- Juan, for favor, fale-nos dos movimentos terroristas aqui no Peru.
- Si, por supuesto, lo haré!
Foram dois os «Juans» (nomes falsos que atribuo aos guias que nos elucidavam sobre tudo o que víamos, sobre a História, religiões, etc.) a quem pedi que nos falassem sobre o cenário político e de segurança, foram dois os que me responderam «por supuesto» e foram dois os que nada disseram. Pelos vistos, o tema não é confortável nem sequer em ambientes fechados como o do grupo de turistas em que nos integrávamos.
E, de facto, com tantos temas interessantes à disposição, para quê abordar assuntos que se podem revelar incómodos?
Lembro-me de no final dos anos 60 do século passado, um conhecido meu dizer que em determinado país da América Latina (Colômbia?) em que ele trabalhava como perito agrário, havia 46 Partidos políticos em que apenas um não se denominava revolucionário: o Comunista. E sugeria esse meu conhecido que ninguém se metesse num avião em que viajasse algum Ministro.
Pois é, Caros Leitores, a América Latina tem os seus quês. Pelos vistos, ainda hoje.
No Peru, tudo o que consegui apurar é que estão presos dois ex-Presidentes por aboletamento de dinheiros públicos (Alberto Fujimori e Alejandro Toledo) e vários dirigentes terroristas por razões óbvias. Por motivos que não apurei, apenas constatei que toda essa rapaziada de trato mais ou menos fino, se encontra no mesmo estabelecimento prisional. Talvez que para mais eficaz troca de saberes e de experiências feitas. Por certo, sairão de lá uns malfeitores ecléticos de altíssimo gabarito e à prova de todas as circunstâncias. Vai ser bonito…!!!
Duas particularidades: o «empochamento» de Fujimori terá ultrapassado os 6 biliões de dólares, os quais se encontram em parte incerta pelo que o Erário peruano ainda não conseguiu deitar-lhe a mão; os dirigentes terroristas (do «Sendero Luminoso» e do «Túpac Amaru») já fizeram saber que não estão arrependidos e que as suas críticas se mantêm. Repito: - Vai ser bonito…!!!
Actualmente, o Peru é presidido por Pedro Pablo Kuczynski, economista e ex-primeiro ministro de tendência centro-direita. Note-se que conquistou a presidência derrotando Keiko Fujimori, a herdeira dos tais 6 biliões que ela deve saber onde estão. E porque a oposição (a do gamanço) tem a maioria nas Câmaras legislativas e não o deixa governar completamente, consagrou solenemente o Peru, ele mesmo e sua família, ao Sagrado Coração de Jesus e ao Imaculado Coração de Maria como quem diz que a situação política só verá a sanidade com a ajuda divina.
«Por supuesto», todos os peruanos com quem falei me disseram bem dele na sua condição de competência e seriedade.
«Por supuesto», gostei do que ouvi. Até porque somos colegas de profissão. Com duas diferenças fundamentais: ele está ao activo e eu estou aposentado; ele é Presidente do Peru e eu não.
Em conformidade com a pronúncia quéchua, o rio Rimaq pronuncia-se ˈli.maq e, como noutros topónimos, a oclusiva final desapareceu ao passar ao castelhano, preferindo-se, com o tempo, a grafia Lima. Isto, porque o Rimaq é um dos três rios que por ali desaguam e, sendo o maior, impôs o seu nome à cidade.
Não foi, portanto, nenhum cavalheiro de apelido Lima que fundou a cidade.
Segundo mistério:
A palavra Peru deriva de Birú que, no início do século XVI, era o nome de um cacique indígena do Panamá. Quando, em 1522, os seus domínios foram visitados pelos exploradores espanhóis, logo foram denominados «terras do Biru», toponímia que se estendeu para sul até ao actual Peru mas desaparecendo na origem geográfica.
A Coroa Espanhola oficializou o nome do território em 1529, com a «Capitulação de Toledo», que designou o Império Inca como a Província do Peru. Sob o domínio espanhol, o país era denominado Vice-Reino do Peru, que, após a guerra da independência do país, se tornou a República Popular do Peru.
O nome Peru nada tem, portanto, a ver com a nossa vítima natalícia.
Terceiro mistério:
Civilização Inca? Não! Civilização quéchua!
Inca, o rei filho do Sol, governava o povo quéchua e, portanto, a civilização era do povo e não do rei. Se a civilização fosse do rei, morreria com a morte do seu dono; sendo do povo, prossegue…
A este tema – morte e ressurreição da civilização quéchua - regressarei numa crónica futura.
Foi numa das minhas passagens pelo aeroporto de Lima que entrei numa loja de «recuerdos» mas que também vendia livros, me dirigi ao cavalheiro que parecia por ali saber tudo e lhe disse que da literatura peruana só conhecia o Garcia Marquez; se ele me podia sugerir outro autor genuinamente representativo da literatura peruana que ali tivesse obra à venda nos seus escaparates. Mas era claro que podia e que o fazia com o maior «gusto». E põe-me de imediato na mão um livro de bom tacto (os dedos também gostam de mexer na literatura). Nunca eu ouvira falar de Javier Cercas e muito menos da sua obra «El monarca de las sombras». Da editora – LITERATURA RANDOM HOUSE – também nada sabia. Cheirou-me a alguma réstia de passagem mais ou menos fugaz do investimento britânico a favor da aculturação do povo quéchua mas guardei essa suspeita numa das minhas dobras cerebrais mais recônditas. Porquê em Lima, uma editora com tal nome? Mas como da cantracapa e das badanas nada se poderia concluir em desabono de alguma nova literatura peruana, comprei.
E comecei a ler…
Bem escrito, leitura agradável, prolegómenos em Espanha; enquadramento sublime das circunstâncias que num «pueblito extremeño» conduziram à guerra civil… e já vou nos agradecimentos finais que o Autor faz a quem o ajudou nas investigações para a escrita sair assim histórica, política e sociologicamente tão interessante e ainda não emigrei para o Peru. Mas fiquei a saber muito sobre o que se passava ali do outro lado da fronteira de Elvas. Sim, o «pueblito» chama-se Ibahernando e é ali para as bandas depois do Caia.
E fui eu até aos Andes para ler sobre tão perto.
Então, a pergunta que me ocorre é: terá o «recuerdista» do aeroporto de Lima desejado enfiar o garruço a um papalvo de bigode que por ali passava a pedir conselhos ou seria ele mesmo ignorante quanto à literatura peruana?
A resposta que posso dar é muito simples: é por caminhos inesperados que aprendemos muito do que ignoramos.