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A bem da Nação

LIDO COM INTERESSE – 76

ALÁ NÃO É OBRIGADO.jpg

 Título – ALÁ NÃO É OBRIGADO

Ahmadou Kourouma.jpg

Autor – Ahmadou Kourouma (24 de Novembro de 1927, Boundiali, Costa do Marfim - 11 de Dezembro de 2003, Lyon, França)

Tradutora – Luisa Feijó

Editor – ASA Editores

Edição – 1ª, Setembro de 2004

 

 

Gostei muito de ler este livro que me foi oferecido no Natal de 2004 e que estava por engano numa prateleira de livros já lidos.

 

O sentido do título é: Alá não é obrigado a ser justo com tudo o que se passa sobre a Terra.

 

E se antes da leitura do livro propriamente dito, li a contracapa, no fim da leitura conclui que a apresentação está muito bem feita. Portanto, dali extraio que se trata duma obra tão peculiar quanto o seu protagonista e narrador, Birahima, uma criança-soldado que assiste à morte da mãe e que, para sobreviver, sai da sua aldeia em busca da tia, a única pessoa que pode cuidar dele.

 

Da Costa do Marfim à Serra Leoa, passando pela Libéria, este órfão de “dez ou doze anos” irá passar por diversos Exércitos de guerrilheiros cujos líderes constituem uma riquíssima paleta de personagens, inesquecíveis pelas piores razões: há loucos e sádicos, psicopatas e figuras ridículas. A traição, a morte, a tortura e a mutilação são lugares-comuns por aquelas paragens. O próprio Birahima não é inocente nem culpado: é apenas uma criança que já viu demasiada violência e morte e de quem, à partida, se poderá pensar já não possuir qualquer noção do bem e do mal. Mas Birahima ainda consegue fazer essa distinção; só que as suas principais preocupações prendem-se com coisas tão fundamentais como sobreviver, alimentar-se, encontrar um sítio para viver e, acima de tudo, evitar ser assassinado.

 

"Alá Não é Obrigado" é um livro duro, poderoso, intenso, escrito por um autor que muito nos disse sobre a África contemporânea: as estranhas alianças entre chefes de Estado respeitáveis e criminosos de renome, a corrupção generalizada, a culpa, as boas intenções e as dificuldades das Nações Unidas e os desvios sofridos pelos mantimentos enviados pelas organizações não-governamentais. Em suma, uma realidade terrível que o autor nos descreve pela voz inesquecível de uma criança.

 

* * *

 

Expressões que chamaram a minha atenção:

 

«O joelho nunca usa o chapéu quando a cabeça está em cima do pescoço» (pág. 8) - num sentido equiparável ao nosso dito «quando um burro fala, os outros baixam as orelhas».

 

«Fiquei contente e orgulhoso como um campeão de luta senegalesa» (pág. 44) – não notei qualquer sentido especial para além do que a frase expõe mas a minha curiosidade resulta de eu não saber que há uma luta senegalesa diferente de outros tipos de luta. Confesso que não tentei esclarecer de que estilo de luta se trata.

 

Um personagem chamado Estabanado (pág. 61) não poderia deixar de ser um doidivanas.

 

Fiquei a saber que na Serra Leoa a um doido se chama «cacaba» (pág. 134), o que foneticamente me parece compreensível.

 

Abril de 2018

 

Holanda-JAN18.JPG

Henrique Salles da Fonseca

KALIMERA – 4

 

POSSEIDON

 

Manhã clara, deu para ver o Sol nascente e por isso me lembrei do «Loro Sae» timorense. Mas logo de seguida tudo se toldou e a chuva começou. E foi sob céu plúmbeo que fizemos o resto do dia.

 

Saidos, então, de Atenas rumo ao Sol nascente, fizemos um pouco mais de 100 kms ao longo da costa sul do Pireu a caminho do Cabo Sounion. Trata-se duma «rivière» de relativamente boa qualidade com inúmeros empreendimentos turísticos e baías – umas a seguir às outras – que se enchem de banhistas e barqueiros no Verão mas que agora estavam vazias. Mas deu para perceber que é assim que a Grécia está a tentar perfilar-se perante as consequências da crise que estoirou em 2014-15.

 

Chegados ao destino, ali estava uma paisagem com vegetação em tudo semelhante à nossa Serra da Arrábida fazendo-me lembrar o que nos ensinaram no Liceu de que, sendo Portugal um país atlântico, tem, mesmo assim, diversos locais de clima mediterrâneo. Mas o que nós não temos é a profusão de templos que os gregos têm. E aqui, no extremo oriental do Pireu, o orago é Posseidon, o deus dos mares.

Templo Posseidon Cabo Sounion, Grécia.jpg

 

E se os gregos antigos tinham o local como místico, também Byron se deixou enamorar pelo local ou por algum guardião das ruinas fazendo de Sounion a morada dos seus quase últimos dias mas acabando-os um pouco mais a Ocidente, em Mesolóngi a 19 de Abril de 1824. De qualquer modo, ainda teve forças para fazer gravar o seu nome numa das pedras fundamentais do templo. E os turistas lá vão tirar fotos como se esse fosse o carisma local. Não é!

 

A questão religiosa centrada em Posseidon era de grande relevância para o rei ateniense Egeu que já sonhava com o crescimento marítimo do seu «império» a fim de ganhar a dimensão que lhe permitisse tornar-se independente da vassalagem a Minos, rei de Creta.

 

Assim como vários séculos mais tarde a mitologia lusitana põe o Infante D. Henrique em Sagres a maquinar os descobrimentos, também a mitologia grega põe Egeu em Sounion a imaginar o domínio sobre o arquipélago fronteiro.

 

Então, quando Minos determinou que os reinos vassalos deveriam enviar anualmente a Creta não sei quantos adolescentes para servirem de alimento ao Minotauro, a ira assumiu proporções de ruptura e Egeu enviou o seu filho ao palácio de Knossos para entrar no labirinto e matar o monstro antropófago. O jovem zarpou de Atenas e deveria regressar hasteando velas brancas se tivesse acabado com a sorte ao Minotauro mas se tivesse sido vencido pelo monstro, os sobreviventes deveriam hastear velas escuras. Só que o jovem príncipe, chegado a Knossos, enamorou-se pela filha de Minos e entre a refrega da luta que levou à morte do Minotauro e os calores dos amores com a princesa cretense, esqueceu-se de hastear as velas brancas e chagando ao largo do Cabo Sounion, induziu Egeu em erro sobre o resultado da missão. O rei, em desespero perante a hipótese de ter ficado sem o seu amado filho, despenhou-se do promontório e afogou-se nas águas do mar que assim passou a chamar-se Egeu.

 

Mais um local onde tentei «viver» a epifania joyceana com algum recolhimento.

 

O autocarro deu meia volta e regressámos a Atenas mas não consta que algum dos meus companheiros de viagem tenha sentido mais Egeu do que Byron.

 

6 de Abril de 2018

Cabo Sounion 1-MAR18.JPG

 Henrique Salles da Fonseca

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