A HISTÓRIA RECENTE SEGUNDO VAROUFAKIS
As taxas de câmbio podem constituir um mecanismo de reciclagem de excedentes pois a acumulação dos défices tende a levar à desvalorização cambial, esta pode acabar por ser um estímulo às exportações e desestímulo das importações, além de contribuir para atrair outros capitais excedentes graças às taxas de juros mais elevadas.
Eis como tanto o “Plano Global” como o “Minotauro” são, na verdade, arranjos sustentados em formas distintas do Mecanismo Geral de Reciclagem de Excedentes (MGRE) com o primeiro a ter nos Estados Unidos um imenso polo superavitário e no segundo, pelo contrário, um polo deficitário.
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Do Plano Global
A Conferência de Bretton Woods deu nascimento a um sistema de governança económica global que levou à criação do Fundo Monetário Internacional (FMI), do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) e à constituição de um sistema de administração cambial que fixava, dentro duma determinada variação percentual, a flutuação das taxas de câmbio das moedas em relação ao Dólar e ao ouro– com a consequente convertibilidade directa do Dólar em ouro.
Entretanto, os défices americanos apareceram devido à
- Rápida recuperação com ganhos de competitividade e produtividade dos outrora “pupilos” do pós-guerra (Alemanha e Japão);
- Com a queda de competitividade relativa dos Estados Unidos;
- Com a abertura do seu mercado à entrada de produtos desses concorrentes, em especial o Japão;
- Com os crescentes gastos do Governo, especialmente com guerras, como a do Vietname.
Mas os Estados Unidos queriam ser eles mesmos a gerir a nova ordem económica mundial através do Dólar pelo que romperam unilateralmente o acordo de Bretton Woods, puseram fim à conversibilidade ouro/Dólar e avançaram para a desvalorização da sua própria moeda.
A depreciação do Dólar representou um duro golpe nas exportações japonesas e europeias para os EUA mas dado que todos estavam já presos ao Dólar como moeda de reserva global, pouco restava a fazer. A posição privilegiada que os americanos haviam construído estava garantida e agora em bases renovadas. “A moeda é nossa. O problema é vosso”.
A expansão monetária resultante do aumento de gastos do Governo redundou também na desvalorização do Dólar.
Mas, diante de novas e sonoras contestações à sua posição “privilegiada”, os Estados Unidos responderam com acções enérgicas e medidas drásticas que Paul Volcker, Presidente do Reserva Federal durante os governos Jimmy Carter e Ronald Reagan, mais tarde denominou “a desintegração planeada da economia mundial”.
Eis o “Minotauro Global”
Funcionando como uma espécie de “consumidor de primeira instância”, o enorme corpo gravitacional dos défices gémeos (comercial e orçamental) americanos serviu como força de atracção para o investimento dos excedentes acumulados noutras regiões do globo.
Resumidamente: enquanto os persistentes saldos comerciais negativos dos EUA suscitavam o avanço da produção noutros países, os défices orçamentais serviam para transformar os excedentes comerciais desses outros países em títulos da dívida norte-americana. E à medida que o mundo acumulava tais títulos, o capital mundial fluía inadvertidamente para o mercado financeiro americano. Para se ter uma ideia da dimensão desse movimento, no início dos anos 2000, pouco antes da crise, mais de 70% dos movimentos globais de capitais tinham os Estados Unidos como destino final.
As taxas de juros foram paulatinamente elevadas ao longo da década até alcançarem níveis recordes em 1979 – uma verdadeira catástrofe para países endividados em Dólares, como os latino-americanos e leste-europeus. A metamorfose havia sido concluída.
Enquanto absorvia uma imensidão de capitais vindos de todas as partes, Wall Street, livre das regulamentações, barreiras e constrangimentos políticos de outrora, encarregava-se de activar uma verdadeira farra desvairada de criação de dinheiro privado por meio de activos, nomeadamente os tóxicos (entre os quais estão as famigeradas classes de derivados bizarros que o mundo veio a conhecer). Fusões e aquisições alavancadas por bolhas financeiras, a produção e a circulação de capital fictício em quantidade inimaginável encontram- se, especialmente ao longo das últimas duas décadas, com a concessão de hipotecas e enorme expansão de crédito pessoal para aqueles mesmos trabalhadores que não recebiam aumento real de salários desde 1973.
Incentivado pela espantosa criação de dinheiro privado, o consumo sustentado parecia indicar que tudo estava muito bem, florescente mesmo.
Até às vésperas da crise, Wall Street, com todas as suas gambiarras outrora eufemisticamente conhecidas como “inovações financeiras”, atraiu não só capital mundial suficiente para reciclar a contento os excedentes obtidos pelos demais países e até mesmo sustentar certa reconversão destes em mais investimentos produtivos, mas também novas vendas para os Estados Unidos, o que provocava novos superávites daqueles países e, assim, a continuidade, em dimensão ampliada, da mesma roda-viva.
Entretanto, os desequilíbrios no comércio internacional continuavam a crescer.
Quando a música parou, o número de cadeiras era pequeno demais para aqueles que circulavam freneticamente à volta. O dinheiro privado evaporou-se e o sistema bancário quebrou.
O resto é a História divulgada pelos jornais…
Fevereiro de 2019
Henrique Salles da Fonseca
FONTES:
http://www.scielo.br/pdf/ts/v29n2/1809-4554-ts-29-02-0014.pdf
https://outraspalavras.net/mundo/varoufakis-e-o-mundo-parasitado-pelos-eua/
https://abemdanacao.blogs.sapo.pt/mitologia-grega-2-1488256