Oito da noite, numa avenida movimentada, o casal está atrasado para jantar na casa de uns amigos. O endereço é novo e ela consultou o mapa antes de sair. Ele conduz e ela, a orientar, pede que vire na próxima rua à esquerda. Ele tem a certeza de que é à direita.
Ao perceber que, além de atrasados, poderiam ficar mal-humorados, ela deixa que ele decida. Ele vira à direita e percebe logo de seguida que estava mesmo enganado.
Embora com dificuldade e enquanto faz inversão de marcha, admite que insistiu no caminho errado.
Ela sorri e diz que não há nenhum problema se chegarem alguns minutos atrasados. Mas ele ainda quer saber: - Se tinhas tanta certeza de que eu estava a ir pelo caminho errado, devias ter insistido um pouco mais...
E ela diz: - Entre ter razão e ser feliz, prefiro ser feliz. Estávamos à beira de uma discussão; se eu insistisse, teríamos estragado a noite!
* * *
E, então, há que perguntar se queremos ser felizes ou ter razão.
* * *
Outro pensamento parecido, diz: "Nunca se justifique; os amigos não precisam e os outros não acreditam".
O narrador, um antigo advogado que dirige um confortável escritório onde ajuda homens ricos a lidar com hipotecas e títulos de propriedade, relata a história do homem mais estranho que ele já conhecera.
O narrador possui dois escrivães, Nippers e Turkey. Nippers sofre de indigestão crónica e Turkey é um bêbado, mas o escritório sobrevive porque pela manhã Turkey está sempre sóbrio apesar de Nippers estar irritado, na parte da tarde Nippers acalma-se e Turkey fica bêbado. Há também o office boy Ginger Nut, que possuía este nome devido aos biscoitos (um tipo de cookie aromatizado com gengibre) que regularmente servia ao patrão. Turkey (peru), Nippers (alicate) e Ginger (gengibre) eram os apelidos daquela gente.
O narrador publica um anúncio procurando um novo escrivão. É quando Bartleby aparece disposto a assumir o cargo. O velho homem, aparentemente desesperado, contrata o jovem esperando que a sua calma influencie os outros escrivães. Inicialmente, Bartleby revela-se eficiente e interessado realizando uma quantidade extraordinária de trabalho como se estivesse «faminto» por algo para ler e escrever e até parecia querer devorar os documentos que lhe eram entregues.
Certo dia, quando o narrador pediu a Bartleby para rever um documento, o jovem simplesmente respondeu: "Eu preferiria não o fazer". Foi a primeira de inúmeras recusas de Bartleby. Para consternação do narrador e irritação dos outros escrivães, Bartleby executava cada vez menos as tarefas no escritório. O narrador tentou por diversas vezes entender Bartleby e aprender sobre ele, mas o jovem repetiu sempre a mesma frase quando era requisitado a fazer as suas tarefas ou dar informações a respeito delas: "Eu preferiria não o fazer". Num fim de semana, quando o narrador passou pelo escritório, descobriu que Bartleby morava no próprio escritório. A vida de solidão de Bartleby comoveu o narrador: à noite e aos Domingos, Wall Street é tão desoladora como uma cidade fantasma. E ficou ora com pena, ora com raiva pelo comportamento bizarro de Bartleby.
Entretanto, Bartleby continuava a recusar os trabalhos que tinha para fazer, respondendo sempre com um "Eu preferiria não o fazer". Assim continua até chegar ao ponto em que Bartleby não faz absolutamente nada. Mesmo assim, o narrador não despede o jovem. O relutante escrivão tem um estranho domínio sobre o patrão que sente que não pode fazer nada para prejudicar o desesperado empregado. A urgência aumenta quando os sócios do narrador perguntam sobre a continuação de Bartleby no escritório ao repararem que o jovem não faz nada.
Prevendo que a sua reputação possa ser arruinada, o narrador vê-se obrigado a agir. As tentativas de despedir Bartleby, no entanto, são ineficazes. Então o narrador muda o escritório para uma nova morada, pensando que assim se livraria de Bartleby. Embora isso funcione para o narrador, pois Bartleby não os segue, os novos inquilinos do antigo escritório pedem ajuda ao narrador, pois Bartleby não quer sair do velho escritório. Embora os novos inquilinos tivessem expulsado Bartleby, ele simplesmente voltava pelo saguão. O narrador vai até Bartleby numa última tentativa de se entender com ele mas Bartleby rejeita o contacto.
O narrador decide então ausentar-se durante alguns dias, com medo de se envolver na nova campanha dos inquilinos para evitar Bartleby. Quando regressa, vê que Bartleby foi preso por se recusar a sair do velho escritório. Na prisão, Bartleby parece ainda mais melancólico que antes e recusa a amizade do narrador. Contudo, o antigo patrão suborna o guarda que cuida de Bartleby para garantir que o jovem seja bem alimentado; após alguns dias regressa à prisão e descobre que Bartleby morreu - ele "preferiria não" comer e morreu de fome.
Algum tempo depois, o narrador ouve um rumor que desfaz o discernimento da vida de Bartleby. O jovem trabalhava no Dead Letter Office (o departamento dos Correios em que se arquivam as cartas que não se conseguiu fazer chegar ao destino), mas perdeu o emprego. O narrador percebe finalmente que as «cartas mortas» teriam posto qualquer um com o temperamento de Bartleby afundando-se em grande melancolia. Aquelas cartas são emblemas da nossa mortalidade e da falha das nossas boas intenções. Através de Bartleby o narrador passou a olhar o mundo como os miseráveis escrivães o vêem. As últimas palavras da história são do narrador: "Oh Bartleby! Oh Humanidade!"
O prefácio, da autoria de Isabel Alçada, é mesmo para ler antes de se começar a leitura do livro propriamente dito e dele se realça logo na contracapa que se trata de «Uma obra magnífica e inspiradora que surpreende pela avalanche de temas e ideias sintetizadas em cada página, sem nunca atraiçoar a coerência da narrativa histórica, nem afectar a credibilidade do retrato complexo e admirável que deixa do Imperador».
Curiosos, os títulos latinos dos capítulos:
Pág. 25 - Animula vagula blândula – Pequena alma terna flutuante – primeira parte da vida de Adriano na sua Itálica natal, cidade que os romanos construíram depois do longo cerco e destruição radical de Sevilha, capítulo de que extraio algumas frases e expressões que chamaram a minha atenção:
«A renúncia ao cavalo é um sacrifício custoso: uma fera não passa de um adversário mas um cavalo é um amigo»;
«Um príncipe não tem a latitude de que o filósofo dispõe: não pode permitir-se ser diferente em demasiados pontos ao mesmo tempo e os deuses sabem que os pontos em que eu me diferençava já eram bastantes, embora estivesse persuadido de que muitos deles seriam invisíveis»;
«Prefiro falar de certas experiências de sono puro, de puro despertar, que confinam com a morte e a ressurreição»;
«Que é a nossa insónia senão a obstinação maníaca da nossa inteligência em manufacturar pensamentos, séries de raciocínios, de silogismos e definições bem suas, a sua recusa em abdicar a favor da divina estupidez dos olhos fechados ou da sábia loucura dos sonhos?»
Pág. 45 - Varius multiplex multiformes – Várias formas de múltiplo – parte em que deparei com diversas frases que considerei notáveis:
«O verdadeiro lugar de nascimento é aquele em que, pela primeira vez, se lança um olhar sobre si mesmo»;
«(…) o rabino Joshua explicou-me literalmente certos textos desta língua de sectários tão obcecados pelo seu Deus que descuraram o humano»;
«O homem colocado em segundo lugar só pode escolher entre os perigos da obediência, os da revolta e aqueles, mais graves, do compromisso»
Pág. 97 - Tellus stabilita – A estabilidade do solo:
«Aparentar desdém pelas alegrias dos outros é insultá-los»;
«A moral é uma convenção privada; a decência é uma questão pública».
Pág. 143 – Saeculum aureum – A idade do ouro:
«Uma embarcação desencalhada aparelhava para o futuro»;
«Toda a felicidade é uma obra-prima: o menor erro falseia-a, a menor hesitação altera-a, a menor deselegância desfeia-a, a menor estupidez embrutece-a»;
«A memória da maior parte dos homens é um cemitério abandonado onde jazem, sem honra, mortos que eles deixaram de amar. Toda a dor prolongada insulta o seu esquecimento».
Pág. 191 – Disciplina augusta –Disciplina imperial:
«(…) a sombra projectada pelo homem efémero nas paisagens eternas»;
«Se dezasseis anos do reinado de um príncipe apaixonadamente pacífico tinham conduzido à campanha da Palestina, as probabilidades da paz do mundo afiguravam-se medíocres no futuro»;
«(…) podíamos destruir as muralhas maciças dessa cidadela onde Simão consumava freneticamente o seu suicídio; não podíamos impedir aquela raça de nos dizer não»;
«O abrandamento dos costumes, o avanço das ideias no decorrer do último século é obra de uma ínfima minoria de bons espíritos; a massa continua ignara, feroz quando pode, de qualquer forma egoísta e limitada e há razões para apostar que ficará sempre assim»;
«Este estranho amontoado de bem e de mal, esta massa de particularidades ínfimas e bizarras que constitui uma pessoa (…)».
Pág. 237 – Patientia – Paciência:
«O viajante encerrado no doente para sempre sedentário, interessa-se pela morte porque ela representa uma partida»;
«Os médicos (…) mentiriam menos se não tivéssemos medo de sofrer»;
«Se (…) esse dia chegar, o meu sucessor ao longo da riba vaticana terá deixado de ser o chefe de um círculo de filiados ou de um bando de sectários para se tornar uma das figuras universais da autoridade»;
«Procuremos entrar na morte de olhos abertos…»
* * *
Seguem-se notas explicativas sobre o trabalho de investigação e primeiras tentativas de escrita que a Autora teve ao longo de anos e anos. Como é sabido, desse género de investigação resultam sempre conhecimentos que podem ser alinhavados com crueza ou com arte e com mais ou menos plausibilidade. Neste caso, trata-se de uma obra absolutamente notável escrita com plausibilidade artística por alguém que tinha uma cultura clássica enciclopédica.
Como já informei na ficha técnica, li na tradução portuguesa e não no original francês mas a tradutora foi Maria Lamas que obviamente me dispenso de apresentar.
- Boa tarde! Não, cheguei agora também. Lembra-se do que ontem prometeu?
- De falar sobre a questão dos preços, não é?
- Exacto!
- Vou falar de agricultura e pescas na generalidade, não vou referir-me a nenhum produto em especial mas começo já por dizer que me refiro sempre a produtos tipificados, com características perfeitamente conhecidas de toda a gente que os queira comprar ou vender.
- Muito bem, uma conversa geral.
- Portanto, refiro produtos standard, não aquelas favas que são muito melhores que todas as outras nem o meu milho que é único nas redondezas. Refiro-me à sardinha de um determinado tamanho, não à petinga nem aos «jaquinzinhos» que é proibido pescar.
- Sim, tudo igual e legal.
- O que se passa em Tavira passa-se no resto do país mas eu acredito que o absurdo da formação dos preços em Portugal tem que quebrar nalgum sítio e esse pode perfeitamente ser cá. Os agricultores começam por produzir e só depois é que vão à procura de cliente que, habitualmente, é um comerciante. E quando o encontram, a conversa é mais ou menos assim: «Ou me vendes as batatas pelo preço que tas quero comprar ou elas te apodrecem no armazém e ficas sem elas e sem o dinheiro que te quero dar por elas agora.» E como, do mal, o menos, o agricultor vende-lhas pelo preço que o comerciante diz. Já nas pescas o problema é outro porque na lota o leilão vem de cima para baixo e por vezes o preço vem até tão baixo que já há um nível a que se chama «preço de retirada» em que o lote de peixe sai da venda e é entregue a uma instituição de caridade pelo tal preço ridículo. Mas não volta para quem o pescou; entra na lota e o pescador nunca mais é dono dele. Os comerciantes não arriscam nada, tanto na agricultura como nas pescas e, contudo, são eles que ditam os preços por que querem comprar os produtos.
- E como é que se dá a volta a isso?
- Distribuindo o risco tão equitativamente por todos os intervenientes (produtores e compradores) quanto possível de modo a que ambas as partes tenham uma palavra a dizer na definição do preço por que se faz a transacção.
- E como é que se faz isso?
- Na lota, bastaria fazer o leilão de baixo para cima de modo a que os comerciantes se picassem uns aos outros em vez de fazerem o cambão de cima para baixo; na agricultura, fazendo preços sobre futuros.
- O que é isso do preços sobre futuros?
- O produto ainda não existe e há um sítio em que os produtores (em «economês», a Oferta) e os comerciantes (a Procura) se encontram e perguntam uns aos outros quanto valerá um determinado produto (A) dentro de um certo prazo. Uns dizem X e os outros dizem Y. Ao longo do dia pode acontecer que X e Y se igualem e, nessas condições, o acordo estabelece-se e assina-se um contrato ao abrigo do qual o produtor se compromete a entregar no prazo indicado uma certa quantidade do produto A ao preço X=Y e o comerciante se compromete a comprar nessa data futura, por esse preço, a dita quantidade do produto A. E por que é que X e Y se igualaram? Pois bem, porque o preço era conveniente para ambos: o produtor irá de seguida deitar as máquinas à terra porque sabe que na data futura terá o produto que venderá ao preço que para ele é conveniente; o mesmo se diga para o comprador que terá mercado para a dita mercadoria. Ou seja, o risco do negócio distribui-se equitativamente pelos dois intervenientes em vez de recair apenas sobre um deles, como actualmente.
- E acha que isso se pode fazer cá em Tavira?
- Em Évora faz-se e só falta fazer evoluir o processo envolvendo o sistema bancário.