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A bem da Nação

MERDEKA – 3

 

Ainda hoje se refere Sukarno (militar, natural de Surabaia onde nasceu a 6 de Junho de 1901 e falecido em Jakarta a 21 de Junho de 1970 por deficiências renais) como «o nosso primeiro Presidente»; a Suharto, também militar, referem-se como «o nosso segundo Presidente» e, dando um salto sobre alguns que quase entraram no esquecimento, se passa para «o nosso Presidente» que é o actual, Joko Widodo, cujo mandato quinquenal está a terminar mas que se recandidata a um segundo (e último) mandato. Parece ser o único que não enriqueceu e que, só por isso, se diz merecer ganhar novamente.

 

Joko Widodo.jpg

 

Do meio do esquecimento salta por vezes a única mulher que até hoje presidiu à Indonésia, Megawati Sukarnoputri cujo nome significa «Megawati, filha de Sukarno». E ela foi Presidenta porque era Vice-Presidenta de Abdurrahman Wahid que foi «impeachado», não concluindo o mandato. Ela cumpriu o resto do mandato mas foi derrotada na votação seguinte. A curiosidade está em que o actual Presidente é membro do Partido dela (PDI-P, ou seja, a sigla indonésia para «Indonesian Democratic Party of Struggle») em que, pelos vistos, ela continua «fora da carroça». Porquê? Diz-se – com mais ou menos cerimónia e com mais ou menos acrimónia – que por incompetência pura.

 

Creio que a situação política actual é estável mas, tal como sucede em qualquer parte do mundo, tudo se pode embrulhar sem aviso prévio como já sucedeu várias vezes ao longo da História.

 

Há elementos importantes que justificam a estabilidade e deles refiro apenas alguns:

  • A política económica de «viver e deixar viver» aquela enorme população muito mais empreendedora do que proletária;
  • Algum nacionalismo que, não afugentando o investimento externo, não permite muita roubalheira dos recursos naturais;
  • Uma política de distribuição geográfica de obras públicas ao contrário do que sucedeu durante os mandatos presidenciais anteriores de grande concentração de interesses em Java e escandaloso esquecimento do resto;
  • Total liberdade religiosa dentre as cinco religiões reconhecidas pelo Estado laico [Islamismo (maioritário), Hinduísmo, Budismo, Cristianismo (católico e protestante), Confucionismo];
  • Agricultura completamente privada e formação de preços com mais lógica do que em Portugal;
  • Educação e Saúde gratuitas - em paralelo com as privadas nos complementos que todos adivinhamos…
  • Militares fora da política e dentro dos quartéis a fazerem aquilo para que existem, a segurança.

 

A lista poderia ser muito maior mas fico-me por aqui pois não estou numa de fazer um relatório chato.

 

Uma particularidade que me pareceu muito interessante e nos foi referida várias vezes: a facilidade de crédito para a compra de motorizadas.

 

E que tal falar sobre Timor e a crispação das relações com Portugal? Já lá vamos no capítulo seguinte.

 

(continua)

007.JPG

Henrique Salles da Fonseca

(Jakarta, templo chinês)

MERDEKA – 2

 

O FADO DA INDONÉSIA

  

Guido Kiko em Dili, CPLP.jpg

O grupo musical Keroncong Tugu actuou em Díli durante a Cimeira da CPLP em Julho de 2014

 

Não faltará quem pergunte de quem se trata. Pois bem, são dos tais que até há bem pouco tempo não sabiam uma palavra de português e já não devem ter um único gene português mas que se dizem portugueses. Vivem em Jakarta num bairro chamado Tugu (nítida corruptela de «português) e descendem dos portugueses que para ali foram levados como escravos pelos conquistadores holandeses de Malaca em 1641.

 

E o que me pediram quando os encontrei nesse ano de 2014? Pois pasme-se o meu Leitor: nada de apoios financeiros nem estatutos especiais de nacionalidade mas apenas um professor de português.

 

Logo tentei o Instituto Camões mas não fui na circunstância tão bem sucedido como gostaria. Sugeri-lhes então que fizessem o pedido ao Governo de Timor Leste no final da récita que deram em Díli. E como dos tímidos não reza a História, enviei-lhes um escrito (bilingue português e inglês) para o chefe do grupo, o meu amigo facebookiano Guido Quiko, ler aos microfones: «Os residentes no bairro Tugu, em Jakarta, pedem ao Governo de Timor Leste que lhes envie um professor de português».

 

Guido Quiko e Xanana Gusmão (21AGO16).jpg

 Guido Kiko pedindo a Xanana que lhe envie um professor

 

Sei que o pedido foi feito na presença dos Chefes de Estado e de Governo na dita cimeira da CPLP e sei também que tudo ficou na mesma, ou seja, sem professor.

 

Então, assim foi que me subiu a mostarda ao nariz e decidi fazer uma escola no Facebook para quem não sabe uma palavra de português e lá quer chegar a partir do inglês. Pedi apoio à minha amiga Professora Filomena Ferro com largo curriculum na vertente do ensino de português a anglófonos e criei a «Filomena’s School – Portuguese Classes» onde actualmente estão mais de 300 alunos. São 133 pequenas lições de gramática que se complementam com todas as conversas que se vão inventando para desenvolvimento do vocabulário.

 

Sim, os tugus já têm uma escola com propinas ao nível do zero.

 

E com eles, muitos mais descendentes de «portugueses abandonados» por esse mundo além que querem aprender a língua dos antepassados.

 

Refira-se que se os tugus são os nossos alunos mais orientais, os melungeons (nós, portugueses, chamamos-lhes melungos) são os mais ocidentais pois que se situam nos Apalaches[i].

 

Mas é no livro “OS FILHOS ESQUECIDOS DO IMPÉRIO”, pág. 158 e seg., que o Joaquim Magalhães de Castro nos relata o que é este «fado» e quem são os seus intérpretes:

«(…) o kaparinyo, canção inicialmente popularizada na costa oeste de Samatra e posteriormente divulgada em todo o arquipélago (…) provém do lagu cafrinyo, tema de origem portuguesa ainda hoje cantado no bairro dos luso-descendentes de Tugu, nos subúrbios de Jacarta e que se insere num estilo musical denominado kroncong (…) caracterizado principalmente por um estilo vocal em que se canta de uma maneira sentimental em que são utilizadas harmonias europeias».

  

https://www.facebook.com/Keroncong.Tugu?fref=tsm

 

Certo de que todos poderemos fazer muito mais pelos descendentes dos portugueses que abandonámos por esse mundo além ao longo da História, por aqui me fico hoje com a sugestão de que as agências portuguesas de viagens que operam na Indonésia incluam Tugu nos seus programas de visitas. E se quiserem que lhes conte a história, sirvam-se da informação que ofereço nestas crónicas. Não quero Direitos de Autor, só quero que se saiba que temos muito caminho a trilhar até começarmos a remir a História.

 

(continua)

Jakarta - 2 (SET18).jpg

 Henrique Salles da Fonseca

(em Jakarta, SET18)

 

[i] - Sobre os Melungeons, ler neste blog «ENTÃO, TUDO COMEÇOU ASSIM» de 1 a 4

MERDEKA – 1

 

Tenha o Leitor a bondade de não me levar a mal o título deste escrito e da sua repetição nos prolongamentos que se lhe seguirão já que em indonésio, a nossa tão cara «Liberdade» se diz «Merdeka». Sim, é óbvio que, apesar da nossa grande influência naquelas paragens, os indonésios não nos terão pedido opinião quando quiseram dar um nome à liberdade.

 

E até que ponto existe influência portuguesa naquelas paragens?

 

Sim, existe uma influência real que se iniciou no início do séc. XVI e se prolonga até hoje pois, com o interregno relativo à tentativa portuguesa de instalação de um regime comunista em Timor-Leste, tudo o mais na História se traduziu por um ambiente de relações calmas e bilateralmente proveitosas.

 

E então, foi assim:

 

  • Em 1513, quatro navios portugueses chegaram a Kalapa[i] (ilha de Java), o porto principal do reino hindu de Sunda. Vinham de Malaca, conquistada havia dois anos, à procura de especiarias, principalmente de pimenta. As relações de comércio desenvolveram-se com normalidade e no dia 21 de Agosto de 1522 foi firmado um Tratado de Amizade entre Sunda e Portugal.

 

  • Contudo, em 1527 Kalapa foi assaltada e destruída por Fatahilaha Kahn, muçulmano, que era inimigo tanto do Rei de Sunda como dos portugueses.

 

  • Reconstruída pelos conquistadores, a cidade recebeu o nome do terceiro Sultão do Sultanato de Banten, Pangeran Sungrasa Jayawikarta III, abreviadamente Jakarta. E se os religiosos e militares portugueses saíram, os nossos comerciantes voltaram a frequentar o novo burgo e suas cercanias com grande utilidade para todos, vendedores e compradores das especiarias que por ali abundavam.

 Ternate.jpg

  • O prestígio de Portugal (leia-se utilidade comercial e militar) e a influência religiosa eram tantos naquela região que em 1573 o Sultão de Ternate (Molucas) doou toda a ilha de Amboíno ao seu padrinho de baptismo, Jordão de Freitas, indo morrer a Malaca não sem antes ter deixado em testamento todo o reino de Ternate ao Rei de Portugal. Contudo, D. António de Noronha, Vice-rei da Índia, terá entendido que seria mais útil um fantoche no trono de Ternate que seguisse docilmente as orientações portuguesas do que assumir directamente os constantes conflitos na região pelo que não aceitou a doação e instalou Hairum, irmão do Sultão defunto, no trono que estava de facto vago. E parece que a decisão foi acertada pois o novo Sultão seguiu o exemplo do seu irmão e antecessor consolidando a amizade com os portugueses a quem convidou em 1578 para construírem uma fortaleza. E o comércio continuou...

 

  • Mas o Sol não foi doirado por muito mais tempo para nós pois, entre espanhóis e holandeses, o «destino» quis que saíssemos em 1605 dessas paragens. Saímos oficialmente mas ficámos escondidos dos calvinistas.

 

  • Foi em 1610 que o general holandês Pedro Bothe fundou Batávia para apagar a antiga Jakarta sendo necessário esperar pela total independência da Indonésia em 1949 para que o nome holandês desaparecesse e Jakarta retomasse o seu lugar nos mapas.

 

  • Mas os holandeses não conseguiram apagar-nos por completo pois permanecem vestígios significativos um pouco por todo o lado. Por exemplo, na ilha das Flores a norte de Timor, ainda hoje a fórmula de proclamação dos rajás de Sikka reza que:

Viva Altíssimo Senjor Don [nome do empossado que não há muito tempo foi Alexius Ximenes da Silva], sei boa saudi, El Quam Deos Nossa Senjor dê longa vida permanosa El-Rei reinjho de Sikka. De baixo de Lisboa.

 

Esta última expressão “De baixo de Lisboa” significa que, mesmo decorridos tantos séculos, os rajás de Sikka se consideram súbditos do Rei ou Presidente de Portugal. Eles ainda hoje nos tratam assim e nós, esquecidos, que fazemos por eles?

 

(continua)

Jakarta - 1 (SET18).jpg

 Henrique Salles da Fonseca

(em Jakarta, SET18)

 

[i] - Não confundir com «kapala» que significa «cabeça».

Pág. 4/4

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