Francisco, o Papa a que me refiro; José Tolentino Mendonça, o Padre a quem o Papa agradece a orientação espiritual durante o retiro quaresmal de 2018 que toda a Cúria Romana e o próprio Papa realizaram; «ELOGIO DA SEDE», o livro de cuja pág. 166 retiro a frase que chamou a minha atenção.
“(…) Como dizia a madre superiora [da congregação] às suas irmãs, «Somos homens, pecadores, todos»”.
Corria o ano de 1222 quando o Irmão António, franciscano, foi colocado no Eremitério de Montepaolo (próximo de Forli, Itália) e passou a celebrar Missa para os irmãos leigos ali residentes.
Certo dia de 1223, reuniram-se em Forli inúmeros frades franciscanos e dominicanos para receberem a ordenação sendo que António estava presente apenas como acompanhante do seu provincial. A certo momento, concluiu-se que ninguém fora indigitado para fazer a Homilia e o provincial franciscano convidou o superior dominicano ali presente para indigitar algum dos seus para fazer a prática. Mas todos declinaram dizendo que não estavam preparados. Na emergência, coube a indigitação a António a quem todos julgavam apenas capaz de ler o Missal e o Breviário. Foi-lhe assim ordenado que dissesse o que o Espírito de Deus pusesse na sua boca.
António começou por falar lenta e timidamente mas depressa se entusiasmou e passou a explicar os mais recônditos significados das Santas Escrituras com tal erudição, profundidade e de tão sublime doutrina que todos os presentes se encheram de espanto. Aquele, o momento em que começou a carreira pública de António.
Informado da ocorrência, S. Francisco dirigiu-lhe a seguinte carta:
Ao Irmão António, meu Bispo (i.e. Professor de Ciências Sagradas), o Irmão Francisco envia as suas saudações. Será do meu agrado que vós ensinais Teologia à nossa irmandade considerando, contudo, que o espírito de oração e devoção não se extinga. Adeus. (1224)
Seguiu-se o ensino em Bolonha, Montpellier e Toulouse… até que hoje o reconhecemos como Santo António.
* * *
Correndo o ano de 2018, o Papa Francisco nomeou o Padre José Tolentino Mendonça para dirigir os exercícios espirituais durante uma semana por altura da Quaresma em que se retirariam ele próprio, o Papa, com toda a Cúria Romana.
E reuniram.
Concluídos os trabalhos, escreveu o Papa a seguinte carta:
Reverendo José Tolentino Mendonça,
Na conclusão dos Exercícios Espirituais, que assinalaram o início da Quaresma, desejo exprimir-lhe, querido irmão, o meu reconhecimento pelo generoso serviço que me prestou, a mim e aos meus colaboradores da Cúria Romana. Recorrendo à sabedoria do Evangelho, bem como à sua preparação teológica, à inspiração poética e à sua experiência pastoral e pessoal, conduziu-nos a reflectir sobre um dos desafios mais urgentes para a Igreja de hoje: recolocar-se a sede de Jesus no centro do coração pulsante do cristianismo. Apreciámos muito particularmente as suas sugestivas referências à sede da humanidade, que é semelhante àquela da qual Jesus falou na cruz.
Viemos para estes Exercícios com o vivo desejo de compreender o que Deus quer dizer a cada um de nós, neste tempo de Graça. Sentíamos a necessidade de nos alimentarmos da Palavra de Deus para conformar sempre mais anossa vida à Sua vontade. E o Senhor mais uma vez surpreendeu-nos. Redescobrimos que Deus não é apenas uma invisibilidade mas que, em Jesus, Deus tornou-se próximo de nós: é a nós que cabe agora abrirmo-nos a esta proximidade. Experimentámos, além disso, que os braços de Deus permanecem abertos, que a sua paciência espera por nós sempre para nos curar com o Seu perdão e nos alimentar com a Sua bondade e a Sua graça.
Este caminho espiritual foi favorecido por si, que nos ajudou a sentirmo-nos procurados pela sede de Jesus, que não é uma sede de água mas é maior: é sede de alcançar as nossas sedes, de entrar em contacto com as nossas feridas. As profundas meditações, partindo do dado exegético, abriram-nos ao mundo contemporâneo através das referências literárias, poéticas e ligadas a acontecimentos da actualidade. Por isso, estes dias de recolhimento e de oração encorajaram-nos a ver a necessidade de sermos testemunhas credíveis do amor que Deus tem por cada criatura, apoiando com a nossa missão a sede de quantos – especialmente os pobres – nos pede: «Dá-me de beber».
Renovando os mais sinceros agradecimentos, também em nome de quantos beneficiaram das suas belas meditações, peço-lhe que reze por mim e, enquanto o confio a si e ao seu ministério à materna protecção da Vigem Maria, de coração lhe concedo a Bênção Apostólica.
Do Vaticano, 23 de Fevereiro de 2018,
Franciscus
In «Elogio da Sede», José Tolentino Mendonça, ed. QUETZAL, 1ª edição, Maio de 2018, pág. 11 e seg.
Seguiu-se a nomeação do Padre Tolentino como Director da Biblioteca Vaticana (onde se encontram os Arquivos Secretos) e a elevação a titular da Arquidiocese de Suava.
Até porque…
A cultura documenta o que somos [e] espelha e potencia as grandes buscas interiores, o contacto com as grandes perguntas, a vizinhança das razões maiores que funcionam como patamares do caminho a que a nossa humanidade vai chegando, a proximidade daquele vastíssimo e inconsútil silêncio que, porventura ainda melhor do que a palavra, exprime em nós o mistério do Ser.
José Tolentino Mendonça, Arcebispo de Suava
In entrevista à Agência Ecclesia citada pelo Expresso em 26 de Junho de 2018
Elegante e fina, como já era há 50 anos; hoje, com muito mais sabedoria. Sabedoria que me faltou quando referi sessenta anos em vez dos cinquenta. E logo me tinha dito – Que horror, não me fale sobre esse tempo todo! E eu, já tarde, corrigi a boçalidade (que, entretanto, estava dita), dos sessenta para a casa dos cinquenta.
Isto, de as Senhoras darem ouvidos a boçais, dá nisto. Então, só me ocorre dirigir-lhe um «Sorry» se, por acaso, a dita Senhora ler estas linhas.
E o mais curioso é que nunca tínhamos falado directamente mas reconhecemo-nos logo que fomos apresentados formalmente.
Mais metro, menos centímetro, andamos pelas mesmas idades; temos respirado o mesmo ar e vivido as mesmas circunstâncias nacionais. Não estranhei minimamente estarmos em áreas políticas de grande proximidade – se é que não na mesma, mas não tive «lata» de perguntar.
E porque o ambiente social é próximo, foi com naturalidade que regressou a um ambiente que conheceu na infância e na juventude; eu nunca saí desse ambiente e as circunstâncias conduziram a que pudéssemos falar de coisas que nos dão prazer e, no caso dela, saudades.
Foi giro falarmos do Pai dela que foi um Senhor muito respeitável e do Avô que foi «só» Presidente da República.
Visita presidencial à Calheta
(só identificarei o Avô após autorização da Neta)
Encontro que me leva a afirmar que é com este tipo de laços que se tece uma Nação. Neste caso, a nossa.
É claro que não lhe cito o nome mas garanto que gostei muito de falar desse tal passado.
Venham, então, as novas gerações que conheçam e se orgulhem deste passado.
D. Catarina, Infanta de Portugal e irmã do nosso rei D. Afonso V, nasceu em Lisboa a 26 de Novembro de 1436. Pessoa culta, dominava o latim e o grego traduzindo para português algumas obras importantes da sua época mas entregou-se à vida monástica depois do falecimento prematuro do seu primo D. Carlos, príncipe de Navarra, por quem se tinha apaixonado e a quem se prometera em casamento. Morreu aos 27 anos em Coimbra a 17 de Junho de 1463, pouco antes que a casassem com Eduardo IV de Inglaterra.
Trasladada de Coimbra para Lisboa, foi-lhe construído túmulo na Igreja do então novo Hospital de Todos os Santos e depois do terramoto de 1755 foi novamente trasladada para o Convento de Beato onde ainda hoje se encontra em local que parece actualmente desempenhar a útil mas pouco ilustre missão da armazenagem de massas alimentícias.
Para quem se preparara para ser rainha de Navarra e Aragão e posteriormente se viu quase a ter que ser rainha de Inglaterra, reconheçamos que nos estamos a esquecer um pouco de um valor histórico nacional que poderia ser enaltecido de múltiplas formas e nunca abandonado sob prateleiras de vitualhas industriais.
Para quem teve honras para figurar no painel de Nuno Gonçalves, mal parece que hoje esteja esquecida entre prateleiras de esparguete
Tenhamos esperanças de que o IPPAR se debruce sobre a questão com a brevidade conveniente, já que tanto se esmerou para que nada se viesse a saber quanto ao ADN de D. Afonso Henriques. Antes que o Convento do Beato vá para obras... Sim, mais vale que vá para obras do que ficar como está que não é carne nem peixe no sentido de que não está recuperado mas também não é ruína. É uma coisa assim «a modos que» inacabada, com materiais modernos a segurar uma mistura de várias épocas de arquitectura, desde as medievais às renascentistas, tudo a revelar que foi local importante por várias vezes e que por outras tantas terá caído no esquecimento e abandono... Até que se passou para o esparguete e finalmente para as remunerativas festas de casamentos e baptizados.
Convento do Beato: da serenidade monacal aos bailaricos de casamentos e baptizados...
Erigido por ordem de D. Isabel, mulher de D. Afonso V, no local onde se encontrava uma capela em honra de S. Bento, ali mesmo sobre a margem do Tejo, o Convento do Beato começou por se chamar de S. Bento de Xabregas e teve como primeiro Dom Prior a Frei António da Conceição, membro da Ordem dos Cónegos Seculares de S. João Evangelista. De hábito azul, chamou-lhes o povo de lóios, sinónimo da dita cor.
O proselitismo religioso é norma de todo o Clero mas se há os religiosos que se dedicam a servir os confessos, outros há que optam pela conquista de novas almas para o rebanho e dentre estes sobressaíram sempre estes Cónegos de S. João Evangelista praticando aquilo a que hoje poderemos chamar uma verdadeira “política de fronteira”. Por isso foi tão forte a presença dos Lóios nas terras alentejanas e daí a necessidade de disporem de um local de apoio e refúgio na retaguarda da primeira linha de combate na missão que se atribuíram. O Convento de Xabregas, implantado no então limite da antiga terra cristã, passou a servir de local de tratamento e repouso aos membros da Ordem que se apresentassem doentes e cansados das tarefas de missionação. Aproveitava-se igualmente da sua localização para servir as populações vizinhas, sempre carentes de cuidados de saúde, alimento e conforto espiritual.
De tanto bem-fazer, quando Frei António da Conceição morreu, logo o povo o tratou de Santo não perdendo a Ordem a oportunidade de encetar junto da Santa Sé o respectivo processo de canonização. Assim se formalizou a beatificação de Frei António.
Mas os residentes no Convento de Xabregas começaram a envelhecer e a morrer com toda a naturalidade até que chegou ao fim da vida o último Cónego encarregue do dito processo de canonização. Não houve quem o substituísse até à extinção das Ordens religiosas em Portugal, o Beato António não chegou a Santo e o Convento de S. Bento de Xabregas passou a ser conhecido por Convento do Beato.
Adolphine Freud, irmã do célebre psicanalista, não foi incluída no Visto de emigração que lhes permitiria viajarem para Inglaterra livrando-se do regime nazi que chegara à Áustria. Resultado, foi parar ao campo de extermínio em Theresienstadt.
As quatro irmãs de Sigmund Freud morreram em campos de concentração.
Adolphine (Dolphi) é a primeira da esquerda
Aí, conheceu Ottla, irmã de Franz Kafka, que padecia de amnésia a quem contou as suas memórias pouco antes do gazeamento de ambas.
Franz Kafka e sua irmã Ottla
O mistério está então em saber como é que as histórias contadas a uma amnésica saíram cá para fora - para fora da ouvinte e para fora do campo de extermínio.
Meava o séc. XVI quando ali, onde começava o juncal na margem do Tejo e nele confluíam as ribeiras de Alcântara e do Alvito, um rico mercador genovês decidiu assentar arraiais mandando construir um casarão a que o povo chamava palácio. Ali desfrutava da brisa nas noites quentes e geria à vista os barcos que tinha por conta, fundeados ao largo, em escala das rotas entre o norte da Europa e os confins do Mediterrâneo. Era a partir daquela enseada que mandava rumar para a Flandres, para Génova ou para o resto daquele mundo.
Vivendo em Portugal, entendeu que devia contribuir com os seus cabedais para o bem do reino: fez empréstimo vultoso às tropas de D. Sebastião que zarpavam para Marrocos e tudo perdeu.
Anos depois do desastre de Alcácer Quibir, as tropas do rei de Espanha, desembarcadas em Cascais, encontraram-se nas margens daquela enseada com as que eram fiéis ao Rei D. António, Prior do Crato. Ao fim de três dias de luta, foi ali que Portugal chorou.
O novo Rei, Filipe, gostou do local e decidiu que quando viesse a Lisboa passaria a residir naquele palácio. Confiscou-o. Sem dinheiro e sem palácio que lhe desse crédito, do genovês nunca mais se ouviu falar.
E assim foi que o casarão perto do início do juncal passou a servir de morada aos reis espanhóis em Lisboa. Não vieram cá tanto como gostariam pois a consciência devia dizer-lhes qualquer coisa especial e foi mais o tempo que andaram pela Meseta do que pela foz do Tejo.
Frente ao palácio havia um terreiro e já quase sobre a praia o genovês mandara construir as cavalariças e aposentos da criadagem. Do outro lado do caminho que da praia subia para a encosta mandou o rei Filipe I construir um convento e respectiva Igreja para as freiras Flamengas em fuga da reforma calvinista na Flandres. Frente a este, do outro lado do caminho que levava ao longo do Tejo e já sobre a praia, foi construído outro convento, desta feita para as freiras do Monte do Calvário.
Morada dos reis Filipes quando por cá passaram, no palácio residiram por períodos consideráveis os Reis D. João IV, D. Afonso VI e D. Pedro II. D. João VI ainda por lá pernoitou uma ou outra vez mas Junot já não quis lá ficar pois achava que o local estava muito exposto a eventuais surtidas inglesas Tejo adentro.
Do palácio nem a sombra restou e «Hoje são campos onde foi Troia»
Desprezado, cedo entrou em degradação e já então faltaram as verbas para preservar um edifício historicamente tão rico. Foi mais barato demoli-lo e suprir alguma da calista sofreguidão pública por finanças privadas dedicando o local à especulação imobiliária.
Sobre a praia, as cavalariças do genovês
Ao terreiro do palácio chamamos hoje Largo do Calvário, ao juncal que se estendia a partir daquela zona da margem do Tejo chamamos Junqueira, nas cavalariças está actualmente instalada “A Promotora”[2], a Igreja das Flamengas continua aberta ao culto, o convento do Monte Calvário é agora a Academia Superior de Polícia e no sítio onde esteve o palácio... «hoje são campos onde foi Tróia». E nós passamos por lá sem sequer tirarmos o chapéu em sinal de respeito por tanta História que por ali se escreveu. Mas como poderíamos tirá-lo se nem sequer o usamos? É claro que é mesmo só por isso que não demonstramos qualquer respeito pelos locais que atravessamos e pelas pedras que pisamos...
A Igreja das Flamengas continua aberta ao culto
E quanto ao genovês, eu hei-de descobrir-lhe o nome pois não é com esquecimento que se paga uma dívida a quem tanto fez para servir Portugal.
Lisboa, 6 de Março de 2011
Henrique Salles da Fonseca
[1] - Padre Raphael Bluteau, 1712
[2] - Sociedade Promotora de Cultura Popular, dedica-se há cerca de um século à instrução das populações, nomeadamente ministrando o Ensino Básico e alfabetizando adultos
“Bafordo” deve ser a palavra portuguesa, dentre todas as que conheço, aquela que foneticamente é mais desagradável ao meu ouvido; pelo contrário, “alguidar” soa-me lindamente.
E se toda a gente sabe o que é um alguidar, já serão menos os que sabem o que é um bafordo.
Pois bem, foi com um desses que Portugal preparou a conquista da sua própria independência.
Com o quê?
Exactamente, com um bafordo que ocorreu no vale do Vez.
E se o meu leitor já estava confundido, com esta particularidade geográfica, mais baralhado deve ter ficado.
Mas se eu lhe disser que a «bafordo» é mais comum chamar «torneio», então já o esclarecimento assoma ao horizonte. Mas não é exactamente o mesmo. O torneio era um entretenimento dos cortesãos em tempo de paz; o bafordo era à séria.
Então, era assim: quando as relações internacionais se azedavam lá pela Idade Média e os Senhores decidiam «ir às ventas» do antagonista - mas constatando que havia um grande desequilíbrio de forças putativamente beligerantes - nomeavam interlocutores que combinavam a substituição duma batalha por uma peleja em que um determinado número de cavaleiros se batia individualmente com igual número da contraparte; os juízes - todo poderosos e sem apelo - eram clérigos em igual número de ambas as facções a quem competia determinar qual a parte vencedora. E Deus era testemunha.
Como se pode constatar, a «coisa» era a sério. Mais: sem apelo. Até porque divinamente testemunhada por interpostas pessoas, os clérigos.
E foi no vale do Vez que D. Afonso Henriques convenceu o seu primo D. Qualquer Coisa[i] a substituir uma batalha por um bafordo como o descrito acima.
E ganhámos!
Ora, como pouco antes deste episódio também ganháramos o confronto travado em Ourique no regresso do fossado sobre Sevilha, o entusiasmo era grande e o nosso futuro rei fundador logo confirmou que por aqui era ele a mandar e não esse tal D. Qualquer Coisa.
Passados mais de 15 dias sobre estas ocorrências, eis-nos metidos em novas pelejas a que ninguém chama bafordos porque não há testemunha divina. Mas a tenacidade é equivalente e a alienação muito maior.
Hoje, começamos o bafordo moscovita. A diferença está em que o do Vez foi importante e este é só alienante.
Faleceu hoje o Padre Francisco Pires Lopes, jesuíta e meu amigo.
Sobre os dados biográficos, a Companhia que diga pois sabe muito mais do que eu.
Eu digo o que me parece mais importante: era um homem de bem e era meu amigo.
Então, aproveito para dizer mais umas coisas…
… se eu sou democrata, a ele o devo porque me confirmou que o ar que respiramos é igual para todos e me lembrou que todos somos iguais perante o Pai…
… se eu sou cristão, a ele o devo porque, dentre outros conceitos, me lembrou que o perdão é o que distingue o bem do rancor…
… se eu sou democrata-cristão, a ele o devo porque, entretanto, já era democrata e porque, entretanto, já era cristão.
Deu-se o caso de ele ter sido meu professor nos idos de 60 do séc. XX no Instituto Superior Económico e Social de Évora quando decidi fugir das greves académicas que enfestavam Lisboa em 1962-3 e, para minha sorte, foi ele que ministrou a cadeira de «Doutrina Social da Igreja».
E assim avencei pela vida fora…
Até que, já pai de família, cheguei à minha casa, vizinha da Brotéria.
Então, o Padre Pires Lopes recebia-me sempre que lhe pedia para conversar. E não vinha ao caso saber se estava ocupado ou livre; recebia-me e não havia hesitações. Uma ou outra vez tive que esperar um pouco porque estava a celebrar na capela privativa da residência. Mas quando chegava à sala onde sempre me recebia, vinha com o bom humor que claramente escondia os padecimentos físicos que o atormentavam. Porquê? Porque era homem de fé e sabia que a dor é terrena e a alegria é divina.
E do que conversávamos? Sim, um pouco do que passáramos em Évora, da situação por que íamos, entretanto, passando na vida profana, de política, «à vol d’oiseau» sobre os seus padecimentos, da minha busca dos portugueses abandonados e da edificação da «Lusitânia Armilar» e do que mais calhava. Até que, chegada hora de fechar, eu lhe pedia a bênção e nos despedíamos até uma próxima oportunidade.
Então, dou por mim a lembrar-me de que naquela que, afinal, foi a última vez que lhe pedi a bênção, ele me disse algo como «Que bom, voltar a ter a oportunidade de rezar em comunhão com quem sente a proximidade do espírito». E acertou! Pena foi que tivesse sido a última vez que nos encontrámos por cá. O reencontro fica para a próxima, na outra dimensão.