António Gonçalves Dias, poeta, professor, crítico de história, etnólogo, nasceu em Caxias, Maranhão, em 10 de Agosto de 1823 e faleceu em naufrágio, no baixio dos Atins, Maranhão, em 3 de Novembro de 1864. É o patrono da Cadeira n.º 15, por escolha do fundador Olavo Bilac.
Era filho de João Manuel Gonçalves Dias, comerciante português, natural de Trás-os-Montes e de Vicência Ferreira, mestiça. Perseguido pelas exaltações nativistas, o pai refugiara-se com a companheira perto de Caxias, onde nasceu o futuro poeta. Casado em 1825 com outra mulher, o pai levou-o consigo, deu-lhe instrução e trabalho e matriculou-o no curso de latim, francês e filosofia do prof. Ricardo Leão Sabino. Em 1838 Gonçalves Dias embarcaria para Portugal, para prosseguir nos estudos, quando lhe faleceu o pai. Com a ajuda da madrasta pôde viajar e matricular-se no curso de Direito em Coimbra. A situação financeira da família tornou-se difícil em Caxias, por efeito da Balaiada e a madrasta pediu-lhe que voltasse, mas ele prosseguiu nos estudos graças ao auxílio de colegas, formando-se em 1845. Em Coimbra, ligou-se Gonçalves Dias ao grupo dos poetas que Fidelino de Figueiredo chamou de "medievalistas". À influência dos portugueses virá juntar-se a dos românticos franceses, ingleses, espanhóis e alemães. Em 1843 surge a "Canção do exílio", um das mais conhecidas poesias da língua portuguesa.
Regressando ao Brasil em 1845, passou rapidamente pelo Maranhão e, em meados de 1846, transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde morou até 1854 fazendo apenas uma rápida viagem ao norte em 1851. Em 46, havia composto o drama “Leonor de Mendonça” que o Conservatório do Rio de Janeiro impediu de representar a pretexto de ser incorreto na linguagem; em 47 saíram os “Primeiros Cantos”, com as "Poesias americanas", que mereceram artigo encomiástico de Alexandre Herculano; no ano seguinte, publicou os “Segundos Cantos” e, para se vingar dos seus gratuitos censores, conforme registam os historiadores, escreveu as “Sextilhas de frei Antão”, em que a intenção aparente de demonstrar conhecimento da língua o levou a escrever um "ensaio filológico" num poema escrito em idioma misto de todas as épocas por que passara a língua portuguesa até então. Em 1849, foi nomeado professor de Latim e História do Colégio Pedro II e fundou a revista Guanabara, com Macedo e Porto Alegre. Em 51, publicou os “Últimos Cantos”, encerrando a fase mais importante da sua poesia.
A melhor parte da lírica dos Cantos inspira-se ora da natureza, ora da religião, mas sobretudo do seu caráter e temperamento. A sua poesia é eminentemente autobiográfica. A consciência da inferioridade de origem, a saúde precária, tudo lhe era motivo de tristezas. Foram elas atribuídas ao infortúnio amoroso pelos críticos, esquecidos estes de que a grande paixão do Poeta ocorreu depois da publicação dos “Últimos Cantos”. Em 1851, partiu Gonçalves Dias para o Norte em missão oficial e no intuito de desposar Ana Amélia Ferreira do Vale, de 14 anos, o grande amor de sua vida, cuja mãe não concordou por motivos de sua origem bastarda e mestiça. Frustrado, casou-se no Rio, em 1852, com Olímpia Carolina da Costa. Foi um casamento de conveniência, origem de grandes desventuras para o Poeta, devidas ao génio da esposa, da qual se separou em 1856. Tiveram uma filha, falecida na primeira infância.
Nomeado para a Secretaria dos Negócios Estrangeiros, permaneceu na Europa de 1854 a 1858 em missão oficial de estudos e pesquisa. Em 56, viajou para a Alemanha e, na passagem por Leipzig, em 57, o livreiro-editor Brockhaus editou os Cantos, os primeiros quatro cantos de Os Timbiras, compostos dez anos antes e o Dicionário da língua tupi. Voltou ao Brasil e, em 1861 e 62, viajou pelo Norte, pelos rios Madeira e Negro, como membro da Comissão Científica de Exploração. Voltou ao Rio de Janeiro em 1862, seguindo logo para a Europa, em tratamento de saúde, bastante abalada, e buscando estações de cura em várias cidades europeias. Em 25 de Outubro de 63, embarcou em Bordéus para Lisboa, onde concluiu a tradução de “A noiva de Messina”, de Schiller. Voltando a Paris, passou em estações de cura em Aix-les-Bains, Allevard e Ems. Em 10 de Setembro de 1864, embarcou para o Brasil no Havre no navio Ville de Boulogne, que naufragou no baixio de Atins, nas costas do Maranhão, tendo o poeta perecido no camarote, sendo a única vítima do desastre, aos 41 anos de idade.
Todas as suas obras literárias, compreendendo os Cantos, as Sextilhas, a Meditação e as peças de teatro (Patkul, Beatriz Cenci e Leonor de Mendonça), foram escritas até 1854. O período final, em que dominam os pendores eruditos, favorecidos pelas comissões oficiais e as viagens à Europa, compreende o Dicionário da língua tupi, os relatórios científicos, as traduções do alemão, a epopeia “Os Timbiras”, cujos trechos iniciais, que são os melhores, datam do período anterior.
A sua obra poética, lírica ou épica, enquadrou-se na temática "americana", isto é, de incorporação dos assuntos e paisagens brasileiros na literatura nacional, fazendo-a voltar-se para a terra natal. Ao lado da natureza local, recorreu aos temas em torno do indígena, o homem americano primitivo, tomado como o protótipo de brasileiro, desenvolvendo, com José de Alencar na ficção, o movimento do "Indianismo". Os indígenas, com suas lendas e mitos, seus dramas e conflitos, suas lutas e amores, sua fusão com o branco, ofereceram-lhe um mundo rico de significação simbólica. Embora não tenha sido o primeiro a buscar na temática indígena recursos para o abrasileiramento da literatura, Gonçalves Dias foi o que mais alto elevou o Indianismo. A obra indianista está contida nas "Poesias americanas" dos Primeiros cantos, nos Segundos cantos e Últimos cantos, sobretudo nos poemas "Marabá", "Leito de folhas verdes", "Canto do piaga", "Canto do tamoio", "Canto do guerreiro" e "I-Juca-Pirama", este talvez o ponto mais alto da poesia indianista. É uma das obras-prima da poesia brasileira, graças ao conteúdo emocional e lírico, à força dramática, ao argumento, à linguagem, ao ritmo rico e variado, aos múltiplos sentimentos, à fusão do poético, do sublime, do narrativo, do diálogo, culminando na grandeza da maldição do pai ao filho que chorou na presença da morte.
Pela obra lírica e indianista, Gonçalves Dias é um dos mais típicos representantes do Romantismo brasileiro e forma com José de Alencar na prosa a dupla que conferiu caráter nacional à literatura brasileira.
Obras: Primeiros cantos, poesia (1846); Leonor de Mendonça, teatro (1847); Segundos cantos e Sextilhas de Frei Antão, poesia (1848); Últimos cantos (1851); Cantos, poesia (1857); Os Timbiras, poesia (1857); Dicionário da língua tupi (1858); Obras póstumas, poesia e teatro (1868-69); Obras poéticas, org. de Manuel Bandeira (1944); Poesias completas e prosa escolhida, org. de Antonio Houaiss (1959); Teatro completo (1979).
Eis o espelho da confusão semântica e de vocabulário que tantas vezes existe nas cabeças dos utentes daquele Centro de Saúde...e ao fim e ao cabo de todos nós.
Agradecimentos às funcionárias administrativas Inês Simões e Fernanda Veloso, assim como à técnica de cardiopneumologia Sandrina Marto.
6h00m da manhã. O Sol já aparecia lindo sobre o azul celeste.
À porta do Centro de Saúde, um pequeno grupo de utentes organizava-se para a marcação da consulta "à vaga".
A maioria já se conhece. Afinal todos são já bem experimentados nesta forma bem própria de utilização da consulta.
Aliás, o Director do Centro de Saúde até mandou instalar uns banquinhos de jardim no local, para tornar a espera mais atractiva.
É uma excelente oportunidade para trocar experiências e conhecimentos, que todos vão acumulando ao longo do seu percurso de contactos com os médicos e hospitais.
A Maria do Céu vai à consulta do "Parlamento", a Dona Gertrudes vai à consulta da "Monopausa" e a Rita é que as corrige informando-as que aquela consulta chama-se de Planeamento Familiar.
Uma tem um "biombo" no "úbero" e leva os resultados duma "fotografia", outra está preocupada com comichões na "serventia" do marido, até porque ele, havia poucos dias, tinha já sido consultado pelo médico por estar com os "alforges" todos inflamados. Alguém logo ali diagnosticou um problema na "aprosta" do marido.
Mais à distância desta conversa, um grupo de senhoras falavam dos métodos contraceptivos e, uma delas, peremptória, afirmava que nunca aceitaria porem-lhe uma "fateixa" dentro da barriga!
Uma outra discordava, e lá lhe foi dizendo que, por causa disso, é que teve tantos filhos, felizmente todos de parto normal, só o último foi de "açoreana", mas aquele que lhe dava mais problemas era o mais velho que já era "toxico-correspondente"!
Noutro local, um grupo de homens mais idoso ia falando da relação entre o "castrol" e a "atenção".
Às tantas um deles começa a explicação cuidada dum acidente que tivera. Por isso é que tinha a vacina contra o "tecto" em dia, mas o acidente estragou-lhe a "tibiotísica" e causou-lhe uma hérnia "fiscal", pelo que tinha ido fazer uma "fotocópia" e um "traque".
Outro referiu que nunca teve problemas de ossos, o seu problema era uma grande "espirrogueira na peitogueira".
Uma senhora, atraída pela conversa, queixava-se de entupimento no "curso" com dores "alucinantes" quando se "abaixava". Além disso cobria-se de suores e "gómitos", ficava "almariada" e tudo acabava com uma forte "encacheca", ficando cerca de 3 dias com cara de "caveira misteriosa". Alguém lhe falou nuns supositórios que a poderiam ajudar mas ela já os conhecia, aparentemente tinham sido muito difíceis de engolir, pelo que o melhor ainda era o "clistério".
Finalmente, uma outra senhora queixava-se da "úrsula" no "estambo", pelo que vinha mostrar o resultado duma "endocuspia" e ainda algumas análises especiais, como a Proteína C "Reaccionária".
8h30m da manhã. Ainda havia muito para conversar mas a Inês, jovem funcionária administrativa do Centro de Saúde, obviamente tarefeira, acaba de chegar. Os funcionários administrativos não podem chegar atrasados, caso contrário, confundir-se- -iam com os doutores.
- Quem é o primeiro, se faz favor? Ora diga lá o seu nome?
- Josefina Trindade
- Idade?
- 67 anos.
- Estado?
- Constipada, muito constipada!
9h00m da manhã. Aparece a enfermeira Freitas que grita para a pequena multidão barulhenta que cerca a Inês:
- Quem está para medir as tensões? É você? Então entre e diga-me qual é o seu problema?
- Sabe, senhora enfermeira, o meu problema é ter uma doença "arrendatária" que "arrendei" do meu pai e já me levou uma vez aos cuidados "utensílios" do hospital. Afecta-me as "cruzes renais" e por isso dá-me muita "humidade à volta do coração". Aliás, o doutor pediu-me uma "pilografia" e um "aerograma" que aqui trago e recomendou-me beber pouca água.
Finalmente, chega o médico, que logo dá início às consultas:
- Então de que se queixa?
- De uma angina de peito, senhor doutor. Tudo começou há uma semana quando fui às urgências. O médico disse-me que era uma angina na garganta, mas a angina começou a descer e agora apanha-me o peito todo!
Aos poucos, os utentes iam entrando e saindo, com melhor ou pior cara.
Alguns perguntavam à Inês onde era o "pechiché da retrosaria" para pagarem a taxa moderadora
Inveja– s. f.– Desgosto pelo bem dos outros; desejo violento de possuir o bem alheio (Dicionário de Francisco Torrinha, ed. 1947)
A nossa inveja é oriunda da invidia latina enquanto o nosso verbo invejar deriva do homólogo latino invideo que etimologicamente significa «olhar excessivamente para…». Mas significa também «recusar», «tirar à força», «hostilizar», «impedir». O prefixo in, aplicado a vídeo, tanto pode significar «para dentro» ou «em» assim como assumir uma atitude negativa, do contra - neste caso, o contrário de visão, cegueira.
O olhar que se lança sobre outrem que tanta atenção despertou por evidenciar características que o observador gostaria de possuir pode transformar-se em hostilidade pois, constatando não possuir essas características, passa a não querer que o observado as possua. O que caracteriza a inveja como cobiça não é não-querer que o outro seja, mas querer que o outro não-seja aquilo que é. O mesmo pode suceder quando o observador reconheça no observado as suas próprias particularidades constatando deste modo não possuir o monopólio dessas mesmas características. Daqui resulta igualmente um sentimento de inveja. Eis duas vias para se chegar ao olhar hostil o qual pode conduzir à vontade extrema de destruição do observado.
Assim se percorre um caminho de extremos: olha-se de mais, admira-se, inveja-se e odeia-se.
E este ódio por inveja do observado extrema-se numa pregação do que só o observador vê a ponto de ditar o que apenas deve ser visto: o observado está travestido, não tem as qualidades que exibe; essas, tem-nas o observador invejoso e só ele. Daqui parte para uma campanha de angariação de quem testemunhe a seu favor de modo a convencer o observado da falsidade do que exibe. A demonstração da falsidade deve ser universal e o invejoso tudo fará para destruir o alvo da sua inveja. Assim chega a violência, o mal-fazer, a destruição.
E no meio de tudo isto, é frequente o invejoso não querer mais do que apenas maldizer pois que, se destrói o objecto do seu olhar hostil, deixa de ter um motivo para continuar na senda por que apaixonadamente se move. O refúgio no mundo do maldizer é apenas um álibi, um pôr-se à distância do objectivo anunciado da destruição. Quanto ao essencial – fazer as coisas como apregoadas – isso é coisa que o invejoso não pode admitir ora por saber que não as consegue cumprir ora por se passar a sentir alvo potencial das críticas destrutivas que no presente ele próprio desenvolve. E porque teme, não se «chega à frente».
O exercício do maldizer, da apologia da violência e da destruição, eis o modo de vida do invejoso, processo a que só o seu próprio desaparecimento pode colocar um fim. A menos que a psiquiatria intervenha e descubra uma solução mais amiga do ambiente social.
Daqui se conclui que a inveja não é apenas matéria religiosa, definida como pecado: é uma tara mental enquadrável no foro da psiquiatria.
Todos conhecemos casos mais ou menos doentios de inveja mas devemos ter um cuidado especial para impedirmos que esse mesmo sindroma se arvore em característica perene do regime político em que vivemos.
Prenhe de inveja, teremos talvez que colocar um psiquiatra a cada esquina; não seremos então um Estado policial, poderemos ter que vir a ser reconhecidos como um Estado psicótico.
Henrique Salles da Fonseca
(Sri Lanka, NOV15)
BIBLIOGRAFIA:
«A RAZÃO INVEJOSA», Coelho Rosa, Joaquim – in “AO ENCONTRO DA PALAVRA – HOMENAGEM A MANUEL ANTUNES”, pág. 279 e seg. – Edições Cosmos, 1985
Vou chumbar a Língua Portuguesa, quase toda a turma vai chumbar, mas a gente está tão farta que já nem se importa. As aulas de português são um massacre. A professora? Coitada, até é simpática, o que a mandam ensinar é que não se aguenta. Por exemplo, isto: No ano passado, quando se dizia “ele está em casa”, ”em casa” era o complemento circunstancial de lugar. Agora é o predicativo do sujeito.”O Quim está na retrete”: “na retrete” é o predicativo do sujeito, tal e qual como se disséssemos “ela é bonita”. Bonita é uma característica dela, mas “na retrete” é característica dele? Meu Deus, a setôra também acha que não, mas passou a predicativo do sujeito, e agora o Quim que se dane, com a retrete colada ao rabo.
No ano passado havia complementos circunstanciais de tempo, modo, lugar etc., conforme se precisava. Mas agora desapareceram e só há o desgraçado de um “complemento oblíquo”. Julgávamos que era o simplex a funcionar: Pronto, é tudo “complemento oblíquo”, já está. Simples, não é? Mas qual, não há simplex nenhum, o que há é um complicómetro a complicar tudo de uma ponta a outra: há por exemplo verbos transitivos directos e indirectos, ou directos e indirectos ao mesmo tempo, há verbos de estado e verbos de evento, e os verbos de evento podem ser instantâneos ou prolongados; almoçar por exemplo é um verbo de evento prolongado (um bom almoço deve ter aperitivos, vários pratos e muitas sobremesas). E há verbos epistémicos, perceptivos, psicológicos e outros, há o tema e o rema, e deve haver coerência e relevância do tema com o rema; há o determinante e o modificador, o determinante possessivo pode ocorrer no modificador apositivo e as locuções coordenativas podem ocorrer em locuções contínuas correlativas. Estão a ver? E isto é só o princípio. Se eu disser: Algumas árvores secaram, ”algumas” é um quantificativo existencial, e a progressão temática de um texto pode ocorrer pela conversão do rema em tema do enunciado seguinte e assim sucessivamente.
No ano passado se disséssemos “O Zé não foi ao Porto”, era uma frase declarativa negativa. Agora a predicação apresenta um elemento de polaridade, e o enunciado é de polaridade negativa.
No ano passado, se disséssemos “A rapariga entrou em casa. Abriu a janela”, o sujeito de “abriu a janela” era ela, subentendido. Agora o sujeito é nulo. Porquê, se sabemos que continua a ser ela? Que aconteceu à pobre da rapariga? Evaporou-se no espaço?
A professora também anda aflita. Pelo visto, no ano passado ensinou coisas erradas, mas não foi culpa dela se agora mudaram tudo, embora a autora da gramática deste ano seja a mesma que fez a gramática do ano passado. Mas quem faz as gramáticas pode dizer ou desdizer o que quiser, quem chumba nos exames somos nós. É uma chatice. Ainda só estou no sétimo ano, sou bom aluno em tudo excepto em português, que odeio, vou ser cientista e astronauta, e tenho de gramar até ao 12º estas coisas que me recuso a aprender, porque as acho demasiado parvas. Por exemplo, o que acham de adjectivalização deverbal e deadjectival, pronomes com valor anafórico, catafórico ou deítico, classes e subclasses do modificador, signo linguístico, hiperonímia, hiponímia, holonímia, meronímia, modalidade epistémica, apreciativa e deôntica, discurso e interdiscurso, texto, cotexto, intertexto, hipotexto, metatatexto, prototexto, macroestruturas e microestruturas textuais, implicação e implicaturas conversacionais? Pois vou ter de decorar um dicionário inteirinho de palavrões assim. Palavrões por palavrões, eu sei dos bons, dos que ajudam a cuspir a raiva. Mas estes palavrões só são para esquecer, dão um trabalhão e depois não servem para nada, é sempre a mesma tralha, para não dizer outra palavra (a começar por t, com 6 letras e a acabar em “ampa”, isso mesmo, claro.)
Mas eu estou farto. Farto até de dar erros, porque me põem na frente frases cheias deles, excepto uma, para eu escolher a que está certa. Mesmo sem querer, às vezes memorizo com os olhos o que está errado, por exemplo: haviam duas flores no jardim. Ou: a gente vamos à rua. Puseram-me erros desses na frente tantas vezes que já quase me parecem certos. Deve ser por isso que os ministros também os dizem na televisão. E também já não suporto respostas de cruzinhas, parece o totoloto. Embora às vezes até se acerte ao calhas. Livros não se lê nenhum, só nos dão notícias de jornais e reportagens, ou pedaços de novelas. Estou careca de saber o que é o lead, parem de nos chatear. Nascemos curiosos e inteligentes, mas conseguem pôr-nos a detestar ler, detestar livros, detestar tudo. As redacções também são sempre sobre temas chatos, com um certo formato e um número certo de palavras. Só agora é que estou a escrever o que me apetece, porque já sei que de qualquer maneira vou ter zero.
E pronto, que se lixe, acabei a redacção – agora parece que se escreve redação. O meu pai diz que é um disparate, e que o Brasil não tem culpa nenhuma, não nos quer impôr a sua norma nem tem sentimentos de superioridade em relação a nós, só porque é grande e nós somos pequenos. A culpa é toda nossa, diz o meu pai, somos muito burros e julgamos que se escrevermos ação e redação nos tornamos logo do tamanho do Brasil, como se nos puséssemos em cima de sapatos altos. Mas, como os sapatos não são nossos nem nos servem, andamos por aí aos trambolhões, a entortar os pés e a manquejar. E é bem feita, para não sermos burros.
E agora é mesmo o fim. Vou deitar a gramática na retrete e quando a setôra me perguntar: - Ó João, onde está a tua gramática? Respondo: - Está nula e subentendida na retrete, setôra, enfiei-a no predicativo do sujeito. João Abelhudo, 8º ano, setôra, sem ofensa para si, que até é simpática.
* * *
Este texto é da autoria de Teolinda Gersão, Escritora, Professora Catedrática aposentada da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Escreveu-o depois de ajudar os netos a estudar Português. Colocou-o no Facebook
Recebi oportunamente e paguei de imediato uma Factura da EPAL no montante global de € 65,47 cujas parcelas eram as seguintes:
EPAL – Abastecimento de água = € 28,92 = 44,17%
CMLisboa – Saneamento = 19,72 = 30,12
CMLisboa – Resíduos Sólidos = 10,03 = 15,32
CMLisboa – Adicional = 3,67 = 5,60
TAXAS = 1,32 = 2,02
IVA = 1,81 = 2,77
TOTAL = 65,47 =100,00
Ou seja, o produto e os serviços da empresa fornecedora correspondiam a 44,17% da Factura e tudo o resto eram impostos e taxas destinadas a financiar as despesas desse monstro que dá pelo nome de Câmara Municipal de Lisboa.
E se anualmente a Câmara me debita os «esgotos», por que razão estou a pagar agora esta verba de «saneamento»?
E por que é que pago IVA sobre taxas destinadas ao Estado?
Também foi fácil dizer que se resolveu o problema financeiro da Câmara. Óbvia mentira pois a grande fatia que contribuiu para a redução da dívida resultou da verba que o Ministério das Finanças pagou pelos terrenos do Aeroporto da Portela vindo o resto a ser suportado por nós, contribuintes.
E esta dos impostos incidirem sobre taxas públicas também é de Cabo de Esquadra. Se no meio de tanto atropelo tiverem tempo, hão-de dizer-me onde estudaram Fiscalidade.
Sim, com este tipo de procedimentos, é fácil hastear a bandeira da luta contra a austeridade.
Só que, à época, o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa era o Dr. Costa, licenciado em Direito pela Universidade de Lisboa onde foi aluno do Professor Marcelo, Catedrático com responsabilidade solidária no ensino ministrado na respectiva Faculdade.
Daqui resulta que, no limite e por absurdo, o culpado do atropelo jurídico de haver impostos na Câmara Municipal de Lisboa a incidir sobre taxas, é o Professor Marcelo.
Claro está que recorro a um absurdo para sugerir ao Presidente da República que mande alguém verificar a legalidade deste tipo de situações para que nós, cidadãos, possamos reforçar a confiança que nele depositamos. Mas se, entretanto, algum Deputado Municipal de Lisboa tiver tempo e paciência para ler este escrito, veja lá se faz alguma coisa no sentido de pôr fim a tamanha ilegalidade.
O 25 de Abril comemora este ano o 42º aniversário da "Revolução dos Capitães". Recordo-a, tal como a viveu o Capitão, que eu era então...
Efectivamente, a Revolução foi feita pelos Capitães do Quadro Permanente das Forças Armadas, organizados num movimento que se mobilizou, única e simplesmente, por razões particulares de carácter exclusivamente profissional e não por quaisquer outros motivos ou ideais mais nobres e elevados.
Esta foi a realidade em que participei.
A outra, a… dos livros e contos de fadas... que fala de alegada revolução pela democracia e liberdade, aprendi-a depois na banha da cobra política.
Entretanto, a História mitificou o 25ABR74, criando até uns heróis de circunstância para uso político e gáudio do povoléu, sucessivamente queimados no percurso, (as revoluções devoram sempre os seus próprios filhos, caso do Otelo S. de Carvalho e outros…).
Deles restam dois ou três "zombies", folcloricamente exibidos, para povo ver nos eventos Abrilistas.
Em Agosto de 1973, EU, recém-chegado de Angola, fui convidado para tomar parte em reuniões de capitães oriundos da Academia Militar, com o objectivo de reivindicar a revogação de dois decretos-leis, acabados de publicar, cuja implementação prejudicava as promoções desses capitães (sendo eu um dos prejudicados), em benefício dos oficiais milicianos que, entretanto, tinham também frequentado a Academia Militar, em condições especiais.
Foi esta a única e verdadeira razão do movimento dos capitães.
Estive em todas as reuniões e recolhi assinaturas nos quartéis, para um abaixo-assinado entregue aos então Presidentes do Conselho e da República, os quais prometeram suspender os decretos, mas não revogá-los. Como tal, o movimento continuou.
Parte da "oposição" ao regime sofria então os "horrores" dos auto exílios dourados, na "dolce vita" de Paris e Moscovo, subsidiados pelos inimigos de Portugal, sedentos estes de apanharem as imensas riquezas das nossas províncias além-mar, através das suas independências, por eles exigidas, alegando hipócritas preocupações com os direitos dos povos ultramarinos.
Tal gente, os exilados, conhecedora do descontentamento dos capitães, fez o aproveitamento revolucionário do movimento, politizando alguns oficiais mas, até Fev74, nas reuniões a que assisti, nunca se falou de políticas; face à casmurrice do regime, falava-se já sim em "soluções de força", se necessário, para obrigar o governo a revogar os tais decretos e só.
Embora umas poucas cabeças do movimento tenham sido manipuladas e politizadas do exterior, a maioria dos capitães nunca o foi; assim, a generalidade destes (99%) foi ludibriada em todo o processo, tal como EU, embora hoje digam outra qualquer coisa, supostamente mais "nobilitante" e politicamente mais adequada.
Em Fevereiro de 1974 fui para Moçambique e o 25 de Abril de 1974 apanhou-me já algures no mato, Comandante duma Companhia de Pára Quedistas.
Foi o Administrador de Posto local que trouxe a novidade, informando ser o General Spínola o novo "Presidente" do País, militar de quem se dizia ser um "cabo-de-guerra" a sério. Formei a Companhia para informação e o meu "analfabetismo político" disse-lhes a seguinte "barbaridade": - Meus Senhores, agora com o General Spínola à frente do País é que nós vamos fazer a guerra a valer e resolver isto rapidamente...
Santa inocência a minha - e não só - acerca do tal "cabo-de-guerra" Spínola, afinal uma ilusão e um General de opereta que resignou da Presidência da República e das suas responsabilidades por causa duma simples manifestação dita da «maioria silenciosa» em 27 SET74 e, mais tarde, fugiu para Espanha no 11Mar75, abandonando cobardemente o País nas mãos dum Primeiro-ministro absolutamente louco e dum bando de jovens oficiais (meus conhecidos), movidos por oportunismos e ambições pessoais cegas, disfarçadas de ideais democráticos pró soviéticos, assimilados à pressa em livros de bolso.
Manipulados por raposas civis sedentas de poder e vindas de "exílios dourados", estes oficiais conduziram o País à tragédia criminosa da descolonização, às nacionalizações e ao sindicalismo selvagem arrasadores da economia nacional e a uma quase "guerra civil", que só não aconteceu porque tal contrariava os interesses da União Soviética pois, como H. Kissinger então afirmava, Portugal transformar-se-ia na vacina anti comunista da Europa.
Por isso, essa "guerra civil", já em pré marcha a norte do país, foi "abortada" pelo PCP com o 25Nov75; esta exímia manobra foi liderada pelo "cérebro" de serviço à revolução, o Major Melo Antunes e o seu "documento dos nove"; a versão conhecida do 25Nov é falsa e diz o oposto; eu tomei parte activa nele e integrei mais tarde a comissão investigadora desses acontecimentos.
Todo o processo revolucionário pós Abril foi pois comandado do exterior por interesses estrangeiros, levados à execução por uns tantos inocentes úteis, os bíblicos puros de espírito, crentes em ideais, ora mortos e proscritos e, principalmente, por uma maioria de meros oportunistas civis e militares que venderam o País a troco de trinta dinheiros.
Pelo percurso ficaram incidentes historicamente vergonhosos e criminosos, como o 11Mar75, (versão oficial falsa), os excessos do Verão quente de 75, o 25Nov75, o indigno "assassinato" de 500 anos de História Pátria, a ruína do País, etc... em contrapartida, ganhámos em "liberdade e democracia", até hoje, mais usadas contra, do que a favor dos portugueses.
Pouco informado politicamente à data do 25Abr74, acreditei ainda por um mês na revolução; entretanto, a tal nova "liberdade" instalava nos quartéis, em nome da "democracia", o terror dos saneamentos selvagens, as prisões arbitrárias de militares em Caxias e as ameaças de fuzilamentos (Assembleia selvagem do MFA em 11Mar75, Otelo e a ameaça do Campo Pequeno); por tudo isto, muitos militares puderam apenas ser observadores amordaçados do processo revolucionário.
Atingido o objectivo imediato e principal dos verdadeiros mentores civis e pró Moscovo da revolução, entregues que foram as nossas "colónias" às independências soviéticas e à ganância da exploração das suas matérias-primas pelas potências ditas "amigas" de africanos e revolucionários, interessava que o País regressasse a uma certa normalidade interna, conseguida com o tal 25Nov75, tendo esta assumido uma forma mais "benigna de democracia", permitindo a quase normal liberdade político partidária.
Esta normalidade democrática pós 25Nov75, por sua vez, colocou em cena e exibição contínua, as inesquecíveis e tragicómicas "democrato novelas" à portuguesa que temos vivido, com actores políticos soberbos e temas diversos, que vão das politiquices mais rasteiras à fabricação permanente de tachos, das reformas de tudo e nada, às leis para constar e não aplicar, das incontáveis e imensas corrupções prescritas e absolvidas, ao criminoso aumento da dívida pública e ao suicida défice interno e externo, etc.
Entretanto, salvos que temos sido da falência total do Estado pelas reservas em ouro herdadas do fascismo, pelos milhões da União Europeia, pela venda total do património e endividamento público astronómico e, estando tudo já esgotado, chegou o tempo dos portugueses acertarem as contas com a realidade e com a História.
Mais uma vez, é o povo que está e vai a pagar em desemprego, terrorismo fiscal, miséria, criminalidade, emigração, fome, etc... os roubos e crimes políticos das ditas élites.
De positivo ficou-nos esta notável "democracia parlamentar", sofisticada na pose e na forma, esplendorosa em benesses e regalias únicas e sumptuosas, orgulho do povo, que nela se revê como qualquer "puta" no seu chulo e que nos conduziu já a níveis de desenvolvimento, sem precedentes, recuando-nos para a cauda da Europa e para a iminência do colapso económico e financeiro.
Uma democracia de etéreas preocupações acerca de si própria e que de tanto exorcizar reacionarismos e "economicismos", se esqueceu de construir uma economia sólida, geradora de riqueza e postos de trabalho para o povo.
"Onde não há emprego, não há pão e, onde não há pão, não há liberdade nem democracia". A liberdade e a democracia começam na barriga.
As revoluções em Portugal foram sempre feitas de lirismos ardentes, conspirados em noites de boémias e tabernas, casernas e academias, lirismos esses vertidos e bebidos de catecismos políticos em moda no momento e seduzindo juventudes, na época, com pedófilos e poéticos maoísmos logo transmutados em ultraliberalismos, ao esfumarem-se no confronto com a realidade da vida e com os oportunistas corruptos, que sempre os cavalgaram e prostituíram.
O 25Abr74 não fugiria nunca a este fatalismo nacional.
A gravíssima crise em que o País está mergulhado é apenas o previsível pesadelo em que se transformou o outrora sonho de "Abril Sempre".
Este ano, mais uma vez comemorado, de novo será sonhado em cravos que, em 74, eram vermelhos de esperança e, hoje, são vermelhos sim, mas com o sangue dos muitos milhares de portugueses assassinados Àfricas fora pelo 25Abr74 e vermelhos dos mares de lágrimas de sangue choradas por todos os desempregados, emigrados, sem abrigados, esfomeados, aterrorizados fiscais, desesperançados, desfuturados... tudo isto, consequência daquilo que o dito «dia da liberdade» nos trouxe...
Paga Zé, pois os vendedores de promessas e sonhos, esses, têm os seus "sonhos de Abril" a bom recato nos off shores do Mundo da Democracia e da Liberdade deles.
Porque gosto de pessoas sem antolhos, (viseiras) de pensamento (quer científicas quer religiosas), recomendo a leitura do livro “Uma Prova do Céu: A Jornada de um Neurocirurgião à Vida após a Morte”, do DR. Eben Alexander.
O seu segundo livro “Mapa do Céu” é igualmente emocionante. Seria de recomendar ler em primeiro lugar o seu primeiro livro. Do segundo livro em alemão traduzi a seguinte citação:
“Se recalcarmos a verdade (sobre nós), temos que pagar (expiar) por isso. Quando sabemos no nosso interior que algo é verdadeiro mas nos perdemos em rodeios a fingir que isso não é verdade, surge um conflito. E este conflito impede, por sua vez, que as diferentes partes em nós comuniquem eficazmente umas com as outras. Partes de nós são cortadas e negligenciadas. E quanto mais negligenciadas são, mais raivosas se tornam – e mais frustradas.”
Num tempo em que as pessoas cada vez mais pensam o que todos pensam – o pensar das massas e o saber correcto publicado – mais importante se torna cada pessoa desenvolver-se de maneira a poder fazer a própria leitura das coisas. A cada qual o seu caminho, pressuposto para isso é o corte do cordão umbilical e assim abrir a porta dos vários saberes que dormem em nós! É perigoso seguir o caminho público cada vez mais minado. Precisamos de pensar desenrascado e desanuviado em pessoas de integralidade intelectual em busca da verdade.
Em seu livro “Uma Prova do Céu”, o Dr. med. Eben Alexander descreveu as suas experiências durante 7 dias em que se encontrou em estado de coma, uma altura em que o seu cérebro se tornou incapaz de funcionar devido a uma meningite bacteriana porque antibióticos não actuavam. Apesar de tudo depois de 7 dias de coma acordou de repente.
Este é um caso único, o ter sobrevivido a esta forma de meningite sem sofrer danos cerebrais.
O que ele aprendeu neste 7 dias numa esfera diferente, foi para ele uma ultra-realidade, perante a qual a nossa realidade não é mais que uma sombra.
Ele apresenta, no seu livro, numerosas provas científicas de que as experiências que teve não foram causados pelo seu cérebro, uma vez que o cérebro já não funcionava.
A consciência é, portanto, independente do cérebro. Há muitos relatos de experiências de quase-morte, mas provavelmente ninguém penetrou até agora, pode-se dizer, no céu.
Eben Alexander também encontrou Deus, um Deus pessoal que é tão pessoal que a nossa personalidade humana, em contrapartida, é apenas uma sombra. O pioneiro da pesquisa em experiências da quase-morte, Dr. med. Raymond Moody, considera o livro do Dr. Alexander como o melhor de seu tipo. O céu está provado pelo Dr. Alexander. O céu não é, para ele, algo abstrato, mas algo muito concreto, o que também outras pessoas confirmam que estiveram nessa esfera espiritual (especialmente em situações de perigo de morte ou de paragem cardíaca). Alexander também descreveu a companhia de um anjo da guarda no outro mundo. Após a sua recuperação, ele percebeu, com espanto, de quem se tratava.
Eu acho que Eben Alexander é um exemplo do homem ocidental integral e que pode ser resumido da seguinte forma: Um homem da ciência, da fé, da racionalidade e da abertura. Ele combina o pensamento platónico com o pensamento aristotélico.
Pois é, Leitor. Gerir um Banco não é nada fácil - porque o risco acaba sempre por baralhar até a mais ponderada das decisões. E relançar um Banco é mesmo difícil - para mais se ele depender fortemente de uma economia em estado periclitante, como a nossa.
Dir-se-á: “Tem bom remédio! Não se exponha ao risco e já não terá problemas”. Era bom, era! Só que a afirmação “Banco sem risco” é uma contradição nos próprios termos – e digo porquê.
Um Banco, qualquer Banco Comercial, tem uma face “macro” e uma face “micro”. A capacidade legal de criar liquidez e o facto de ser um elo do sistema de pagamentos constituem a face “macro” (a teoria só vê esta face). Mas, para os seus accionistas (face “micro”) um Banco é só um outro mais Veículo de Investimento - ao qual a lei confere prerrogativas únicas (que não vêm agora ao caso), o que muito os atrai.
E como outro qualquer Veículo de Investimento, ele terá de se expor continuamente ao risco para conseguir remunerar o esforço financeiro que os seus accionistas fazem. É que nos mercados financeiros onde actua não há almoços grátis (o activo financeiro sem risco é uma ficção teoricamente útil, mas nada mais que isso).
Ora, nos mercados financeiros, o risco surge sob as mais variadas formas: (i) risco de crédito (o devedor não pagar); (ii) risco de contraparte (a contraparte no negócio falhar); (iii) riscos de mercado (preços de mercado, taxas de juro ou taxas de câmbio a darem para o torto); (iv) risco de refinanciamento ou, simetricamente, risco de reinvestimento (se os prazos médios do Activo e do Passivo remunerado não estiverem alinhados); (v) riscos operacionais (ex: erros na execução de uma operação); (vi) e muitos outros mais.
Como em qualquer Banco Comercial, no caso da CGD não faz sentido discutir Capitais Próprios sem conhecer a tolerância máxima (do accionista único) ao risco. E, inversamente, fixar-lhe a fasquia do risco máximo tolerável, só depois de o accionista único dizer quanto está na disposição de investir em Capitais Próprios.
Se o accionista quer que a CGD seja o financiador de último recurso da economia (o que parece estar implícito na reiterada afirmação “financiar a economia”), deverá estar preparado para efectuar, desde já, uma entrada de capital substancial - por duas razões principais: (i) para atenuar o risco de refinanciamento (o prazo médio do Activo da CGD de certeza que excederá largamente o prazo médio do seu Passivo remunerado, como hoje acontece) a CGD terá de dispor de Capitais Próprios a dobrar, uns, que sirvam de garantia, e outros mais, que financiem directamente uma parte das suas operações; (ii) para absorver as perdas prováveis no seu Balanço e assim evitar que tais perdas pronto contaminem o sistema de pagamentos.
Tudo se resume, afinal, a duas regras muito simples de enunciar: (i) manter Capitais Próprios suficientes para absorver as perdas prováveis (mais as perdas já incorridas, se as houver); (ii) evitar que o mismatch (o desequilíbrio entre prazos do Activo e do Passivo remunerado, recordo) seja tal que comprometa a capacidade de refinanciamento (na gíria, roll over) nos mercados financeiros.
Em economias com um baixo grau de sofisticação financeira (como é o caso da nossa), estas duas regras apontam, claramente, para a provecta “teoria dos três intervenientes”: uma teoria que limita a actividade da Banca ao financiamento das relações comerciais entre empresas – e, excepcionalmente, ao financiamento de stocks (o célebre Glass-Steagall Act (EUA, 1933-1999) e o não tão célebre Relatório Vickers (UK, 2011) - que muitos consideram serem o mínimo necessário para prevenir novas crises financeiras, como esta última – são lídimos exemplos desta teoria).
É uma teoria que coloca os depósitos bancários ao serviço exclusivo da oferta – tudo o contrário daquilo a que assistimos (cá e lá fora), desde o virar do século. Um serviço destinado, não a aumentar a capacidade produtiva (o que implicaria financiar o investimento, com consequente agravamento do desequilíbrio de prazos no Balanço do Banco financiador), mas a conciliar as tesourarias correntes das empresas – promovendo assim a plena utilização da capacidade produtiva instalada.
Segundo esta teoria, a função dos Bancos é fazer com que as trocas comerciais entre empresas aconteçam, mesmo que quem compre queira prazo para pagar e quem venda queira receber a pronto. Através do desconto bancário de letras (ou da aquisição de créditos comerciais, tão importante na finança islâmica), eles, Bancos, tornam possíveis negócios que, de outra maneira, nunca aconteceriam por as tesourarias das partes interessadas serem incompatíveis. E ao fazê-lo estão a contribuir para o maior dinamismo da actividade económica.
È uma linha de negócio esta (Trade Finance) que encaixa perfeitamente no propósito de “financiar a economia” sem sofrer as agruras do mismatch (e do risco de refinanciamento) – pelo que os Capitais Próprios podem ficar circunscritos à sua função de garantia.
Reúne, pois, características (empréstimos de prazo geralmente inferior a 1 ano, logo, menor exposição ao risco de refinanciamento e menores exigências de Capitais Próprios) que a recomendam vivamente para relançar a CGD: financiar as actividades comerciais das empresas nacionais, seja no mercado interno, seja na exportação.
Muito provavelmente, deparar-se-á com um obstáculo de natureza psicológica: Trade Finance é vista como uma linha de negócios rotineira (operações que se sucedem umas iguais às outras, envolvendo quase sempre os mesmos intervenientes), sem sofisticação (tudo se resume a créditos originados em simples transacções comerciais), sem pinga do glamour das operações financeiras que fazem notícia - e, para mais, arriscada (não é frequente estes financiamentos terem associadas garantias reais).
Nada mais errado. Para não ficar exposta a risco excessivo, a CGD terá de conhecer a fundo (e ser aí bem conhecida) os mercados onde tenham lugar as transacções comerciais que financiar. Na verdade, em Trade Finance o dinheiro emprestado não é uma commodity que possa ser gerida em grandes números (como, por exemplo, no crédito às Famílias).
Mas Trade Finance tem um perigo, muitas vezes ignorado: a taxa bruta de retorno (na gíria, o pricing) destes empréstimos não pode ignorar o efeito da elevada rotatividade da Carteira de Crédito Bancário gerada por esta linha de negócios. Explico.
Suponha, Leitor: (i) que o objectivo é uma Carteira de Trade Finance correspondente a 6x os Capitais Próprios (baixo, pelos padrões actuais); (ii) que o prazo médio destes empréstimos é de 120 dias (próximo dos padrões actuais) – logo, uma taxa de rotação anual de 3; (iii) que a taxa de incumprimento esperada é de 2% (o que é optimista). Neste cenário, a perda esperada nesta Carteira, num período de 1 ano, corresponderá a 36% dos Capitais Próprios afectos. Se o pricing não permitir provisionar a perda esperada, a CGD perderá um pouco mais de 1/3 dos seus Capitais Próprios logo no primeiro anos – e despencará em espiral.
Ah! O pricing! Ainda não o vimos referido, seja no caso da CGD, seja a propósito dos insucessos da Banca portuguesa. Mas não há Banca saudável se o pricing dos seus empréstimos não cobrir, pelo menos, a perda esperada – e qualquer insuficiência de provisões para riscos financeiros terá de ser levada a Capitais Próprios, diminuindo-os.
Agora, se o BdP continuar a tolerar que os Bancos, em competição insensata por quota de mercado, pratiquem pricings que manifestamente lhes não permitem provisionar por inteiro a perda esperada, sem que isso tenha consequências imediatas no apuramento dos respectivos Capitais Próprios – não é de estranhar que os actuais problemas da CGD regressem num futuro não muito distante.
Com tudo isto, estarei eu a defender para a CGD um modelo circunscrito a Trade Finance?
Não necessariamente. Qualquer Banco Comercial pode empreender sem rebuço linhas de negócio que envolvam financiamentos a mais longo prazo (como empréstimos para compra de habitação, financiamento de projectos de investimento ou, mesmo, subscrição de participações sociais) sempre que conte com mercados financeiros (Bolsas de Valores) eficientes que lhe permitam ir ajustando, com custos comportáveis, os prazos médios do Activo e do Passivo remunerado – o que é dizer, gerir o risco de refinanciamento e o risco de reinvestimento.
É óbvio que mercados financeiros assim não há hoje em Portugal, nem se anunciam para breve. E não há por duas razões principais – a saber: (i) a não neutralidade fiscal que penaliza os dividendos, premeia o endividamento e favorece as “empresas de patrão”; (ii) o modelo de redistribuição com benefício definido em que assenta o pensionamento das reformas.
Neste contexto (financeiro, fiscal, político e de supervisão prudencial), empurrar a CGD para essas tais linhas de negócio que envolvem financiamentos com prazo superior a 3 anos (a título de exemplo), sem a dotar de Capitais Próprios adequados (ou seja, suficientes para financiarem também a parcela maior dessas operações) é rematada insensatez.
Sim, as causas do problema que é a CGD podem residir no modelo de negócio que tem seguido nesta última década e meia e, bem assim, no modo trapalhão (com uma ou outra golpada pelo meio) como esse modelo de negócio foi levado à prática. Mas a história não acaba aí.
A discriminação fiscal dos dividendos, a ausência de Bolsas de Valores (e/ou de outros esquemas de negociação multilateral) com liquidez bastante, a poupança forçada encaminhada para esquemas de redistribuição (que abafa, à nascença, a formação de capital financeiro), o tratamento burocrático e abstruso das insolvências (apesar de a CGD beneficiar de um regime privilegiado na execução dos seus créditos) e, por fim, um Supervisor que rima mal exposição ao risco com Capitais Próprios – tudo isto é causa da debilidade dos Bancos de raiz nacional (como a CGD).
E, por maioria de razão, tolhe qualquer bom propósito que haja para a CGD.
(FIM)
PS: Nada de equívocos. As perdas que a CGD registou nos últimos anos não foram causadas unicamente pelo financiamento da actividade económica. As Carteiras de Crédito ao Consumo, de Participações Sociais e de Derivados, mais umas operações de Corporate Finance meio assaloiadas e de Project Finance por deferência para com os sucessivos Governos, também contribuiram de modo muito relevante para o resultado final.