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A bem da Nação

O CULTO AO ESPÍRITO SANTO EM PORTUGAL E AÇORES

 

Arcada 1941-Igreja e Hospital do Espírito Santo,

 

Dizia Marcelino Lima, através do livro do picoense Tomaz Duarte Jr. que ..."A rainha Isabel de Aragão introduziu em Portugal o culto do Espírito Santo, sob a égide espiritual e os ideais escatológicos do Abade Joaquim de Flora". O que levou em 1323 à fundação da primeira Igreja do Espírito Santo e respectivo hospital no nosso país (Vila de Alenquer).

 

À exemplo das Associações alemãs e francesas medievais (1160) que sob a invocação do Espírito Santo se dedicavam ao auxílio indigentes, pobres e doentes, depois da sua expansão em Portugal com a fundação de Confrarias, Irmandades e Casas do Espírito Santo, no século XV chegou com os franciscanos aos Açores. Hoje as festividades do Espírito Santo são uma força que marca a cultura e o turismo religioso no Arquipélago e na diáspora açoriana, apesar da sua decadência no Continente Português.

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Procissão das Rosquilhas, Vila da Madalena (Pico)

 

Maria Eduarda Fagundes

 Maria Eduarda Fagundes

Fonte: O Culto do Espírito Santo (Tomaz Duarte Jr.) 2001

(IR)RACIONALIDADE TRUMPISTA

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O francês Nicolas Chauvin serviu ardorosamente nas campanhas napoleónicas e, depois da derrota final dos seu ídolo, em Waterloo, regressou a França graduado em sargento e inaugurou o culto do chauvinismo, ou seja, "França primeiro", "França é o melhor do mundo", fenómeno psicossocial semelhante ao sebastianismo português pós Alcácer Quibir. Todos conhecemos movimentos do mesmo cariz que ocorreram na Alemanha, Itália e Rússia, após derrotas catastróficas. Os chauvinismos são pois movimentos populistas compensatórios dos grandes traumas políticos que um qualquer país sofreu. Servem para manter ou reforçar o amor próprio patriótico, ingrediente essencial da nação: O que aconteceria a uma nação que deixasse de se amar a si própria? Lamentável é que para um povo se amar a si próprio seja necessário que "desame" os outros e desacredite a suas próprias elites. Todos estes populismos tem uma característica comum: o propósito de desmontar a elite estabelecida.


O surpreendente no trumpismo -
America great again; America first - é que se impôs sem derrota prévia. Os EUA não terão já a superioridade que detinham no final da II Guerra Mundial, não serão omnipotentes nem invulneráveis, mas continuam hegemónicos. Talvez isto tenha acontecido porque na América o populismo existe em latência desde a Fundação da União. Poderemos até admitir que a Revolução Americana foi um processo de apropriação por parte de uma elite de um impulso caótico genuinamente popular. Ao longo da História americana, os dois partidos souberam sequestrar as sucessivas explosões de sentimentos populares; desta feita porém foi uma pessoa isolada que captou o sentimento e sequestrou um Partido.


O populismo-trumpista actual resultaria da adição de uma frustração de cariz marcadamente socioeconómico. O Povo deu-se conta que as elites o ignorava e começou a organizar-se. Mas Trump não é povo, Está muito longe de ser outro Nicolas Chauvin ou outro Bandarra. Será talvez outro elitista a tentar domesticar um forte impulso popular que poderia gerar o caos.

 

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Luís Soares de Oliveira

MEDO OU FOBIA

 

Num mundo cada vez mais assolado pelo egoísmo e violência, onde tudo nos chega em enxurradas de informação, onde se quer tudo para “ontem”, quem não está conectado às novidades tecnológicas recentes e à globalização, está excluído da sociedade vigente. As pessoas enchem os consultórios de psicólogos e psiquiatras em busca de ajuda. A ansiedade e a correria a que ficam submetidas geram situações de medo e fobias que destroem a qualidade de vida dos cidadãos.

 

Quem não tem medo de, ao sair de casa, numa cidade violenta e sem protecção policial adequada, ser assaltado ou receber uma bala perdida a qualquer momento? Dentre tantas outras, essas são situações reais, que a população enfrenta com grande ansiedade. Quem sobe uma escadaria para não entrar num elevador, mesmo vazio, por medo de ficar preso ou por não tolerar ambientes fechados? Os fóbicos, é a melhor resposta. Enquanto o medo é uma reação normal, de autoprotecção a alguma situação sócio-ambiental de risco ou perigo eminente, a fobia é um medo irracional a alguma situação específica desencadeadora de um stress emocional, pessoal, muitas vezes com raízes genéticas. Tanto o medo como a fobia apresentam manifestações físicas como coração disparado (taquicardia), boca seca, sudorese excessiva, respiração ofegante, pupilas dilatadas (midríase), mãos frias. São manifestações autonómicas que nas pessoas fóbicas chegam a dar a sensação de morte eminente!

 

No medo o indivíduo evita a ansiedade contornando a situação stressante. Na fobia há uma resposta psíquico-emocional, irracional, desencadeada por algum factor traumático vivido pelo paciente. A pessoa passa a desenvolver sentimentos negativos e progressivos que cada vez mais a paralisa ou atrapalha socialmente. Ela está sempre esperando o pior acontecer, mesmo nas situações estáveis ou improváveis, despertando uma ansiedade, um sofrimento psíquico frequente.

 

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 Sem acrofobia

 

Na fobia simples o indivíduo tem medo de uma coisa ou situação específica. Como medo de alturas, de animais, de elevadores, de viajar de avião..., são medos fóbicos, desconhecidos, geneticamente determinados, que lhe trazem pequenos desconfortos e algumas limitações à sua qualidade de vida.

 

Na fobia social os prejuízos são maiores, pois o indivíduo se sente observado, julgado, avaliado, coisa que lhe bloqueia os passos e a naturalidade. Sente-se mal, evita falar e escrever em público, a ir a reuniões sociais, a comer fora, a sair com outras pessoas. Quase não tem amizades.

 

Já na agorafobia, o indivíduo não tem medo das situações, mas de se sentir mal ao vivenciá-las, o que lhe desperta uma incontrolável ansiedade, com ou sem ataques de pânico. Em situação de stress, o coração dispara, a pressão descontrola, sente tonturas, perde o controle de si mesmo, pensa que vai enlouquecer ou até morrer. As crises repetem-se com frequência. Com o tempo, a pessoa passa a evitar os lugares onde se sente incomodada. Depois, não quer mais sair, tem medo de se sentir mal no cinema, ao caminhar, ao dirigir... .Tudo é motivo de stress. Há uma ansiedade antecipada para qualquer coisa que a tire da área de conforto, um sofrimento psíquico que a prende em casa e lhe rouba a qualidade de vida.

 

Em todas as formas de fobia há como ajudar o indivíduo. Seja com medicamentos anti-stress, nos momentos agudos, seja com terapias de apoio, técnicas de relaxamento, ou procedimentos psíquico-terapêuticos. O uso de métodos cognitivos, para entender e driblar o medo fóbico e de exercícios de enfrentamento das situações stressantes, onde se aprende técnicas associativas que confrontam a realidade e a fantasia, ensinam a raciocinar entorno da situação com visão crítica. O indivíduo aprende a avaliar o pensamento negativo e a formular em contrapartida outro mais real e provável. Tudo é uma questão de treinamento, paciência e persistência, em que se aprende no dia a dia a dominar o medo e a ansiedade doentia.

 

Uberaba, 25/01/2017

 

Maria Eduarda Fagundes

Maria Eduarda Fagundes

DEPOIS DO…

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ENCONTRO DE ESCRITORES

 

É verdade! Acabou o Encontro em Alcobaça.

As testemunhas saíram rapidamente, de fininho, e o organizador esperou que os monges aparecessem para “prestar contas” ao Dom Abade.

Este nada vira, ouvira ou sentira e estava extremamente curioso para saber o que se teria passado, tanto mais que as testemunhas tinham ido embora sem falarem com alguém.

No refeitório estavam as garrafas que sobraram – muitas delas vazias – uns quantos copos espalhados pelas diversas mesas, mas tudo arrumado, sem o menor sinal de qualquer distúrbio.

- Meu amigo, afinal o que se passou aqui, que ninguém viu a não ser as testemunhas à chegada? Não se ouviu um ruído, uma voz, nada?

- Dom Abade, a única coisa que lhe posso dizer é que nem eu nem qualquer das testemunhas tocou nessas garrafas! Mas quanto a contar-lhe o que se passou... impossível. Eu seria amarrado e mandado para um sanatório de loucos e, como pode imaginar é tudo quanto eu não quero!

- Nem em segredo de confissão?

- Nem assim, Dom Abade, também meu amigo. Gostaria que o senhor me dissesse se lhe devo alguma coisa, se notou algum estrago, enfim, quero sair daqui de consciência limpa.

- Não nos deve nada. Está tudo perfeito e isso ainda mais me intriga.

- Então, se me der licença gostaria de ir novamente até ao altar de São Pedro.

- À vontade. Já sabe o caminho.

- Muito obrigado por tudo. Quem sabe se um dia eu ainda lhe conte alguma coisa. Vou pensar nisso. E terá que ser em segredo de confissão e com um psicólogo ao lado para que me julguem louco!

A caminho do altar já foi ouvindo:

- E então gostaste do Encontro?

Olhou à sua volta, a Igreja vazia e reconheceu, no seu íntimo a voz de Simão Pedro.

Ajoelhou frente ao altar e respondeu sem abrir a boca:

- Querido São Pedro. Creio que jamais alguém terá tido um presente dos céus como este. Estou tão emocionado que tenho que ir repousar a cabeça. Mas antes vim dizer-vos só: Obrigado.

- Agora vou eu ver o que eles terão a me dizer! E, se tiver oportunidade, não deixarei de te transmitir.

- Obrigado. Muito obrigado.

Nem para casa foi. Precisava digerir tudo aquilo e precisava de solidão. No primeiro hotel que encontrou pediu um quarto sossegado, sem ruídos de rua e que lhe levassem algo para comer e uma garrafa de vinho.

Ele mesmo estava sem saber se aquilo a que tinha assistido fora real ou só um sonho, e se estaria ainda a sonhar.

O hotel deu-lhe um quarto no último andar, janelas de vidro duplo, e uma bela vista para o “seu” Mosteiro.

Feliz mas confuso – e com alguma fome! – começou por ir assinalando na lista que inicialmente tinha feito, para saber quem tinha estado presente.

Logo de entrada notou a falta de Gil Vicente! Porquê? Uma personagem tão importante! Estranho.

Ouviu então aquela voz, já sua conhecida:

- Gil Vicente continua melindrado porque teimam em não lhe reconhecer o mérito de ter feito, por suas mãos, aquele maravilhoso ostensório que está no Museu. Diz que se incomoda quando dizem que “se atribui a Gil Vicente” em vez de afirmarem diretamente que foi obra sua. Por isso não apareceu!

- E Fernão Mendes Pinto?

- O mesmo. Levaram séculos para lhe reconhecer o valor e a veracidade do que escreveu! E ainda se sente insultado quando por maledicência lhe chamavam o “Fernão Mentes? Minto!” querendo fazer graça que o ofendia.

- Duas jóias na nossa literatura! Se houver um próximo Encontro serão os primeiros a convidar.

Continuava a correr a lista e via que teria sido impossível que todos tivessem comparecido. O número dos que apareceram já daria para ali terem ficado até... até...

Só então reparou que uma grande quantidade deles estava anotada numa segunda folha! Talvez São Pedro tivesse, ele mesmo visto que seriam demais e não “olhou” para esta outra página.

Lá estavam, do Brasil, Machado de Assis, José de Alencar, Gonçalves Dias, Castro Alves, Monteiro Lobato, Euclides da Cunha, Raul Pompeia, Lima Barreto, Nelson Rodrigues, os poetas Mário de Andrade, Vinicius de Morais e Carlos Drummond de Andrade, os Inconfidentes Tomás António de Gonzaga que foi deportado para Moçambique, Gregório de Matos e Cláudio Manuel da Costa, e ainda mais uns tantos que o Brasil foi, e é, rico em artistas; de Angola, Uanhenga Xitu, Ferreira da Costa, Alexandre Lobato, Lucio Lara, e mais e mais, de Moçambique Noémia de Sousa (esteve em Beja !), Malangatana, Glória de Sant’Anna, Rui de Noronha, e de Portugal outra infinidade a começar por Santo António e seus Sermões,  João de Deus, Julio Diniz, Fialho de Almeida, Jaime Cortesão, Alves Redol, Teófilo Braga, Raul Brandão, Miguel Torga, o Dr. Adolfo Rocha, e... para que reler mais esta interminável lista?

Pensou:

- Quem sabe ainda organizarei outro Encontro. Mas para já vou ver se consigo “digerir” este!

Saboreava o ter visto, e ouvido, personagens quase míticas como Dom Diniz e seu avô Afonso X, Dom Pedro duque de Coimbra, parecia ouvir Bandarra a falar sobre as suas profecias que só se viriam a confirmar daqui a... um monte anos, entretanto os olhos iam-se fechando, começava a ver um céu estrelado e a ouvir Abraão Zacuto a mostrar-lhe as constelações e como poderia navegar, depois, com a voz sempre suave de Alda Lara, que lhe recitava um dos seus poemas. Adormeceu!

E continuou a sonhar. Sonhou com livros, com os autores e a ver uma miríade de leitores a quererem todos comprar as exíguas edições.

Tudo no seu sonho em vez de lhe dar descanso à cabeça, que continuava entre feliz e confusa, mais o confundiam.

Umas horas depois sossegou. Acordou tarde. Olhou em redor e procurava alguma coisa que não sabia o que era.

- Será que sonhei tanto tempo e com tantos escritores. E porquê estou a dormir neste hotel em frente ao Mosteiro da Batalha? Como posso ter a certeza que vi o grande Rei Dom Diniz e tantos escritores? Será que estou a ficar louco?

Viu a seu lado as listas dos “convidados” e pensou que teria sido uma “indigestão” literária que lhe tinha feito mal à cabeça. Mas outra lista, pequena tinha os nomes duns amigos, as testemunhas.

Chamou um deles pelo telefone. Atendeu a mulher.

- O Henrique ainda dorme. Chegou ontem muito perturbado e não quis falar sobre o que se tinha passado. De princípio até pensei que tinha sofrido um acidente, mas está muito bem de saúde. Mas a cabeça... está um pouco febril.

Chamou outro. A informação que recebeu não variou muito.

O terceiro, mais calmo atendeu.

- Manel, estou confuso. Queres-me dizer o que se passou ontem?

- Mais confuso estou eu e, como sabes, costumo ter um raciocínio calmo. Mas entre confuso e calmo estou maravilhado com o que vimos.

- Temos que nos encontrar. Hoje não, que eu estou demasiado baralhado. Amanhã, num lugar onde ninguém nos ouça.

- Antes de desligares: porque não convidaste os teus dois bisavôs? E o Saramago?

- Não me digas nada porque estou com medo de ter ficado avariado da cabeça. Amanhã com mais calma falaremos. Mas sobre o Saramago posso já adiantar-te que, para mim é persona non grata. Um cara que foi mau, vingativo, perseguiu os colegas do jornal, e por fim escreveu livros duma senilidade nojenta! Nem o São Pedro sabe por onde ele anda! Certamente em lugar mais quente do que nas Canárias!

Desceu do hotel, já tarde, cheio de fome. Pagou a conta e em vez de procurar o carro, foi andar um pouco. No Largo do Mosteiro encontrou um restaurante. Aspecto agradável. Sentou-se na esplanada, bem fronteiro ao Mosteiro, sem conseguir dele tirar os olhos. Pediu costeletas de carneiro,  e vinho bebeu do melhor que “A Casa” dispunha, uma garrafa de Ramisco da adega Regional de Colares, colheita de... Refez as forças.

Sem poder conduzir por ter bebido, andou algumas horas a pé à volta do Mosteiro.

Finalmente meteu-se no carro e foi embora.

Sem saber ao certo o que se tinha passado.

21/01/2017

Francisco Gomes de Amorim, 2016

Francisco Gomes de Amorim

DONALD TRUMP – 3

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Islão como factor de risco

 

A eleição de Trump alerta também para o facto do preço da abertura da Europa ter sido proveitoso para as elites que participam do poder e prejudicial para a camada social desprotegida, com mais concorrência e mais negação da própria cultura em favor da árabe: esta dá-nos petróleo e imigrantes em troca da expansão da sua religião. Trump tocou também este ponto sensível ao considerar o Islão como “potencial de risco” sem diferenciar entre Islão como ordem social e muitos muçulmanos que a nível individual distinguem entre poder religioso e poder secular.

 

Temos uma classe política europeia cúmplice, crítica em relação ao cristianismo, fraudulenta no que toca ao futuro da juventude e implementadora do Islão por razões económicas e estratégicas. Enigmático na política da UE, que se preocupa tanto com a defesa dos valores ocidentais permanece o facto de nunca um governo ocidental ter defendido os perseguidos cristãos nos países islâmicos e por outro lado os políticos virem para a praça pública dizer que o Islão pertence à nação e que o sistema dos países islâmicos e o terrorismo islâmico não têm nada a ver com o Islão. Em vez de se procurarem medidas para resolver os problemas de maneira equilibrada e bilateral, assiste-se também aqui a uma política semelhante à seguida nas dívidas soberanas que apenas se juntam e aumentam à custa da insegurança das gerações futuras. Nos USA há 5 milhões de muçulmanos, na Alemanha vivem 4,02 milhões.

 

Na hora dos mal comportados

 

Trump, tal como Costa em Portugal, conseguiu assumir ao governo embora o partido adversário tenha reunido mais votos (Clinton 61 milhões e Trump 60).

 

Nestas eleições reúnem-se os mal comportados: Trump que não respeita a classe dominante nem as minorias; Obama que vai contra a tradição fazendo um discurso de despedida contra o da tomada de posse de Trump e dirigido ao eleitorado dos democratas; na rua, vencidos revoltam-se contra vencedores como se não tivesse havido eleições; tudo isto parece dar vida à democracia que não quer ver todos os cidadãos reunidos debaixo das suas saias: ela vive da disputa de valores e interesses. Trump poder-se-ia vingar em parte do “estabelecimento político” que, há cinco anos, através de Obama, o humilhou publicamente. Tal atitude prejudicaria o restabelecimento da unidade nacional. Naturalmente Trump não governa sozinho; ele tem a seu lado instituições democráticas que o não deixam isolar-se.

 

Penso que o que está aqui em jogo é a volta dos nacionalismos e correspondentes proteccionismos dado também a política europeia das portas abertas ter falhado e ser um perigo para um continente dividido que não tem os mesmos pressupostos históricos nem a independência política que podem ter os EUA. Penso que a situação da esquerda e da direita é tão novelada em torno de um polo e do outro que, de momento, domina demasiadamente o medo e um espírito político carnavalesco.

 

Trump quer governar o mundo como se este pudesse ser governado tal como se gere uma empresa; neste sentido parece equacionar o mundo em termos de cálculo de custo e de utilidade (lucro). Por outro lado personaliza e privatiza a política conotando-a mais de povo. A um extremo seguido até agora segue-se talvez um outro, num movimento pendular de épocas, ideologias e tempos.

 

No reino das projecções e das sombras

 

A indignação exagerada ou uma fixação na crítica contra Trump ou contra outra personalidade pode ser indício de carácter fraco e correr o perigo de procurar e combater inconscientemente fora de si os defeitos que traz dentro de si e consequentemente vê-os (projecta-os) como sombras em Trump ou em alguém que odeia. Muitas das pessoas que odeiam deixam-se reduzir a meras portadoras de sombras. Exigem que os outros sejam exemplos de luz, portadores da luz que corresponde à sombra que não reconhecem em si mesmos. A América sempre serviu de espaço da sombra para a esquerda europeia e para os nacionalistas.

 

Este é um conceito de C.G. Jung que tudo o que não aceitamos (vícios) em nós, o oprimimos e banimos para as sombras que são o nosso inconsciente. Então inquieta-nos o que não queremos admitir em nós para o combatermos nos outros. Quando nos irritamos muito com algum defeito nos outros isso é um sinal de que esse defeito é algo que faz parte da nossa sombra invisível (combatemos fora os próprios defeitos oprimidos!).

 

No sentido do pensar positivo americano

 

Uma vantagem da América e da Rússia sobre a Europa na qualidade de povo e nação vem do facto de darem importância à religião cristã como factor de substrato nacional e de identificação. Trump é um aviso à esquerda materialista dominante na sociedade para que se torne mais humilde e não tão determinante e poder-se-ia tornar também num apelo aos americanos de cima para que se comportem de modo responsável para com os de baixo.

 

Concedamos-lhe 100 dias para governar e então saberemos mais! De resto, até agora, pelo que pude observar, Trump tem a vantagem de ser um homem igual a si mesmo! Quanto ao resto, os factos o dirão.

 

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 António da Cunha Duarte Justo

 

DONALD TRUMP - 2

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Trump quer poupar na Nato para investir nas infraestruturas

 

Trump quer restringir a política externa e o planeamento militar e para isso reduzir os lugares de inserção  e operações militares. Os EUA gastam com a defesa 600 mil milhões de dólares por ano (tanto como a China, a Rússia, o Reino Unido e a França juntos) e têm um exército com 1,5 milhões de empregados. A tesoura entre ricos e pobres é maior que noutros países industriais. O topo da população americana (0,1%) ganha em média seis milhões de euros por ano, enquanto 90% da população ganha em média apenas 33.000 dólares por ano. A expectativa de vida dos norte-americanos desceu há dois anos de 78,9 anos para 78,8. Vinte e nove milhões de norte-americanos não têm seguro de saúde; as infraestruturas do estado, estradas e electricidade, são piores que as europeias.

 

Enquanto os gastos com a NATO em 2016 corresponderam a 3,61% do PIB dos EUA, na Alemanha corresponderam a 1,19%, na França a 1,78% e no Reino Unido a 2,21%. O objectivo da NATO combinado em 2002 para os seus membros tinha sido 2%.

 

Só a aragem de Trump talvez obrigue a Europa a unir-se e a estender a mão à Rússia, seu natural e vocacionado vizinho, se não quiser perder-se em gastos imensos de armamento.

 

Uma elite do poder renitente

 

O medo do terror dependurado no pescoço americano (desde11.11.2001) legitima o governo a tornar-se mais autoritário. Na Turquia que, se encontra perto e dentro da Europa, o fascismo e a ditadura afirmam-se sem manifestações públicas nem medidas da UE que considerem isso perigoso embora 60% dos turcos na Alemanha apoiem Erdogan.

 

O poder estabelecido treme já só em ouvir o soar da trompeta de Trump. Há muito a perder de um lado e talvez algo a ganhar do outro. Em democracia os interesses revezam-se no poder e, como a sociedade está dividida, reveza-se também na dor. Muitos cidadãos não se se dão bem com a bipolaridade da realidade colocando a verdade num só polo esquecendo que partido é parte e, como tal, representa apenas uma parte da verdade e dos interesses populacionais.

 

Independentemente dos Erros de Trump, é triste o facto de uma Europa com uma consciência política semelhante à das elites do partido democrático americano não se aproveitar da lição da eleição de Trump para se virar para o povo e analisar o que realmente faz de mal.

 

Do nosso lado temos a soberana dívida, o Brexit que questiona a UE e a que se soma uma taxa de desmprego nos paíse europeus horrenda de desemprego (de 23,1% a 7,6%: média europeia 9,8%),  um capitalismo feroz que tomou conta da política e a crise dos refugiados.

 

Uma Europa aberta mas de patriotismo envergonhado e pródiga em relação ao esbanjamento de interesses económicos arma-se em tribunal da sociedade americana dividida que agora vê ganhar a parte instável em Trump. Em vez de análise da situação ouve-se por todo o lado uma indignação arrogante de uma opinião pública massificada que se arroga o direito do monopólio da interpretação, como se em democracia só tivesse uma facção razão e a verdade fosse determinada pelo barulho da rua ou dos Média. Trump não gosta dos jornalistas e os jornalistas não gostam dele. O poeta e dramaturgo Bertold Brecht (1898-1956) alertava para a cegueira do quotidiano e da opinião pública publicada dizendo: ”Não aceitem o habitual como coisa natural, pois em tempos de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural. Nada deve parecer impossível de mudar”.

 

Talvez o exagero de Trump ajude a Europa a mais realismo e, com o tempo, a menos ideologia política de modo a poder voltar à Europa a política económica social de mercado e o respeito pelos interesses da sua população desprotegida ou mantida à mão da esmola do Estado. Esta, estruturalmente desdignificada e desonrada, cada vez se sente mais como peso morto num Estado sem sol para ela e que lhe não oferece perspectivas.

 

(continua)

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António da Cunha Duarte Justo

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UM INCÓMODO PARA A ESQUERDA E

UMA INSEGURANÇA PARA A DIREITA

 

Trump mete medo às elites do poder favorecidas pela unidade de opinião

 

São mais as vozes que as nozes! O discurso de Trump abriu-nos uma panorâmica a preto e branco! Assistimos ao irromper de uma era histórica da privatização e emocionalização da política e ao bulevardismo do poder mediático.

 

O que está em jogo?

 

Trump manifestou-se contra as elites que vivem encostadas ao Estado, quer iniciar o proteccionismo económico e assim opor-se principalmente à concorrência chinesa, não pretende a guerra fria com a Rússia, quer responsabilizar mais os membros da Nato, quer destruir as bases do “Estado Islâmico „na Síria e no Iraque, põe em questão a causa das alterações climáticas, é contra a imigração ilegal, considera o Islão como “potencial de risco” querendo proibir a imigração de muçulmanos, é também contra o aborto e contra o casamento homossexual que hoje são legais nos EUA.

 

De momento encontram-se dois poderes em luta na opinião pública: a dos que defendem os interesses do estabelecimento político e a dos que alegam a defesa do povo mais precário ou em derrocada: num extremo os que vivem melhor da ideologia e no outro os que vivem pior do trabalho.

 

Contra uma cultura da abertura que favorece as culturas fechadas

 

Os EUA são de todos: de republicanos e de democratas; a Europa é de todos: de conservadores e de progressistas, de religiosos e ateus; neste contexto é óbvia a moderação e o equilíbrio e o reconhecimento da intercultura provocada pela imigração que vai mudando o rosto americano.

 

O trunfo Trump assusta principalmente as elites que vivem em torno do poder estabelecido habituado à unidade de opinião pública de timbre vermelho e numa política do continue-se assim! Uma grande parte da população na América e na Europa não têm nada a perder, pelo que, qualquer experimentação no palco da política não a levará a pior.

 

Os apoiantes de Trump, tal como parte do povo europeu, contesta a prática política de uma cultura aberta desenfreada que tem beneficiado a afirmação das culturas fechadas (privilegiando mesmo a formação de guetos com mais força de organização e afirmação do que o povo precário nativo) e consequentemente o ressurgir do proteccionismo e do nacionalismo. A Europa tem fomentado a abertura da própria cultura e a formação de guetos cerrados no seu meio: uma contradição!

 

Esta onda irrita de sobremaneira uma certa elite do poder europeu que tinha apostado na desestabilização económica da classe média e da própria cultura em favor da globalização e do rejuvenescimento social através da imigração e da afirmação do islão, mais adequado à execução da sua ideologia e interesses.

 

Compromisso: Primeiro América e os americanos

 

O aparecimento súbito de um homem representante de valores machistas a dizer “Primeiro América e os americanosdesperta esperanças naquela parte da população que se sente há muito como alma penada da nação e como tal a sapata de um regime político que a leva a julgar-se estrangeira no próprio país. Segundo a revista Forbes nos últimos quarenta anos os salários dos gestores cresceu mil por cento e o dos trabalhadores onze por cento.

 

A vitalidade das nações pode medir-se pelo crescimento sustentável do seu pib (produto interno bruto). O crescimento do pib previsto para este ano nos USA é de 1,5% e na China é de 6,6 %. Isto mete medo a Trum que quer manter de maneira sustentável a economia norte-americana à frente do mundo sem pensar que os outros países também trabalham no seu sentido. Em 2016 o pib americano foi de 17,9 biliões de dólares e o PIB da China foi de 10,9 biliões.

 

Nesta perspectiva a América não é Europa e a Nato também não; esta mensagem de Trump, aliada à intenção de proteccionismo económico, mete medo a uma UE habituada a viver encostada aos EUA e que se abriu tanto em nome do capitalismo e do socialismo liberal que se encontra mergulhada em problemas sem fim.

 

O proteccionismo da economia nacional e a introdução de direitos comerciais aduaneiros significaria  o fim da globalização e prejudicaria sobretudo nações exportadoras como a Alemanha que são beneficiadas pela globalização.

 

(continua)

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António da Cunha Duarte Justo

ENCONTROS DE ESCRITORES

 

 

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Foi James Joyce que me sugeriu a busca da epifania das coisas e dos lugares. No sentido filosófico e não propriamente no transcendental mas, de facto, não sou capaz de deixar de imaginar as pessoas que estiveram ligadas a essas coisas e a esses lugares conferindo-lhes a essência que sempre procuro pelo que, mesmo sem um esforço especial, me chego relativamente perto da transcendência sem, contudo, lhe tocar. É claro que não chamo os espíritos sobre uma mesa de pé de galo nem dou a mão a xamãs; limito-me a imaginar as pessoas que por ali andaram e se mais houver, não é para aqui chamado. E com esta imaginação, tudo ganha uma expressão muito especial. Eis a busca do significado que tantos escritores tentam; alguns, em vão. Sugiro a quem me lê que faça esse tipo de exercício mental que, por enquanto, não paga imposto.

 

Compreende-se, assim, o entusiasmo com que correspondi ao desafio que o Francisco me lançou para testemunhar os seus «encontros» e para eu próprio contar o que nesse âmbito me aprouvesse. Sobre as descrições que o Francisco nos trouxe, posso dizer algo; sobre as descrições dos meus «encontros», outros que opinem.

 

Transcendências e seus rituais postos de parte ab initio, trouxe-nos o Francisco uma encenação de grande efeito pois foi escolher um local por onde passaram muitas histórias - tantas que será por certo impossível descrevê-las exaustivamente. Mais: esse local foi conhecido de quase todos os escritores (se não mesmo de todos) por ele convidados pelo que, directa ou indirectamente, explícita ou implicitamente, formatou a cultura de todos os invocados. Ou seja, o refeitório dos frades do Mosteiro de Alcobaça sendo, por definição, um marco inultrapassável da nossa Cultura, é cenário natural a todos os invocados que pertencem – uns mais militantemente do que outros - à esfera da lusofonia e não obrigatoriamente à da lusofilia.

 

Mas o Francisco, elegante como sabemos, foi buscá-los à lusofonia e «deixou para lá» essa questão mais diáfana que é a lusofilia. Eu próprio o fiz nos meus escritos mas, dentre os que foram menos afáveis para connosco, portugueses de Portugal, só invoquei aquelas duas Senhoras que, na aflição, nos procuraram e nos deram tudo o que tinham: a vida1.

 

A vastíssima cultura do Francisco sobra em relação ao espaço que decidiu conceder aos seus escritos. Poderia continuar, não sei até onde… A sua arte literária permitiu-lhe tecer diálogos interessantíssimos que a todos nos deu asas à imaginação e que, também eles, poderiam continuar por aí além…

 

A propósito dos diálogos entre escritores que viveram temporalmente tão longe uns dos outros, lembrei-me da Rainha de Sabá e do Rei Salomão2 que talvez nunca se tenham encontrado e que, mesmo assim, conseguiram fazer um filho, o primeiro Imperador da Etiópia. Mas como a fé não se discute, fiquemos assim.

 

Resta-me uma questão final: como é que uma Cultura tão policromada como a Lusíada em que ainda hoje, neste início do séc. XXI, proliferam hostes de analfabetos, tem conseguido produzir tantos escritores e poetas? E são tantos que nem conseguimos listá-los sem grandes omissões. Ensaio uma resposta bastamente discutível: é muito mais fácil romancear e versejar do que mourejar.

 

Salvo melhores opiniões.

 

Grande abraço ao Francisco e que continue…

 

Janeiro de 2017

Henrique Salles da Fonseca

Henrique Salles da Fonseca

1- Noémia de Sousa veio morrer a Cascais; Alda Lara veio cá tentar tudo para se salvar mas acabou por morrer em Angola.

2Salomão morreu em 931 a. C.; na tradição cristã, a rainha de Sabá é uma figura metafórica.

ENCONTRO DE ESCRITORES - 7 -

 

Refeitório dos frades, Alcobaça.jpg

 

Última “Notícia” de Alcobaça

 

Recordam-se vocês do bom tempo d’outrora,

Dum tempo que não volta mais

Quando íamos a rir pela existência fora

Alegres como em Junho os bandos de pardais?

 

- Esta quadra de Guerra Junqueiro, fez-me voltar aos tempos de Coimbra onde começavam, um pouco a medo, a chegar alguns conhecimentos sobre a história dos territórios do ultramar e do longínquo Japão de Wenceslau de Morais. Talvez se tivesse iniciado com Cadornega, Elias Alexandrino da Silva Correa, seguidos de outros, como António Enes, Mouzinho, Brito Camacho e por aí vai. Eu, insular, plantado quase a meio caminho entre a Europa e África não podia ficar indiferente. Bem mais tarde apareceram Castro Soromenho, Ralph Delgado, Alda Lara, Agostinho Neto, sobre Angola, Jorge Barbosa de Cabo Verde, Amilcar Cabral da Guiné, José Craveirinha de Moçambique e tantos outros que ficaria aqui a enumerá-los o resto do tempo que nos concederam.

Com sua barba hirsuta, branca, ar triste e cansado Wenceslau de Morais limita-se a dizer:

Wenceslau de Moraes.png

 

- Tokushima! Tokushima! E minhas amadas Ko-Haru e Ó-Yoné. Vivo agora com elas eternamente!

Cadornega, que sorrateiramente foi para Angola com 16 anos, para evitar a fúria da malfadada Inquisição:

- Vitorino! Não imaginas como foram complicados e difíceis aqueles primeiros anos em Angola! Enfrentar as sempre falsas populações do interior com quem queríamos simplesmente comerciar e levar a palavra de Cristo, lutar contra um clima insalubre e ainda ter que enfrentar os hereges holandeses! Não sei como consegui resistir tantos anos. E as guerras, sempre insanas, de parte a parte.

- Cadornega! Eu que nasci “americano-português” na Ilha de Santa Catarina, no Brasil também vivi uns largos anos em Angola e deixei escrito o que lá vi e aprendi. Mas pouca gente sabe disso e pouca importância dão. Fui depois, cansado, acabar os meus dias na minha terra, mas sempre com uma estranha saudade de África!

- Como se admirar por isso, meu caro Elias Alexandrino? Vocês devem saber que eu, jornalista, acabei por ser “obrigado” a ir para Moçambique, com a finalidade de pôr ordem no caos que por lá se vivia. Por um lado os nativos e, pior, os ingleses que nos queriam correr da Delagoa Bay, fornecendo armamento aos zulus para que eles corressem com os portugueses. Valeram-me aqueles homens da fibra dos que sempre fizeram história na nossa terra: Paiva Couceiro, Mouzinho, Ayres d’Ornelas, Caldas Xavier, Azevedo Coutinho e muitos outros. Pacificou-se – não totalmente – o país que pôde começar a progredir e demos definitivamente o recado aos gulosos ingleses!

- António Enes! Antes dessas lutas e acordos de pacificação já nós, na companhia de Brito Capelo e Serpa Pinto, tínhamos corrido, a pé, a maioria do interior africano, ligando Angola a Moçambique. Tivémos nossas desavenças, o que considerámos normal, mas desbravámos parte dum mundo desconhecido da Europa. Hoje, se pudesse, repetiria a façanha!

- Queria ver hoje alguém repetir esse feito, Roberto Ivens.

Oliveira Martins, que pairava “guloso” entre tantos grupos sobre quem ele havia estudado e escrito, desde D. João I a Camões e às epopeias marítimas, ouvia entusiasmado os “africanos”. Pensava em Bernardo de Brito e suas Histórias Trágico Marítimas, nos trabalhos vividos por quem se aventurou por esses mares nunca dantes navegados, e cochichou com Joaquim Pedro Celestino Soares:

- Não acabaram as aventuras do mar no tempo das descobertas. Mas o teu livro “Quadros Navais” continuou a mostrar a valentia e determinação dos nossos marinheiros.

- Agora não há mais perigo, porque o Portugal glorioso e orgulhoso das suas marinhas, desde o grande rei Diniz, hoje quase nem barquinhos de pescadores tem. Tenho ouvido, que ainda há um português, vivo, que constantemente luta contra essa vergonha marítima e ninguém o ouve! Que tristeza.

- Eram simpáticas, sim as viagens de navio entre Portugal e Ultramar. E tempo houve em que as relações entre as populações nativas e os portugueses eram fáceis e agradáveis. Mas depois do Tratado de Berlim tudo se complicou. Apesar disso manteve-se uma união que poderia ter sido mais um caminho para a concretização do 5º Império, como tão bem, ultimamente frisou Agostinho da Silva. Até eu que fui estudar para Portugal, porque era um pouco “a nossa terra”, acabei perseguido por tentar valorizar os povos da minha terra, e fui obrigado a pegar em armas contra um governo cego, covarde e mudo.

- Antes de ti, Agostinho Neto, comecei eu também a ficar mal visto por ter escrito o que vi e vivi em Angola e tive também de ir embora, para onde não me incomodassem. Infelizmente não tive o prazer de assistir à Independência dessa terra para onde fui acabado de nascer.

- Soromenho, até hoje o teu nome é respeitado. Tu foste um percursor da literatura “de dentro para fora”! Cantaste a triste vida do angolano pobre, como era maltratado, e isso desagradou às governanças, mas fez escola. Eu chorei a vida triste dos segregados. Nasci em Benguela, uma cidade com convívio especial mas, ainda assim com imensas desigualdades. Tentei lutar com a minha poesia. “E apesar de tudo, Ainda sou a mesma! Livre e esguia, filha eterna de quanta rebeldia me sagrou. Mãe-África!” Usando até metáforas para chamar a atenção, como “À prostituta mais nova Do bairro mais velho e escuro, Deixo os meus brincos, lavrados Em cristal, límpido e puro...”

- Alda! Alda! Como chorámos, todos, quando nos deixaste. Não havia uma só boca, independente da cor de suas peles que não cantasse os teus poemas, muitos deles a quem entretanto corriam lágrimas pela cara! Não só pela beleza da poesia como pela consciência da mensagem que transmitia.

- Meu irmão! Talvez o maior sonhador que Angola terá conhecido! O Antero de Quental de Benguela dos quintalões, sempre à procura daquilo que só encontramos quando deixamos a nossa carne entregue à Terra que nos viu nascer. Em todos os que conheceste deixaste um amigo, um admirador e... até um quanto de inveja em cada um deles por te verem alegre e triste, descontraído e preocupado mas sempre com uma palavra de esperança para todos.

- Eu que o diga, que te conheci bem, bebi dos teus pensamentos, do grande Tomaz Vieira da Cruz, aprendi a conhecer o Sul de Angola com os trabalhos do Padre Carlos Estermann, saboreei os contos do humilde Oscar Ribas, e entusiasmei-me completamente com uma simples “ordem” do Rui de Noronha que lá de Moçambique nos deu o caminho: “África, surge et ambula”! E quanto mais me entusiasmava mais me perseguiam e acabei, com a “ordem existente”, por perder alguns amigos, como o José Luandino que passou quase treze anos atrás das grades! Foi quando aproveitou para escrever. E que bem escreveu! Ganhou um duplo prémio! O Prémio da Melhor Novela, pelo livro Luuanda, que lhe atribuiu a Sociedade Portuguesa de Escritores, em 1965, quando estava preso, e o gozo que lhe terá dado ver que esse prémio provocou um tremendo pavor e confusão no covarde governo que até, tão ridiculamente, proibiu que os jornais divulgassem o prémio ganho por um presidiário!

- Tão caricata a atuação do Governo que logo extinguiu essa Sociedade de Autores. Lembras bem disso, com certeza, Mário de Andrade! Eu sempre tive presente um pequeno poema do cabo-verdiano Jorge Barbosa que, sobretudo nos Estados Unidos continua a ser como notícia, revoltante:

Jorge Barbosa.png

Ocorrência em Birmingham

 

John

De Birmingham, Alabama, USA

Entrou na tabacaria.

Foi insultado

Soqueado

Expulso.

Na rua

O polícia

Espancou

Derrubou

Cuspiu

Prendeu o desordeiro.

Negro safado!

 

Coisas parecidas presenciei, sempre que um idiota se julgava superior. Fui para Lisboa onde estudei agronomia, e o que é curioso é que lá me dava bem como todos os colegas. Quando regressei à Guiné é que vi que não podíamos continuar a ser assim tratados.

- Amilcar Cabral, foste um exemplo, e sempre admirado. Malditos para sempre os que te mataram fazendo crer que foram os portugueses. Bem dizias tu: “Se alguém me há de fazer mal, é quem está aqui entre nós”. Apesar de estares a comandar a luta armada, a tua morte, em Portugal foi sentida.

- Hoje, lá onde estamos não há amigos ou inimigos, mas deixa-me tratar-me por amigo, José Craveirinha. Tu, filho dum humilde e bom português que sempre foi um simples operário em Moçambique, que “nasceste a primeira vez em 28 de Maio de 1922 entre o Alto Maé e como quem vai para o Xipamanine. Num bairro de pobres”, e que lutaste entre duas pátrias, pai e mãe que sempre se amaram, e assim desde cedo viste que a cor da pele só encobre os corações. Com razão és conhecido como o maior poeta de Moçambique.

- Contigo aprendi a amar ainda mais este país, e do mesmo modo sem conseguir conviver em paz entre o novo Moçambique e o velho Portugal.

- O mesmo comigo Rui Knopfli. Nasci no velho Portugal, saí de lá menino, voltei para cursar Belas Artes. Mas logo regressei a Angola que já considerava a minha terra. Não creio que alguém possa passar incólume por África. A paixão pelas belezas naturais, sobretudo pelo seu povo, amável, bonito, acolhedor. Senti-o e vivi essa paixão em Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné e São Tomé e até Brasil, pela pintura e pela poesia. Eu, que no fundo não era mais do que um pintor, me atrevi com a poesia, inspirado em tantos amigos, alguns dos quais não tive oportunidade de conhecer, mas que lia com avidez.

Entretanto São Pedro fazia chegar aos ouvidos do organizador do Encontro que era preciso desocupar o refeitório. Estava quase na hora dos monges irem tomar a sua primeira refeição da manhã, e não podiam descobrir aquela “festa”.

Há muito, uns quantos convidados já se haviam retirado, a começar pelo velho Rei Afonso X. A animação agora estava em África, e pelas caras de todos via-se que ficariam ali... eternamente.

Neves e Sousa, “ouviu” também o chamado de São Pedro e pediu para terminar o Encontro, que considerou uma das grandes dádivas do Céu, com dois pequenos poemas que o levavam, como a todos os outros a se embalaram na música suave dos povos de África.

- Deixem-me terminar este nosso fantástico Encontro com uns pequenos poemas a começar por este do Grande Tomaz Vieira da Cruz, que até música tem:

 

TVC-Quissange.png

 

Quissange - Saudade Negra

Não sei, por estas noites tropicais,

O que me encanta...

Se é o luar que canta

Ou a floresta aos ais.

Não sei, não sei, aqui neste sertão

De música dolorosa

Qual é a voz que chora

E chega ao coração...

Qual o som que aflora

Dos lábios da noite misteriosa!

Sei apenas, e isso é que importa,

Que a tua voz, dolente e quase morta,

Já mal a escuto, por andar ausente,

Já mal escuto a tua voz dolente...

Dolente, a tua voz "luena",

Lá do distante Moxico,

Que disponho e crucifico

Nesta amargura morena...

Que é o destino selvagem

Duma canção em que tange,

Por entre a floresta virgem

O meu saudoso "Quissange".

Quissange, fatalidade

Deste meu triste destino...

Quissange, negra saudade

Do teu olhar diamantino.

Quissange, lira gentia,

Cantando o sol e o luar,

E chorando a nostalgia

Do sertão, por sobre o mar.

Indo mares fora, mares bravos,

Em noite primaveril

Acompanhando os escravos

Que morreram no Brasil.

Não sei, não sei,

Neste Verão infinito,

A razão de tanto grito...

-Se és tu, oh morte, morrei!

Mas deixa a vida que tange,

Exaltando as amarguras,

E as mais tristes desventuras

Do meu amado Quissange!

 

E da nossa África negra, que procurámos cantar e pintar, uma saudação de Mário de Andrade:

Mári Pinto de Andrade.jpg

 

Minha avó negra, de panos escuros

Da cor do carvão

Minha avó negra, de panos escuros

Que nunca mais deixou.

Andas de luto.

Toda é tristeza

 

De repente o refeitório ficou vazio!

 

18/01/2017

Francisco Gomes de Amorim, 1954

Francisco Gomes de Amorim

FUGA OU SALVAÇÃO DO ESTADO?

 

D. João VI

 

 

Na Escola, nem sempre foi essa a interpretação. Na década de 60 do século passado, aprendi que o Príncipe Regente, D. João, era um fraco comilão de frango que fugiu covardemente para o Brasil quando Portugal foi invadido pelas tropas de Napoleão Bonaparte. Só que a História contada, pela maneira que interessava, não explicava qual era o contexto político europeu naquela ocasião... Fuga simplesmente ou estratégia para escapar das forças militares francesas, que já tinham submetido boa parte das nações da Europa? Este texto de Miguel Castelo-Branco dá seu ponto de vista.

 

Nota curiosa:

Segundo o relato do despacho do almirante inglês Sidney Smith, a 29 de Novembro de 1807, enquanto a esquadra se afastava no horizonte, levando rumo ao Brasil a Coroa Portuguesa, em terra, a força francesa, que acabara de invadir Lisboa, se apinhava nos morros para contemplar impotente e raivosa a escapada da sua presa mais cobiçada!. (pg 54 D. João VI no Brasil)


Não foi fuga, foi a salvação do Estado

 

Mais de 200 anos decorridos sobre a invasão franco-espanhola, ainda se discute a conveniência ou o acerto da transferência do governo e corte para o Brasil, apodando-a muitos – os mesmos de sempre – como fuga. Não se foge quando a bordo da quase totalidade esquadra real parte o governo em peso, a rainha e o Regente com a família, o tesouro do Estado, a biblioteca real (que ficou para sempre no Rio de Janeiro), documentos e bens de toda a espécie.

 

Acompanhada por muitas dezenas de navios de comércio, a esquadra de guerra furtou-se à sua utilização por Napoleão. O Príncipe Regente e a família, símbolos da soberania, não vão negociar nem se espoliar aos pés do Corso. Chegado ao Rio, o soberano tem como primeira medida declarar guerra à França, guerra esta que se prolongará até à entrada do exército português em Toulouse (1814). Em toda a Europa, o ditador coroado Napoleão I tinha manipulado, ofendido e humilhado os soberanos e as nações. Retalhara impérios seculares, criara novos Estados à medida dos seus interesses e da sua família. Espezinhara direitos adquiridos e violara todas as regras da diplomacia, levando Talleyrand a pronunciar a célebre frase …”o que é excessivo torna-se insignificante”…

 

Bonaparte estabeleceu uma tirania em todo o continente, impondo pautas aduaneiras abusivas, saqueando recursos dos países ocupados e estabelecendo a desigualdade como base de consolidação da França imperial. A política de destruição e de saque, acompanhada por todo o tipo de atrocidades sobre as populações era o quadro geral que se oferecia. Contudo, sempre houve quem entendesse ir ao encontro do invasor, procurando o entendimento possível que permitisse o exercício de um qualquer tipo de poder, por muito ilusório que fosse. Assim aconteceu com a deputação enviada à pressa a Baiona, prestando vassalagem ao conquistador que já tinha como refém o sogro do Príncipe Regente, o rei Carlos IV de Espanha. Cedendo e negociando, a Espanha sujeitou-se a todas as arbitrariedades inimagináveis, tendo mesmo que suportar a colocação no trono de José Bonaparte, arvorado em simples Maire de Madrid com o pomposo título de rei da Espanha e das Índias.

 

Numa época em que a honra ainda contava no âmbito das relações internacionais, o futuro D. João VI poupou-nos a tudo isto. No memorial de Santa Helena, Bonaparte acabou por reconhecer o fracasso da sua política no ocidente europeu, quando viu frustrado o seu projecto de capitulação portuguesa.

 

Nada surpreendente é a posição da generalidade dos académicos brasileiros, que julgam esta transferência da corte e governo de uma forma absolutamente positiva. Não se encontrando comprometidos com os interesses e “legitimações” dos regimes que têm vigorado em Lisboa, estabelecem a partida da família real como um marco imprescindível para a compreensão dos acontecimentos que, tendo garantido a sobrevivência de um Portugal independente, conduziram também à pacífica independência do Brasil.

Miguel Castelo-Branco

 

PS: A quem interessar, o livro D. João VI no Brasil de Oliveira Lima (escritor e diplomata recifense), um dos maiores estudiosos de D. João, mostra parte dessa história!

 

Maria Eduarda Fagundes

Maria Eduarda Fagundes

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