2017 – O ANO DE TODOS OS RISCOS
Em 2017, imperando a demagogia, a incerteza, temores reais ou infundados, resultados de referendos vários, eleições nos membros fundadores da euro-zona (e da UE), uma América em redefinição, um Médio Oriente instável e um vento árduo que sopra nas planícies de Leste, o que é que ainda sobra? |
Em suma, 2017 vai ser, muito provavelmente, um ano para esquecer, em termos de êxitos ou, quiçá, pelo contrário, para recordar, passe o paradoxo, em termos de insucessos. Por um lado, a demagogia e o populismo, no sentido latino-americano do termo, crescem um pouco por toda a parte como se viu, recentemente, nas eleições austríacas e no referendo italiano, a meu ver e salvo melhor opinião, dos dois lados da barricada. Por outro, com eleições, por ora incertas, nos 4 Estados da Eurozona e fundadores da UE (França, Itália, Holanda e Alemanha), em que tudo pode acontecer, com um Brexit, ainda mal delineado, o destino da Europa pode estar traçado, ou, talvez, mesmo, riscado. Por outro, ainda, com a imprevisibilidade real do futuro rumo político norte-americano, com um Magrebe e Médio Oriente instáveis, em que os refugiados pesam cada vez mais nas sociedades europeias, para já não falar nos ventos temíveis que sopram de Leste, vamos entrar num ano de mil ameaças.
Via referendária, via suicidária?
A via referendária, exemplo tido por perfeito da democracia directa fazendo jus ao estafado lema: “o Povo é quem mais ordena,” foi a opção (suicidária, acrescentaria eu) escolhida pelo Reino Unido e pela Itália para resolver problemas bicudos que o Povão não tem, à partida, capacidade para compreender e menos ainda de solucionar. Não, não estamos a passar um atestado de menoridade ao eleitorado, mas são questões de tal forma complexas, que não se desfazem com um simples “sim” ou “não”. São verdadeiros nós górdios à espera da espada de Alexandre Magno. Todavia foi tudo posto em jogo por Cameron e por Renzi, com demagogia q.b. (sim, com demagogia, sublinho o termo). Vou simplificar de modo grosseiro: existem estrangeiros oriundos da UE a mais no RU, pois sai-se da UE e corre-se com eles – problema resolvido; o comércio com o continente logo se vê. É o capítulo seguinte. Em Itália, o Senado e as regiões têm demasiado poder dêem-se mais poderes à Câmara baixa e ao Governo central e acaba-se com essa história. Fazer compreender ao eleitorado, apesar de algo rudes e incompletas, estas subtilezas políticas, cuja complexidade é manifesta, obrigam-no ou a abster-se ou a votar, não no que está realmente em causa, mas num voto-sanção ou num voto-apoio em quem está, quer estar ou se aproxima do Poder.
Eleições: o establishment, o anti-establishment e a possível implosão
Depois temos um calendário eleitoral que juntamente com a via referendária terá a capacidade real de fazer implodir a UE, eleições em 4 estados-membros fundadores da União, com resultados muito incertos: Alemanha, França, Holanda e Itália (aqui em função do referendo perdido por Renzi).
Mas vamos lá por partes, interessa analisar um pouco o porquê das coisas:
Antes do mais, as elites europeias, à semelhança, aliás, das norte-americanas, não escutaram (nem escutam) as mensagens dos respectivos eleitorados, o mesmo se aplica aos media convencionais de consumo corrente (TV, jornais, rádio) que se dessintonizaram do povo comum, das suas aspirações e anseios e se identificaram com as elites, à esquerda e à direita, ou se se quiser ao centro-direita e ao centro esquerda – os chamados “centrões”. Todavia, o homem da rua não se sente representado nas elites, nem nos “mass media”. Donald Trump parece ter sido o balde de água fria que fez acordar alguns, por ora, nem todos, nos EUA. O recurso preferencial às redes sociais (Facebook, Instagram, Twitter, You Tube, blogs, jornais digitais, etc.) com notícias verdadeiras ou falsas, reais ou inventadas, começam a ser os meios preferidos de comunicação de massas que envolvem riscos, mas em que se chuta para a frente e os objectivos são atingidos. Desde há muito que o Estado Islâmico se apercebeu disso. O Ocidente, como é hábito, nestas coisas, acorda tarde e a más horas.
Ninguém se apercebeu que a globalização nunca foi uma situação “win-win”, como nos quiseram sempre vender. Com efeito, abriu mercados e trouxe benefícios a alguns países do 3º Mundo e a outros do 1º, mas, sobretudo, às elites, ao tal 1% de ricos. Rezam as estatísticas que, por exemplo, nos EUA, houve quebras salariais nas camadas mais pobres da ordem dos 90%. As deslocalizações são um facto indesmentível e, hoje, irreversível. Quando a indústria automóvel abandona Flint, Michigan para se instalar no México; ou os computadores concebidos em Silicon Valley mas “made in China” invadem os mercados; quando os pequenos agricultores se sentem ameaçados pelas produções mexicanas, há algo que está mal. Argumenta-se, optimisticamente, com o baixo nível de desemprego. Certo. Mas uma coisa era um trabalhador da indústria siderúrgica da Pennsylvania ganhar USD 60.000/ano e, depois da empresa fechar, ir trabalhar como caixa no supermercado “Walmart” e levar para casa 20.000, se é que lá chega.
Nesta matéria, a velha Europa corre o risco de colapsar a não ser que a riqueza seja distribuída mais equitativamente (vejam-se as desigualdades de rendimento per capita, por exemplo, no RU, em Espanha e em Portugal) e que os trabalhadores beneficiem de algum tipo de salvaguarda que os proteja dos efeitos colaterais da globalização. Caso contrário, toda a classe política começa, de uma forma ou de outra, a reivindicar o proteccionismo.
Se o sistema é isto, se o “establishment” político-partidário nos conduz a estas situações como não ser anti-sistema, como não ser anti-establishment?
A Itália como exemplo, mas não só
A situação em Itália merece um momento de atenção. Por um lado, trata-se de uma revolta contra a UE, máxime contra a Alemanha, em que Roma quer uma devolução de poderes por parte de Bruxelas e diz claramente não ao “diktat” financeiro de Berlim. Por outro lado, ao seguir presumivelmente para eleições, a Itália pode ver-se num imbróglio monumental com as formações anti-sistema a puxarem cada uma para o seu lado (o Movimento 5 Estrelas de Beppe Grillo, a Forza Itália, a Lega Nord, etc.). Uma coisa é certa: o sentimento nacionalista ou ultra-nacionalista veio para ficar. Se chegará ou não ao Poder é o que vamos ver.
Na Áustria, o candidato da ultra-direita (FPÖ), Norbert Hofer, atinge os 46,4% contra 53,6% do vencedor, Alexander van der Bellen. O sinal é claro. Quase metade do eleitorado vota nas forças anti-sistema e contra as políticas do centrão local.
Os países do grupo de Visegrado (Chéquia, Eslováquia, Hungria e Polónia) situam-se todos eles à direita do espectro político, reivindicando invariavelmente posições nacionalistas, quando não claramente anti-UE, desde Viktor Órban na Hungria ao Partido Lei e Justiça na Polónia.
E a França, quase sem mácula, a quem, entre outras coisas, se perdoam os défices e as múltiplas transigências aos exageros dos extremistas islâmicos que residem no hexágono? Penderá para o lado de Fillon, de Marine Le Pen, de Manuel Valls ou de quem quer que represente a esquerda? O medo do salto no desconhecido vai fazê-la de novo apostar num qualquer centrão? Quem sabe?
E a Alemanha? Estará com Merkel e recomenda-se? Com as portas abertas a todo o tipo de refugiados, quer se quadrem nas definições legais, quer fora delas, ou seja meros imigrantes económicos que se acolhem de braços abertos, sem hesitações, nem perguntas? E será que os recém-chegados se adaptam ou será que a Alemanha e os alemães têm de se adaptar a quem chega? Desgermaniza-se? A tanto se obriga Berlim ao multiculturalismo e ao “politicamente correcto”?
Do Médio Oriente instável à Rússia imprevisível
2017, verá, presumivelmente, o fim do Estado Islâmico, cuja queda não será tão rápida como previam os optimistas, mas já anunciada e, para todos os efeitos, consistente. Resta saber se a erradicação dos núcleos cancerosos, no Médio Oriente e no Norte de África, extirparão de vez a doença? Que ninguém se iluda, o problema são as metásteses e estas já chegam a toda a parte.
Temos, porém, de estar atentos a outros desenvolvimentos. Com a morte de Bouteflika (mais próxima do que parece), a implosão da Argélia é dada como quase certa (excepto se os militares intervierem activamente no processo como no Egipto) e a implantação do jihadismo mais extremista pode tornar-se uma realidade tangível. A consequente guerra civil e os milhões (repito, milhões) de refugiados que a Europa irá acolher, consistirá num verdadeiro tsunami de que a versão síria mais não terá sido senão uma mera turbulência ou agitação marítima de equinócio.
Entretanto, a Rússia está no jogo do “esperar para ver” e, se tem alguns interesses no Médio Oriente, tem outros muito mais relevantes no quadro europeu, sobretudo no Leste e no Báltico. Para já, aguarda sinais da nova administração estadunidense e, igualmente, dos europeus, sobretudo das novas situações criadas ou a criar. O que é que vai fazer? Por ora, é cedo para dizer, mas que vai flectir alguns músculos, pois com certeza que vai.
Apesar de tudo, defendamos princípios
O “establishment” esquerdista e liberal (no sentido norte-americano do termo), preconizando a abertura de fronteiras, a imigração irrestrita e a abolição gradual dos estados-nações, apesar da sua popularidade ter-se vindo a desvanecer ao longo dos anos e, hoje, mais do que nunca na mó de baixo, tem vindo a dominar o mundo ocidental durante décadas, designadamente através dos média que lhe são afectos e da tentativa de universalização do “politicamente correcto”, o “newspeak” de que falava Orwell em “1984”, que aí está a demonstrar-nos que o marxismo tem também uma tradução cultural e que pode impor, com subtileza, uma ditadura pela palavra, escrita e falada – leia-se: uma ameaça clara à liberdade. Mas, não, neste caso, não passarão!
Francisco Henriques da Silva