Nicolas Boileau-Despréaux (Paris, 1636 — Paris, 1711) jurista, crítico e poeta francês. Publicou o seu primeiro volume de sátiras em 1666. Foi apresentado na corte em 1669 após a publicação de seu Discurso sobre a sátira.
Desde cedo aprendeu a não ter qualquer ilusão e cresceu com "o desprezo pelos livros estúpidos". Foi educado no Colégio de Beauvais e continuou os seus estudos de Teologia na Sorbonne. Mudou de curso, para Direito. Seguiu-se breve carreira como advogado. O pai morreu em 1657 deixando-lhe uma pequena fortuna, de forma que se pôde dedicar às letras.
PAROLES DU POÈTE À SON JARDINIER, ANTOINE
Antoine, de nous deux, tu crois donc, je le vois,
Que le plus occupé dans ce jardin, c’est toi.
Oh! Que tu changerais d’avis et de langage,
Si, deux jours seulement, libre du jardinage,
Tout à coup devenu poète et bel esprit,
Tu t’allais engager à polir un écrit
Qui dît, sans s’avilir, les plus petites choses,
Fît des plus secs chardons des oeillets et des roses…
* * *
Sim, eu também não duvido que os trabalhos braçal e intelectual produzem cansaços bem diferentes.
Setembro de 2017
Henrique Salles da Fonseca
BIBLIOGRAFIA
Wikipédia
«Anthologie de la poésie française», Annie Collognat-Barès, LE LIVRE DE POCHE, Libretti, 1ª edição, Setembro de 1998
Título – «Diário de Leal Marques sobre a formação do primeiro
Governo de Salazar»
Autora – Fátima Patriarca
Editora – Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa
Edição – “Análise Social” – Vol. XLI, 1º Trimestre 2006, pág. 169 e seg.
Poucos serão os portugueses actualmente vivos que já tenham ouvido falar de Antero Leal Marques e ficarão por certo espantados ao saberem que este farmacêutico foi Chefe do Gabinete de Salazar durante uma dúzia de anos, entre 1928 e 1940.
Dá para imaginar, num país com 900 anos de História, quantas personalidades ainda estarão envoltas nas brumas da nossa ampla e faustosa ignorância …
Pois foi esse desbrumar que a Dr.ª Fátima Patriarca, Investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, nos proporcionou com este trabalho.
Trata-se da explicação do manuscrito do «Diário» em apreço que abarca o período compreendido entre os dias 28 de Junho e 11 de Julho de 1932, ou seja, o relativo à formação do primeiro Governo do Doutor Salazar e nele se compreende como foi complicado gerir um processo cheio de nuances.As subtilezas tinham muito a ver com o regime – República ou Monarquia – mas também havia que considerar a indisciplina que grassava no Exército, na Marinha e na Guarda Nacional Republicana.
A mudança de regime foi claramente um processo de transição morosa e traumática em que o alevantamento dos espíritos era frequentemente fomentado por quem pretendia ver satisfeitas mordomias a que se habituara ou a que se queria habituar. O jogo de interesses e a “prestação de serviços” está claramente exposto neste «Diário»: por ele se vê como os quartéis tiveram que “ser postos em sentido” e como foi necessário induzir o “sentido de Estado” a todos aqueles que se queriam manter na política.
Transparece como evidente que a preparação do terreno que o Doutor Salazar pisou em muito se deveu ao trabalho do General Domingos de Oliveira que não contou com polícias secretas nem terá recorrido a procedimentos democraticamente menos deontológicos. O autor do «Diário» tece-lhe mesmo assinaláveis encómios com os quais o General se comoveu e … comover um General não será uma tarefa de cumprimento diário, presumo.
O «Diário» é antecedido de uma breve apresentação em que a Autora resume a biografia de Antero Leal Marques, nomeadamente nos períodos anterior e posterior à época em que trabalhou directamente com o Doutor Salazar e ao longo do texto do documento transcrito vai produzindo Notas do maior interesse identificando as personalidades amiúde nomeadas de tal forma que o leitor se consegue integrar no ambiente descrito.
Para além do mérito científico que o trabalho evidencia, trata-se de uma leitura muito agradável que nos faz compreender os acontecimentos sem a influência da actual propaganda política e que nos incentiva à descoberta de outras personalidades ocultas que nos espreitem lá dos recantos em que se encontrem na História de Portugal.
Título – «HISTÓRIA DA COMPANHIA DE JESUS EM PORTUGAL»
Autora – Maria de Deus Beites Manso
Editora – EDIÇÕES PARSIFAL
Edição – 1ª, Setembro de 2016
Da badana se extrai que, fundada por Inácio de Loyola, a Companhia de Jesus tornou-se numa das principais ordens religiosas no combate ao Protestantismo, na aplicação das determinações do Concílio de Trento e no estabelecimento de missões fora da Europa.
Com uma responsabilidade maior na doutrinação, desde a sua implementação ao nosso país, a Companhia de Jesus foi um dos agentes centrais da expansão portuguesa revelando, desde sempre, uma notável capacidade de adaptação aos remotos lugares onde chegava com recurso a múltiplas formas de evangelização – adoptando na Ásia costumes locais perante civilizações e religiões complexas; defrontando-se no Brasil com práticas ancestrais de antropofagia, onde seria edificada uma notável rede de ensino.
A Autora é professora na Universidade de Évora, tem escrita enxuta e produziu um livro de verdadeiro interesse para quem gosta de perceber como fizemos um Império.
Descontando anexos, notas, agradecimentos e referências bibliográficas, são 203 páginas de texto que transmitem uma ideia inesperada sobre a dimensão de Portugal ao longo da vida da Companhia desde que para cá veio no reinado de D. João III até à actualidade: a página 199 inaugura a história jesuíta no território a que actualmente estamos confinados porque nas páginas antecedentes tudo era Império. Mais: enquadrada no Padroado Português, a Província do Oriente da Companhia chegou a ter jurisdição desde o Cabo da Boa Esperança até Nagasáqui sendo também «nossas» as Províncias jesuítas do Brasil e a da África Ocidental.
Sim, Portugal foi grande e, em consequência, a Companhia de Jesus também. A Companhia tem, entretanto, um Papa; nós, não.
ÉTICA E INFINITO, eis o título de um livrinho (uma escassa centena de páginas de texto propriamente dito) com os diálogos, gravados em Março de 1981, entre o entrevistador Philippe Nemo e o entrevistado Emmanuel Lévinas, publicado pelas «Edições 70» em Agosto de 2010.
Da Wikipédia, respigo alguma informação biográfica de Philippe Nemo:
Francês, nascido em 1949, é filósofo e historiador;
Professor de filosofia política e social, os seus estudos versam sobretudo o liberalismo, a história das ideias políticas, o conceito de Ocidente e o de República; tem-se também dedicado aos temas da educação e da pedagogia.
Emmanuel Lévinas nasceu na Lituânia em 1906, fez os estudos secundários no seu próprio país e na Rússia mas estudou Filosofia em Estrasburgo de 1923 a 1930, nomeadamente com Husserl e Heidegger. Até que se naturalizou francês em 1930. Passou a ensinar Filosofia, foi director da Escola Normal Israelita Oriental e ensinou na Universidade de Poitiers, na de Paris-Nanterre e na Sorbonne. Morreu em Paris no dia de Natal de 1995.
Da contracapa do livrinho se extrai que o cerne da sua obra consiste na análise do laço indestrutível que existe entre a ética e o infinito, na oposição ao neutro, ao mero ser. Não percebi nada. Havia que ler o livrinho para tentar perceber qualquer coisa.
E lá fui eu…
… começando por rever as passagens que numa primeira leitura me chamaram a atenção e que assinalara (a lápis).
Logo na apresentação que Philippe Nemo faz, fiquei encantado com o parágrafo final que me parece digno de transcrição sem mais explicações: «Emmanuel Lévinas é o filósofo da ética, o único moralista do pensamento contemporâneo. Mas aos que o consideram especialista da ética como se a ética fosse uma especialidade, estas páginas darão a conhecer a tese essencial: que a ética é a filosofia primeira, aquela a partir da qual os outros ramos da metafísica adquirem sentido. A questão primeira - pela qual o ser se dilacera e o humano se instaura como “diversamente de ser” e transcendência relativamente ao mundo, aquela sem a qual, ao invés, qualquer outra interrogação do pensamento é apenas vaidade e corrida atrás do vento - é a questão da justiça.»
No tema «Bíblia e Filosofia», Nemo interroga Lévinas sobre a harmonização dos dois modos de pensamento, o bíblico e o filosófico. E a resposta, esperada, tem tudo a ver com a exegese tanto dos textos sagrados como dos filósofos clássicos: «Os textos dos grandes filósofos, com o lugar que a interpretação tem na sua leitura, parecem-me mais próximos da Bíblia do que opostos a ela, ainda que a concretização dos temas bíblicos não se refletisse imediatamente nas páginas filosóficas. Mas não tinha a impressão que a filosofia era essencialmente ateia. E se, em filosofia, o versículo não pode substituir a prova, o Deus do versículo pode permanecer a medida do Espírito para o filósofo.»
Sobre «Heidegger», retive duas ideias: a de que a angústia resulta do nihilismo, não de etapas teóricas de raciocínios mais ou menos sofisticados mas directa e exclusivamente do «nada»; a de que na hermenêutica heideggeriana sobre os filósofos clássicos «não se manipulam velharias mas, antes, se reconduz o impensado ao novo pensamento». Confesso que aqui me apeteceu aplicar a expressão popular «Toma e embrulha!»
Mais para diante, fui dar com algo que me fez recordar um pensamento que sempre tive e que desconhecia por completo que pudesse ter sido abordado com tanta elevação: a solidão do ser. «Ser é o que há de mais privado; a existência é a única coisa que não posso comunicar; posso contá-la mas não posso partilhá-la». E agora digo eu: o nascimento é um acontecimento partilhado com a mãe, a vida é convivida no sentido da simultaneidade, de um certo compromisso, mas a morte é um acontecimento completamente privado, não partilhável mesmo que ocorra simultaneamente com outras mortes – também cada uma delas em total isolamento, solidão, mesmo que cada um rodeado de vivos. E Lévinas conclui: «Tudo se pode trocar entre os seres, excepto o existir.»
Um dos livros mais importantes que Lévinas produziu parece ter sido «Totalidade e Infinito», publicado em 1961, que eu ainda não li. Mas Philippe Nemo leu-o e trouxe-o à colação num dos diálogos que constam deste livrinho. E a primeira pergunta é a de saber em que medida é que totalidade e infinito se relacionam. A resposta é hegeliana: «A filosofia pode interpretar-se como uma tentativa de síntese universal, uma redução de toda a experiência a uma totalidade em que a consciência abrange o mundo, não deixa nada de fora dela, tornando-se assim pensamento absoluto. A consciência de si ao mesmo tempo que consciência do todo.» E quanto ao infinito? Aí, Lévinas é certeiro: «O infinito é Deus.»
Então, se a Ética é a filosofia primeira da qual tudo deriva e se Deus é o infinito que tudo abarca, o título deste livrinho só poderia ser este: «Ética e Infinito»
O trabalho é a actividade que corresponde ao artificialismo da existência humana (...)porque(...) produz um mundo artificial de coisas nitidamente diferentes de qualquer ambiente natural.
Hanna Arendt, in The Human Condition, University of Chicago Press, ed. 1984, pág. 7
É claro que não preconizo o ócio, esse que considero o «pai» de todos os vícios, mas dá gosto comparar esta frase arendtiana com a alienação marxista sobre o que ela escreve a páginas 253-254 da mesma obra:
A moderna perda de fé não é de ordem religiosa na sua origem e o seu alcance não se limita à esfera religiosa. Pelo contrário, a evidência histórica demonstra que os homens modernos não foram arremessados de volta a este mundo, mas para dentro de si mesmos. O que distingue a era moderna é a alienação em relação ao mundo e não, como pensava Marx, a alienação em relação ao ego.
Pela rota de Índia se foi fazendo Portugal e disso é prova que foi com os dinheiros realizados na Europa com mercadorias exóticas, tais como o açúcar madeirense, que se financiou o início da construção em Lisboa do Hospital de Todos os Santos. Corria o ano de 1498.
Mas foi bem antes disso, em 1430, que os monges da Ordem da Trindade se instalaram definitivamente em Tavira ali construindo o Hospital do Espírito Santo para apoio aos navegantes e combatentes no norte de África. De tal modo a sua acção se destinava a apoiar os agentes da conquista que há quem considere este o primeiro hospital do ultramar português.
Dará para imaginar no que nessas épocas remotas consistiam os hospitais e que medicina neles se praticava?
Fossem quais fossem, eram os tratamentos que à época se conheciam mas a higiene devia ser bem duvidosa. Normalmente, aproveitavam-se umas casas que estivessem livres e de que o Alcaide ou Governador militar pudessem dispor nelas autorizando a entrada de doentes que se recolhiam a montes de trapos a que chamavam enxerga. Era sobre esses trapos que se derramavam os humores sempre fétidos só que alguns purulentos e outros apenas orgânicos. Dá para imaginar . . .
Quem desses doentes tratava eram religiosos que tudo faziam por amor a Deus pois outro sentimento não poderá ser invocado no meio de tanta pústula, escara, febre e gemido. Era pois necessário que os religiosos seguissem os mareantes. Sobretudo a partir do momento em que pelo ano de 1434 Gil Eanes dobrou o Cabo Bojador e em que a evacuação de doentes para Portugal deixava de ser possível sem acrescidos riscos na sobrevivência do infeliz. A expansão da Fé passou a ser anunciada como um objectivo das descobertas portuguesas mas não restam muitas dúvidas de que só assim é que se conseguiria convencer a Igreja a acompanhar esses meio azougados aventureiros que estavam certamente muito mais interessados no ouro da Mina e nos curativos hospitalares do que na piedade inspirada no crucifixo.
Apesar da relativa proximidade, em 1486 foi instalado em Safim um local de acolhimento dos doentes enquanto não eram evacuados para Tavira. Acabou este local por desempenhar as funções de verdadeiro hospital pois chegou a ter físico, cirurgião e boticário. A terra era pobre naquelas paragens mas o mar, esse, era pródigo em pescarias e era nessa faina que os portugueses lá andavam por longos períodos. O pretexto para se instalar este hospital foi o do apoio aos nossos pescadores mas acabou por servir toda a população indígena que muito beneficiou com a situação. Datam de muito mais tarde, 1516, os hospitais de Tânger e Arzila e é incerta no tempo a fundação do Hospital de Santa Cruz do Cabo de Gué, hoje Agadir, que foi praça portuguesa entre 1505 e 1541.
Mas se a rota do Algarve d’além-mar (Marrocos) para Portugal se fazia em linha recta e o porto de chegada era algures no Algarve d’aquém-mar, quando a origem da viagem era a sul do Cabo Bojador, a rota era circular zarpando as caravelas para o mar alto rumo à Madeira e Açores, daí tomando o nascente até Lisboa. Eis a razão pela qual foi necessário edificar em Lisboa o Hospital de Todos os Santos e não mais no sul do reino. Só que o hospital de Lisboa nunca foi considerado afecto ao ultramar pois atendia sobretudo às populações residentes na cidade e cercanias.
O mais antigo hospital situado além do Bojador foi mandado erigir em 1497 pelo Rei D. Manuel na Ilha de Santiago, em Cabo Verde, a que se seguiu o de S. Jorge da Mina (actual Gana) em 1498. Foi ainda o Rei D. Manuel que em 1504 mandou instalar o hospital em S. Tomé para apoio aos mareantes que demandavam o Manikongo mas que acabou por se destinar sobretudo às populações residentes em clima tão inóspito como aquele que hoje sabemos ser sobretudo palustre.
... e assim foi que Bartolomeu Dias dobrou o Cabo das Tormentas.
Chegados ao Índico, havia que prover aos cuidados nessa banda já tão longínqua e nada menos do que dois hospitais foram instalados em 1505 em Sofala e Quilôa e o da Ilha de Moçambique em 1507. Foi este último que passou a assumir a liderança no sistema de saúde português na costa oriental de África dadas as condições de salubridade do local e a afabilidade dos povos indígenas.
Mas a navegação no Atlântico sul deixou em 1500 de se fazer ao longo da costa africana passando a fazer-se pelo recém-descoberto Brasil com aproveitamento total dos alísios e evitando as calmarias namibianas. Eis como se tornou necessário e possível instalar um hospital na resguardada Bahia de Todos os Santos. Contando com o de Tavira, foi este o 9º na sucessão.
Data de 1511 a instalação do hospital em Melinde, não longe de Zanzibar, onde os portugueses largavam habitualmente a navegação costeira para se fazerem à travessia do Índico rumo a Chaul, já na costa do Malabar.
A amizade estabelecida por Vasco da Gama com o Rei de Cochim facilitou a instalação naquele porto em 1505 do mais antigo hospital português naquela costa, a que se seguiu em 1506 o de Cananor. São incertas as datas em que se edificaram os hospitais em Goa e Baçaim mas em 1512 Afonso de Albuquerque vê-se obrigado a expulsar os falsos doentes que se recolhiam em mendicidade no hospital de Goa e por carta datada de 31 de Outubro de 1548 da Misericórdia de Baçaim se ficou a saber que “(…) porque serteficamos a Vossa Alteza, que o ano em que sercarão Dio (1546), forão tantas as necessidades desta terra de feridos e doentes e pobres, que a elle della vyeram que nem ho espritall, nem a misericordia, nem o capitão nem outras nenhumas pessoas erão poderosas pera os agasalhar, nem curar, nem respairar, como hera necessaryo, se não forão os moradores desta terra que, ainda que são pobres, vendo quanto compria ao serviço de Deus e de Vossa Alteza, faziãm de suas casas espritais, e gastavão o seu, e davam muita conssolação dos ferydos e doentes que de Dio vynhão, que herão muytos”.
Assim contamos 17 hospitais entre Tavira e Baçaim. Ficam por contar os que se instalaram para lá da Índia. Mas disso tratarei alhures quando o Sol cair em terra e se puser por trás de Madurai e Pondicherry.
Lisboa, 28 de Março de 2006
Henrique Salles da Fonseca
BIBLIOGRAFIA:
“ARMADAS PORTUGUESAS – apoio sanitário na época dos Descobrimentos”
Autor: Médico Capitão-de-mar-e-guerra José de Vasconcellos e Menezes
«A vida é susceptível de ser compreendida com os termos que a filosofia reserva para a análise do ser: o ser está em cada ente concreto que existe mas nenhum destes seres concretos domina o ser, nenhum á capaz de esgotar toda a riqueza do ser; do mesmo modo, nenhuma pessoa pode reclamar um direito de propriedade sobre a vida que a atravessa, como se se sentisse superior à sua [própria] vida ao ponto de se reconhecer como o seu dono absoluto.
(…) A existência humana é por definição um tecido de relações com os outros. Assim como não sou proprietário da vida deles nem eles da minha, também não sou dono da minha própria existência».
Michel Renaud
(In «Acerca da eutanásia e da dignidade humana», Brotéria – Julho de 2017, pág. 131)
* * *
Assim, se pelo suicídio (assistido ou não) alguém toma como absolutamente seu algo que outrem lhe proporcionou graciosamente (a vida) e abusivamente decide pela extinção do seu próprio ser, coarcta também um direito alheio, o dos outros que com ele convivem, desse modo infringindo a ética e, como tal, cometendo um acto sumamente criticável.
Romance histórico escrito por um Professor (universitário) de História, tem naturalmente fundamento histórico relevante. Envolto em trama romanesca, faz com que a leitura seja menos académica, mais leve.
A componente romanesca consiste na história de Carlos, um príncipe do Congo, de Pedro, um luso-brasileiro e de Ana, uma japonesa. No Japão, os dois amigos deparam-se com uma civilização diferente mas que os atrai, em especial por causa de Ana.
A componente histórica refere-se aos negócios que correm pela feitoria portuguesa de Nagasáqui, base a partir da qual os jesuítas espalham a religião católica sob o olhar algo apreensivo de Roma devido às adaptações introduzidas nos ritos para melhor compreensão dos japoneses. Ao Padre Visitador Alessandro Valignano, incumbido pelo Geral jesuíta de verificar se havia desvios de doutrina, o Autor chama Giuseppe para que se não diga que está aqui a debitar uma aula de História. E é dali, Nagasáqui, que parte a «nau do trato» com prata para ser vendida na China e ali aporta a mesma nau com sedas e porcelanas chinesas para serem vendidas no Japão.
De volta à «capa e espada», são os piratas cruéis, os mercadores gananciosos, as mulheres enigmáticas, os samurais disciplinados, os missionários e espiões, os grandes generais e os poderosos senhores feudais que se cruzam com crentes de todas as religiões vivendo paixões intensas, ambições e ciúmes, desejos de vingança e tudo o mais que possa interessar numa história romanceada baseada na História. Interessante, sem dúvida, para quem queira dar um giro pelo entrelaçamento que efectivamente houve entre Lisboa, Goa, o Sul da China e todo o Japão.
Foi aqui que fiquei a saber da «ilha dos coelhos gigantes». Se o leitor quiser saber do que se trata, leia o livro.
Editores: ASA Editores; PÚBLICO, Comunicação Social
Edição: 1ª, Abril de 2007
Pequeno livro para meter num bolso sem deformar a vestimenta, consta de três conferências proferidas pelo Autor em 2002, tudo em 95 páginas de leitura muito fácil e agradável.
Nunca tinha ouvido falar deste escritor israelita mas uma coisa tenho desde já por certa: não me vão escapar os próximos livros dele com que me cruze.
Se me ponho a dissertar sobre o livro, corro o risco de produzir um texto mais longo que o original e com a diferença de que serei enfadonho onde o Autor é interessante, vago onde ele é preciso. Portanto, opto por algumas transcrições que me parecem elucidativas da qualidade do escritor.
Da contracapa extraio que Amos Oz nasceu em Jerusalém numa época em que a cidade estaria dilacerada pela guerra e que por isso mesmo observou em primeira mão as consequências nefastas do fanatismo. Neste livro oferece-nos uma visão única sobre a verdadeira natureza do fanatismo e propõe uma abordagem racional que permita resolver o conflito israelo-palestiniano.
Da natureza do fanatismo – conferência proferida em 23 de Janeiro de 2002 em local não identificado
(…) Conheço bastantes não-fumadores que o queimariam vivo por acender um cigarro ao pé deles! Conheço muitos vegetarianos que o comeriam vivo por comer carne! Conheço pacifistas (…) desejosos de dispararem directamente à minha cabeça só por eu defender uma estratégia ligeiramente diferente da sua para conseguir a paz com os Palestinianos. (…) a semente do fanatismo brota ao adoptar-se uma atitude de superioridade moral que impeça a obtenção de consensos. (…) o culto da personalidade, a idealização de líderes políticos ou religiosos, a adoração de indivíduos sedutores, podem muito bem constituir (…) formas disseminadas de fanatismo. (…) A essência do fanatismo reside no desejo de obrigar os outros a mudar. (…) O poeta israelita Yehuda Amijai (…) afirma: «Onde temos razão não podem crescer flores.» (…) julgo ter inventado o remédio contra o fanatismo. O sentido de humor é uma grande cura. Jamais vi (…) um fanático com sentido de humor (…) Ter sentido de humor implica a capacidade de se rir de si próprio. (…) Todo o sistema político e social que converte cada um de nós numa ilha (…) e o resto da humanidade em inimigo ou rival é uma monstruosidade. (…)
Da necessidade de chegar a um compromisso e da sua natureza – conferência proferida em data e local não identificados
(…) O conflito israelo-palestiniano não é um filme do Faroeste selvagem. Não é uma luta entre o Bem e o Mal, mas antes (…) um choque entre quem tem razão e quem tem razão (…) (…) luto como um demónio pela vida e pela liberdade. Por nada mais. (…) isto me distingue do pacifista europeu normal que insiste em que o Mal supremo do mundo é a guerra. (…) a guerra é terrível se bem que o Mal supremo não seja a guerra mas a agressão. (…) quando percebemos a agressão, temos de lutar contra ela, venha de onde vier. Mas só pela vida e pela liberdade, não por territórios extra ou recursos extra. (…) Não acredito que o amor seja a virtude com a qual se resolvem os problemas internacionais. Precisamos de outras virtudes. (…) sentido de justiça, (…) senso comum, (…) imaginar o outro (…).
Do prazer de escrever e do compromisso – conferência proferida em 17 de Janeiro de 2002 em local não identificado
(…) se eu sou de um país em que toda a gente discute sobre tudo, porque não poderei eu fazê-lo também? (…) (…) Israel não é um país nem uma nação. É uma feroz e vociferante colecção de discussões, um eterno seminário na via pública. (…) Existe um impulso anárquico, não só em Israel, mas julgo que também na herança cultural judaica. Por alguma razão os judeus nunca tiveram Papa (…) esta veia anárquica de discussão é a cruz da nossa civilização (…) (…) O contrário de comprometer-me a chegar a um acordo é fanatismo e morte. (…) E quando digo acordo não quero dizer capitulação (…) quero dizer procurar encontrar-se com o outro em algum ponto a metade do caminho. (…) Se há uma mensagem metapolítica nos meus romances (…) é a necessidade de optar pela vida rejeitando a morte, pela imperfeição da vida rejeitando as perfeições da morte gloriosa.