Local e data - sala dos Sócios da Sociedade Hípica Portuguesa, em Lisboa, 27 de Abril de 2018.
Ocasião – palestra do Coronel José Henriques sobre a história da Escola Militar de Equitação, em Mafra.
Assistência composta por uma trintena de interessados, sobretudo militares.
Sessão naturalmente presidida pelo Presidente da SHP, o nosso amigo José Manuel Figueiredo, que saudou os presentes e logo passou a palavra a quem teve a ideia da palestra, o Coronel José Sanches Osório, que apresentou o palestrante. Mas também se referiu ao facto de a ideia lhe ter surgido quando, na mais recente Assembleia Geral da SHP ter ouvido falar muito merecidamente de Mestre Nuno Oliveira mas não ter ouvido uma única palavra sobre os militares que tanta glória trouxeram a Portugal nas pistas equestres internacionais. Daí, a ideia de nos trazer quem tanto sabe sobre a história da «Escola de Mafra».
O Coronel José Henriques, da Arma de Infantaria, foi responsável pelas actividades da Educação Física no CMEFED – Centro Militar de Educação Física, Equitação e Desportos mas, paralelamente, sempre foi um entusiasta do desporto hípico. Estudioso, investigou a história da instituição que, mesmo depois de reformado, continua a frequentar diariamente.
E assim foi que passámos a saber que o local - a norte do Convento de Mafra - onde se situa a Unidade se chamava o «real buraco» e que foi ali que, em meados do séc. XIX, se instalou um primeiro «Depósito de Garanhões». Mudando de nome e de vocações (sempre equestres) ao longo da história, chega-se à fundação do CMEFED já depois da II Guerra Mundial. E foi ali que se concentrou todo o processo de aprimoramento técnico (e desportivo) da equitação militar portuguesa. De notar que a faceta desportiva é de grande relevância para a equitação militar onde se deparam, naturalmente, situações que exigem desembaraço, destemor e ousadia com cavalos que passem por cima de «toda a folha».
Foi por decisão do então Ministro do Exército General Fernando Santos Costa que os então Capitães Fernando da Silva Paes (mais tarde, Coronel) e António Reymão Nogueira (mais tarde, General) foram estagiar a França, em Saumur e em Fontainebleau, para se integrarem na equitação militar de tradição francesa onde ambos ganharam as «esporas de oiro». No regresso, Fernando Paes foi colocado na Escola de Mafra e Reymão Nogueira no Colégio Militar.
Posteriormente, veio para Mafra o Coronel Jean de Saint-André, ex-Chefe do Cadre Noir de Saumur, que acompanhou a formação da «geração de oiro» da equitação militar portuguesa. Refiro-me, por ordem alfabética do primeiro nome, nomeadamente a Álvaro Sabbo, António Pereira de Almeida, Eduardo Neto de Almeida, Henrique Callado, Jorge Mathias, José Carlos Craveiro Lopes, Luís Mena e Silva, … e outros que involuntariamente falho.
Depois, veio a guerra do Ultramar e começaram as soluções de continuidade na vida equestre dos Mestres militares. Houve os que fizeram escola e houve os outros.
Mas pior ainda, houve quebras sucessivas no financiamento daquela Unidade, houve redução de Quadros de Pessoal militar e civil, houve mudanças funcionais por Decreto, houve a extinção do CMEFED.
Resta apenas muita carolice de quem por lá sobrevive «segurando pelas pontas» o espírito do defunto CMEFED, mantendo a «reprise», cuidando da «coudelaria militar» e fazendo das tripas coração na esperança de que por aí venham melhores dias.
Ámen!
Para encerramento desta bela sessão de fim de tarde, um apelo do Coronel Sanches Osório no sentido de que a Sociedade Hípica Portuguesa, sempre apoiada pelos militares, seja agora ela a ajudar à retoma da grande tradição da equitação militar portuguesa. Sem hesitações, o Presidente da SHP assumiu esse objectivo encarando a possibilidade de constituir um núcleo de Sócios que com ele colabore para o efeito.
A ver se nós, os civis, podemos agora ajudar a equitação militar a sair do «real buraco» para que a atiraram. Uma dívida de gratidão historicamente assumida a isso nos obriga.
Almoçados na Sertã, rumámos a Lisboa tomando o caminho inverso ao que tomáramos na ida: IC8, A13, A23, A1.
Mas a luminosidade chamou-me a atenção como não chamara na ida. Horas diferentes e nuvens diferentes produzem grandes diferenças na luminosidade. Por exemplo, a luminosidade mais esplendorosa que conheço é pelas 10 da manhã de um dia primaveril em Lisboa frente à Imprensa Nacional na Rua da Escola Politécnica. Passadas as horas ditas, o esplendor desaparece; havendo nuvens pretas, o fascínio não existe.
Deve ter sido isso que aconteceu neste regresso. Sol conjugado com certo tipo de nuvens e a luminosidade era esplendorosa. Lembrei-me de «A vista de Delft» de Vermeer.
Mas lembrei-me sobretudo de Monet e do seu quadro «Parlamento de Londres».
Com a diferença fundamental de que tanto Delft como o Parlamento inglês não tiveram aqueles fogos devastadores que alguém ateou no que hoje é o nosso Inferno. Mas parece que umas jornalistas já descobriram os mandantes dos incendiários. Sim, foram umas jornalistas da TVI a fazer luz sobre um grande mistério nacional, não umas polícias.
Saindo de Oleiros, eis-nos novamente envolvidos pelo Inferno rumo à Sertã para visita breve, almoço e fim do pagode para seguirmos até casa, em Lisboa.
- O Senhor pode dizer-me onde é o castelo?
- Sim, posso mas é mais fácil levar-vos até lá. Venham a trás de mim.
- Que ideia! Não se incomode, diga só como havemos de fazer e lá chegaremos.
- Não incomoda nada! Gosto muito de mostrar a minha terra. Sou cicerone amador.
E lá fomos a trás do Senhor cicerone amador... Descemos a rua até ao fim, virámos à esquerda, seguimos ao longo da ribeira onde está a ponte velha, virámos de novo à esquerda, subimos a rua até ao topo e o castelo estava fechado. O cicerone amador já se propunha ir a casa do porteiro do castelo buscar a chave mas lá conseguimos (não sem esforço) convencê-lo a não ir incomodar o Fulano que devia estar a almoçar tranquilamente com a família. Era Domingo, deixássemos o porteiro gozar a folga semanal.
- Mas ao Domingo é quando há mais turistas, não se percebe que ele folgue ao fim de semana. Ele devia folgar durante a semana, não hoje – resmungava o nosso cicerone amador.
- Pois. Só que nós não somos o Presidente da Câmara de cá e não podemos alterar os usos e costumes da terra. Deixe-o tranquilo, Senhor…
- … João. Mas há aqui à frente o miradouro e os Senhores podem ficar com uma ideia geral da Sertã.
- Boa ideia! E onde podemos estacionar os carros?
- Encostem aí, devem caber.
Não cabiam. Fomos andando um pouco mais para a frente e vemos o Senhor João a acenar muito entusiasmado. Havia lugares disponíveis para cada um dos nossos carros mesmo em frente do miradouro.
- Isto é que foi pontaria! O Senhor adivinhou que nós vínhamos cá e mandou vagar estes lugares.
- Sim, sim. Parem aí!
E assim fizemos. Mas não parámos, estacionámos mesmo. Fomos para o miradouro e ficámos a saber que o Senhor João tinha tido um restaurante durante 30 anos, que antes disso estivera no «Estoril Sol» e depois no «Casino do Estoril», que agora tem um stand de automóveis … - mas são os meus rapazes que orientam tudo por lá - … mas já teve uma empresa de flippers que depois vendeu aos empregados…
- Mas ó Senhor João, ponha-se aqui debaixo do chapéu que está a molhar-se todo com a chuva.
- Não é preciso, não me incomoda nada.
E mais disse que… eu sei lá, que já não o ouvia.
- Reparem naqueles que estão ali em baixo. Vão todos para o vosso restaurante que é muito bom. Claro que não é tão bom como o que eu tive mas vão ficar satisfeitos. É ali ao pé da «casa da música». Estão a ver?
Sim, estávamos. O meu amigo despediu-se do Senhor João pelo menos três vezes e eu outras tantas. As Senhoras agradeceram à distância, que também já não o ouviam.
- E estão a ver aquela casa vermelha lá no alto? Aquela casa é minha que a comprei ao Doutor… homem muito sério. Mas eu vivo na outra ao lado, aquela está alugada (em vez de arrendada, mas eu não corrigi porque isso daria aso a mais conversa). Mas vamos então, os Senhores já devem estar com fome.
- Sim, sim, vamos! Até porque os nossos amigos que vêm noutro carro já lá devem estar à nossa espera.
- Eu levo-os lá – ainda não seria desta que nos livrávamos dele. Lá foi à nossa frente a indicar o caminho e quando chegámos, lá estavam os lugares de estacionamento disponíveis para os nossos três carros. Pensei, mas não disse, que ele era chato, muito chato, mas também devia ser mágico de lugares de estacionamento.
- Muito obrigado, Senhor João, foi muito amável.
- Muito gosto! E tomem estas canetas lá do stand. Só não tenho canetas para todos.
- Oh Senhor João, não esteja a incomodar-se mais connosco…
E lá foi à vida dele que nós seguimos para dentro do restaurante antes que ele se arrependesse e voltasse a contar mais coisas. Só que, da terra, nada aprendemos. Sim, um verdadeiro Inferno!
O 25 de Abril de 1974 foi um golpe de Estado comunista cujo objectivo imediato era pôr o Ultramar Português na esfera do Império Soviético a fim de enfraquecer a Europa e valorizar a URSS.
Em segundo lugar era o de fazer de Portugal uma «democracia popular» (como se tal coisa existisse) para servir de tenaz com a cortina de ferro de modo a emparedar a Europa.
Serviram-se de uma reivindicação salarial da corporação militar para derrubarem o Governo em Lisboa pois no Ultramar ...não conseguiam de maneira nenhuma ganhar a guerra. Portugal estava economicamente em condições de sustentar o conflito armado per saecula saeculorum.
Mais: estávamos com taxas anuais de crescimento do PIB que hoje parecem mentira (sempre bem acima dos 5%).
Dos penhascos da Lousã fomos até Oleiros através de paisagens dantescas de negrume e desolação. Árvores, casas, chão, tudo calcinado e vastas zonas onde, passados seis meses da grande desgraça, ainda nem sequer as ervas – mesmo as daninhas - brotam. Tudo negro.
E a pergunta é: o que se faz a quem provocou tanta desgraça? As respostas são várias e talvez nem todas enquadráveis no quadro jurídico português.
E porquê Oleiros e não qualquer outro destino? Porque é lá que se come o cabrito estonado e nós somos um grupo de quatro casais bastante gulosos. Íamos «mandados» para um restaurante lá para as bandas da serra e já nos lambíamos a adivinhar o que nos esperava mas, afinal, foi muito melhor do que estávamos a imaginar.
A nossa dúvida era a de saber como é que se justifica um hotel de quatro estrelas em Oleiros. Ora bem, fizeram o mesmo que os das aldeias de xisto: chamaram turistas e têm o hotel quase sempre cheio. O cabrito é um dos chamarizes mas há outros que os meus leitores hão-de descobrir. E se lá quiserem ir, despachem-se a reservar lugar no hotel que só tem 19 quartos e duas suites. E reservem também para os restaurantes que hão-de descobrir na Internet.
Mas o hotel merece uma referência especial porque não restam dúvidas de que não seria fácil encontrar quem avançasse para o risco de uma iniciativa hoteleira no meio de nada. Então, foi a Câmara de Oleiros que o fez. Depois de o ter feito, foi à procura de quem o gerisse e felizmente, encontrou no próprio Concelho quem aceitasse o desafio. E quem foi? Bem, foi precisamente o dono de um dos restaurantes do tal cabrito que passou a ter clientes forasteiros no restaurante porque há boa hospedaria e o hotel tem clientes porque o cabrito é um motivo especial para os gulosos que por aqui andamos. E tudo isto é também um motivo de sustentação da criação caprina na zona.
Então, é assim: se não fosse o hotel nós não iríamos ao restaurante e se não fosse o restaurante nós não iríamos ao hotel. Mas fomos e gostámos. Belo hotel, leitores.
Mas entre o hotel e o restaurante, lá estava o Inferno.
Saindo do fundão em que se encontra o restaurante «O Burgo» em plena Serra da Lousã onde não há mais casas para além daquela em que estivemos a almoçar – e sem sombras de qualquer agregado urbano que possa passar por casario e muito menos por burgo - a caminho das aldeias de xisto, o carro amarinhou até ao castelo e passado algum tempo de estrada sinuosa, o castelo já estava lá tão em baixo que parecia um brinquedo infantil. Subimos, subimos e voltámos a subir até que tivemos que sair da estrada e cortar por um caminho bem asfaltado mas com um declive ainda mais acentuado e curvas de bolso ainda mais pequeno. E continuámos a subir até que o caminho acabou num beco onde teríamos que deixar os carros e seguir a pé para visitarmos Cerdeira, essa aldeia de xisto que se espalha por um quase precipício até o vale fazer uma curva e ficarmos sem saber o que se segue. E que se seguirá por ali a baixo? Dá para imaginar que pouco ou mesmo nada para além de pedras enegrecidas pela humidade dos anos e pelos fogos de há pouco. Mas quis o Altíssimo que as casas tivessem sido poupadas à fúria das chamas.
Cansados de nada fazermos, optámos por ficar junto dos carros e ver a aldeia à distância do caminho que não fizemos a pé.
Era sexta feira e não era só a nós que cheirava a fim de semana. Os trabalhadores que andavam a tratar da canalização da água, do saneamento básico ou de não sei quê, saíam e cruzaram-se com os turistas que chegavam. Perguntado, um dos trabalhadores informou que, em permanência, ali só vive um casal e que todos os demais são residentes temporários, turistas. E aí vinham eles…
Deu-nos então para imaginar o que teria sido a vida num desterro daqueles sem estrada asfaltada, sem água nem electricidade, sem telefones, sem nada. Saberiam aquelas gentes de então que havia mais mundo para além da última frágua que avistavam do termo da aldeia? Como foi possível terem sobrevivido para conseguirem fugir dali? E como nos foi possível a nós pactuarmos com quem não lhes proporcionou condições de vida menos agrestes e os deixou viver como bichos abandonados?
Até que um dia houve alguém que se lembrou de explorar aquela aldeia moribunda, recuperou as casas que ainda estavam de pé, levou electricidade até lá, alargou e asfaltou o caminho, pôs água corrente, fez o saneamento e chamou turistas. As gentes antigas emigraram ou morreram mas a aldeia ressuscitou. E dizem-me que, como esta, há mais.
E depois? Bem, isso é coisa que não sei. Apenas sei que há futuro.
Por incrível que pareça, já conhecia Xangai, Moçambique duma ponta à outra, Ushuaia, a Austrália e por aí fora… e nunca tinha isso à Lousã. E, contudo, a Lousã exercia um fascínio especial na minha imaginação. Porquê? Porque a professora de alemão durante a minha infância e juventude, passava todos os Verões três semanas na sua Berlim natal e duas semanas na Serra da Lousã. E isso sempre foi um tanto ou quanto misterioso para a minha família: o que levava uma alemã a ir todos os anos para aquela remota serra? E quando foi isso? Muito bem, refiro-me aos anos 50 do séc. XX, ou seja, pouco depois do fim da II Guerra Mundial. Os meus pais nunca fizeram perguntas e nós, as crianças, muito menos.
E aqui entra a imaginação a funcionar; melhor, a especulação…
Ora bem, o restaurante onde tínhamos reserva para o almoço é em plena Serra da Lousã, num fim de estrada, no fundo do buraco próximo do sopé do promontório em que se localiza o castelo, entre barrancos só acessíveis por pé de alpinista ou por estrada escavada nas encostas íngremes onde a Internet não chega. Claramente, um local «onde o Diabo perdeu as botas». Mas se as estradas têm hoje bom asfalto, dá para imaginar o que seria nesses anos do pós-guerra, eventualmente sem alcatrão, sem telefones nem Correio, isolamento praticamente total, num país que fora neutro no conflito armado que assolara o mundo pouco tempo antes.
Que tal imaginar que aquilo poderia perfeitamente servir de esconderijo para nazis em fuga? Não sei se o foi ou não mas nesta minha primeira visita ao local, a hipótese não me saiu da cabeça e acho agora perfeitamente possível que a minha professora viesse então de Berlim com notícias «fresquinhas» para «amigos» secretos ali escondidos. E seria ela nazi? Nunca tal coisa nos passou pela cabeça mas o melhor é não pormos as mãos no fogo.
Será esta uma hipótese falaciosa? Talvez. Mas de acordo com uma lenda antiga, o castelo – hoje denominado de Arouce - terá sido erguido pelo emir Arunce, para proteção da sua filha Peralta e dos seus tesouros após ter sido derrotado e expulso de Conimbriga. Veja-se como já então ali se resguardavam os que pretendiam ficar ocultos do mundo.
Sim, talvez tudo isto sejam apenas lendas e especulações.
Qualquer português adulto minimamente atento sabe como ir ao Inferno: a partir de Lisboa, toma a A1, corta em Alcanena para a A23, no Entroncamento vira para Norte e segue pela A13 e não muito longe de Condeixa vira para o IC8 rumo a Castelo Branco; chegado a Pedrógão Grande, está no centro do Inferno, onde o Diabo não lhe aparece mas apenas as suas vítimas.
Hoje, o Inferno é negro e castanho, da côr da cinza negra e das folhas mortas. A perder de vista, estende-se por montes e vales…
Como diz o povo, «uma dor d’alma».
PORQUÊ IR AO INFERNO?
Porquê? Simplesmente porque não somos amorfos e uma coisa é ver a desgraça na televisão enquanto outra, bem diferente, é ver o resultado dramático no local onde tudo se passou. Não é morbidez, é solidariedade.
E se com as despesas que fizermos localmente pudermos ajudar directa ou indirectamente à retoma da vida de quem tudo perdeu, esse é por certo um modo bem modesto de se tentar fazer o bem sem se olhar exactamente a quem.
Ajudámos as vítimas da Lousã, de Oleiros e da Sertã e foi no caminho entre elas que visitámos o Inferno.
Parando num semáforo, olhei por acaso para o carro ao lado e eis que vejo o Senhor D. Duarte Pio, Duque de Bragança. De imediato tirei os óculos escuros e cumprimentei com o formalismo que um semáforo permite. Amavelmente correspondido, olhei melhor e vi que a Senhora Duquesa também estava no carro. Voltei a cumprimentar e voltei a ser amavelmente correspondido.
A minha opção de Regime em nada me impede de reconhecer que o Senhor Duque de Bragança é possuidor de um notável sentido de Estado e esse é um atributo que tenho por essencial a um alto representante da Nação.
Não é todos os dias que começo por cumprimentar um Casal Real e tive verdadeiro gosto em o fazer.
A povoação mais famosa de Santorini chama-se Oia mas a linguística grega diz que o «O» é mudo pelo que se pronuncia apenas «Ia». Essa povoação é a que aparece em todas as fotografias turisticamente mais divulgadas com o casario a descer em terraços até ao limite do precipício. Na pequena praça principal há uma Igreja e o muito movimento no adro despertou-me a atenção. Entrei. Escura, lá dentro, mas repleta de gente. Turistas que, como eu, estariam cansados e aproveitaram as cadeiras para refazerem o fôlego gasto nas escadarias. Sentei-me. Junto ao altar, numa penumbra recatada, o Padre desempenhava a função que vi em todas as Igrejas que visitei na Grécia, a de guardião presencial da parafernália decorativa e das valiosas alfaias destinadas ao culto. Mas, para além dos turistas, apareceu um devoto que silenciosamente se dirigiu ao Padre e pediu autorização para se aproximar dos ícones expostos. Obtida a autorização também por gesto silencioso, o fiel simulou um beijo no vidro que cobre cada ícone devidamente encaixilhado, fez uma breve vénia frente ao altar e retirou-se. Tudo em silêncio.
Se esta foi ou não uma encenação para impressionar turistas, não sei; eu tomei tudo como uma expressão de fé sincera e gostei de ver.
Contudo, na perspectiva religiosa, o que mais me impressionou aconteceu em Patmos e teve como protagonista a nossa própria guia, uma pequena Senhora com «S» maiúsculo mas de nome indizível que falava inglês com uma distinção só equiparável à dos melhores locutores da BBC. Sim, absolutamente notável. Foi ela que nos conduziu até ao mosteiro onde se localiza a gruta do Apóstolo João e nos falou do que conta a tradição ortodoxa acerca do local e do próprio Evangelista. E quando se referia a matérias de fé, terminava as frases num diminuendo de autêntica sensibilidade íntima que por certo tocaria o coração mais empedernido que por ali passasse. A elegante eloquência com que o fazia também realçava a seriedade do tema e isso não deixou de ser importante para quem, como eu, notou a profundidade da sua fé. Lindo!
E fiquei a pensar…
Fiquei a pensar que a fé move montanhas e que a crise por que a Grécia continua a passar não tem qualquer importância perante Valores como os que sustentam uma Civilização, a qual é suportada por uma Religião, a qual se traduz numa fé como esta que presenciei. Isto, sim, é importante; tudo o mais parece irrelevante. Assim penso, apesar de se tratar duma grave crise económica e eu próprio ser economista. Mas… vão-se os anéis e fiquem os dedos.