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A bem da Nação

JUROS NEGATIVOS

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Caro Dr. Palhinha Machado:

Se, por exemplo na Bolsa de Kuala Lumpur (finjamos, para teorização), os juros são negativos, que interesse tenho eu em «investir»? Não valerá mais guardar as poupanças no colchão onde os juros são não negativos?

Abraço,Dubrovnik-réveillon 2016-17 (2).jpg

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 Henrique Salles da Fonseca

 

 

PRATOS LIMPOS – I

 

O MISTÉRIO DOS JUROS NEGATIVOS

 

Por estes dias muito se tem falado de “juros negativos”. Estranho. Então o mutuante (o credor) ainda vai ter que pagar para emprestar dinheiro (um mútuo de capitais)?

 

Quando se fala de “juros negativos”, fala-se de quê, afinal?

 

Fala-se da taxa de retorno para o capital mutuado (emprestado) pelo credor – o que é dizer, a posição de crédito que ele detém em carteira?

 

Ou fala-se da taxa nominal do cupão de juros - que o devedor se obrigou a pagar pontualmente e que é parte do serviço dessa dívida?

 

Desde logo, há-que distinguir entre uma e outra. A taxa nominal do cupão de juros é um dos vários parámetros que são necessários para determinar o montante de juros que o devedor/mutuário (o emitente de dívida) terá de pagar. A taxa de retorno, por sua vez, mede a rentabilidade que a posição de crédito proporcionará ao credor/investidor. Uma, serve para calcular os juros; a outra sustenta decisões financeiras (seja emprestar, seja pedir emprestado).

 

E há que distinguir também entre mercado primário (aquele onde a dívida é emitida e colocada) e mercado secundário (aquel'outro onde os investidores, entre eles, vão comprando e vendendo títulos de dívida).

 

No mercado primário, a taxa nominal do cupão de juros e as comissões pagas pelo emitente vão formar um custo de capital (para o devedor). À taxa nominal do cupão de juros e às comissões suportadas, agora pelo subscritor/investidor, vai corresponder uma taxa de retorno que só terá significado se ele mantiver em carteira, até ao respectivo vencimento, o título de dívida que subscreveu.

 

No mercado secundário entra em cena um novo parâmetro: a cotação do título de dívida no mercado, a qual vai variando, quer de sessão para sessão, quer no decorrer de cada sessão. No mercado secundário pode acontecer que a cotação se situe de tal modo acima do par (isto é, seja maior que o montante do cupão de reembolso deduzidos os encargos certos que o credor/investidor terá de suportar no acto de reembolso) que a taxa de retorno (então denominada  tradicionalmente yield) seja negativa. Não é algo excepcional, longe disso. Como se tem visto com os Bunds (Dívida Pública Titulada alemã), e não só, os investidores, por vezes, estão dispostos a pagar para deter:

(i) dívida de entidades que oferecem um risco de crédito desprezável;

(ii) dívida cujo mercado secundário é perfeitamente líquido;

(iii) dívida que é instrumental para o acesso às facilidades de liquidez deste ou daquele Banco Central;

(iv) enfim, dívida que é geralmente aceite como colateral em mercados financeiros especializados (como é o caso das Treasuries dos EUA, das Bunds e de uns quantos títulos de dívida soberana mais).

 

Taxas nominais de cupão de juros negativas, essas sim, são, à primeira vista, raríssimas - mas, nestes últimos tempos, têm ocorrido com alguma frequência em emissões do tipo “Obrigações sem Cupão (de juros)” (como os Bilhetes do Tesouro, por exemplo, que só têm cupão de reembolso) – fruto das políticas monetárias de Quantitative Easing. Agora, são muitas as razões que podem colocar um título de dívida, no mercado secundário, acima do par a tal ponto que a yield é negativa (como é evidente, à medida que o prazo remanescente para a respectiva Data de Reembolso vai encurtando, assim a cotação no mercado secundário se vai aproximando do cupão do reembolso, podendo mesmo ficar abaixo do par se houver dúvidas sobre a capacidade financeira do respectivo devedor).

 

Mas o mercado financeiro da dívida tem mais que se lhe diga. Na verdade há dois mercados de dívida:

(i) o da Dívida Soberana;

(ii) o da Dívida (dita) Corporativa. Há até mais compartimentos no mercado da dívida, mas não vêm agora ao caso.

 

O mercado secundário da Dívida Soberana (refiro-me, obviamente, à Dívida Soberana investment grade) tem um ciclo de liquidez bem desenhado:

(i) fase "on-te-run" (apreciável liquidez);

(ii) fase "off-the-run" (liquidez mais fraca, logo, custos de transacção mais elevados);

(iii) fase "off-off-the-run" (liquidez escassa e, por consequência, custos de transacção muito significativos). Nada de semelhante ocorre no mercado secundário da Dívida Corporativa – e o grosso de dívida das empresas, por não ser livremente transmissível, nem sequer dispõe de mercado secundário.

 

O que entender, então, por "juros negativos"?

 

A expressão "juros negativos" confunde. Se usada para caracterizar o mercado primário, traduz uma situação em que o credor/investidor paga ao emitente/devedor, no cômputo global da emissão de dívida:

(i) ou porque, se trata de uma “Obrigação sem Cupão” em que o preço de colocação é superior ao cupão de reembolso:

(ii) ou porque se trata de uma emissão de dívida com taxa nominal do cupão de juros negativa. No contexto do mercado secundário, significa, de facto, yield negativa porque a cotação do título está muito acima do par – e nada tem a ver, seja com a taxa nominal do cupão de juros, seja com o esforço financeiro que recai sobre o emitente/devedor (o custo de capital).

 

Yields negativas são estados possíveis do mercado secundário, mas só têm um módico de racionalidade nas circunstâncias que mencionei mais acima:

(i) risco de crédito praticamente nulo;

(ii) mercado secundário perfeitamente líquido;

(iii) elegibilidade para aceder às facilidades de liquidez de um Banco Central;

(iv) aceitabilidade como colateral em mercados financeiros de primeira grandeza. Se as política monetárias tipo Greenspan Put (como o Quantitative Easing) podem acrescentar uma circunstância mais à racionalidade das yields negativas? Podem - por períodos muito curtos. Mas, então, o fumo de irracionalidade envolve a Autoridade Monetária (como se viu ao longo da primeira década deste século).

 

Pode uma Bolsa de Valores estar a negociar títulos de dívida com yields negativas? Pode, pelo que ficou visto. Desde que não seja a Bursa Malaysia Berhad, por duas razões:

(i) porque nenhuma Instituição Financeira internacionalmente relevante depende das facilidades de liquidez do Negara Bank of Malaysia;

(ii) porque "juros" são "riba" e “riba” é "haram" na finança islâmica onde o Negara Bank of Malaysia tem um papel preponderante.

 

Em resumo: Yields negativas justificam-se quando preocupações de segurança jurídica, ausência de risco de crédito e de liquidez se sobrepõem, na mente dos investidores, ao desejo de rentabilidade. Ou, então, nos depósitos bancários, quando as comissões cobradas ao depositante são superiores, no ciclo anual, aos juros líquidos que o Banco lhe paga. Mas estes são outros contos.

 

Abraço

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António Palhinha Machado

ALMOÇO FILOSÓFICO

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Lisboa, 21 de Fevereiro de 2018

 

Só sábios, eramos cinco:

(no sentido dos ponteiros do relógio)

  • Henrique Salles da Fonseca
  • Francisco Gomes de Amorim
  • Luís Soares de Oliveira
  • António Palhinha Machado
  • José Carlos Gonçalves Viana

LIDO COM INTERESSE – 75

O SANGUE DOS INOCENTES.jpg

 

Título – O SANGUE DOS INOCENTES

Júlia Navarro.jpg

Autora – Júlia Navarro

Tradutora – Maria João Freire de Andrade

Editora – BERTRAND EDITORA

Edição – 1ª, Junho de 2017

 

* * *

 

A história é para quem a lê.

 

Seria de muito mau gosto e um autêntico desmanchar de prazeres vir aqui contá-la. Acho mesmo que a contra-capa já conta demais e que o interesse do putativo leitor se poderia despertar sem revelar tanto como ali se faz.

 

Bastaria dizer que se trata de um enredo (fictício, claro) sobre acontecimentos históricos, nomeadamente acerca dos cátaros. E em vez de contar histórias mais ou menos mirabolantes para animar os entusiastas de aventuras de capa e espada ou de «jamesbondices», a autora explica. E são estas explicações que contribuem muito para que se perceba o resto. E se aprenda o que esta grande estudiosa tem para nos ensinar em meia dúzia de linhas em vez de desenvolver relambórios chatos que convidariam a saltar páginas. Pelo contrário, escreve curto e de fácil leitura. E não toca em vulgaridades de cordel.

 

Tenho a tradução portuguesa como digna de realce e não me apercebi de que possa ter havido traições ao original.

 

Quanto à narrativa, achei graça ao modo saltitante como somos levados no espaço e no tempo. Fiquei com uma curiosa sensação de ubiquidade que raramente outro narrador alguma vez me deu. Mais: conhecendo eu muitos dos locais em que a narrativa se desenrola, senti-me envolvido naqueles espaços e historicamente transportado para cenários de evidente plausibilidade. De grande realismo, a subjectividade das personagens.

 

Mais do que com interesse, li com gosto e recomendo.

 

Fevereiro de 2018

Buenos Aires, 2012.jpg

Henrique Salles da Fonseca

CABO DA ROCA

 

OU

O FIM DA PICADA – 2

 

E a palestra continuou depois de um mini intervalo para dar entrada a mais ouvintes que vinham sabe-se lá donde.

 

Retomada a palavra, avancei para a solução dos problemas até ali enunciados que, como tinha dito, é a Ética cuja reposição me parece imperiosa.

 

E a questão estaminal da nossa conversa é a de saber o que é a Ética. Então, para desfazer muita confusão que por aí navega, comecei por afirmar simplisticamente que a Moral é a questão dos princípios enquanto a Ética é a questão dos factos.

 

Muito resumidamente, disse que todas as religiões têm as suas escrituras sagradas as quais, criando a respectiva Teologia, deram origem a verdadeiros códigos de conduta que definiram os grandes princípios da Moral correspondente e foi a partir daí que cada sociedade, descendo aos factos reais da vida quotidiana, criou a sua Ética; assumindo a obrigatoriedade do cumprimento, cada Ética vestiu o figurino de quadro jurídico.

 

Breve, a lógica descendente tem origem nas Sagradas Escrituras que definem a Moral que, por sua vez, induz a Ética e é esta que fundamenta o quadro jurídico.

 

Exemplos? Muitos. Mas basta referir a Bíblia cujo Antigo Testamento fundamenta o Judaísmo, os Vedas que são a base do Hinduísmo, os Ensinamentos de Buda que deram origem ao Budismo, o Novo Testamento que, em conjunto com o Antigo, fundamenta o Cristianismo, o Corão que é a Sagrada Escritura do Islão.

 

Contudo, como vimos de início, o homem pós-moderno extremou a sua própria laicização donde resulta que a inspiração divina nada lhe diz e ele se desliga de tudo que tenha origem nesse tipo de Valores. Não vale, portanto, a pena invocarmos princípios religiosos – venham eles donde vierem – para levarmos o pós-moderno convicto a aceitar um quadro jurídico que se inspire numa Ética que por sua vez se fundamente numa Moral de origem divina.

 

Então, como havemos de sair deste beco?

 

A questão pode-se resolver a partir duma frase que cito muitas vezes que, apesar de ser da autoria de um Cardeal, pode ser laicizada com toda a facilidade pois ela própria a isso conduz: «as coisas não são boas ou más porque Deus as mande ou as proíba; antes as manda porque são boas e as proíbe porque são más»[i].

 

Ou seja, tanto o bem como o mal existem fora da discussão teológica e por isso é possível erigirmos uma Ética laica que se fundamente na «Declaração Universal dos Direitos do Homem»[ii] e na «Declaração de Ética Mundial»[iii]

 

Para não cansar a assistência, referi apenas as linhas gerais deste último documento que começa por condenar a usurpação dos ecossistemas do planeta, o abandono dos miseráveis, o recrutamento forçado de crianças como soldados, a agressão e o ódio cultivados em nome das religiões.

 

E depois deste posicionamento crítico, passa para a positiva afirmando haver uma reserva de valores fundamentais comuns a toda a Humanidade que constituem a base para uma ética que fundamente uma ordem mundial duradoira, nomeadamente pelo reconhecimento de alguns princípios:

  • Há que respeitar a comunidade dos seres viventes (humanos, animais e plantas) preocupando-nos com a conservação da Terra, do ar, da água e do solo – princípio ecológico;
  • Todas as nossas acções e omissões têm consequências que devemos ponderar – princípio da responsabilidade;
  • Devemos dar aos outros o tratamento que deles queremos receber - princípio da equidade;
  • Temos que nos encher de paciência;
  • Nos cumpre servir o bem comum;
  • Deve prevalecer uma relação de companheirismo entre homem e mulher com igualdade de direitos – princípio da dignidade humana;
  • Temos o direito de combater a ânsia pelo poder – princípio da democracia política.

 

Estas, algumas das bases que devem servir para a construção de uma ética laica mundial na qual se revejam os pós-modernos que por aí pululam à nossa volta.

 

Concluí a palestra com a revelação de um segredo (pedindo que não o revelassem aos pós-modernos): esta ética laica mundial pode na perfeição ser considerada ecuménica pois resulta de um longo diálogo inter-religioso e o documento em apreço tem origem, afinal, nas confabulações desenvolvidas no seio do Parlamento das Religiões Mundiais.

 

Então, o que menos importa será saber se a origem da Ética Mundial tem ou não uma génese religiosa; basta saber que ela nasceu para servir a Humanidade.

 

Cabo_da_Roca_sunset.jpg

 

É que, assim não sendo, nos resta constatar que chegámos ao Cabo da Roca onde a terra acaba, onde é o fim da picada e onde, portanto, só poderemos optar entre atirarmo-nos ao mar ou darmos meia volta e meditarmos ponderadamente sobre o que queremos fazer da vida.

 

* * *

 

Dei por finda a palestra e não apanhei mocadas na cabeça. Mas passadas as portas do anfiteatro, retomaram pela certa aqueles finalistas a dinâmica das festas da queima das fitas arquivando algures numa dobra recôndita do cérebro as coisas que o tipo do bigode disse desejando que ele se coce com urtigas pois «nós somos hedonistas felizes como o cão dele».

 

Fevereiro de 2018

Henrique em Praga.jpg

 Henrique Salles da Fonseca

 

[i] - D. Manuel Clemente, Cardeal Patriarca de Lisboa, então Bispo do Porto, no seu livro “1810-1910-2010 DATAS E DESAFIOS”, pág. 121

 

[ii] - 1948

[iii] - Assinada em Chicago em 1993

CABO DA ROCA

 

OU

O FIM DA PICADA -1

Sé-de-Braga.jpg

 

Fui há tempos palestrar a uma «queima de fitas» no norte de Portugal e pediram-me previamente que abordasse o tema do futuro deles, os então finalistas daquela Universidade.

 

Nunca eu falara para plateia tão grande e tão apinhada em que não dava para perceber onde estavam os sentados, os de pé e os «sabe Deus como».

 

Então, se me queriam ouvir falar do futuro, teriam que ter uns minutos de paciência para me ouvirem falar do passado. Do recente, sim, mas passado na mesma. O passado imediato relativamente ao presente, este que antecede imediatamente o futuro. E como o presente é o instante que separa o grande passado e o futuro que temos por infinito, vejamos no que estamos metidos. E esse «caldinho» chama-se pós-modernidade.

 

A pós-modernidade designa a condição sócio-cultural dominante após a queda do Muro de Berlim (1989), o colapso da União Soviética e a crise das ideologias nas sociedades ocidentais no final do século XX, sobretudo pela dissolução da referência a esquemas totalizantes - o fascismo, o nazismo e o comunismo - fundados na crença no progresso mas que, por sua vez, já eram a negação dos ideais iluministas de igualdade, liberdade e fraternidade.

 

E aqui chegados, disse-lhes que me parece imprescindível pensarmos na questão da ética e seus fundamentos precisamente porque estamos a viver num mundo sem conceitos superiores uma vez que nos tempos que correm só se pensa na competitividade. E esta, sim, é fruto do pós-modernismo em toda a sua pujança, é a sacralização do profano.

 

Então, avancei com a afirmação de que o cidadão do Mundo, pós-moderno, é ateu ou, no mínimo, agnóstico; para ele a vida é esta em que estamos e mais nenhuma. Por isso mesmo quer TUDO, e JÁ! E como não se sente vinculado a uma Moral, também ignora a correspondente Ética. Ou seja, tudo vale para que alcance imediatamente a sua própria felicidade sem sacrifícios pessoais (mas talvez à custa dos alheios). Egocêntrico, assume o egoísmo como algo de natural e fá-lo de consciência tranquila, sem sentimento de culpa, porque amoral e aético. Assim se confunde com hedonista sem sequer saber que o é nem o que tal palavra significa.

 

Com risco de não sair dali sem umas mocadas na cabeça, eu disse-lhes que o meu cão também é hedonista: quer todo o prazer de imediato; não gere a sorte da fortuna. Ninguém levantou a voz em protesto mas fiquei convencido de que muitos daqueles jovens reconheceram os paizinhos no que eu acabara de dizer. Mas, educadamente, «enfiaram o barrete» e calaram.

 

Onde estamos, então, depois de derrubado o muro das ideologias? Na arena nihilista e em mais nenhuma. Um BRAVO a Nietzsche que se suicidou em vão.

 

Sobrevivente do frisson quase ofensivo, mais lhes disse que, chegados ao ponto em que não se olha a meios para atingir o objectivo que cada um se auto-atribui sem querer minimamente saber se tal desiderato corresponde ou não ao bem-comum, a desorientação global resulta da abdicação que os governos fizeram de muitos conceitos entretanto considerados caducos para apenas alcandorarem a competitividade ao estatuto de quase sacralização. Foi assim que nos vimos chegados a uma sociedade de quase Partido Único em que todos os grupos seguem políticas liberais e apenas diferem nas cores das camisolas que vestem. Aliás, todos sabemos por experiência própria que a definição do bem-comum é pouco ou nada referida nas campanhas eleitorais e os votos definem-se com frequência por claques de simpatia. Vacuidade ideológica, política liberal por quase todos e por toda a parte, gestão de favores de classe ou, pior, individuais.

 

E, então, eu disse-lhes como foi na época em que eles estavam a concluir o ensino secundário e a entrar na Universidade: quando a inovação tecnológica deixou de proporcionar as margens de lucro ambicionadas pelos vorazes pós-modernos, restou-lhes a matéria-prima alvo da sua cobiça, o dinheiro. Foram então os «capitães de indústria» substituídos pelos magnatas da finança e do investimento produtivo se passou à especulação bolsista em que se vende «gato por lebre» (os famigerados «produtos tóxicos») sendo que até vendem o gato mesmo antes de o comprarem ou até mesmo antes dele nascer.

 

E de tanto por ela puxarem, a corda da sorte rebentou e ficámos a braços com a bancarrota mundial… As poucas lebres andavam perdidas no meio de muitos gatos e saíram da cena todas arranhadas.

 

- Eis o cenário que se vos depara – disse-lhes eu e notei algum desconforto na plateia.

 

Que fazer? Eis a questão cuja resposta não passa pelo encarceramento do todos os culpados pois não há grades suficientemente grandes para aprisionar meio mundo. E a reciclagem de mentalidades vai demorar...

 

A palestra continuou mas eu acho que este escrito vai ficar por aqui para não cansar quem me lê. No próximo número vou então continuar a contar como decorreu a palestra da queima das fitas e tratar da solução, a Ética.

 

(continua)

 

Fevereiro de 2018

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 Henrique Salles da Fonseca

AFINAL, SOMOS UNS GAJOS

 

Numa palestra que proferi há tempos, comecei por abordar o tema de identificação da génese do desenvolvimento duma Nação afirmando que, naturalmente, todos ambicionamos pertencer a uma sociedade desenvolvida mas que é importante sabermos como se alcança esse desenvolvimento para que não corramos o risco de algum retrocesso.

 

Quais, então, as condições necessárias para que o desenvolvimento ocorra?

 

Logo afirmei de seguida que isso se consegue com um elevado sentido de independência individual e colectiva, com muita gente a trabalhar para si própria demonstrando grandes doses de empreendedorismo, elevado nível de auto-estima, assumindo com orgulho as tradições culturais sem submissão a estrangeirismos e com um elevado sentido de auto-suficiência.

 

Perguntei aos meus ouvintes se estavam de acordo com as premissas enunciadas e, como previra, quase não tive tempo de chegar ao fim da pergunta porque a resposta foi imediata com uma aprovação unânime.

 

Então, sugeri que todos se sentassem confortavelmente, o que fizeram de imediato porque, efectivamente, a plateia estava cheia mas não havia ninguém de pé. E assim foi que lhes disse que quando estava a definir as premissas, eu estava a pensar nos ciganos. A desilusão que senti na audiência nada teve a ver com racismo mas apenas com alguma revolta contra mim, o orador, que os levara ao engano. Com a verdade os enganara.

 

Para não deixar a desilusão assentar praça, avancei de imediato para a fase seguinte do meu raciocínio, aquela em que lhes provaria que as premissas enunciadas eram necessárias, sim, mas estavam longe da suficiência.

 

Então, qual é a génese do desenvolvimento?

 

E aqui seguiu-se o resto da palestra em que comparei o Afeganistão com a Suíça, Angola com o Japão, a Cisjordânia com Israel,… até demonstrar que o desenvolvimento é consequência directa, não das riquezas naturais dos territórios ocupados por uma Nação mas sim do elevado nível de educação, instrução e formação.

 

Assim, as premissas que eu enunciara no início da palestra são claramente importantes mas estão longe da suficiência.

 

A educação que se obtém na família induz a civilização; a instrução que se obtém na escola induz a cultura; a formação profissional que se obtém nas Universidades e noutras instituições equiparáveis induz os conhecimentos para se ganhar a vida, a independência material. Se a isto tudo se juntar um elevado sentido de independência individual e colectiva, se houver muita gente a trabalhar para si própria demonstrando grandes doses de empreendedorismo, se se tiver um elevado nível de auto-estima, se se assumir com orgulho a tradição cultural sem submissão a estrangeirismos e se se tiver um elevado sentido de auto-suficiência, então, sim, alcança-se o desenvolvimento por todos ambicionado e ninguém «agarra» essa Nação.

 

gente_normal.jpg

 

Seremos, então, ciganos? Não, somos apenas «gajins», os não-ciganos, esses que, na terminologia cigana, deram origem aos gajos.

 

Bom. Mas se para progredirmos nos resta a solução de sermos uns gajos, então que o sejamos com classe, com ética.

 

Só que isto da ética vai dar para mais umas quantas palestras. Lá iremos…

 

Fevereiro de 2018

Barranco, Lima, Peru, 12 de Outubro de 2017.jpg

 Henrique Salles da Fonseca

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