Quod erat demonstrandum - Assim estava em demonstração – eis a expressão latina com que os matemáticos concluem as demonstrações e eis o que os engenheiros japoneses fizeram demonstrando que as estruturas flexíveis resistem melhor aos tremores de terra do que as rígidas que, vibrando, não se adaptam, racham e ruem. Por isso começaram por construir em madeira e bambu e nos tempos modernos inventaram sistemas que «encaixam» as vibrações a que aquela instável condição telúrica os sujeita.
Isto, tanto na engenharia civil como nas ciências sociais: um modelo social rígido, ao adaptar-se, deixa de ser esse modelo e passa a ser outro, o que politicamente pode ser complicado; um modelo flexível, ao adaptar-se, continua a ser isso mesmo, flexível.
Um modelo social rígido tem, pois, a característica fundamental para se transformar num drama político; um modelo social flexível, ao adaptar-se, demonstra a sua própria essência, a da adaptação; o que para o rígido é questão de morte, para o flexível é razão de vida.
Então, segundo o determinismo histórico de Marx, o capitalismo burguês nasceu a partir das contradições do sistema feudal e a burguesia, ao criar a sua oposição, o operariado, engendrou também o seu futuro extermínio cavando a sua própria cova.
Premissa correcta, prognóstico errado como historicamente se viu em 1989.
O modelo social rígido erigido pelos soviéticos na sequência da adopção da doutrina marxista não foi capaz de se adaptar às exigências da vida moderna e ao stress provocado pela «guerra das estrelas», vibrou, rachou e ruiu. Morreu em quase toda a parte, só sobrevive nas ditaduras que desprezam o humanismo e assentam no materialismo benéfico das respectivas nomenklaturas. E, mesmo essas «peças de Museu», têm, elas também, um determinismo histórico que as aguarda - creio que não na gloriosa falácia histórica conclusiva marxista mas sim no entulho social a que conduz os respectivos súbditos.
Em compensação, o modelo social flexível adoptado pelo Ocidente já hoje nada tem a ver com o capitalismo que no séc. XIX revoltou Marx, autocriticou-se, corrigiu-se e persiste num modo sempre flexível, alerta, autocrítico: criou e deixou criar instituições de segurança social, tributou, distribuiu, não se autofagiou.
Quod erat demonstrandum, modelos rígidos são perniciosos e mesmo perversos tanto em engenharia como na sociedade.
E quanto ao determinismo histórico marxista, cada vez mais me convenço de que nem nos tempos escatológicos e muito menos aquando da parúsia.
Passaram já 45 anos. 45 anos volvidos, que o rito se repita, que seja mais do que um rito. Que seja memória, que seja gratidão, que seja esperança, que testemunhemos aos resistentes de décadas, que testemunhemos aos jovens militares de então o nosso indelével reconhecimento. Aos que partiram, aos que permanecem entre nós, aos que nunca esquecerão o que fizeram, aos que, além disso, continuam a sonhar com um futuro melhor para Portugal.
Dir-se-ia que foi ontem, mas passaram já 45 anos. E há 45 anos quais eram as expectativas, os anseios, os desafios, as causas dos jovens de Portugal? Desse Portugal também jovem, apesar do milhão que havia votado com os seus pés, emigrando, recusando a vida sem liberdade, sem mais desenvolvimento, sem maior justiça social. Lembramos bem o que nos unia, a nós jovens, dos mais opostos pensamentos na alvorada da mudança. Unia-nos democracia em vez de ditadura. Liberdade em vez de repressão. Desenvolvimento integral e justiça social mais partilhada em vez de desigualdade económica, descriminação social, taxas confrangedoras de mortalidade infantil, de escolaridade e deinfraestruturas básicas. Paz em África em vez de empenhamento militar sem solução política. Isto nos unia.
Muito do mais nos dividia. Os contornos concretos do regime político, o sistema de governo, a visão sobre a Europa e do Mundo, o papel do Estado, pessoas e organizações, o caminho, o fim, o ritmo da Revolução, o alcance da Constituição e como ela se devia conjugar com a Revolução, prolongando-a, moderando-a ou conformando-a. E como sempre acontece com as revoluções, cada qual cadinho de muitas, muito diversas, uns veriam os seus desígnios triunfar no instante inicial. Alguns, em vários trechos do percurso. Outros, na primeira versão da lei fundamental, outros ainda no somatório das revisões que a foram moldando a novos tempos e a novos modos. Em rigor, dos jovens de 74 nenhum pode dizer ter visto vencer tudo o que queria para o seu e nosso futuro.
Mas olhando ao caminho trilhado, justo é convir que todos acabaram por ver muito do essencial do seu denominador comum atingido. Portugal passou de ditadura para democracia, alargou-se a novos universos, tempos e modos. Superou indicadores de educação, de saúde, de habitação, de infraestruturas básicas, de Segurança Social, que condenavam à insuficiente produção educativa, à elevada mortalidade à nascença, a condições de vida e de proteção sem horizonte.
Construiu tudo isto com uma descolonização tardia em plena Revolução e que, por isso mesmo, desenraizaria tantos regressados e deixaria no terreno tantos anos de combates armados. Mas sabendo preparar a formação da Comunidade de Países de Língua Portuguesa e, pelo meio, começando a viver o repto da integração europeia. Ninguém ousará dizer que nessas décadas os jovens de 74 e com eles os mais antigos e os mais recentes não viveram uma aventura agitada, exigente, não linear, cheia de altos e baixos.
A Revolução dois anos. O arranque da democracia, primeiro com o Movimento da Forças Armadas mais seis anos. Depois, de base exclusivamente eleitoral a partir de 1982. A adesão às comunidades europeias, processo de oito anos, o lançamento da CPLP, mais onze anos. No entretanto, a aproximação do regime económico aos europeus durante quase 20 anos, dos quais inúmeros após a própria adesão.
Para muitas portuguesas e portugueses a descoberta da própria liberdade chegaria com a da democracia e uma e outra com a conversão de um império colonial de cinco séculos em membro de comunidades que, não sendo inéditas nas raízes, o eram nos seus contornos políticos, económicos e sociais. Claro que, no essencial, continuamos a ser o que sempre fomos. E bem, por corresponder à nossa vocação cimeira: plataforma entre culturas, civilizações, oceanos e continentes. Claro que por vezes assumimos essa viragem histórica singular que é encerrar um ciclo de cinco séculos como se de uma suave, natural e pacífica transição sem dor se tratasse. Nós, somos inexcedíveis nesse fazer de conta de que mesmo o mais difícil é fácil. E o mais profundamente diverso não passa de um subtil acidente de percurso.
Hoje, 45 anos depois, manda a verdade, porém que digamos, nós os jovens de 74, que continuamos a preferir a democracia, mesmo a mais imperfeita, à ditadura, mesmo a mais insensata. Que preferimos o reformismo, mesmo o mais arrojado, à rutura demagógica feita de basismos ilusórios, de messianismos de messias impossíveis, de sebastianismos de passados que não voltam.
Que queremos mais, muito mais, da nossa democracia social e cultural. Melhor, muito melhor da nossa democracia política e económica, mas não estamos dispostos a esquecer o que fizemos para ultrapassar barreiras, exclusões e discriminações de há quase meio-século. Esperamos mais, muito mais da Europa e da comunidade dos países falantes em português, mas não cedemos a tentações ou marginalizações serôdias, nem a xenofobias, nem a traumas pós-coloniais, seja quais forem os pretextos ou as seduções do momento.
Não vemos estes 45 anos como obra perfeita, completa, acabada, que nos deixe deslumbrados, auto-contemplativos, realizados, longe disso. Desejamos muito mais e muito melhor. Mas reconhecemos que valeu a pena o passo fundador. Valeu a pena o 25 de abril. Valeu a pena que mesmo aquilo ao longo das décadas custou a tantos de destinos sacrificados ou de metas ainda não realizadas. Valeu a pena. Quem o diz é um dos milhares de jovens desse início dos anos 70, então conhecedor das vicissitudes do estertor da ditadura, agora Presidente da República em democracia pelo voto dos portugueses.
E hoje? O que pensam? O que sentem? O que querem os jovens de 2019? Porque os regimes, em particular as democracias, não se quedam na visão dos passados, têm de saber responder aos desafios dos presentes e dos futuros. Para eles, para esses jovens, basta acenar com o existente em pós-descolonização, desenvolvimento e democracia? Ou os seus sonhos e as suas necessidades são muitíssimo mais fundos e vastos? Pós-descolonização? Sim. Visão universal? Sim. Querem-na se significar mundo mais aberto, mais dialogante, mais multilateral, mais inclusivo, mais contrário a clivagens que separem, que humilhem, que desumanizem.
Mas querem-no em atos, em gestos diários, em vivências quotidianas. Cá, lá, por todo o universo. Sabem que os tempos de medos explicam os fechamentos, a recusa do outro, do diferente, do estranho, mas nasceram e querem realizar-se numa universalização humana e humanizadora. Da diferença. Não sobre o protecionismo da identidade forçada nos muros impostos. E não se conte com eles para passadas ou futuras clausuras, fronteiras, prisões, interditos de circular e fazer circular pessoas, ideias e projetos de vida.
Democracia? Sim. [Os jovens de 2019] não querem voltar a ditaduras, mas cultivam tantas vezes uma participação diversa, amiúde inorgânica, sempre mais digital. E queixam-se da dificuldade dos sistemas tradicionais saberem lidar com essas novas formas de agir, interagir, intervir, influenciar, aspirar a decidir. Essa sua inquietude torna-se apelo atrativo para ideias, movimentos, exigências, acelerações, disfunções, que a democracia nos seus contornos mais clássicos, de outro ritmo e de outra configuração tem de compreender e de fazer conjugar sob pena de se condenar a meras formas com cada vez menos conteúdo.
E não se conte com eles para passadas ou futuras sobrancerias, orgânicas, obsoletas ou ineficazes, clientelismos, adiamentos crónicos face a problemas sociais.
Desenvolvimento para mais e maior justiça social? Sim. Mas esses objetivos gerais e abstratos, valem menos neste final da segunda década do século XXI. Valem mesmo muito pouco se não forem acompanhados de escolhas, de passos, de marcos muito concretos e visíveis. E mais rápidos. Na educação, na saúde, na solidariedade social. E não se conta com eles para passadas ou futuras indiferenças ou resignações comunitárias. Os jovens de 2019 querem, além de tudo isso, respostas inequívocas para algumas perguntas urgentes.
Quando e como volta Portugal a querer ser uma sociedade a rejuvenescer? Pelos que nascem e pelos que recebe de fora. Digo bem. Pelos que recebe de fora e não a envelhecer a passo estugado, permitindo finalmente a todos os jovens no seu dinamismo social, os menos jovens na sua luta contra a guetização, numa esperança coletiva renovada.
Quando e como esbatemos mesmo as desigualdades que ainda persistem, que continuam a minar a nossa coesão entre pessoas grupos e territórios? Sublinho, territórios. Que atrasam o desenvolvimento, esvaziam as descentralizações, juntam novos pobres aos velhos pobres.
Quando e como antecipamos o que aí vem nesta era de revolução digital no emprego e no trabalho perante mutações científicas e tecnológicas que vão em cinco, dez anos mudar os sistemas produtivos, dispensar pessoas ou re-arrumá-las nas suas atividades e percetivas do amanhã?
Como e quando conseguimos explicar aos menos jovens, e que são muitos numa sociedade a envelhecer, que há mesmo alterações climáticas, que há mesmo deveres inter-geracionais, que as purgas pela chamada sustentabilidade do desenvolvimento não são bizantinices de meia dúzia de iluminados ou agitadores, uma moda dos mais jovens, uma mera manobra conspirativa vinda de fora para beneficiar das indecisões ocidentais ou europeias?
A maioria destas causas não existia ou não era decisiva para os jovens de 74. Portugal era ele mesmo jovem. As desigualdades eram, de facto, mais chocantes. Mas acreditava-se que o crescimento económico, por si só, as iria resolvendo ou atenuando progressivamente. O digital era uma revolução inexistente. O futuro do trabalho e a atenção ambiental constituíam preocupações de minorias muito minoritárias. O desafio dos jovens de 25 de abril de 74 era muito nacional e muito concentrado em três objetivos cimeiros: a paz em África e por isso a descolonização, a Democracia e o Desenvolvimento vistos a prazo mais curto.
O desafio dos jovens de 25 de abril de 2019 é muito mais global, muito mais complexo, muito mais exigente na diversidade dos fatores de que depende e do prazo alargado que envolve. Mais ambição na democracia. Mais ambição na demografia na coesão. Mais ambição na era digital e na antecipação do futuro do emprego e do trabalho. Mais ambição na luta por um mundo sustentável. Tudo com a economia a crescer, dependência pelo endividamento a diminuir, sensatez financeira a salvaguardar, acrescida de justiça no repartir.
Tudo sem excluir ninguém. Nem os menos jovens, como somos hoje os jovens de 74, nem os mais jovens. Ou seja, os jovens de hoje. Parece um programa impossível? Talvez. Mas a história faz-se sempre de programas, de ideais, de sonhos impossíveis. E a história de Portugal é a história de uma pátria que nasceu impossível. Uma impossibilidade com quase 900 anos. Porque haveriam de ser as gerações de hoje as primeiras a renunciar, a construir o impossível? Porque haveríamos de ser nós, precisamente nós, a não acreditar em Portugal? Que para sempre vivam os caminhos de liberdade, democracia e dignidade das portuguesas e dos portugueses que abril desbravou, que para sempre viva Portugal.
Em Abril de 1970, na minha recruta na EPI-Escola Prática de Infantaria, em Mafra, testemunhei (sem perceber do que se tratava) a incorporação de Cadetes que até então viviam no estrangeiro.
Muito mais tarde, já a tropa cumprida, percebi que se tratava de exilados políticos cuja missão passaria a ser a infiltração do Exército naquilo que seria a desmoralização progressiva das forças militares que Moscovo não conseguia, pela guerrilha, vencer em Angola e em Moçambique.
Eles estavam politizados; nós, não.
Como teria sido se nós estivéssemos politizados; o que se comemoraria actualmente?
Não por certo a manutenção das colónias mas certamente algo de bem diferente das desgraças por que quase todos eles passaram.
E nós, por cá?
Talvez não tivéssemos que afirmar que o 25 de Abril foi um golpe de Estado comunista executado por militares ingénuos que de política nada percebiam ou que, pelo contrário, estavam super-politizados no sentido de entregarem as colónias portuguesas ao Império Soviético.
Não teríamos talvez tido que esperar pelo 25 de Novembro de 1975 para dizermos que só então é que a democracia ficou assegurada, não teríamos talvez assistido à destruição da malha produtiva nacional, teríamos certamente tido a oportunidade de avançar resolutamente para uma política coerente de desenvolvimento e bem estar em vez de andarem por aí aos gritos de propaganda menos balofa do que teria sido conveniente.
Se nós estivéssemos politizados, não sei como teria sido mas do que não tenho dúvidas é que teria sido muito diferente do que não comemoro em Abril.
Corroborando o que escrevi no último parágrafo do pequeno texto intitulado “Da Francofonia – a fronteira de Waterloo”, publicado em 21 de Abril de 2019, considero que a Nação Francesa anda perturbada.
Deixei subentender que haveria de me lançar na busca das razões – mais profundas ou mais superficiais, não especifiquei – dessa perturbação.
Não esperava, contudo, ter em Raymond Aron (cujas «Memórias» continuo a saborear) um auxiliar inesperado na identificação de uma circunstância que ignorava totalmente. Vem na pág. 62 da edição que venho lendo [i] e dali respigo o que chamou a minha atenção:
Que outra guerra foi mais prolongada, cruel e estéril do que a de 1914-18? As paixões que a tinham legitimado, os jovens que tinham vinte anos em 1925 [ii], já não partilhavam delas, até lhes custava imaginá-las. A maioria de nós vivera esta guerra de longe, sem sofrer. Os próprios que a tinham feito, ou os órfãos, detestavam-na sobretudo por não considerarem que as recompensas da vitória justificassem os sacrifícios. A revolta passava por um antimilitarismo que a filosofia de Alain [iii] transfigurava. Este antimilitarismo contribuiu, de qualquer maneira, para a desmoralização do Exército.
Estes sentimentos levaram ao comunismo, à vontade revolucionária ou à política de reconciliação com a Alemanha (hostilidade à ocupação da bacia do Ruhr, redução das indemnizações, seguidas no início dos anos 30 da evacuação antecipada da Renânia), ou ainda à recusa do serviço militar, ora sob a forma de objecção de consciência, ora como a de Alain (recusa de galões), ora como a do anarquismo.
Faz Aron entretanto uma meditação sobre as perspectivas do pacifismo do crente, do filósofo e do revolucionário mas creio mais pragmático meditarmos nós, aqui e agora, se a recusa dessa parte significativa da Nação Francesa em continuar a suportar sacrifícios não seria, antes do mais, a antecipação do «TUDO, JÁ!» que o pós-modernismo nos dá actualmente, no desapego de qualquer ética do dever perante o bem comum ou, mais remotamente, um revivalismo da ética platónica do prazer.
E se, mais prosaicamente, apelidarmos essa atitude de pura irresponsabilidade, de cruel egoísmo, de ruptura de todo o sentimento nacionalista e de abandono da Pátria à sorte que o acaso lhe traga?
Meditemos…
Mas creio que será sobretudo aos nossos amigos franceses que competirá meditar mais profundamente do que o faço, eu que estou bem longe, onde a terra acaba e o mar começa.
Ao fundo da coxia daquela enfermaria de hospital, depois da última cama, no canto ao lado da grande janela com vista deslumbrante, o cadeirão em que se sentava a «rainha Jinga», aquela Senhora negra de quem nunca soube o nome. Caíra do alto do seu metro e oitenta fracturando a coluna e ali estava entregue à esperança de os médicos conseguirem pô-la de novo em pé. Movimentos entre a cama e o cadeirão executados com a ajuda de um pequeno elevador que alguém manobrava: o marido, que lhe dava as refeições, as filhas e filhos que a toda a hora lhe faziam companhia, as amigas que lhe contavam as histórias que a «rainha» gostava de ouvir, todos a ajudarem, bom ambiente, calor humano.
Bata amarela dos Voluntários naquele hospital, baixinha, na casa dos 60, sorriso tímido, em silêncio, a mão acenando levemente a quem estava nas camas por que ia passando, chegou a Senhora, «a senhorinha».
O marido da «rainha» teve que ir ali fora ao corredor, a filha que estava presente decidiu ir com o pai comprar não sei quê, a amiga disse que já vinha e a Senhora baixinha da bata amarela, com o seu sorriso tímido, chegou junto da «rainha». Acariciou-lhe a mão inerte e falaram em surdina. Eu estava junto da cama ao lado e não tentei ouvir o que diziam mas sei que rezavam. E rezaram…
No final, «a senhorinha» afagou novamente a mão inerte da «rainha», despediu-se de mim com um sorriso tímido e eu fiquei na dúvida sobre se o aceno da sua mão não seria uma bênção. Creio que sim e gostei.
Pois é, andam Santos por aí e nós nem damos conta.
The chief beauty about time is that you cannot waste it in advance.
The next year, the next day, the next hour are lying ready for you, as perfect as unspoiled, as if you had never wasted or misapplied a single moment in all your life.
You can turn over a new leaf every hour if you choose.
Para além de portos, pontes, igrejas e edifícios de habitação, o Eng. Marcelo Moreno Ferreira, projectou e executou nas décadas de 1950/1970 em Moçambique grandes obras de engenharia, algumas delas hoje ícones nacionais moçambicanos como é o caso da famosa ESTAÇÃO DOS CAMINHOS DE FERRO DA BEIRA.
Duas obras suas constam da publicação da Ordem dos Engenheiros "100 obras da Engenharia Portuguesa no século XX".
* * *
Das condições actuais da Beira e sua envolvente:
Foi por decisão de Marcelino dos Santos que, por receio de ataques inimigos, se destruiu o mangal na zona da Praia Nova, se autorizou a construção de casas (precárias) onde era o mangal e na própria Praia Nova, encerrando um curso de água;
Zona destruída associada ao ciclone Idai
A Praia Nova invadida por habitações (foto pós Idai)
Antes da independência, a municipalidade ia gradualmente eliminando os bairros degradados em redor da cidade;
À altura da independência, o sistema de saneamento da Beira era dos mais modernos de Moçambique.
Sobre se os esporões ao longo da praia na Beira foram construídos naquela posição (oblíqua) para conter as areias face à corrente do Rio Pungue no tempo das cheias, ficámos a saber que a corrente que faz o transporte das areias é chamada de deriva litoral. Na Beira ocorre de NE para SE, por isso a maioria dos esporões entre o Macuti e a Ponta Gea estão assim orientados para conter as areias dessa deriva. A areia que alimenta este troço costeiro da Beira vem do Rio Zambeze, a 300 km de distância.
As descargas do Rio Buzi não influenciam a erosão na praia da Beira.
Quando a amplitude das marés específicas da costa moçambicana é de cerca de 7 metros (na costa angolana é de cerca de 4 metros), provoca movimentações de grandes volumes de água e por certo que também influencia a erosão ao longo da praia. Que sim, a Beira tem as maiores marés de todo o continente Africano, em 25 mil km de costa, a grande amplitude de marés na Beira provoca vários efeitos na costa.
(NOTA – desde a Foz do Rovuma à Ponta do Ouro, a costa moçambicana tem cerca de 2770 kms)
A Praia Nova foi criada no final dos anos 60 para receber a areia das dragagens do canal de acesso ao porto e armazenar areia para posteriormente servir para fazer aterros na cidade bem como o prolongamento dos cais no porto, assim reforçando a função dos esporões sem interferir com o mangal. Os excedentes das dragagens eram vendidos para aterro e para a construção (fabrico de betão, etc.).
* * *
E a questão é: - E que tal chamar gente sabedora em vez de deixarem as decisões aos políticos ou a técnicos que desconhecem o local?
Ancien que sou do Charles Lepierre, posso dizer sem rude margem de erro que me nasceram os dentes na francofonia [i].
Entretanto, muita água passou por baixo das pontes que atravessei e a francofonia foi-se espaçando – sem nunca a esquecer, claro está.
Até que a serenidade me alcançou e pude enveredar por leituras que a vida activa não facilitava. Assim foi que, a propósito do grande tema «filosofia», dei comigo a pensar que França não tem há muito quem possa representá-la na cena do pensamento de vanguarda. Descartes, Voltaire, Montesquieu, Diderot, Pascal… já foram.
E dei comigo também a pensar na «fronteira de Waterloo» com isso significando a batalha a partir da qual França nunca mais se cansou de perder todas as quezílias militares em que se meteu e, daqui, ao drama de De Gaulle que não aceitou o nível menor a que a França foi relegada no concerto internacional das Nações, sobretudo a partir de 1945. Foi precisamente para este drama que Raymond Aron me alertou num dos últimos capítulos das suas «Memórias» e tem sido ele que – noutros capítulos da mesma obra – me vem “dizendo” coisas por que eu não esperava, nomeadamente que a filosofia francesa existe.
Mas, mesmo assim, tanto Brunschvicg (1869-1944) como Sartre (1905-1980) e ele próprio, Aron (1905-1983), já cá não estão e eu continuo a pensar que a Nação Francesa continua perturbada, sem a serenidade suficiente para produzir expoentes mundiais. E não são os gaullistas Mirage nem outras Forces de Frappe que lhe inspiram as massas humanas já entrecortadas por soluções de continuidade (prosaicamente, «rasgões») no tecido da solidariedade nacional que há quem tome por chauvinista, racista, isolacionista.
À falta dessa serenidade, as propostas de reposição da grandeur de la France podem surgir de cenários tão inesperados como foi o de Versailles ao provocar o aparecimento de Hitler.
Claro que ainda não notei que a fronteira de Waterloo se esteja a diluir (e não creio que o possa notar nos tempos mais próximos) mas prefiro acreditar que os expoentes mundiais franceses noutras áreas do conhecimento existam realmente. Eu é que não os conheço. Sim? Talvez. A ver se estudo um pouco mais…
E por que é que a Nação Francesa está perturbada? Bem, isso é outra coisa que me preocupa porque quando a França chocalha, toda a Europa treme.
Abril de 2019
Henrique Salles da Fonseca
[i] - Em boa verdade, os dentes nasceram-me com o português e com o alemão