«Uma vez que o velho Deus abdicou, governarei o mundo doravante»
- assim apregoava Nietzsche, o pai do niilismo.
A era niilista manifestou-se muito antes do que o filósofo imaginara: catorze anos depois da sua morte iniciou-se a Primeira Guerra Mundial e depois dela a Europa ficou nas garras do fascismo, do comunismo e do nazismo. E pouco tempo depois da primeira, sofreu outra guerra pior ainda que a anterior.
Desprezada a Civilização no que ela continha de valores perenes dando corpo à dignidade humana, a violência triunfou sobre a verdade e sobre a bondade. Dezenas de milhões de vidas foram aniquiladas sob o aplauso de dezenas de milhões de admiradores da violência. Sim, porque o niilismo só pode conduzir à ditadura, à violência e à aniquilação.
E como começou ele?
Perante o igualitarismo, todos têm razão, a ninguém é reconhecido o estatuto de sábio e tudo o que se apresente difícil é considerado antidemocrático; morto o conceito de que «o peso material determina o valor do oiro e o peso moral determina o valor do homem», a matéria reina e o dinheiro é a divindade suprema. Moral? A cada um, a sua.
- O que é bom para o oiro é bom para ti! Comercializa-te, adapta-te! Tudo o que te torna mais rico é útil; o que não for divertido é inútil e pode desaparecer.
Cada um que se valha a si próprio e os outros que «se virem» se conseguirem e, se não, tanto melhor pois mais fica para o vencedor entesourar.
Eis um conjunto de indivíduos que tudo fazem para vingar individualmente em prejuízo do próximo. A inveja ganha adeptos. Só que isto não é uma sociedade e muito menos uma Civilização. E onde não há coesão social, todos se sentem desamparados. Mas o desamparo é desconfortável. O desconforto gera a queixa e sempre acaba por conduzir à busca de soluções para se regressar a alguma situação assemelhável a conforto.
Assim se reúnem os ingredientes suficientes para que apareça um caudilho com promessas cujos méritos os desamparados não querem sequer questionar. E a ditadura, sempre radical, gera a violência e esta é a destruição.
Albert Camus (Argélia, 1913 — França, 1960)
Foi depois de muita desgraça que na tarde de 29 de Outubro de 1946, Albert Camus perguntou ao anfitrião André Malraux e ao grupo de outros convidados em que se destacava Jean-Paul Sartre – todos nascidos no niilismo e no materialismo histórico - se não achavam serem eles próprios, naquela sala, os maiores responsáveis pela falta de valores na Europa ocidental e se não estaria na hora de declararem abertamente que estavam errados, que os valores morais existem realmente e que doravante tudo fariam para restabelecer e clarificar esses princípios perenes e quiçá eternos. «Não acham que seria o princípio para o regresso de alguma esperança?»
E hoje?
Ah!, hoje, a História é a mesma que há muito Camus descreveu.
Henrique Salles da Fonseca
BIBLIOGRAFIA:
Riemen, Rob – NOBREZA DE ESPÍRITO, UM IDEAL ESQUECIDO, Bizâncio, Lisboa, Abril 2011
Judt, Tony – O PESO DA RESPONSABILIDADE (Blum, Camus, Aron e o séc. XX francês), Edições 70, Maio de 2018
Como o Sol de Novembro brincando de artista nas acácias floridas
Espalhando diamantes na fímbria do mar
E dando calor ao sumo das mangas.
Sua pele macia - era sumaúma...
Sua pele macia, da cor do jambo, cheirando a rosas
Tão rijo e tão doce - como o maboque...
Seus seios laranjas - laranjas do Loge
Seus dentes... - marfim...
Mandei-lhe uma carta
E ela disse que não.
Mandei-lhe um cartão
Que o Maninjo tipografou:
"Por ti sofre o meu coração"
Num canto - SIM, noutro canto - NÃO
E ela o canto do NÃO dobrou.
Mandei-lhe um recado pela Zefa do Sete
Pedindo rogando de joelhos no chão
Pela Senhora do Cabo, pela Santa Ifigénia,
Me desse a ventura do seu namoro...
E ela disse que não.
Levei à avó Chica, quimbanda de fama
A areia da marca que o seu pé deixou
Para que fizesse um feitiço forte e seguro
Que nela nascesse um amor como o meu...
E o feitiço falhou.
Esperei-a de tarde, à porta da fábrica,
Ofertei-lhe um colar e um anel e um broche,
Paguei-lhe doces na calçada da Missão,
Ficamos num banco do largo da Estátua,
Afaguei-lhe as mãos...
Falei-lhe de amor... e ela disse que não.
Andei barbado, sujo, e descalço,
Como um mona-ngamba.
Procuraram por mim
" - Não viu... (ai, não viu...?) Não viu Benjamim?"
E perdido me deram no morro da Samba.
E para me distrair
Levaram-me ao baile do sô Januário
Mas ela lá estava num canto a rir
Contando o meu caso às moças mais lindas do Bairro Operário
Tocaram uma rumba dancei com ela
E num passo maluco voamos na sala
Qual uma estrela riscando o céu!
E a malta gritou: "Aí Benjamim!"
Olhei-a nos olhos - sorriu para mim
Pedi-lhe um beijo - e ela disse que sim.
InNo reino de Caliban II - Antologia panorâmica de poesia africana de expressão portuguesa
* * *
Viriato Francisco Clemente da Cruz foi um político e escritor angolano.
Nascimento: 25 de Março de 1928, Porto Amboim, Angola
Morte: 13 de Junho de 1973 (45 anos), Pequim, China
Nacionalidade: Angolano
Partido: Movimento Popular de Libertação de Angola
Livros: Obra poética
Wikipédia
Viriato da Cruz era angolano (mulato) e, para combater os portugueses, aliou-se aos chineses cuja «democracia» lhe desagradou e criticou. Em resultado dessas críticas e já exilado na RPC, viu a sua própria liberdade condicionada (vulgo, foi preso) e sujeito a tais maus-tratos que acabou por morrer. Por ter optado pelo comunismo chinês, foi politicamente ostracizado por Agostinho Neto que tudo fez para o banir do MPLA em prol da opção soviética (russa). Ou seja, Viriato da Cruz foi cilindrado pela luta fratricida entre a URSS e a China comunista. Mas isso não obsta a que seja lembrado como poeta da língua portuguesa.
A literatura é um dos mais relevantes índices da maioridade cultural de um povo. Tem sido pela mão da escrita que o sentimento nacional se afirma e disso é prova que todas as Nações têm poetas e romancistas como seus valores maiores.
Rabindranath Tagore é um dos maiores representantes da cultura indiana; Victor Hugo, da francesa; Jorge Amado, da brasileira; Goethe, da alemã; Camões, da portuguesa; José Craveirinha, da moçambicana e assim por aí além…
Mas se uns tocam os cumes do génio, muitos outros fazem a grande base cultural, a que nasce do comum dos mortais e por isso mesmo devem ser considerados como os genuínos do sentimento comum - sem os louros das Academias, uns populares e outros eruditos.
E assim me lembro do poeta popular António Aleixo (1899 - 1949) que era um repentista quase analfabeto mas que encerrava sentimentos de grande pureza e acuidade no Portugal do seu tempo…
Porque o povo diz verdades,
Tremem de medo os tiranos,
Pressentindo a derrocada
Da grande prisão sem grades
Onde há já milhares de anos
A razão vive enjaulada.
Lembro-me também de Noémia de Sousa (1926 – 2002), uma das mais genuínas poetisas moçambicanas que tão bem retratou os jovens do seu país no «Magaíça», esses rapazes que só eram considerados homens depois de trabalharem dois anos nas minas sul africanas…
A manhã azul e ouro dos folhetos de propaganda
Engoliu o mamparra,
Entontecido todo pela algazarra
Incompreensível dos brancos da estação
E pelo resfolegar trepidante dos comboios
Tragou seus olhos redondos de pasmo,
Seu coração apertado na angústia do desconhecido,
Sua trouxa de farrapos
Carregando a ânsia enorme, tecida
De sonhos insatisfeitos do mamparra.
E um dia,
O comboio voltou, arfando, arfando...
Oh nhanisse, voltou.
E com ele, magaíça,
De sobretudo, cachecol e meia listrada
E um ser deslocado
Embrulhado em ridículo.
Ás costas – ah onde te ficou a trouxa de sonhos, magaíça?
Trazes as malas cheias do falso brilho
Do resto da falsa civilização do compound do Rand.
E na mão,
Magaíça atordoado acendeu o candeeiro,
À cata das ilusões perdidas,
Da mocidade e da saúde que ficaram soterradas
Lá nas minas do Jone...
A mocidade e a saúde,
As ilusões perdidas
Que brilharão como astros no decote de qualquer lady
Nas noites deslumbrantes de qualquer City.
E do Brasil trago Mário Quintana (1926 – 2011), o poeta da bondade, que por duas vezes foi recusado pela Academia Brasileira de Letras e em que ele recusou entrar quando tardiamente foi convidado…
POEMINHA DO CONTRA
Todos esses que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão…
Eu passarinho!
Finalmente, lembro Vimala Devi, poetisa de Goa nascida em 1932 que nos disse que…
Na madrugada de lágrimas e de esperança
Teu pranto é o meu
De ti vem um apelo
Dolorido e ancestral
No meu pensamento serás sempre
O eterno sonho luso
Comunhão de mosteiros e pagodes
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On this morning of tears and of hope
Your lament is mine
From you comes a call
Pained and ancestral
In my thoughts you will always be
The eternal Portuguese dream
Communion of monasteries and pagodas
E o que une todos estes grandes poetas? Todos ficaram do lado de fora das respectivas Academias que, como dizia Carlos Drummond de Andrade, “só atrapalha a criatividade, só dá para ministro.”
Autêntica caixa de surpresas, não se sabe o que lá se vai encontrar…
Fernando Pessoa atirava todos os papéis e papelitos em que escrevia qualquer coisa que lhe ocorria para dentro de um baú que colocara entre a porta e a janela do seu quarto. Podia ser um guardanapo de papel em que escrevera uma frase que mais tarde pudesse servir de verso numa poesia que um dia compusesse, poderia ser um apontamento sobre algo que quisesse comprar quando estivesse mais abonado, um rascunho de prosa ou de poema, podia ser um pedaço de jornal em cuja margem tivesse apontado um pensamento.
O baú das eventualidades e de futuras aventuras literárias.
Diz quem sabe que nessa «caixa de Pandora» se encontra… sabe Deus o quê.
Todos os poemas que por lá estavam já foram editados, o que ainda há é prosa porque Pessoa escrevia no mesmo dia, às vezes na mesma folha, vários textos diferentes. Há manuscritos, por exemplo, com um fragmento do Livro do Desassossego e com um poema do Alberto Caeiro e outro de Álvaro de Campos, heterónimos do poeta.
Fernando Pessoa morreu aos 47 anos de idade em 1935, mas o seu pleno reconhecimento só veio por volta de 1940 quando foi aberto o dito baú.
Para os estudiosos, a dificuldade é reunir textos soltos e montar uma espécie de quebra-cabeças entre poesias, contos, criticas, traduções, rascunhos e anotações.
Durante o consulado de Salazar, o poeta não chamava muito à atenção porque as suas ideias não tinham conteúdo político. É o que explica o Professor Fernando Cabral Martins, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa: “Ele falava do tempo, da morte, do ser, da consciência, da sensação, do sonho. Isso são coisas que não pareciam importantes quando a questão que se colocava era não haver liberdade de expressão. Portanto, durante aqueles anos, Pessoa não correspondia às necessidades políticas da época”. Leia-se, das Oposições.
Contudo, podemos ler nas entrelinhas…
“Há um tempo em que é preciso
Abandonar as roupas usadas
Que já têm a forma do nosso corpo
E esquecer os nossos caminhos
Que nos levam sempre aos mesmos lugares.
É o tempo da travessia
E, se não ousarmos fazê-la,
Teremos ficado, para sempre,
À margem de nós mesmos”.
A primeira edição da sua obra só foi feita em 1960.
A maior parte do espólio foi para a Biblioteca Nacional de Portugal onde os investigadores continuam a trabalhar.
O facto de ao longo dos anos continuarem a aparecer textos novos, faz de Fernando Pessoa um escritor sempre actual. O Livro do Desassossego, uma das suas maiores obras, só foi publicado em 1982.
As previsões apontam para que a vasta produção de Fenando Pessoa continue a gerar ainda durante muito tempo novas descobertas e novas publicações. Por exemplo, só há pouco tempo se descobriu o seguinte poemeto:
«A criança que ri na rua,
A música que vem no acaso,
A tela absurda, a estátua nua,
A bondade que não tem prazo.
Tudo isso excede o rigor
Que o raciocínio dá a tudo,
E tem qualquer coisa de amor,
Ainda que o amor seja mudo.»
Mas há mais: Pessoa tinha o inglês como sua segunda língua pois estudou na África do Sul. Chegou mesmo a ganhar um prémio «Rainha Vitória» de literatura.
(1926, Lourenço Marques, Moçambique – 2003, Cascais, Portugal), poetisa, cujo caderno Sangue Negro (1961?) pode ser considerado um dos melhores exemplos da poesia negra.
Com os seus poemas deu um impulso a outros poetas seus contemporâneos.
NEGRA
Gentes estranhas com seus olhos cheios doutros mundos
Quiseram cantar teus encantos
Para eles só de mistérios profundos,
De delírios e feitiçarias ...
Teus encantos profundos de África.
Mas não puderam.
Em seus formais e rendilhados cantos,
Ausentes de emoção e sinceridade,
Quedaste-te longínqua, inatingível,
Virgem de contactos mais fundos.
E te mascararam de esfinge de ébano, amante sensual,
Jarra etrusca, exotismo tropical,
Demência, atracção, crueldade,
Animalidade, magia...
E não sabemos quantas outras palavras vistosas e vazias.
Em seus formais cantos rendilhados
Foste tudo, negra...
Menos tu.
E ainda bem.
Ainda bem que nos deixaram a nós,
Do mesmo sangue, mesmos nervos, carne, alma,
Sofrimento,
A glória única e sentida de te cantar
Com emoção verdadeira e radical,
A glória comovida de cantar, toda amassada,
Moldada, vazada nesta sílaba imensa e luminosa: MÃE
Qual é na actualidade a Civilização mais misógina e em que os homens revelam um profundo temor da putativa infidelidade feminina (vulgo, complexo de corno)?
PRÉMIOS:
1º - Dose dupla de compaixão que conduza o ganhador deste «concurso» a reforçar a crítica à misoginia alheia;
2º - Dose dupla de paciência para aturar tanta estupidez que por aí anda à solta;
3º - Uma moca virtual de Rio Maior para afugentar as moscas das cabeças misóginas.
Até aqui, as nossas crenças e os conceitos usados para as formular foram o esteio transcendental da fé religiosa.
(…) Hoje, todavia, tudo está a mudar. As pessoas nascem num mundo onde não há certezas; e, por entre os farrapos da herança que recebemos, o abismo está sempre à vista. Em tais circunstâncias a vida humana torna-se problemática; sem uma reconstrução radical da nossa visão do mundo que torne possível a vontade de poder da qual as nossas iniciativas dependem, entraremos num estranho deserto espiritual no qual nada tem significado ou valor – [será] o mundo do último homem.
Friedrich Nietzsche
in «Breve história da filosofia moderna», Roger Scruton, “Guerra e Paz, Editores”, 1ª edição, Junho 2010 (pág. 249)
Foi no dia 1 de Dezembro de 1640 que Portugal restaurou a sua plena Soberania Nacional ao substituir no seu Trono Filipe IV de Espanha pelo até então Duque de Bragança que passou à História como D. João IV.
Honra aos 55 patriotas que prepararam essa re-emancipação nacional:
Afonso de Menezes, D.
Álvaro Coutinho da Câmara, D.
Antão Vaz d’Almada, D.
António de Alcáçova Carneiro, D. – Alcaide-mor de Campo Maior
António Álvares da Cunha, D. – 17º Senhor de Tábua
António da Costa, D.
António Luís de Menezes, D. – 1º Marquês de Marialva
António de Mascarenhas, D.
António de Melo e Castro
António de Saldanha – Alcaide-mor de Vila Real
António Teles da Silva – Governador do Brasil
António Telo, D.
Carlos de Noronha, D.
Estêvão da Cunha
Fernando Teles de Faro, D.
Fernão Teles de Menezes – 1º Conde de Vilar Maior
Francisco Coutinho, D.
Francisco de Melo
Francisco de Melo e Torres – 1º Marquês de Sande
Francisco de Noronha, D.
Francisco de São Paio
Francisco de Sousa, D. – 1º Marquês das Minas
Gaspar de Brito Freire
Gastão Coutinho, D.
Gomes Freire de Andrade
Gonçalo Tavares de Távora
Jerónimo de Ataíde, D. – 6º Conde de Atouguia
João da Costa, D. – 1º Conde de Soure
João Pereira, D.
João Pinto Ribeiro, Dr.
João Rodrigues de Sá
João Rodrigues de Sá e Menezes, D. – 3º Conde de Penaguião
João de Saldanha da Gama
João de Saldanha e Sousa
Jorge de Melo
Luís Álvares da Cunha
Luís da Cunha
Luís da Cunha de Ataíde, D. – Senhor de Povolide,
Luís de Melo, Alcaide-mor de Serpa
Manuel Rolim, D. – Senhor de Azambuja
Martim Afonso de Melo – Alcaide-mor de Elvas
Miguel de Almeida, D. – 4º Conde de Abrantes
Miguel Maldonado
Nuno da Cunha de Ataíde, D. – 1º Conde de Pontével
Paulo da Gama, D.
Pedro de Mendonça Furtado – Alcaide-mor de Mourão
Rodrigo da Cunha, D. – Arcebispo de Lisboa
Rodrigo de Menezes, D.
Rodrigo de Resende Nogueira de Novais
Rui de Figueiredo – Senhor do morgado da Ota
Sancho Dias de Saldanha
Tomás de Noronha, D. - 3º Conde dos Arcos
Tomé de Sousa - Senhor de Gouveia
Tristão da Cunha e Ataíde - Senhor de Povolide
Tristão de Mendonça
Para além destes, todos os que a História não registou e aqui individualizo como «Restaurador Desconhecido».
1 de Dezembro de 2018
Henrique Salles da Fonseca
(em Melbourne, junto ao túmulo do soldado desconhecido australiano e neozelandês morto na batalha de Gallipoli, Grande Guerra)