Da Wikipédia extraio que William Tecumseh Sherman foi um soldado, empresário, educador e autor norte-americano.
General no Exército da União durante a Guerra de Secessão, foi reconhecido como um estratega militar visionário.
Nascimento: 8 de fevereiro de 1820, Lancaster, Ohio, EUA
Falecimento: 14 de fevereiro de 1891, Nova Iorque, Nova Iorque, EUA
Cônjuge: Ellen Ewing Sherman (de 1850 a 1888)
Enterrado no Calvary Cemetery & Mausoleum, St. Louis, Missouri, EUA
Filhos: Thomas Ewing Sherman, Eleanor Sherman Thackara
* * *
Do romance «Música de praia» de Pat Conroy[1], extraio que o personagem principal é Jack McCall, nascido em Waterford, na Carolina do Sul, crescido até quase aos dois metros e que já referi num texto anterior sobre a palavra «perfunctório». Contei então que a mulher dele, Shyla, se suicidara ao atirar-se duma ponte por não ser capaz de continuar a suportar as vozes que a esquizofrenia a fazia ouvir constantemente.
A mãe de Jack transformara-se de stripper analfabeta quando era solteira em cicerone da sua própria casa, histórica, depois de casada com um juiz e mãe de cinco filhos em que Jack era o primogénito. Ali acediam (pagando, claro) grupos de turistas, tanto locais como forasteiros.
Quando o rapaz estava a concluir o liceu, a casa foi visitada pela sua turma de finalistas e ele próprio foi, como turista, ouvir a mãe explicar tudo o que o rodeara desde que nascera. Como seria de esperar, a mãe não cobrou a visita da turma do filho.
E naquela sala, a «biblioteca», a mãe explicava que
quando os ianques ocuparam Waterford logo no início das hostilidades, a dona da casa se tinha recusado a fugir e passara toda a Guerra Civil sob ocupação nortista
e fingia que lia uma carta emoldurada e pendurada na parede em que o General Sherman escrevia à antiga-antiga dona daquela casa pedindo para transmitir um recado à sua ex-amada, Elizabeth, a filha da dita Senhora:
Cara Senhora Cotesworth,
Lembro-me do serão que passei em sua casa com imenso prazer (em que pedira ao pai a mão de Elizabeth, que anuíra, mas que as obrigações militares do putativo noivo impediram a concretização) e muita tristeza. Soube da morte do seu marido em Charleston e a notícia causou-me grande pesar. Contaram-me que a carga de cavalaria que ele comandava rompeu as nossas linhas infligindo pesadas perdas. Teve uma morte honrosa e espero que isso a console.
Já deve ter ouvido que vou atacar as forças confederadas que defendem Colúmbia. O Sul está aniquilado e a guerra em breve terminará. Gostaria igualmente de apresentar os meus cumprimentos à sua filha, Elizabeth, e muito apreciaria que lhe dissesse que ainda a tenho em grande estima. Não estou certo de que a guerra contra o México e as grandes vitórias alcançadas pelas forças americanas sejam merecedoras da perda de Elizabeth. Enquanto o meu exército avança através do Sul e se aproxima inexoravelmente do lugar que Elizabeth tornou mágico pela sua mera presença, penso muito nela.
Ficar-lhe-ia muito grato se fizesse chegar às mãos de sua filha um recado: diga a Elizabeth que lhe ofereço a cidade de Charleston.
Muito sinceramente,
Wiliam T. Sherman
General do Exército
Na época em que os finalistas do liceu de Waterford visitavam a casa de Jack, a sua futura mulher, Shyla, ainda namorava com um outro colega de turma e, à saída, a mãe chamou o filho com uma frase sonante que a todos fez virar para trás: - Eh, bonitão! Não me digas que te vais embora sem me dares um beijo de despedida. O rapaz voltou a subir as escadas para beijar a mãe, quase caiu de joelhos perante ela e recebeu uma festa na cara. Foi então que do grupo de liceais se soltou uma voz feminina bradando – General Sherman! General Sherman! Vamos embora! Ao que a mãe de Jack respondeu - Ele vai já, Elizabeth!
Era Shyla que o tinha chamado e que assim declarava a toda a gente mudar de namorado.
* * *
Acredito nas informações da Wikipédia mas não acredito numa única linha do romance. E dado que parte importante da história se passa em Roma, digo como os italianos: «Se non è vero, è ben trovato».
De qualquer modo, gostei da qualidade literária do cenário romanceado e por isso o trago aqui.
Dezembro de 2018
Henrique Salles da Fonseca
[1] - Ed. Círculo de Leitores, Setembro de 1996, pág.215 e seg.
O rosto da mulher estava tapado por uma máscara, mas a minha imaginação desenhava-lhe as feições. Mascaradas, todas as mulheres se transformam em beldades famosas que todos os homens conquistam pelo seu encanto. A mulher com quem dançava pôs-se a fazer-me perguntas em italiano. Se eu dissesse uma palavra, todo o país ficaria ao corrente de que eu era americano.
- Ah! – exclamou ela numa voz cantante. – Esperava que fosse chinês.
- Então, sou chinês – disse eu em italiano.
- Sou condessa – disse com orgulho. – A minha família descende do décimo segundo Doge.
- É verdade? – perguntei.
- Esta noite, tudo é verdade. No Carnaval, todas as mulheres são condessas.
O meu italiano tinha chegado aos seus limites, assim, falei-lhe em inglês.
- A máscara torna a mentira mais fácil?
- A máscara torna a mentira necessária – respondeu-me.
- Então, não é condessa.
- Sou condessa, todos os anos, na mesma noite. E espero que toda a gente me preste as homenagens que mereço.
Dei um passo atrás e fiz-lhe uma profunda vénia.
- Minha condessa adorada.
- Meu servo – disse ela e, fazendo uma reverência, desapareceu na multidão.
“MÚSICA DE PRAIA” – Pat Conroy - Círculo de Leitores, ed. Setembro de 1996, pág. 62
Foi preciso ter uns maduros 73 anos para hoje ver pela primeira vez uma palavra tão portuguesa como eu, mas com que nunca me tinha cruzado: «perfunctório».
Caramba, estou sempre a aprender!
Ofereço-me esta lição como presente de Natal mas, como sou magnânimo, divido-o equitativamente com quem ler este escrito.
Ido ao DicionárioPriberam, fiquei a saber que palavra tão estranha significa algo que dura pouco, que é leve, passageiro, por oposição a duradouro ou a permanente; que é pouco importante ou pouco aprofundado, que é ligeiro, superficial, por oposição a profundo; que se faz só para se dizer que se fez e não por necessidade ou com algum fim útil, por oposição a essencial, a indispensável.
Parece que estou a ler uma frase jocosa do Eça em que, pela fonética, se assemelha a «supositório». Mas também poderia ser o nome de algum instrumento próprio para ele limpar as fossas nasais. Esta última hipótese deve ser por causa da sílaba «func» e, claro está, pela sonoridade inerente à draconiana função naso-expiratória.
Mas não, a frase que li é a tradução portuguesa da que presumo sua homóloga inglesa escrita por um americano judeu auto-exilado em Roma na sequência do suicídio da mulher duma ponte abaixo algures na Carolina do Sul.
Para começo de livro[1] – e isto passa-se logo na primeira página do primeiro capítulo - acho «especial» para não dizer macabro.
Então, foi pelas seis da manhã que os dois carabinieri de guarda à Embaixada de França acenderam cigarros e puseram em marcha o carro de serviço em que se preparavam para fazer «a perfunctória ronda ao Palazzo Farnese».
E duma assentada fiquei a saber que a Embaixada de França junto do Quirinale está instalada no Palácio Farnese cujo périplo se pode fazer perfunctoriamente.
A talhe de foice, o facto de uma Embaixada estar «junto do Quirinale» não tem qualquer significado de proximidade geográfica mas sim de «acreditado junto da República Italiana», ou seja, do palácio que é a residência oficial do Chefe do Estado Italiano.
Mais: qualquer país que se prese tem duas Embaixadas em Roma sendo uma «junto do Quirinale» e outra «junto da Santa Sé» (do Vaticano).
No nosso caso, ambas as Embaixadas estão instaladas principescamente mas não investiguei se o seu périplo também se pode fazer perfunctoriamente. A ver…
24 de Dezembro de 2018
Henrique Salles da Fonseca
[1] - «MÚSICA DE PRAIA», Pat Conroy, Círculo de Leitores, ed. Setembro de 1996, pág. 27
D. Dinis, Infante de Portugal (1354-1397), filho do Rei D. Pedro I, na Corte de seu irmão, o Rei D. Fernando, sobre Leonor Teles a quem se recusou a beijar a mão.
Hoje refiro-me ao azedume permanente em que tanta gente só faz reclamar de tudo e de todos.
Começo por relembrar um pouco da História de que nós, os portugueses com mais de 60 anos, somos contemporâneos.
Na juventude, vivemos no Consulado do Doutor Salazar e faltavam-nos perspectivas num modelo económico subjugado ao equilíbrio financeiro e ao entesouramento, sem perspectivas de maioridade política para o cidadão comum; no tempo do Professor Marcelo Caetano, nasceu a esperança proporcionada pela «Primavera marcelista» que os ultras, liderados pelo então Presidente Tomás, esmagaram; seguiu-se o golpe de Estado em 25 de Abril de 1974 e as loas à liberdade que os comunistas passaram a ter de prender quem se lhes opusesse.
E foram estas loas que deram o tom à «Revolução dos Cravos» dizendo-se que acabara com «a longa noite fascista».
Independentemente da verdade histórica, o que vingou foi um discurso generalizado de incentivo à reivindicação das liberdades individuais que culminou num ambiente em que tudo eram direitos e as obrigações eram alheias, nunca do próprio.
E a luta política, fazendo-se entre os comunistas que falavam nas «mais amplas liberdades» e os Partidos democráticos que apregoavam a liberdade como conceito unicitário, criou uma cultura de facilitismo que rapidamente degenerou na irresponsabilidade em que todos viam cerceamentos aos respectivos direitos nas mais ténues regulamentações e viam arbitrariedades nos resquícios decisórios de gestão corrente tanto da coisa pública como da privada.
Em suma, mesmo inconscientemente, criou-se uma geração libertária, avessa a qualquer espécie de autoridade em que todas as tentativas de ordenamento eram equiparadas a fascismo.
Entretanto, as gerações seguintes foram educadas por esses libertários e o sentimento de revolta contra o cerceamento de direitos assentou arraiais no comportamento geral.
«Ninguém pode fazer nada que me incomode pois isso é limitar a minha liberdade.»
«Ninguém pode dizer-me coisas diferentes daquelas que eu quero ouvir porque isso é manipular-me.»
E o azedume manifesta-se constantemente nas mais corriqueiras situações, no ambiente criado pelo incentivo à revolta nos diversos meios da comunicação geridos por «netos da revolução» prenhes de irresponsabilidade social.
Com a agravante da hegemonia entretanto alcançada pelos hedonistas, filhos da pós-modernidade, esses que tudo querem JÁ e que não olham a meios para alcançarem os seus próprios fins à custa dos direitos alheios dando mesmo largas a tais desejos no exercício do saque público.
Solução?
Para além da actuação policial imediata, creio que a solução de fundo passa pela educação no sentido da responsabilização individual em prol do bem-comum apesar de isso poder demorar o tempo de várias gerações. E, para isso, é fundamental que os órgãos da comunicação se autocorrijam.
«Há que manter as pessoas amedrontadas e desmoralizadas para que fiquem mansas»
Foi numa entrevista que um súbdito britânico concedeu a um cidadão americano sobre as vantagens do Serviço Nacional de Saúde que ouvi esta frase mas, apesar de não se tratar do ponto fulcral da entrevista, foi nela que me fixei.
Para poder passar rapidamente ao que mais me interessa, despacho já a questão do SNS: a entrevista tinha como objectivo reunir argumentos em defesa do Obamacare contra a decisão do seu desmantelamento por Trump.
Então, o entrevistado lembrou que foi num período de grande solidariedade nacional que o Governo Britânico avançou para a criação do SNS, em 1948, depois dos horrores por que haviam passado durante a «batalha de Inglaterra». E resumiu os raciocínios de um modo bem curioso: «Então, quando estávamos falidos, arranjámos dinheiro para matar quem nos atacava e agora (1948), não arranjávamos dinheiro para tratar dos nossos?»
Foi, pois, a solidariedade nacional que levou os britânicos a tratarem de si próprios em vez de ficarem à espera de que alguém viesse de fora (seguradoras e outras entidades do género) tratar-lhes das feridas ainda muito evidentes e muito extensas. E, para além da solidariedade, tudo se fez no âmbito duma grande motivação e em plena democracia.
Eis o grande contraste com o que, entretanto, trama a «mão invisível» que, à boa maneira de Júlio César e de Maquiavel, «divide para governar». E daí vem a frase que retive e acima transcrevo cujas consequências têm tudo a ver com desmotivação, desinteresse, abstenção.
Sim, há quem pense ser muito mais fácil governar quem tenha medo, ande desmoralizado, desmotivado e se abstenha de participar em qualquer tema de interesse colectivo. Parece mesmo haver a intenção de constituir a discussão sobre o bem-comum em tabu inultrapassável quando, essa sim, deveria impor-se a todas as demais discussões.
Basta assistir a um telejornal para constatarmos que «aquele roubou», «aquela assassinou», «amanhã há raios e coriscos», «o mar estará bravo», «um estudo diz que comer feijão provoca miopia e caspa», etc. sempre a semear a ansiedade e a distrair o cidadão de temas que possam cultivar valores positivos. Para não referir a alienação futebolística, essa doença gravíssima que, para além do mais, se mistura com corrupção.
Já Karl Popper dizia que a televisão é a grande inimiga da democracia.
O desvirtuamento da democracia que passou a estar associada às hordas de abúlicos que só despertam quando uns quantos envergam coletes amarelos.
Dezembro de 2018
Henrique Salles da Fonseca
(no Amazonas, Abril de 2016)
BIBLIOGRAFIA:
«TELEVISÃO: UM PERIGO PARA A DEMOCRACIA», Karl Popper – John Condry, ed. Gradiva, Fevereiro de 2007