Há, ainda hoje, quem continue à espera do “Enviado” para resolver os problemas TODOS, do país e de cada um.
O sebastianismo permanece, talvez escondido atrás das rezas a Nossa Senhora de Fátima ou de Aparecida, animado por uma velinha lá num altar, ou... para que, com um toque de mágica, acabe com a desgraça que vai crescendo mundo fora.
O primeiro fingido a manifestar-se foi El-Rei D. Filipe I de Portugal no ano de 1582, mandando vir de Ceuta um corpo que lá estava depositado, dizendo ser o d’El-Rei D. Sebastião e o enterrou no Real Convento de Belém, em a capela que está no Cruzeiro, da banda da Epístola e achando-se o dito Rei D. Filipe pessoalmente a todas estas cerimónias.
Com isto esperava acabar com a esperança dos portugueses no regresso do seu rei e assim não vir a ter problemas futuros.
O segundo foi chamado Rei de Penamacor, porque em Penamacor fez o fingimento e aí o prenderam, o qual foi trazido a Lisboa onde foi condenado a galés; e indo em uma que da conserva da armada que de Espanha foi contra Inglaterra, no ano de 1588, se salvou na costa de França, o qual era homem vil; a Sentença foi no ano de 1584.
O terceiro fingido foi chamado Rei da Ericeira, o qual era um oficial de pedreiro, natural da Ilha Terceira e achando-se naquelas partes da Ericeira, um Pedro Afonso, lavrador rico e morador em Rio Mouro, agasalhando-se o pedreiro em sua casa e estando de noite fazendo oração a voz inteligível, entre outras palavras disse estas: - Deus Senhor perdoai-me meus pecados, e o haver sido a causa de tantos males como fui.
Era Pedro Afonso curioso e nesta ocasião estava espreitando o seu hóspede e em lhe ouvindo estas últimas palavras, por elas inferiu e por elas entendeu ser o tal homem o mesmo Rei D. S.; e obrigado desta ilusão ou desta tentação do Demónio, se foi logo a ele e deitando-se-lhe a seus pés lhos beijou muitas vezes e lhe disse que ele era o próprio Rei D. S. Defendeu-se o pobre homem com a verdade e desenganos dela; não bastando todas as diligências de suas afirmações contra o ateimado Pedro Afonso, antes cada vez mais firme e mais furioso na sua teima até que o pobre de perseguido veio a conceder na bestial vontade daquele que falsamente o autorizava tanto. Pelo que Pedro Afonso ficou logo sendo seu Secretário, seu Conselheiro e seu valido, que até com os reis fingidos têm valimento os maus secretários. Convocaram os saloios de todos aqueles contornos e só saloios lhe assistiram. Foi este sucesso no ano de 1585. Foram sobre eles os soldados do presídio de Lisboa e desbaratando aos saloios prenderam ao falso Rei e ao seu Pedro Afonso e trazidos a Lisboa, nela foram enforcados e esquartejados. Chamava-se Mateus Alvares era filho de Gaspar Alvares, outro pedreiro.
O quarto fingido foi o pasteleiro de Madrigal, chamado Gabriel de Espinosa, por amor do qual foi justiçado o Pe. Miguel dos Santos.
O quinto fingido é o nosso calabrês Marco Túlio. O que sucedeu desde o ano de 1600. O qual por sentença d'El-Rei D. Filipe, o Bom, foi deitado a galés, por amor do qual Marco Túlio é que foi justiçado o Pe. Fr. Estêvão Caveira de Sampaio. Deste é que escreveu D. João de Castro alguns livros cheios de muita patarata, enganando-se a si, enganando muitos e querendo enganar todos. Com o que abalou a maior parte dos portugueses, que sempre o número dos néscios é maior, para o que muitos contribuíram com quantias de dinheiro consideráveis; e alguns por requisitarem de maiores e mais finos amantes, pessoalmente foram ver a Veneza a quem tanto desejavam ver em Portugal. O de que mais me espanta é de haver feito esta jornada e com consideráveis despesas nela o Cónego da Sé de Lisboa, António Tavares de Távora, Esmoler-mor, um sujeito de tão boas partes, que a de ser fidalgo era nela o menor; porque assim como no corpo era grande, o que era também na sisudeza e na virtude. Serviu-lhe isto de label pelo qual os reis Castelhanos D. Filipe, o Bom e seu filho, lhe não deram nunca mitra nem outro algum acrescentamento, antes preferiram muitos, por que razão e justiça os devia ele preferir. Enfim, veio a morrer consolado com ver a aclamação d'El-Rei D. João IV e lograr por algum tempo a vista de Rei Português, que era o que ele mais desejava; mas a morte lhe atalhou os aumentos e melhoras a que estava a caber em primeiro lugar de todos os barretes, que naquele tempo havia neste Reino. A sua Conezia é a melhor de todas as de Lisboa, nem há outra que com ela possa competir; porque sendo a venda ordinária de cada uma de 500.000 réis até 600, quando mais, esta passa sempre de três mil cruzados e muitas vezes chega a quatro. Sucedeu-lhe nela seu sobrinho Pedro de Távora, por cuja morte a deram a D. Simão da Gama, filho do Marquês de Niza. Esta Conezia é da apresentação dos senhores de Mafra e Soalhães a qual casa está hoje unida com a do Visconde de Vilanova de Cerveira.
O sexto fingido foi aquele chamado o Peregrino de Tomar, no ano de 1632. Neste dito ano, em uma quarta-feira, chegou à Vila de Tomar aquele notável Peregrino, que tanto deu em que entender à Espanha. Tinha o cabelo que mostrava haver sido louro, faces vermelhas e bem disposto, só, em um cavalo castanho-escuro.
Foi pousar na estalagem de Francisco Lourenço, era pela manhã e já não achou missa; pôs-se logo a rezar, visitou o convento e nele ao Superior Fr. Roque de Soveral a quem mostrou trazer o Bentinho da Ordem de Cristo, de que era cavaleiro e lhe deu dois registos, um de Cristo com a Cruz às Costas, para que o desse ao D. Prior Fr. Custódio Falcão como visse, que era, fora. O outro de Santa Helena com a Cruz, para ele Fr. Roque e ambos muito bem iluminados e em pergaminho respançado; e lhe disse sempre por muitas vezes o encomendasse a Deus e esta era a resposta que dava quando lhe perguntava Fr. Roque quem ele era. E lhe respondeu que como era da Ordem de Cristo, não quisera passar por ali, sem dar obediência a seus Prelados. Pediu-lhe Fr. Roque ficasse lá no Convento e nunca o pôde acabar com ele. Falava pouco e nunca deu mercê, nem paternidade a pessoa alguma. Ali se confessou e ouviu a missa, isto no dia seguinte quarta-feira a que lhe disse o Pe. Fr. Matias d'Aguiar e lhe deu comunhão; e afirmou este Padre que aquele era El-Rei D. Sebastião porque o Pe. era muito velho e o havia muito bem visto, quando El-Rei era moço. Foi-se dali para a estalagem e nela ajustou contas, pagando o que devia e se partiu e foi jantar naquela quarta-feira duas léguas de Tomar de modo que no povoado pagava muito mais. Dali onde havia dois para três meses andava um navio ao pairo e ali se ajuntaram onze homens a cavalo, que com ele e com os cavalos se embarcaram no dito navio e não se soube mais deles. Disse o Pe. Fr. Roque de Soveral, que vinha de Jerusalém e lhe mostrou em um braço, um sinal que lá costumam pôr aos peregrinos.
Neste tempo reinava em toda a Espanha D. Filipe IV, era Presidente do Tribunal do Paço, D. António Pereira, o Beatão, da Casa da Feira, o qual mandou tirar grandes pesquisas deste caso, por um homem de seu nome António Pereira de Sousa, o Tortinho, que depois foi procurador da Coroa, por morte de Tomé Pinheiro. Era o Tortinho nesse tempo Corregedor naquelas partes. As mesmas diligências fez também Nicolau de Brito Cardoso por ser Juiz de fora em Tomar e naqueles dias se achava em Santarém, onde ao presente também assiste por Juiz das Valas. Ele me contou tudo o que aqui é relatado e mo deu por escrito em a tarde dum Sábado, 15 de Julho de 1662, em sua casa na rua dos Cónegos, servindo de Desembargador dos Agravos da Casa da Suplicação. Dizendo-me mais, que o tal peregrino dera em Tomar algumas esmolas e que se parecia tanto com o Pe. Fr. Pedro Ramalho, Religioso muito velho da Ordem de Cristo, que se dizia, é Fr. Pedro com barbas e pelo Frade diziam, era o peregrino com elas; e ambos se pareciam muito com os retratos que há-de El-Rei D. Sebastião em velho.
Do livro “Feiticeiros, Profetas e Visionários – Textos antigos Portugueses” – Casa da Moeda – Biblioteca Nacional, 1981
A 5 de Julho próximo, os suíços vão a votos em plebiscito sobre a criação de um rendimento básico incondicional.
Segundo a iniciativa, cada cidadão deve receber uma renda mensal básica sem qualquer condição; não seria adequado ter de pagar-se a própria existência, nem ter de ser obrigado a trabalhar por dinheiro.
Os iniciadores do modelo suíço partem do princípio de que mesmo assim a maioria dos suíços não deixaria de trabalhar. Prevêem haver mais empregos no sector de baixos salários e ser racionalizada a gestão social do Estado com menos burocracia social.
O valor da renda é questão para resolver depois. Alguns falam de um “salário” mensal base de 2.257 € independentemente de outros salários.
Na Finlândia encontra-se em consideração um modelo neoliberal pensado em termos semelhantes na base de 800 € por mês e pessoa, o que corresponde a um poder de compra na Alemanha de 664€ (segundo as contas da HNA, 19.05). Em contrapartida deixaria de haver os benefícios sociais vigentes. Pretendem em 2017 fazer uma experiência por dois anos em que 10 000 famílias devem participar; a experiência custará vinte mil milhões de euros.
Isto é certamente uma utopia que começará por tropeçar nas contas para financiar tal medida; neste caso, segundo o Prof. Domini H. Enste, o imposto de consumo teria de passar dos 19% para 50%, somar-se-iam os direitos já adquiridos em relação à reforma, tiraria a motivação para trabalhar e modificaria a atitude em relação ao trabalho.
Uma das consequências poderia ser acabar com as notas na escola; seria de prever o risco de uma dessolidarização da sociedade e o aumento de problemas psíquicos para muitos.
Angola vivia em final de 1991 e começo de 92 uma trégua para negociações de paz, onde ninguém confiava em ninguém. Era uma espécie de conversa de surdos. A prova é que a trégua durou pouco e a guerra civil ainda durou mais dez anos. Pobre gente.
À chegada, aguardava-me um antigo parceiro de caça, de caçadas inesquecíveis, grande amigo, uma boa disposição contagiante, o querido companheiro Nelson Peixoto, o famoso “Ninocas” de quem contei já algumas peripécias.
Deixar as malas no hotel e depois almoçar num restaurante que a TAP tinha lá para os lados do Bungo.
Garoupa. Cozida. Huummm! Que maravilha. Já não me lembrava como era delicioso o peixe de Angola. Não tem igual.
Entretanto expus o que ia fazer a Luanda e ele foi-me dizendo que falar com gente do governo era pior do que nas nossas velhas caçadas! Dificilmente encontrava alguém no trabalho. Entravam e saíam logo em seguida para o “esquema”!
O “esquema” foi uma modalidade criada pela fértil imaginação do angolano para ganhar um dinheirinho a mais. A moeda local, Kwanza, estava desvalorizadíssima; encontrar comida era uma sorte e, ou se pagava no mercado negro, o famoso e imenso Roque Santeiro, ou então tinham que ir comprar nos mercados “oficiais”, em dólares, e depois revender “cá fora” por preços incríveis. TODA a gente andava no “esquema”. Directores de serviço, contínuos, qualquer um.
O Ninocas mandava vir legumes do sul, Benguela ou Namibe, vendia, isto é, entregava na fábrica de tabaco e, em vez de receber dinheiro pagavam-lhe em cigarros. Cá fora valiam muito mais e assim ele ia sobrevivendo!
Tudo o que vinha do sul era por mar, e atracar era coisa de lotaria. Queria que eu lhe procurasse pela Europa uma barcaça de desembarque, que certamente haveria muitas como sobra de guerra. Com isso ele não tinha que esperar: levava a barcaça a uma praia, descarregava, voltava a carregar qualquer coisa para o sul e faria um grande negócio. Ainda procurei. Havia alguma coisa lá pela ex-URSS mas o custo do transporte tornava a operação inviável.
Como a empresa para quem eu trabalhava era espanhola, a primeira visita foi ao Embaixador de Espanha.
Don Antonio Sánchez Jara, uma pessoa por quem fiquei com enorme consideração. No dia seguinte recebi no hotel um telefonema da sua secretária. O Embaixador pedia desculpa de me convidar à última da hora para jantar em casa dele! Mandou-me buscar de carro; à mesa, o Embaixador e a Senhora, única senhora (ambos extremamente simpáticos, para quem envio bons “saludos”), dois técnicos da Repsol, dois do Banco Mundial, o secretário da Embaixada, e eu. Um jantar delicioso, simpático, com gente muito agradável. Conversa: sobre os problemas de Angola, como é evidente, mas o único que conhecia um pouco aquele país era eu. Os outros eram “estrangeiros novatos”!
Um dos projectos que o Banco Mundial estava a analisar era o da recuperação de algumas estradas principais, mas chocavam com o elevado custo do asfalto que teria que ser importado. Entrou o “angolano” – eu – na conversa: Asfalto? Há dois lugares, aqui perto de Luanda, que eu conheço e por onde tanta vez passei, com o asfalto aflorando à superfície!
Incredulidade do “mundiais e dos repsóis”: Como é possível? Ninguém nos falou nisso! – Tem razão, mas eu vivi aqui vinte anos, cacei por todo o lado e posso garantir-lhe que isto é a realidade. Só tem que lá ir com uma escavadeira e caminhões e.... carregar! Amanhã de manhã vou estar com o meu antigo companheiro de caça e ele vai dar-me, com precisão a distância a que se encontram os dois afloramentos. – Se isso for assim, o projecto custará menos um milhão de dólares.
O Ninocas confirmou e precisou a distância a que cada um se encontrava. À tarde encontrei o pessoal do Banco Mundial que ficaram encantados e tiveram que rever todo o estudo feito com as “autoridades” angolanas!
Acompanhando o Embaixador, visita ao ministro dos Transportes que era também o director do Caminho-de-ferro de Luanda, quase inteiramente destruído e que só ia da Estação do Bungo até à Estação dos Muceques! Uns 8 ou 9 quilómetros. Uma espécie de Metro urbano, onde não havia uma única carruagem que tivesse um vidro nas janelas: tudo quebrado. Para o interior a guerra civil havia destruído pontes, trechos de linhas, estações, etc. Intransitável. O projecto a discutir era estabelecer o custo da análise da situação, ao longo dos mais de 400 quilómetros de Luanda a Malange. Teria que se percorrer toda a via para o que era indispensável uma forte segurança armada, logística de apoio – onde dormir e comer – e que só o governo poderia fornecer.
Sexa o ministro recebeu-nos esparramadão numa poltrona, ar de “grand seigneur”, sentindo-se um sheik das arábias, foi dizendo que não podia dispor de segurança nem garantir a logística, que qualquer país podia executar em Angola os projectos que entendesse que eram muito bem-vindos, tanto mais que Angola não iria pagar nenhum deles! Eu quase explodi, mas na maior calma disse a sexa: - Angola vai pagar, pode ter a certeza que vai. E caro. Para já os bancos fazem de bonzinhos. A conta vem depois! Não quis mais interpor-me ao diplomata que se comportou como um ... grande diplomata! À saída eu ainda lhe disse: - Pobre Angola, com estas bestas!
Esse projecto nasceu já morto.
Outro que o governo tinha anunciado, seria a recuperação da agricultura rural da Baixa de Cassange, e isso me interessava muito porque conhecia bem o problema. Interlocutor: o director do Departamento de Agricultura... já nem sei do que. Um jovem, todo engravatado, teria menos de 30 anos, formado na Checoslováquia, que não fazia ideia do que era um pé de mandioca, de algodão e muito menos onde ficava a Baixa de Cassange.
Recebeu-me, acolitado por outros dois eminentes técnicos e a conversa foi outra desgraça.
Assim mesmo estudei bem o assunto e voltei a Luanda pouco depois para entregar o projecto pronto. Entretanto acabou-se a trégua, recomeçou a guerra e todos os projectos foram para o lixo!
Na esperança de poder ganhar o projecto da agricultura, em conversa com os técnicos do Banco Mundial disse-lhes que havia um outro projecto do maior interesse para Angola e para o mundo, que era recuperar a Reserva de Cangandala, com a Palanca Preta Gigante, animal único, e que estava bastante destroçada, como tudo. Foram unânimes em me dizer que esse projecto seria rapidamente aprovado pelo interesse que demonstrava. Eu embandeirei porque me propunha administrar os dois projectos que... nada!
Fiquei hospedado no Hotel Tivoli, que um ou dois dias depois recebeu a delegação da Unita para as conversações de paz, e todo um andar, creio que o 5°, do hotel foi-lhe reservado.
Uma ocasião em que eu subia para o meu quarto, o elevador parou nesse andar; ao abrir-se a porta fui recebido com uma metralhadora encostada à barriga! – Que estás a fazere aqui? – A caminho do meu quarto, no andar de cima!
No bar encontrei o chefe da delegação, cuja cara me lembrava alguém que tivera conhecido. Perguntei se me podia sentar a seu lado para conversarmos, ao que disse logo que sim. Não conseguimos saber de onde nos conhecíamos, mas encontrámos amigos ou conhecidos comuns; tivemos uma conversa interessante, durante a qual percebi que ele não tinha esperança em qualquer negociação com o MPLA! Com razão. O zédu não iria largar da mão o que tanto lhe rendia e ainda rende.
No dia seguinte tive que esperar talvez uma hora antes de poder sair do hotel. A tropa do MPLA estava ali na frente e já tinha metralhado o hotel!
Alugadoras de carro... não havia. O Ninocas conhecia alguém que fazia esses biscates: alugava um Ford Cortina, aí com vinte anos, já sem amortecedores, folga de mais de meia volta na direcção, mas andava, foi-me muito útil e também paguei bastante por ele!
Uma tarde saí de Luanda, contra todas as advertências possíveis e quis dar uma volta pelo Cacuaco e lagoa do Panguila onde tantas vezes tinha ido caçar. No regresso meti um pouco pelo interior, estradas, aliás picadas, de terra, pelo Quifangondo, e num cabeço encontrei um pequeno aglomerado. Muita criança e adultos ficaram espantados de verem aparecer um carro, e com um branco, sozinho, lá dentro. Rodearam o carro, sempre amistosos, chamaram o chefe que era o “delegado do partido” (estrutura ainda soviética). Conversámos um pouco e num outro cabeço mais adiante eu via, acima do capim, umas manchas azuis. Estranho! O que é aquilo? – É dos bugres! – Dos bugres? – Sim. Eu só conhecia essa palavra do Brasil que significa mais ou menos “indígena não cristão”, o que nada tinha a ver com Angola. Veio então a explicação:
- Os bugres, depois que acabou a União Soviética foram todos embora, e deixaram ali aquelas máquinas!
Entendido. Búlgaros, que tinham ido para Angola “ensinar” os angolanos a trabalhar a agricultura com máquinas. Uma imensa vigarice. Eles que nada, nada, sabiam de agricultura em clima tropical! Não ensinaram nada, não produziram nada, o povo evitava o contacto com eles, tanto que estava, não proibido, mas implícito, que ninguém tocaria naquelas máquinas que ali ficaram a enferrujar. Sempre deu para a URSS explorar um pouco mais os pobres africanos.
Estava nessa altura a trabalhar em Luanda, no Pão de Açúcar, um querido sobrinho, o João Carlos. Voltávamos, sábado de manhã da Ilha e fomos mandados parar por dois polícias, com duas motos novinhas, Harley Davidson, fardamento novíssimo, ar triunfal. Pediram os documentos, tudo estava em ordem e foram embora. Pararam pouco adiante para fazerem “banga” com dois colegas que estavam com as fardas podres bem como o carro. Ao passarmos ali mandam-nos outra vez parar. – Seu guarda, o senhor parou-nos agora mesmo alia atrás. – Ah! Tudo bem. Então tenham um óptimo fim de semana!
Domingo, para despedida, com o meu amigo Ninocas fomos à Ilha comprar marisco para o almoço em casa dele. Umas lagostas, muitas gambas, um precinho aceitável, umas garrafas de vinho. A empregada, que creio que era para TODO o serviço, pôs a mariscada na chapa.... e surgiu o milagre das coisas boas!
Despedi-me de Angola, com o coração partido pelo estado em que o país se encontrava, mantive algum contacto com o meu amigo que um dia emudeceu. Deve ter ido descansar o que tanto merecia, mas deixou muita saudade.
Da esquerda para a direita: Mendes Cabeçadas, Oliveira Salazar, Mendes dos Remédios, Manuel Rodrigues e Vicente de Freitas
Já ninguém se lembra ou sabe disso, mas há 90 anos teve início um jogo de cadeiras que iria decidir o futuro da Nação para o próximo meio século. Em 28 de Maio o marechal Gomes da Costa, (que tinha comandado o Corpo Expedicionário do Exército português, em França, durante a I Guerra Mundial) envergou a sua farda e "com o incondicional apoio da oficialidade do Exército e cinco milreis no bolso", iniciou em Braga uma marcha sobre Lisboa - que efectuou de comboio - e, aqui chegado, depôs o Governo em exercício, encerrou o Parlamento e aprisionou Bernardino Machado, Presidente da moribunda República.
No caminho, em Santarém, o marechal pactuara com o comandante (mais tarde almirante) Mendes Cabeçadas, figura que inspirava confiança aos círculos afectos à Maçonaria, a quem convidou para formar governo. Entretanto enviou mensageiros a Coimbra para convidar 3 professores ligados ao Centro da Democracia Cristã a participar no novo Governo: Mendes dos Remédios (Educação), Manuel Rodrigues (Justiça) e Oliveira Salazar (Finanças).
A foto junta (que encontrei no arquivo pessoal de meu pai, oficial de Marinha que serviu sob as ordens de Mendes Cabeçadas) documenta a conversa no Palácio da Ajuda, em 4 de Junho, entre os professores e o comandante Cabeçadas (de costas, em conversa com Salazar). Note-se que as botas eram de rigor.
Foi aqui e então que começou o jogo do empurra: Salazar não chegou a acordo com Cabeçadas e voltou para Coimbra, onde Mendes dos Remédios o iria repescar em 10 de Junho. Foi pois o último a entrar. Cabeçadas foi o primeiro a saltar fora, convidado a sair por Gomes da Costa "a pedido dos jovens tenentes do Exército".
Isto aconteceu em 17 de Junho. Só então Salazar tornou publica a sua adesão. A segunda vítima foi o próprio marechal deposto pelos mesmos tenentes em 9 de Julho seguinte. Este foi exilado para os Açores. No seguimento, o General Carmona, então Ministro dos Estrangeiros, assumiu a Presidência que conservaria até à sua morte (1951).
O novo Presidente fez constar que não prescindia da presença de Oliveira Salazar no governo. Salazar foi deposto por doença em 27 de Setembro de 1968.
Verificou-se pois que o último a entrar – o que não mostrou pressa - foi o que durou mais tempo.
Digo eu que o velhote vai ali ver a vista sobre o vale com o Tejo lá ao fundo; digo eu que o velhote deixou cair a bengala e não vai ser capaz de a apanhar; digo eu que isto havia de acontecer agora que o Sol se põe e não tarda muito a ser noite; digo eu que vou lá meter conversa e disfarçadamente pôr-lhe a bengala à mão em vez de continuar aqui no carro a ler e a ouvir a Suite nº 1 para violoncelo solo de Bach.
E fui...
Eu – Boa tarde!
Ele – Boa tarde!
Eu – Então veio aqui ver o pôr-do-Sol ou cuidar da horta?
Ele – Vim aqui espantar os macacos que tenho na cabeça. Lá dentro só se vêem desgraças. Isto aqui é tudo uma ilusão. A vida que se leva aqui é quase o caixão. Nós só ainda não percebemos que isto é tudo uma ilusão. Faz de conta que isto é a vida... Dizem que deviam ser os filhos a tomar conta dos pais mas eles não têm casas para poderem cuidar dos pais. E têm que trabalhar... Eu não tenho filhos e os meus três irmãos e sete sobrinhos não querem saber de mim para nada. E olhe que fiz por um sobrinho o que mais ninguém podia fazer quando ele foi lá para a terra fraco dos pulmões e eu lhe dei tudo para ele se curar. E curou-se.
Eu – E o Senhor donde é?
Ele – Sou de Pombal, Freguesia de Albergaria dos 12.
Eu – E porquê 12 e não 13 ou 14?
Ele – Olhe! Já me fizeram essa pergunta dezenas de vezes. Talvez mesmo centenas. É do tempo em que inventaram os Correios e lá se fez uma casa para os homens dos cavalos e das galeras passarem a noite. E essa casa era um albergue onde podiam dormir 12. Também se lhe chama albergaria a essas casas. Os Correios ainda hoje têm o boneco do homem a cavalo.
Eu – Pois claro, bastava eu ter pensado um pouco e havia de ter descoberto. Mas é mais agradável conversar do que ficar a pensar nas coisas sozinho.
Ele – Mas às vezes havia mais gente a precisar de dormir e então as casas das aldeias à volta punham uma candeia de azeite por dentro da janela a dizer que ali havia quarto para quem quisesse passar a noite.
Disfarçadamente, apanhei a bengala e encostei-a ao tronco da árvore em que ele tinha a mão direita encostada.
Ele – E os que passavam diziam «ali tem» (quarto para dormir). E assim ficou a chamar-se àquelas terras Santiago de Litém e S. Simão de Litém.
A minha mulher já estava junto do carro a fazer-me sinais porque a visita de Natal à antiga costureira chegara ao fim.
Eu – Isso é mesmo muito interessante. Gostei muito desta nossa conversa mas agora tenho que ir, a minha mulher já me chama.
Ele – Obrigado pela visita e quando cá voltar olhe para aqui a ver se eu ainda cá estou e venha cá conversar mais um bocado. Agora vou para dentro, para a ilusão e para aquelas desgraças todas. Vou ajudar a dar a sopa a umas que já não conseguem comer por elas. O pessoal é muito bom mas eu gosto de ajudar. Enquanto posso. Mas o Senhor volte cá para a gente continuar a conversar. Boa noite e obrigado pela visita.
Acenei-lhe de longe e ele respondeu-me com a bengala no ar a agradecer-me ter-lha posto junto da mão. Dei a volta ao carro e lá vinha ele pelo meio do relvado, a caminho da ilusão, dar a sopa às que já não conseguem comer por elas. Mais vale isso do que suportar a solidão. As que já não conseguem comer por elas não percebem que estão sós; ele sabe que o está e isso é tremendo.
Terei feito bem tirando-o por momentos daquela ilusão?
NO RESCALDO DA LUTA ENTRE CONSERVADORES LIBERAIS E SOCIALISTAS RADICAIS
PORTUGAL PARECE INVESTIR MAIS ENERGIA NA IDEOLOGIA DO QUE NA ECONOMIA
Em discussão sobre o ensino, Francisco Seixas da Costa defende que “o ensino público obrigatório seja laico e naturalmente, gratuito” e faz a confissão de que “Entregar crianças que, por lei, deveriam ter um ensino laico a escolas que observam rituais religiosos (católicos ou outros) configura um grave infringimento de uma importante liberdade constitucional, um dos fundamentos basilares da ética republicana”.
O senhor Embaixador certamente já se deu conta de eventos e comemorações do Estado laico muito inocentes que correspondem a verdadeiros ritos (actos “religiosos” laicos) que podem ser entendidos como festas de ideologias que até se transformam em ritos de endoutrinação.
Os prosélitos da “ética republicana” declaram a Constituição de crença laica em contraposição com o mundo religioso como se a crença laica não fosse, também ela, uma crença e como se ela não sofresse de particularidades e de uma mundivisão própria e outras éticas não tivessem uma concepção de homem e sociedade de visão universal.
Ensino obrigatório sim, mas que o ensino tenha de ser laico, corresponde a fazer prevalecer a confissão ideológica laica sobre outras, num país em que a república e a laicidade se definem em termos de racionalismo, materialismo e esquerdismo. Muitas pessoas meteriam os seus filhos no Ensino Público se este fosse isento, independentemente da sua matriz constitucional de esquerda. As escolas do estado em 2016 recebem 105.800€ por turma e as escolas com contratos-associação recebem 80.500€.
O estado laico não é eunuco, não é virgem, nem é isento; o povo que o legitima é formado por cidadãos de crença religiosa, de crença laica, de crença agnóstica, de crença ateia e de crença ideológica de direita ou de esquerda.O Estado, em vez de disponibilizar um ensino estatal independente e neutro quer ver nas suas escolas um ensino de matriz de confissão laica. A escola do estado não é isenta como pude observar em muitos anos de professor do ensino público. República significa coisa pública, coisa de todos e, como tal, não é compreensível que a ideologia de Abril determine a influência ideológica do ensino, apelando para a Constituição tal como na política do ensino no regime de Salazar.
Neste texto darei a impressão de colocar o primado da liberdade individual sobre a comunidade, embora esteja convencido de que a liberdade só acontece na relação interpessoal criadora de comunidade: uma comunidade educativa em que professores e alunos são sujeitos aprendizes.
Com a pressuposta “ética republicana”, o senhor embaixador considerada tal moral como algo absoluto, um puré obrigatório e como tal subsidiado desde que mastigado pela boca do Estado. Quem tiver dentes ou quiser outros a mastigar o seu puré que recorram ao ensino privado laico e ao ensino privado religioso mas pagando tudo do próprio bolso.
A tal ética republicana exige para ela o privilégio de ser financiada por todo o cidadão. Isto é discriminação obrigando a ideologia republicana a ser privilegiada, e assim a ver a sua ideologia considerada pública e como tal com o direito (só ela) aos dinheiros públicos. Identificam a sua ética republicana com uma filosofia ética de Estado à imagem das caducas repúblicas comunistas que vendem como universal e pública a sua ideologia de pensar oficial.
A chefe de governo Margaret Thatcher já constatava: “Jamais esqueçam que não existe dinheiro público. Todo o dinheiro arrecadado pelo governo é tirado do orçamento doméstico, da mesa das famílias”.
O senhor embaixador anda mal informado sobre as escolas católicas; há escolas cristãs que até têm espaço para oração para muçulmanos. Conheço indianos que frequentaram escolas católicas até na Índia e continuaram Hindus. As escolas católicas têm fama e por isso são procuradas por hindus, muçulmanos; até socialistas não fanáticos inscrevem seus filhos nelas porque sabem que são respeitados na sua ideologia, outros preferem ensino privado laico com a coloração da sua ideologia.
Testemunho pessoal
Eu próprio, fui professor de uma escola privada católica em Lisboa e tinha um dos melhores alunos de fé judia e quando ele atingiu os doze anos até fui convidado para a sua festa Bar Mitzvá na sinagoga de Lisboa; no colégio católico ninguém era obrigado a frequentar a missa; também o ano escolar era aberto com uma missa mas ninguém era controlado. Nas escolas católicas que conheço não há e doutrinação, ou, quando muito tanta como nas escolas públicas: o que há é uma visão integral da pessoa que não se deixa reduzir a uma ideologia.
Conheço escolas com contrato, uma delas que conheço sob responsabilidade da Igreja e ela consegue, dado ser apoiada, promover os filhos dos pobres ao mesmo nível que são promovidos os filhos de papá e mamã! Conheço ensino privado nas mãos dos salesianos, de alta qualidade para filhos de pobres e ricos e ciganos. Muitos salesianos ensinam ao lado de outros professores nas suas escolas sem reterem para eles o fruto do seu trabalho; são pessoas cristãs humanistas não inquinadas pelo preconceito. Eu mesmo cheguei a dar aulas em duas escolas dos salesianos; trabalhava 27 horas lectivas por semana, enquanto os colegas de fora, não salesianos leccionavam o horário oficial de 22 tempos lectivos. Aos fins de semana dedicava-me ao trabalho pastoral. Muita criança pobre conseguia aqui uma educação integral e esmerada tal como outros que podiam pagar. O que os salesianos poupavam vivendo numa comunidade (verdadeiro comunismo) era investido em favor dos alunos. Devido a muitas experiências que tive de crianças abandonadas e até filhas de prostitutas que através dos salesianos conseguiram estudar e depois seguir estudos tecnológicos e universitários e alcançar uma vida integrada na sociedade, sou, por experiência positiva um defensor do ensino privado católico. Além disso sou defensor da liberdade desde que ela reverta em favor da do indivíduo e da comunidade. O grande problema hoje é a desorientação humana, o capitalismo liberal e o relativismo. Pena é que a esquerda radical seja sempre contra a igreja católica e em todo o lugar em que se encontra siga uma luta estratégica contra ela, sob o principal motor da maçonaria; isto obriga à perda de tempo e energia na defesa da parte quando as energias seriam mais bem empregues num esforço de colaboração e complementação ao serviço do aluno.
Tenho três filhos que frequentaram escolas cristãs e escolas do estado e tenho um que frequentou só escolas do estado. O Estado alemão subsidia a Escola privada, embora também ele seja republicano; na Alemanha, em geral, a República orienta-se mais pelo bem comum, pela economia e pela cultura com uma forma de estar plural e não tao dependente de uma ideologia tao vincada nem tão proferida publicamente; não está dependente da ideologia republicana de tipo francês, ao contrário do que acontece com Portugal com elites influentes copiadoras e servidoras das ideologias republicanas de matriz francesa. Embora muito consciente de todas as formas de ensino, estou contente com o ensino público do Estado e com o do Privado. O ensino privado coloca mais importância no desenvolvimento da personalidade individual e no respeito pelas suas potencialidades. Na Alemanha, devido ao cofinanciamento do ensino privado as escolas privadas são mais baratas que em Portugal. E por isso mais acessíveis à camada social desprotegida.
O ensino católico como o de todas as instituições terá também defeitos mas a imagem de catolicismo que a esquerda radical parece ter, parece sofrer da conotação republicana de cunho maçónico dos inícios da república e julga, predominantemente com pressupostos escuros, tudo o que é católico; naturalmente parece tratar-se aqui de um ressentimento recíproco que foi semeado por Marquês de Pombal e estruturado na República. Há que abraçar-nos para que o povo não continue a pagar as favas da nossa incompreensão.
Absolutismo da Matriz ideológica republicana?
Seria interessante se o senhor embaixador definisse o que entende por “ética republicana”... Porque há-de ser a ética republicana superior à de outras éticas onde a liberdade e o respeito pela pessoa e a solidariedade social não são apenas teoria? Porque há-de a matriz republicana e dos grupos que se apoderam do Estado, ter o privilégio de impor a sua confissão/matriz como doutrina sub-reptícia de Estado e vê-la reconhecida como monopólio privilegiado e subsidiado pela nação e financiada pelo Estado? O Estado terá de ser mais isento, mais qualitativo, menos ideológico para melhor servir todo o cidadão na qualidade de pessoa e assim as pessoas não se virem obrigadas a terem de tirar os filhos das suas escolas.
A constituição religiosa católica defende o direito à liberdade religiosa e isto é praticado; excepções sempre haverá, tal como há escolas do Estado em que a ideologia de esquerda é mais vincada que noutras. Não conheço ensino religioso nas escolas por onde passei (não vivemos nas arábias!), conheci sim o ensino científico acompanhado de aulas de moral e religião e nas escolas católicas não há missionação nem proselitismo ao contrário do que acontece nesta nossa discussão.
A lógica de “ética republicana” apresentada conduz a um beco sem saída; porque no seu entender deveriam seguir todos a ética republicana, como se essa fosse o Corão republicano para toda a nação. Ao cidadão basta-lhe a Constituição, passível de muitas interpretações, embora a Constituição portuguesa tenha ainda muitos ressaibos ideológicos.
A Dúvida conduz à Controvérsia e a Controvérsia ao Desenvolvimento
Os guardiães do republicanismo determinam o pulsar do coração da república (à semelhança do que a religião fazia na governação régia), pensam não precisarem de se justificar – pensam-se República e querem a república a pensar como eles, querem como monopólio a sua “ética republicana” de que abusam, chegando a exigir que os outros se justifiquem do que acham injustificável. São tão categóricos que consideram esforço perdido quem defende outras posições. Mas justificar o quê e perante quem? Haverá alguém em posse da verdade? A verdade não se pensa, nem se tem, a verdade acontece!
Será que quem já tem acesso ao cofre já pode descansar dando-se ao luxo de abdicar da dúvida?A dúvida bem fundamentada já se encontra no apóstolo Tomé e é um elemento importante da crença cristã, que possibilitou em grande parte o desenvolvimento da civilização ocidental.
Muitos não querem compreender que Portugal é cada um de nós, seja de crença ateia ou de crença religiosa, de esquerda ou de direita. Uma sociedade com futuro integra todos os cidadãos – o cidadão é o rei - e preocupa-se mais em consumir menos do que produz.
O direito e o dever de aprender é uma coisa natural em todos os Estados civilizados e consequentemente a existência de uma rede pública. Em Portugal só havia a quarta classe como ensino obrigatório e já na Alemanha havia, duas gerações atrás, a obrigatoriedade de frequência do 7° ano.
Também hoje o Estado alemão apoia medidas especiais em faculdades de elite para assim poder manter-se à altura da concorrência técnica e do saber a nível internacional. Um certo Portugal produziu uma certa elite que vive bem encostada ao Estado e a uma ideologia republicana antiquada; por isso a economia portuguesa se mostra sempre carente num Estado habituado a viver à mama das remessas emigrantes, do estrangulamento dos investidores pequenos e médios e da mão estendida ao estrangeiro. Temos uma consciência ideológica de clube e não uma consciência de sermos um país orgânico baseado na produção e contributo da diversidade de cada cidadão.
Persistimos em ser um povo moderno e aberto para inglês ver, a viver do cantar da cigarra e de lógicas interessadas na defesa da própria cerca! Falta-nos a normalidade do viver porque habituados a ser levados pelo cantar doentio dos intelectuais que perderam o sentido da realidade, do país e da natureza em que vivem! Creio que, infelizmente, a nossa maior doença, como povo e como elites, é a de vivermos virados para o próprio umbigo! O mundo não começa nem acaba em Portugal. Para não atraiçoarmos Portugal e a lusitanidade temos de voltar ao universalismo e humanismo universal que caracterizava a Escola de Sagres" de um Dom Henrique, de um Vasco da Gama e de um Camões que partilhavam ainda de uma visão cultural universal e de um saber de experiência feito. Portugal não terá hipótese de se desenvolver enquanto a elite política confundir a maneira de estar europeia com a francesa.
O mesmo Estado que se diz laico em relação ao catolicismo subsidia a construção da Mesquita muçulmana em Lisboa e pelos vistos com milhões de euros! Também aqui o nosso Estado laico se mostra interesseiro. A esquerda é a favor da subvenção da Mesquita porque indirectamente subsidia a própria ideologia dado a antropologia muçulmana e o método de governar andar muito perto do ideário maçónico e socialista marxista: quem vale é a doutrina e o grupo de interesse, a pessoa é apenas meio para se atingir um fim! Isto constitui, a longo prazo, um tiro no pé da própria laicidade. Quanto à Mesquita a construir na Mouraria quem deveria negociar seria o grupo muçulmano e o proprietário do terreno.
A escola portuguesa tem produzido muita gente de intelectualidade convencida e ideólogos demasiado finos e altos para poderem descer à realidade do dia-a-dia, num sistema estatal paternalista favorecedor de parasitas; continua a viver da ideia dos novos-ricos dos descobrimentos habituados a viver dos trabalhadores manuais alheios, mas que, no fundo, desprezam por o trabalho sujar as mãos. Por isso Portugal alimenta predominantemente uma elite ideológica de partidários quando precisaria de uma elite económica e de uma elite intelectual não encostada a uma só ideologia. Portugal – um país com um povo de grandes potencialidades – é assim obrigado a marcar passo porque as energias do discurso se esgotam em lutas ideológicas longe dos interesses concretos de uma nação que para ser adulta teria de ser reconciliada e viver menos da cantiga e do fazer para inglês ver!
A geração que parece ser promissora de futuro não se orientará tanto pelo espírito de alternativas mas sim pelo espírito de complementaridades e de inclusão.
O elmo de D. Sebastião regressou a Portugal no início de 2011
O préstito fúnebre que acompanhou o corpo do Rei D. Sebastião de Faro até ao Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, sob a direcção do vedor Francisco Barreto de Lima, era composto pelos seguintes fidalgos nomeados por Filipe I:
D. Diogo da Silva
D. Francisco de Castelo Branco
Henrique Correia da Silva
Jerónimo Moniz de Luzinhano
D. João de Castro
D. Lourenço de Almada
D. Lucas de Portugal
Ruy Lourenço de Távora
Resta agora saber se o corpo transportado e homenageado era efectivamente o do jovem Rei D. Sebastião ou se tudo não passou duma fantochada para justificar a subida de Filipe II de Espanha ao trono de Portugal.
Seria interessante averiguarmos se é mesmo o corpo do Rei que está no túmulo, se é o cadáver de outra pessoa, o de algum animal de peso equivalente ou apenas entulho.
Não que assim possamos mudar a História mas apenas aquilatarmos de como podemos ou não acreditar no que nos contam na Escola quando somos petizes.
Em Portugal, a emigração não é, como em toda a parte, a transbordação de uma população que sobra, mas a fuga de uma população que sofre.
Eça de Queirozin “As Farpas”
Fiquei assim a saber que no século XIX as pessoas emigravam porque sobravam. Terá por certo sido o caso dos irlandeses rumo à América com o pretexto de que as batatas do Ohio tinham um paladar diferente das do Ulster; o caso dos italianos rumo à Argentina porque preferiam o tango à ópera; o dos franceses rumo ao Norte de África porque lhes terão dito que o ar seco fazia bem à pele; foi provavelmente o caso dos ingleses rumo à Austrália porque preferiam os pulos dos cangurus à quietude das masmorras reais; já tinha certamente sido o caso dos suecos rumo ao Meridião porque queriam experimentar a eficácia das velas dos drakkars; havia judeus a mais na Palestina e foi por isso que tiveram que optar pela diáspora...
Nas caladas noites de Inverno, quando despego o olhar dos papéis, encontro sempre os teus olhos que me envolvem de ternura. Isto é quase nada – e revolve o mundo. É saudade, é a vida que passa e a morte que se aproxima, enquanto o tronco arde no lume, o pinheiro estala ou o carvalho amorroa.
De fora vem o hálito da floresta e das águas. Mais silêncio... Surpreendo-te então a repetir o meu pensamento, ou é o teu que me acode ao mesmo tempo. Não fales! Outra figura transparece atrás da tua figura. Nesse momento até o lume parece encantado e ficas tão linda que antevejo a vida misteriosa que me fascina e deslumbra. Isto só dura um segundo. Mas basta às vezes que sorrias e é a tua alma que sorri; basta às vezes que não fales e é a tua alma que me fala. Nesse momento somos um ser: eu sou tu; tu és eu; tu sorris, eu sorrio. Então cai sobre nós o silêncio – e eu descubro o que só nos é dado ver depois da morte, a amplidão das almas, seu poder magnético e, num deslumbramento, ao lado da existência pueril, a imensidade do universo e o infinito que nos rodeia e de que perdemos a sensação pelo hábito.
Raúl Brandão
Raúl Brandão e a sua mulher, Maria Angelina, com quem manteve uma grande cumplicidade criativa
O texto seguinte foi alinhavado em Fevereiro de 2014 mas «quand même et malgré tout», está actual porque os das parangonas têm falta de imaginação.
As coisas que se ouvem...
...que alguém decidiu que andávamos a viver acima das nossas possibilidades... mas os saldos negativos da Balança Comercial que já considerávamos eternos eram disso prova inequívoca
...que a Merkel é a Führerin do IV Reich... mas ela apenas quer deixar de suprir aos défices que os perdulários provocam na governança dos respectivos Estados
...que se lixe a Troika... mas se não fosse ela já estaríamos há muito com senhas de racionamento
...que estamos a matar o Estado Social... mas todos exigimos ao Estado que nos dê tudo não querendo, nem ao longe, ouvir falar de qualquer tentativa de reequilíbrio das contas públicas
...que Jorge de Sena terá dito que «Não quero morrer sem ver a cor da liberdade»... mas pisgou-se para outras paragens quando não assumiu as consequências técnicas do parecer negativo que deu à construção da ponte sobre o Tejo em Lisboa
...que os velhos ficaram com muito menos do seu contrato com o Estado que se comprometia devolver o investimento de uma vida de trabalho... mas os sistemas de segurança social europeus praticamente nada têm a ver com a capitalização dos descontos que cada um faz pelo que o Estado apenas se comprometeu a pagar aos reformados com os descontos dos que estão no activo
...que 5% dos sem abrigo têm cursos superiores... mas resta saber se se trata de cursos com procura real no mercado de trabalho
...que há enfermeiros a partir entre lágrimas para Inglaterra e Alemanha... mas até há 40 anos partiam para África e choravam menos ou não choravam de todo
... que não se conte com a Esquerda para continuar a austeridade... mas não diz onde se vai financiar para voltar a gastar ao seu estilo, o perdulário
...que as conquistas de Abril são irrevogáveis... mas afinal não são porque já não há quem as pague