá Gungunhana chegado a perceber o que Mouzinho lhe propunha? Molungo parece que sim, percebeu e aconselhou o sobrinho. Debalde, terá optado pelo exílio para não ver a desgraça que se abateria sobre o seu povo. Não se abateu desgraça como a que Molungo temia. Os povos de Gaza continuaram a viver e até pouparam guerras com os vizinhos mas demorou muito tempo para que conseguissem voltar a ter Conselhos de Velhos cujas decisões (o seu Direito consuetudinário) pudessem ser homologadas pelos novos Senhores da Guerra e da Nova Paz, os brancos, nós.
Godide, Gungunhana, Molungo e ...(?)
E foi nestas confabulações que vi a placa a assinalar «MAXIXE» e acordei os dormentes.
- Eh malta! Chegámos!
- O quê, o quê? Já chegámos?
- Já! E, entretanto, o Gungunhana foi preso.
- Ah! Sim, foi preso. Quem é que foi preso? O Judas Iscariote?
- Acorda, pá! Já chegámos!
Amanhã há mais, talvez estes personagens já estejam acordados.
Julho de 2019
Henrique Salles da Fonseca
O Save é em Moçambique o que o São Francisco é no Brasil, uma fronteira entre uma terra relativamente fácil e uma difícil. A diferença ainda é muito grande no caso moçambicano porque o rio-fronteira ainda não está trabalhado com os caudais regularizados, com as margens consolidadas, com represas, drenagens e irrigações circundantes que melhorem os lençóis subjacentes, etc. E porque o rio está ao abandono, o lado pobre, o da margem esquerda, é pobre e o da direita está à vontade de Deus Pai todo poderoso. Só lá mais para a frente, a caminho do Sul, é que a «coisa» agro-pecuária e florestal melhora. E é nessa melhoria que volta a aparecer o «pé-de-meia» das populações, o amigo cajueiro.
Estrada boa, alcatroada há muitos anos mas com piso recentemente melhorado, deu para continuarmos uma viagem turística sem problemas. A diferença, agora, estava na presença humana muito mais assídua e à vista, do gado doméstico a pastar próximo, das machambas por ali fora, quase a esmo para os nossos olhos mas de certeza que com lógica para os respectivos proprietários, agricultura de subsistência. E que mal há nisso? Mal nenhum do lado de quem a pratica; muito mal dos Serviços Públicos que a deixam ao «Deus dará». E disto tudo me fui lembrando… das populações que vivem e deixam viver. E nesta decisão que tomara ontem de voltar para Moçambique depois de ir a Lisboa passar à disponibilidade militar, lembrei-me de que uma das coisas em falta na corrida contra o tempo pelo desenvolvimento, era a de um verdadeiro Serviço de Extensão Rural que apoiasse as populações abandonadas. E isso implicaria não só as condições de habitação, educação e saúde mas sobretudo no melhoramento da produção agrícola e das condições sanitárias do gado doméstico, as desparasitações veterinárias.
E assim fui meditando… até que me dei conta de que não sou engenheiro para poder melhorar as condições de saneamento básico nem habitacionais daquela gente habituada aos melhores materiais de construção que por ali existem, devidamente adaptados às condições naturais, não sou médico nem sequer enfermeiro para poder ajudar às condições sanitárias, não sou professor para os poder habilitar ao abrigo do ensino oficial, não sou veterinário para lhes tratar do gado, não sou agrónomo para os ajudar a melhorar a qualidade agrícola. Ou seja, não sou nada que lhes possa ser de alguma utilidade. Um zero à esquerda. Apenas um especialista em assuntos gerais que, se munido de humildade, ainda há-de aprender umas «coisas» com aqueles a quem pensava ensinar. E lembrei-me dos peace corps do Kennedy que tanto bem fizeram por tanta parte até que foram corrompidos pelas maquinações da CIA.
E, depois, lembrei-me da dicotomia entre esta gente viver assim há séculos, não saber viver de outros modos e virmos nós, extra-terrestres, ensinar-lhes coisas com que eles não sabem (e eventualmente, não querem) lidar. Levá-los a defecar num único local junto da aldeia? Muito civilizado, sim Senhor. E onde fica a linha de água a que vamos aplicar a bomba para lhes fazer um chafariz? Eventualmente, será a maneira mais apropriada de lançar uma epidemia de cólera. E quanto ao aumento da produção agrícola, como se fará o escoamento dos excedentes e a que preço numa economia desmonetarizada? E se a moeda não circula, para que querem eles a moeda? Ah! Mas querem a Justiça. Para os mandar para a prisão conforme os critérios duma Lei que desconhecem? Não! Para isso têm os Conselhos de Velhos cuja autoridade reconhecem. Então, como fazer para ajudar esta gente? E a grande pergunta é: - Será que eles querem a nossa ajuda? Sim, creio que sim, querem a nossa ajuda para lhes tirar a dor de dentes, as cataratas dos olhos, a dor do apêndice... Mas só depois de lhes ganharmos a confiança. Então, serão eles a pedir que os ajudemos e isso pode demorar tanto tempo quanto o tempo que está por vir. Como são importantes esses quase anónimos Chefes de Posto que se amantizam com as «flores da savana», legalizam as decisões dos Conselhos de Velhos, recebem honradamente os viajantes com avarias mecânicas… Afinal, esses que estão na base da Administração Ultramarina, muito mais do que os que estão pela hierarquia acima, é que são A chave da porta do diálogo, A ferramenta do desenvolvimento. E se nós, lisboetas, estamos com pressa, não os atrapalhemos a esses que vivem, sabem viver e, sobretudo, que deixam viver.
Chagámos a Vilanculos, o Tó e o Miguel que procurem solução para a noite do nosso «herói» e, já agora, para a nossa também. Eu estou cansado, não faço mais nada para além de um duche e um jantar.
- Miguel, vai pensando nas horas da alvorada. Amanhã são 205 quilómetros até à Maxixe.
Julho de 2019
Henrique Salles da Fonseca
Inchope, a localidade mais próxima da Gorongosa e donde sai a estrada nova com destino a Maputo que então se chamava Lourenço Marques. Foi para lá que nos dirigimos à procura de alojamento. Não foi fácil mas conseguimos o que sempre tivemos ao longo de toda a viagem, uma cama para cada um. E logo nos preveniram que se nos dirigíamos para Sul pela estrada nova (e que ainda não tinha sido inaugurada), que atestássemos o depósito pois seriam 300 quilómetros sem um único posto de abastecimento. E que levássemos farnel pois ainda não devia haver cantinas. E assim foi que na manhã seguinte atestámos o depósito do nosso «herói» e nos precavemos a nós próprios com alguns comes e bebes.
Seriam umas 7 da manhã quando nos pusemos a andar. Já não era assim tão cedo como o homem dos horários gostava mas foi o que se arranjou. E porquê aquela «mania» das ceduras? Porque quanto mais tarde, mais quente e tudo o que consigamos percorrer pela fresca da manhã, melhor. Então, com estrada em construção, haveríamos de ter frentes de obra pelo caminho, não haveríamos de ficar tão isolados como se a estrada já estivesse concluída e entregue ao dono. E assim foi. Não com tantas frentes de obra como teríamos gostado mas, mesmo assim, com umas quantas presenças humanas algo espaçadas. A estrada já estava toda terraplanada e na maior parte do percurso até já tinha o piso quase todo faltando apenas o alcatrão. E, afinal, em zonas que antigamente deviam estar no meio de nenhures, encontrámos uma ou outra cantina cujos proprietários nem deviam querer acreditar na sorte de lhes terem posto uma estrada à porta. Deve ter sido a diferença de saírem da pré-história para o pleno século XX sem que os obrigassem sequer a fazer algum requerimento em papel azul de 25 linhas. Curvas? Não as vimos. Uma quase linha recta com enormes extensões apenas rodeadas de capim virgem de há um ror de secas, chuvas e cacimbas a que se seguiam quilómetros de floresta compacta e impenetrável. E foi neste ínterim que apareceram as tais cantinas. Como tinham ido ali parar? A que propósito? Mistérios que não tive tempo de estudar mas que me fizeram admitir que deve ser preciso estar-se muito desesperado da vida para se decidir mudar para um sítio daqueles. Terra para arrependidos e penitentes, só pode.
Seria pelas 10 da manhã quando chegámos ao rio Save e eis que nos coube fazer a pré-inauguração da ponte que alguém nos disse ser projecto do Professor Edgar Cardoso. Também ainda lhe faltava a última camada de alcatrão e deve ter sido por isso que não nos cobraram portagem. Na verdade, as cabines dos portageiros ainda não estavam colocadas e nem sequer imagino se o pessoal já estaria recrutado. Obviamente, a obra ainda não estava entregue ao dono.
Passada a ponte, pusemos rodas na região dos landins, o sul do Save. Daquilo que consegui ver, Vila Franca do Save confundiu-se-me com o estaleiro da obra da ponte e como não voltei a passar por ali, fiquei-me pela impressão que trazia da outra margem: região pobre e com muito trabalho à espera dela.
Terra dos landins… «Landins» é como nós, portugueses, chamávamos a todos os povos a sul do rio Save. Ainda não estudei a etimologia da expressão mas talvez um dia investigue como ela nasceu. Agora, tenho mais que fazer pelo que, se um leitor me quiser ajudar, esteja à sua vontade.
Lembram-se os Caros Leitores do temor infligido pelas «tropas landins» nas partes do nosso Oriente, nomeadamente na Índia e em Macau? É que estes povos daqui têm uma estatura relativamente alta e quando se sentem espezinhados por pequenotes, são danados para a chapada. Eis por que nós os recrutávamos como tropas de elite e os enviávamos para Goa, etc. Também por isso mesmo, o aparecimento de etnias muito escuras naquelas paragens orientais onde o habitual é mais pardo que preto. Mas, pelos vistos, os landins não se fizeram rogados e tanto indostânicas como cataias se deixaram embevecer por estes grandalhões.
E agora, com outros tantos quilómetros pela frente até à Maxixe quantos os já feitos hoje, que fazemos? Vamos até Vilanculos e lá dormimos. São só mais 141 quilómetros, um saltinho.
Amanhã há mais.
Julho de 2019
Henrique Salles da Fonseca
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