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A bem da Nação

LENDA DAS SETE CIDADES

 

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Conta a lenda que o arquipélago dos Açores é o que hoje resta de uma ilha maravilhosa e estranha onde vivia um rei possuidor de um grande tesouro e uma imensa tristeza por não ter um filho que lhe sucedesse no trono.

 

Esta dor tornava-o amargo com a sua rainha estéril e cruel com o seu povo. Mas uma noite, perante os seus olhos, desceu uma estrela muito brilhante dos céus que aos poucos se foi materializando numa mulher de beleza irreal envolta em luz prateada.

 

Com uma voz que mais parecia música, essa mulher prometeu-lhe uma filha bela como o Sol sob a condição que o rei expiasse a sua crueldade e injustiça através da paciência.

 

O rei teria que construir um palácio rodeado por sete cidades cercadas por muralhas de bronze que ninguém poderia transpor.

 

A princesinha ficaria aí guardada durante trinta anos longe dos olhos e do carinho do rei.

 

O rei aceitou o desafio.

 

Decorreram 28 anos e com eles cresceram a impaciência e o sofrimento do rei, que um dia não aguentou mais.

 

Apesar de ter sido avisado que morreria e que o seu reino seria destruído, o rei dirigiu-se às muralhas, desembainhou a espada e nelas descarregou a sua fúria.

 

A terra estremeceu num ruído terrível e das suas entranhas saíram línguas de fogo enquanto que o mar se levantou sobre a terra e a engoliu.

 

No fim de tudo, restaram apenas as nove ilhas dos Açores e o palácio da princesa, transformado agora na Lagoa das Sete Cidades dividida em duas lagoas: uma verde como o vestido da princesa e a outra azul da cor dos seus sapatos.

 

 

InLendas de Portugal

ORA ESSA...

 

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Engenheiro agrónomo mas professor a tempo inteiro do ensino secundário numa escola situada algures no Distrito de Portalegre, um amigo meu telefonou-me hoje a informar que não pode vir a um jantar que organizo em Lisboa na 2ª feira porque já não pode faltar mais às aulas. Que dantes podia faltar sempre que lhe apetecesse mas que agora já não é assim…

 

Registei com pena a ausência dele mas fiquei a pensar… Então os professores já não podem faltar às aulas sempre que querem?

 

Mundo injusto este em que vivemos.

 

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Henrique Salles da Fonseca

(Nov 2015, às portas de Angkor Wat, Camboja)

INDECOROSO

 

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A propósito da sustentabilidade das reformas...


VERGONHA é comparar a reforma de um Deputado com a de uma viúva.


VERGONHA é um Cidadão ter que descontar 40 ou mais anos para receber reforma e aos Deputados bastarem somente 3 ou 6 anos conforme o caso.

VERGONHA é que aos membros do Governo, para cobrar a pensão máxima, só precisem do Juramento de Posse.


VERGONHA é que os Deputados sejam os únicos trabalhadores deste País que estão isentos de 1/3 do seu salário em IRS… e reformarem-se com 100% enquanto os trabalhadores se reformam na base de 80%.


VERGONHA é pôr na Administração milhares de Assessores (leia-se «amigalhaços») com salários que os Técnicos mais qualificados desejariam.


VERGONHA é a enorme quantidade de dinheiro destinado a apoiar os Partidos, aprovados pelos mesmos políticos que vivem deles.


VERGONHA é que a um político não se exija a mínima prova de capacidade para exercer o cargo.


VERGONHA é o custo que representa para os Contribuintes a sua comida, carros oficiais, motoristas, viagens (sempre em 1ª Classe), cartões de crédito...


VERGONHA é que S. Exas. tenham quase 5 meses de férias ao ano (48 dias no Natal, uns 17 na Semana Santa mesmo que muitos se declarem não religiosos e uns 82 dias no Verão).


VERGONHA é S. Exas., quando cessam um cargo, manterem 80% do salário durante dezoito meses.


VERGONHA é que ex-Ministros, ex-Secretários de Estado e altos cargos da política quando cessam funções são os únicos Cidadãos deste país que podem legalmente acumular dois salários do Erário Público.


VERGONHA é que se utilizem os meios de comunicação social para transmitir à sociedade que os Funcionários só representam encargos para os bolsos dos Contribuintes.


VERGONHA é ter residência em Sintra e cobrar ajudas de custo pela deslocação à Capital porque dizem viver noutra Cidade.


Não fazemos agravo a ninguém, salvo o escândalo de termos princípios, História, coragem e razão.


Recebido por e-mail, Autor não identificado

DE QUE DINHEIRO PRECISAMOS?

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Escreveu Suetónio, na "Vida dos Césares", que o imperador Vespasiano, ao ser interpelado pelo filho, Tito, por taxar o uso dos urinóis, ter-lhe-á mostrado uma moeda de ouro

… e dado a entender que o dinheiro não tem cheiro.

 

Bem… Isso foi há dezanove séculos. “O mundo mudou”, como diz o engenheiro.

 

E hoje, o dinheiro tem muitos cheiros: o perfume dos banqueiros e políticos; o suor dos desempregados e condenados à indigência; o cheiro dos traficantes dos off-shores; e, sobretudo o fedor dos corruptos, os poucos que estão presos e os muitos à solta.

 

Dito isto, precisamos do dinheiro. Precisamos? A questão é, antes, de que tipo de dinheiro precisamos. À frente dos nossos olhos, um brutal conjunto de escolhas políticas, financeiras e culturais transformou o dinheiro de mero objecto que era, em sujeito que nos controla a vida e pode cheirar muito mal, desde o plástico dos cartões, aos negócios do tráficos de armas, drogas, pessoas, órgãos humanos e diamantes.

 

As confusões abundam neste assunto. Durão Barroso afirmou que Portugal ia receber uma pipa de massa, insinuando que a riqueza resulta dos fundos europeus. Tão mal aproveitadinhos, benza-os Deus! Há quem diga que ganha pouco dinheiro; a confusão é grande com rendimentos.

 

Riqueza é o valor de um património, a começar pelo capital humano. Rendimento é o que alguém recebe, sujeito às mil vicissitudes do valor da moeda. Agora dinheiro, dinheiro, é outra coisa. Pode mesmo resumir-se as funções do dinheiro num verso de pé-quebrado: Dizem que o dinheiro/Tem muita utilidade/ Serve de meio e padrão/ De cofre e unidade.

 

No Antigo Testamento, Deus e Mamon estão sempre em conflito. A ganância e a avareza são devoradoras. O Novo Testamento diz que ninguém pode servir a dois senhores. (Mateus 6:19-24). Paulo afirma em Timóteo I (16.10) que o amor pelo dinheiro é a raiz de todo o mal. E Tomás Moro – um santo da Igreja católica e do movimento comunista que escreveu a Utopia, faz agora 500 anos – repetiu o alerta. Nem ele sabia como tinha tanta razão no séc. XXI.

 

Desde as conchas da Polinésia, às moedas do Rei Midas – que tinha orelhas de burro – até aos depósitos em bancos e aos bitcoins, o dinheiro mudou de forma. Mas sempre com a simplicidade assustadora de ter atrás de si uma entidade que o cria do nada, e outra que o vende.

 

Aqui é que a porca torce o rabo. Segundo o Positive Money, movimento em crescendo na Inglaterra, cerca de 95% do dinheiro que circula é criado por bancos privados. Quem lhes permitiu isso foram os poderes soberanos. E a ideologia de serviço chama-se neoliberalismo.

 

Com a desregulamentação imposta pelo Consenso de Washington, criou-se a tempestade perfeita que fez do dinheiro um senhor em vez de nosso servo. A varinha mágica chama-se dinheiro escritural e que resulta da prática permitida de os bancos manterem apenas uma fracção dos depósitos recebidos sob a forma de dinheiro e outros activos financeiros e de emprestar o restante, criando dinheiro ou direitos de resgate.

 

A velocidade de circulação do dinheiro escritural é ajudada pelos cartões de débito e crédito. Um amigo meu que trabalha com famílias sobre-endividadas descobriu uma com 23 cartões de crédito.

 

O sistema das reservas fraccionadas que desrespeitou os rácios pedidos pelas entidades reguladoras; a cisão entre valor nominal do dinheiro e o seu valor de utilidade intrínseca; a abdicação dos controlos soberanos; tudo junto, deu nesta lindeza em que estamos.

 

Estando o dinheiro bancário exposto ao risco de insolvência da instituição de depósito, sempre que há desconfiança na instituição ou no sistema, pagamos nós, ou seja o Estado. Mais de oito anos a resgatar bancos desde 2008, mostra que não é solução.

 

E assim voltamos ao dinheiro ao qual até os soberanos se vergam, tanto quanto a classe média que está a ficar pobre com a austeridade e os pobres que ficaram desempregados porque o dinheiro mau expulsou o dinheiro bom e tornou-se gerador de dívida para famílias e empresas.

 

Só lucrou o 1% da casta de novos senhores. Por isso, abençoadas sejam as dezenas de casos de Panama Papers como as continhas de escriturário do dr. Salgado que pagou a 100 amigos. Centenas de perversos financeiros e dezenas de bancos andam a ser investigados.

 

Contudo, a perversão financeira dos últimos 20 anos do Ocidente e do resto do mundo não irá parar enquanto não for bolado um plano para mudar o tipo de dinheiro que precisamos. Varoufakis caiu porque não pensou nisso. E os Prémios Nobel da Economia esfregam a carequinha sem que saia chispa.

 

Não há volta a dar: enquanto não tivermos um outro tipo de dinheiro, não sairemos da crise como, juntamente com João Gil Pedreira e Nazaré Barros, procuro expor num livrinho a sair em Maio deste ano: “O dinheiro das nossas (dí)vidas”.

 

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Mendo Castro Henriques

Faculdade de Ciências Humanas, Universidade Católica Portuguesa

 

A ALEMANHA POLÍTICA ENCONTRA-SE INQUIETA E EM FERMENTAÇÃO

 

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O novo Partido AfD afirma-se afirmando que o “Islão é incompatível com a Constituição”

 

Passaram-se os tempos em que a opinião pública era determinada pela classe pensante. A passagem do Marco alemão para o Euro e em especial a política de boas-vindas aos refugiados, da Chanceler Merkel, secundada pelo seu governo (com alguns desacordes do CSU) e pela oposição, puxou muita gente para a rua que já há muito tempo sofria de dores abdominais e agora reage abruptamente num acto de insegurança perante o “terremoto” dos refugiados.

 

Grande parte da população anda desconsolada com tanta abertura e compreensão da política para com os imigrantes de cultura árabe. Em 2014 tinham solicitado requerimento de asilo na Alemanha 202.645 refugiados e segundo os registos oficiais, a Alemanha em 2015 deu albergue a mais 1,1 milhão de refugiados. O coração das autoridades e do povo tinha-se aberto numa onda de filantropia sem igual. Uma tal subida, secundada de experiências menos positivas no contacto com muitos dos chegados, provocou um choque social, não se fazendo esperar a reacção.

 

Surgiu o partido AfD (“Alternativa para a Alemanha”); este, em menos de um ano de existência; conseguiu superar os 10% nos estados federados onde houve eleições comunais. Os partidos estabelecidos, CDU/CSU, SPD e Verdes, já temem a nova força concorrente que se candidatará para as eleições federais em 2017. As estimativas de previsão para as eleições parlamentares federais de 2017 confirmam a tendência obtida nas eleições para as comarcas. O AfD beneficiará, também do contestado acordo com uma Turquia, de pouca credulidade, que, além do mais, a troco de muitos milhares de milhões de euros, impede os refugiados de virem para a Europa, ganhando assim uma posição de poder chantagear a UE.

 

O AfD é recebido na praça da polis com semelhantes reacções como foi recebido, nos anos 80, o surgir do partido Os Verdes. Enfim: poder perturba poder, e os meios de uns e outros não conhecem as águas de uma moral pública onde se possam lavar.

 

De momento o AfD prepara-se para o seu congresso, onde elaborará o programa para as próximas legislativas. As suas afirmações sobre o Islão abanam a discussão pública e fazem tremer a alma de alguns mais sensíveis às intempéries. Uma sociedade mais preocupada e competente em princípios económicos do que em princípios de religiões parece acordar agora para a realidade da força da religião como factor fomentador de identidade.

 

O AfD que também quer uma fatia do bolo do poder, polariza a discussão provocando a reacção da classe política e de muitos jornalistas do consenso. O AfD, que surge do meio da sociedade – facto que atemoriza os poderes já instalados - insurge-se publicamente contra o islão político e lá do alto do seu minarete, afirma: “A maior ameaça para a democracia e para a liberdade parte hoje do Islão político". A imprensa da praça insurge-se contra, afirmando que embora haja partidos muçulmanos que dão mais valor a princípios religiosos do que a direitos individuais de liberdade, na Alemanha não há partidos islâmicos e a maioria dos muçulmanos na Alemanha obedecem aos princípios democráticos.

 

Um outro ponto de crítica a querer lugar no programa do partido regista: „o AfD rejeita os Minaretes como símbolo de dominação assim como o apelo do muezim (almuadem), segundo o qual, com excepção de Allah (deus) islâmico não há Deus ". Os críticos do AfD respondem comparando o Minarete islâmico com as torres cristãs. Quanto ao credo professado nas cinco vezes do apelo diário à oração, a saber: "Não há nenhum deus além de Deus (Allá) e Maomé é o seu profeta”, a opinião publicada desculpa-os argumentando que tal apelo e oração expressa convicções religiosas que contribuem para uma maior ligação dentro do islão (Cf. HNA 20.04.2016). (Devo pessoalmente confessar que este apelo repetido todos os dias publicamente em todo o mundo é um distúrbio da ordem pública e uma provocação, apesar da admiração que se possa ter pela voz do muezim!)

 

Quanto ao lenço de cabeça que muitas muçulmanas trazem, lê-se numa moção a apresentar no congresso: ” A integração e igualdade das mulheres e raparigas assim como o livre desenvolvimento da personalidade contradizem o lenço de cabeça como símbolo religioso-político de subordinação das mulheres muçulmanas aos homens ". Oponentes desta tese vêem no trazer do lenço um testemunho por uma norma moral de fundamentação religiosa. O HNA também relata que o vice-presidente do AfD afirma: “Eu creio que o Islão, na sua forma actual não é integrável numa sociedade ocidental, muitas pessoas sim mas o Islão não”. Embora haja muitos fluxos islâmicos de salafistas crescentes, há também muitas outras comunidades religiosas islâmicas que não se opõem à ordem social em que vivem.

 

No projeto do programa também se lê "O Islão já se encontra no seu caminho declarado de domínio do mundo em 57 dos 190 países. Estes declararam a Sharia como o seu sistema legal na Declaração do Cairo de 1990 e, deste modo, a Carta de 1948 dos Direitos Humanos da ONU como irrelevante". Há quem contradiga fazendo a observação que a OIC (Organização de Cooperação Islâmica) não é uma aliança de estados mas apenas uma organização intergovernamental cujos acordos não são obrigatórios para cada Estado membro.

 

No passado o Estado Secular não tem tomado a sério a força religiosa imanente ao Homem e tem até procurado discriminá-la. Negar ou ignorar tal realidade contradiz o espírito democrático e um encontro de culturas de olhos nos olhos. A imprensa e os intelectuais não são amigos do Islão se o tratam como um coitadinho que só pode ser defendido e compreendido: querer-se-ia um islão de baixo sem compreender a sua verdadeira filosofia.

 

Concretamente: seria incúria se o Estado secular e a intelectualidade europeia continuassem a ignorar o problema sem se ocupar de maneira científica e humana da questão da compatibilidade ou incompatibilidade do Islão com a Democracia; só assim se poderão fomentar a paz social e ajudar o mundo islâmico a uma revolução pacífica interna. Os Estados islâmicos terão de enfrentar o problema do seu autoritarismo e da sua desconsideração das necessidades de libertação do povo, como já se manifestou no movimento da primavera árabe. Urge a mudança no sentido de reconciliar as autoridades com o povo e os princípios com a vida. Sem a paz entre os muçulmanos não haverá paz mundial.

 

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António da Cunha Duarte Justo

 

QUANDO UM DIA ESTIVER PERDIDO …

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…mas perdido mesmo de ideias, …

 

Assim poderia eu continuar a glosar Manuel Bandeira na sua famosa “Pasárgada” mas não o faço porque bastará que algum dia me falte o tema e logo entrarei numa livraria a ler capas, badanas e contra-capas.

 

Todas as semanas me delicio nos escaparates e venho de lá com tantas ideias que me lembro sempre dum conhecido dos tempos da juventude que saltava de tema em tema – cada um mais mirífico que o outro – nunca aprofundando nem concluindo qualquer deles.

 

Depois de ao longo de várias semanas ter lido o “Górgias” de Platão, dei nesta última vez por mim a ler as primeiras páginas do “Elogio da Loucura” e da “Utopia” desses dois que tanto se admiravam mutuamente, Erasmo e Tomás Morus.

 

E perguntarão: então e que tal comprar um desses livrinhos e lê-lo calmamente em casa em vez de o fazer de pé nas livrarias? E a resposta é simples: leio-os de pé porque são livrinhos; os outros devem ser lidos no conforto e, para tal, há que os comprar. E assim procedo com alguma regularidade se por acaso ninguém me oferece no Natal o que procurei ao longo do ano. Como faço anos em Junho, as ofertas ficam equilibradamente distribuídas pelos dois semestres e a gestão das compras facilitada.

 

À cabeceira tenho de momento dois livrinhos que, por mera coincidência, são franceses em que num se referem 100 famosas citações filosóficas e no outro se faz uma antologia da poesia francesa desde a medieval até finais do séc. XIX, livrinhos que vou lentamente saboreando – há livros que se lêem de ponta a ponta e há outros que se folheiam sem grande critério – mas o “livro de serviço” neste momento é um que descreve a presença histórica de Portugal na Ásia, «Taprobana e mais além...» da autoria do jesuíta Benjamim Videira Pires que por lá pregou grande parte da sua vida. Em paralelo, outras leituras sobre que escreverei a seus tempos e, mesmo assim, a lista de espera é grande.

 

Com tanta profusão de leituras, para além do tal conhecido saltitante nos tempos da juventude, recordo também o Professor Marcello Caetano que, segundo se diz, lia vários livros em simultâneo. Terá essa particularidade alguma relação com os factos que a História registou? Porquê tanta coisa ao mesmo tempo? Quem é que disse que “quem muitos burrinhos toca …”? Sim, perguntas incompletas e respostas inexistentes, reticências, subentendidos e subtilezas. Enfim, uma grande misturada. Não parece uma atitude pragmática e talvez nem sequer sensata: quando fazemos uma coisa não nos devemos distrair com outra sob pena de nunca assentarmos e nada fazermos de jeito. E lá voltamos ao Professor Marcello Caetano cuja superior erudição não lhe permitiu enfrentar a “velha guarda” mais ou menos trauliteira do regime que bem tentou democratizar e muito menos a meia dúzia de escopetas revolucionárias que – mais tarde viemos a saber – nem munições tinham.

 

Mas eu estou aposentado e posso dar-me a diletâncias, cúmulo de livros e saladas de ideias desde que me concentre nas coisas importantes e tudo o mais cesse quando disso fôr o caso. O pior é quando a diletância impera no espírito dos que estão ao activo, quando há quem se considere especialista em assuntos gerais, quando o profissionalismo baixa as guardas e é invadido pelo amadorismo. E quando há cada vez menos activos para cada vez mais aposentados, corremos o risco de inventarmos uma sociedade diletante e quiçá flatulenta que se compraz a saltitar de tema em tema sem nada aprofundar e muito menos concluir.

 

Se isto se passa no âmbito de um processo de globalização em que impera a competitividade nua e crua, tudo se verga à produtividade e a vitória é a única palavra do léxico dos sobreviventes, então há que temer o pior se não tomarmos muita atenção ao que estamos colectivamente a fazer. É que na globalização que encetámos no séc. XV fomos nós que ditámos as condições mas nesta segunda, totalmente friedmaniana, pertencemos ao grupo das vítimas e não nos poderemos distrair com divagações.

 

Bom seria que pudéssemos admitir a hipótese de um retorno às ideias de Friedrich List mas está visto que esse caminho foi vedado por Milton Friedman e que só nos resta descobrir um modelo de desenvolvimento compatível com o curso que a História tomou e que não podemos mais discutir. Sem qualquer vocação albanesa dos tempos de Enver Hoxa, resta-nos correr para apanharmos o comboio e arranjar um lugar na classe de luxo em vez de nos relegarmos para os bancos corridos da terceira.

 

E se o retorno à produção de bens e serviços transaccionáveis é um imperativo inquestionável para o equilíbrio da balança de pagamentos, bem podemos aproveitar o actual ciclo de energia barata para ganharmos vantagem relativamente aos penosos cenários do petróleo caro.

 

Só que nada funcionará se não houver transparência nos mercados e se continuar a não haver métodos lógicos na formação dos preços. Nada sucederá enquanto as estruturas decisórias públicas e privadas da nossa agricultura não perceberem que o problema que efectivamente afecta os agricultores é comercial.

 

Isto não são diletâncias; é pão para a boca. Alternativa? Sim, claro: mais um ou dois bancos portugueses para a posse de capitais estrangeiros.

 

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Henrique Salles da Fonseca

VAMOS NACIONALIZAR A REVOLUÇÃO...

... PARA LIBERTARMOS A LIBERDADE ABUSADA

 

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Portugal entre a Censura da PIDE e o Tráfico de Influências de ABRIL

 

 

O Espírito democrático entrou pelas portas da sacristia e da caserna; agora seria chegado o tempo de o deixar livre sem os empedernimentos factuais e ideológicos; precisamos de todos, da direita e da esquerda, de crentes e não crentes. Um Portugal adulto não pode manter-se em contínuo ajustamento de contas nem num medir de forças adolescentes numa atitude de abuso e de ilusão do “eu é que tenho razão, eu é que tenho a solução”.

 

Somos um país demasiado pequeno para podermos continuar a dividir e a combater uns aos outros. Já Confúcio constatava: "Se não há consenso sobre os fundamentos, é inútil fazer planos em conjunto" (1). Daí a razão de constituirmos, depois do Renascimento, um povo indefeso sempre à mercê dos ventos das ideologias do tempo. Do pão preocupa-se o estrangeiro! O pão amanhado pelo povo não chega para manter os gandulos da nação que, como a cigarra, vivem do seu cantar e deste modo obrigam a nação à eterna condição de pedinte, como se constata principalmente a partir das Invasões Francesas!

 

Vai sendo tempo de se reconciliar Portugal e de se dar início a um discurso político integral, de afirmação pela complementação e não só pela contradição e difamação. Continuar a política nas pegadas do passado seria continuar a sacrificar o destino de um povo ao desejo insaciável de alguns egos insatisfeitos.

 

Embora a revolução tenha sido feita pelos soldados não é legítimo metê-la na caserna da esquerda (2); há que nacionalizar a revolução para libertar e dignificar a liberdade abusada. O Regime de Abril não é propriedade de ninguém; não se reduz a Abril nem a Novembro; o que temos devemo-lo, primeiramente, aos soldados e a um povo habituado a apoiar e a seguir, de cabeça baixa, quem se põe à sua frente. Temos de abandonar o hábito de povo a viver dos ardinas da praça pública, dos ardinas jacobinos que passam a vida a vender ideologias engomadas e bem penteadas para só eles viverem das cabeças distraídas pelas artimanhas dos seus penteados (3).

 

A censura do Estado novo e uma sociedade fechada tinham mantido o sistema de Salazar com todas as virtudes e defeitos que lhe eram próprios (4). Depois começou a haver brechas na Igreja e especialmente a partir do Concílio do Vaticano II revolucionou-se o mundo; O movimento eclesial anterior ao Vaticano II (não notado pelo poder secular) foi decisivo no reconhecimento dos sinais dos tempos e na fomentação da coragem que depois se expressou no movimento 68 e finalmente no 25 de Abril.

 

Actualmente o povo encontra-se desiludido e desconsolado mas não é contra a democracia, é apenas contra as casernas da maçonaria e dos partidos. O autoritarismo, a censura e o dirigismo não ficaram apanágio do Estado Novo, eles continuaram de maneira feroz mas refinada no Regime de Abril, através de um dogmatismo ideológico de monopólio da verdade, de uma censura transformada em tráfico de influências e da tesoura na cabeça de muitos pensadores, jornalistas e políticos; esta censura discreta e suave foi conseguida e inteligentemente instalada através de um dirigismo ideológico de uma esquerda radical infiltrada nas estruturas do Estado através dos saneamentos em todos os lugares chaves do Estado (5). Fomentou-se uma sociedade a viver de falsas esperanças, uma sociedade de fanatismo informal, de saber jacobino e farisaico. Enfim, tornamo-nos numa democracia à primeira vista, uma democracia oportunista que faz do Parlamento o lugar alto para os galos da nação. Esta situação não deixa ninguém acordar para o acordo do entendimento entre todos como seria de desejar! Assim Portugal é condenado a continuar a viver, abaixo das suas possibilidades, naquela “apagada e vil tristeza” dos vencedores encantonados em moralismos sem razão. Assim, a elite de Abril tirou a inocência e a alegria à nação; já ninguém tem vontade de cair no engodo do cantar: “somos livres”!

 

O factor segurança e a mentalidade de se “ter o rei na barriga”, tanto no velho como no novo regime, estabelecem a resistência à mudança de uns e de outros, sendo estes os factores do eterno adiamento de Portugal.

 

Resta a todos libertar a liberdade da velha censura da PIDE e da nova censura do Tráfico de Influências de ABRIL. Este será o caminho para nacionalizarmos a revolução e assim libertarmos e dignificarmos a liberdade abusada.

 

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António da Cunha Duarte Justo

 

  • O nosso actual “governo geringonça” é a melhor prova de abuso e oportunismo ideológico a ditar leis às costas do povo – sem pré-anúncio programático nem discussão pública - enfim, um governo a actuar pela calada da noite num povo sem telhado nacional!
  • Ramalho Eanes foi a personalidade chave da revolução; ele dirigiu o 25 de Novembro.
  • Os pensionistas e os funcionários do estado representam 80% da despesa do Estado! A revolução não obedece a uma política elaborada. Era fruto de ideologias encabeçadas por pessoas como Otelo (Brigadas Revolucionárias) e por pessoas do PCP. Álvaro Cunhal aterrou então em Lisboa com orientações de Moscovo e Mário Soares de França com orientações do Ocidente.
  • Abrilistas recalcados esquecem que Marcelo Caetano já tinha iniciado uma política aberta que conduziria ao desenvolvimento que outras nações europeias depois também conseguiram sem a necessidade de uma “revolução” nem a consequente subordinação a ideologias que vivem da divisão do povo e da razão, atando-os a uma a uma só lógica enganadora.
  • Também por isso os festejos do 25 de Abril se tornaram rituais institucionais que se celebram a si mesmos à margem da realidade da nação. Festeja-se Abril nas costas de 10 mil combatentes mortos no “ultramar” e de quase um milhão de retornados explorados e injuriados e de povos das colónias abandonados à fúria de algumas forças revolucionadas. Não se trata de querermos um revisionismo histórico mas de que Portugal encare a realidade de olhos abertos para integrar no seu ideário sucessos e fracassos.

 

CEGO DE INVEJA

 

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  • Invejas. f. Desgosto pelo bem dos outros; desejo violento de possuir o bem alheio (in Dicionário de Francisco Torrinha, ed. 1947)

 

 

A nossa inveja é oriunda da invidia latina enquanto o nosso verbo invejar deriva do homólogo invideo que etimologicamente significa «olhar excessivamente para…». Mas significa também «recusar», «tirar à força», «hostilizar», «impedir». O prefixo in, aplicado a vídeo, tanto pode significar «para dentro» ou «em» assim como assumir uma atitude negativa, do contra: neste caso, o contrário de visão, cegueira.

 

O olhar que se lança sobre outrem que tanta atenção despertou por evidenciar características que o observador gostaria de possuir pode transformar-se em hostilidade pois, constatando não possuir essas características, passa a não querer que o observado as possua. O que caracteriza a inveja como cobiça não é não-querer que o outro seja, mas querer que o outro não-seja aquilo que é. O mesmo pode suceder quando o observador reconheça no observado as suas próprias particularidades constatando deste modo não possuir o monopólio dessas mesmas características. Daqui resulta igualmente um sentimento de inveja. Eis duas vias para se chegar ao olhar hostil o qual pode conduzir à vontade extrema de destruição do observado.

 

Assim se percorre um caminho de extremos: olha-se de mais, admira-se, inveja-se e odeia-se.

 

E este ódio por inveja do observado extrema-se numa pregação do que só o observador vê a ponto de ditar o que apenas deve ser visto: o observado está travestido, não tem as qualidades que exibe; essas, tem-nas o observador invejoso e só ele. Daqui parte para uma campanha de angariação de quem testemunhe a seu favor de modo a convencer o observado da falsidade do que exibe. A demonstração da falsidade deve ser universal e o invejoso tudo fará para destruir o alvo da sua inveja. Assim chega a violência, o mal-fazer, a destruição.

 

E no meio de tudo isto, é frequente o invejoso não querer mais do que apenas maldizer pois que, se destrói o objecto do seu olhar hostil, deixa de ter um motivo para continuar na senda por que apaixonadamente se move. O refúgio no mundo do maldizer é apenas um álibi, um pôr-se à distância do objectivo anunciado da destruição. Quanto ao essencial – fazer as coisas como apregoadas – isso é coisa que o invejoso não pode admitir ora por saber que não as consegue cumprir ora por se passar a sentir alvo potencial das críticas destrutivas que no presente ele próprio desenvolve. E porque teme, não se «chega à frente».

 

O exercício do maldizer, da apologia da violência e da destruição, eis o modo de vida do invejoso, processo a que só o seu próprio desaparecimento pode colocar um fim. A menos que a psiquiatria intervenha e descubra uma solução mais amiga do ambiente social.

 

Daqui se conclui que a inveja não é apenas matéria religiosa, definida como pecado: é uma tara mental enquadrável no foro da psiquiatria.

 

Todos conhecemos casos mais ou menos doentios de inveja mas devemos ter um cuidado especial para impedirmos que esse mesmo sindroma se arvore em característica perene do regime político em que vivemos.

 

 

Henrique Salles da Fonseca

Henrique Salles da Fonseca

 

 

BIBLIOGRAFIA:

 

«A RAZÃO INVEJOSA», Coelho Rosa, Joaquim – in “AO ENCONTRO DA PALAVRA – HOMENAGEM A MANUEL ANTUNES”, pág. 279 e seg. – Edições Cosmos, 1985

 

ERA UMA VEZ...

 

Na Europa, na África, na América...

 

Nada existe melhor do que uma fofoca. Ou mais... Sem dizer mal de alguém, só para início de conversa.

 

O que vem a seguir, foi divulgado, entre amigos, no livro “Contos Peregrinos a Preto e Branco”, de 1998, escrito, com vagar, desde alguns anos antes, até ter tido a coragem de juntar tantas “Estórias com História”.

 

Quem leu o livro já conhece as histórias, quem não conhece, aproveite as fofocas.

 

* * *

 

Esta língua portuguesa é complicada. Em Portugal, e só dentro das suas pequeninas fronteiras, já é complicadíssima. Quando entram outros países chamados lusófonos, torna-se então um labirinto.

 

Não precisamos ir muito longe para nos baralharmos. Basta uma simples tangerina. Em Lisboa está muito bem, é mesmo uma tangerina, mas no Brasil algumas são mexericas! Mexerica ou mexeriqueira em Portugal é no Brasil uma fofoqueira. Nêspera em Lisboa, é magnório no Porto. E meias? Aquele negócio onde se enfiam os pés, podem ser meias mesmo, peúgas, coturnos e até a pretensiosa inglesice de soquetes! Bolsos ou algibeiras? Talho ou açougue? Talhante, açougueiro ou magarefe?

 

Falar de uma carona, à brasileira, deveria ser uma boleia à portuguesa? E a bicha que o brasileiro adora ver em Portugal e não acha graça na sua terra?

 

Beber uma cerveja? Em Lisboa é uma imperial, no Brasil sai um chope estupidamente gelado, em Angola um fino. Aqui, lá em Angola, é jinguba o que no Brasil e Portugal é amendoim, mancarra na Guiné, e alcagoitas no Algarve (do nauatle, México).

 

O que não é muito agradável para um brasileiro é chegar a Portugal onde espera ser recebido com carinho, e oferecerem-lhe uns tapas ou um prego no pão! E o paneleiro, que no Brasil todas as famílias têm em casa, na cozinha? De fato, é o nome mais apropriado para o local onde se guardam as panelas! Pois, pois, mas o paneleiro lá da terrinha é um veado no Brasil! E enquanto um fresco em Portugal será um sujeito atrevidote, metediço, no Brasil é um maricas.

 

E quando alguém vai descansar as pernas numa cadeira? Senta-se, ou se senta? Informa-se, ou se informa?

 

E em relação aos povos de África? Está consignado que os europeus são brancos, mas os africanos em Portugal têm que ser pretos porque negro é ofensivo! Negro é o carvão! Já no Brasil não pode ser preto. Tem que ser negro ou escuro!

 

Se até há pouco tempo, as designações de preto ou negro eram sinónimos de gente da mais humilde condição, hoje o que está na moda é chamar branco a todo o indivíduo que destrói o meio ambiente! No Brasil, por exemplo, quem destrói a floresta Amazónica é só o branco! Não é o brasileiro, independente da sua raça, branca, negra, amarela, pura ou mestiça. É o branco! Porquê? Ah! Isso é preciso perguntar aos jornalistas e professores intelectualóides que, insistentemente, fazem esta absurda afirmação.

 

E por aí vai. Estes escritos não pretendem ser um dicionário de português-português, nem léxico, glossário ou elucidário. Deus me livre de semelhante presunção. Para evitar essas confusões umas vezes vai escrito de um jeito, outras de outro. Espero que dê para entender.

 

Mas acaba sendo divertido, mais ainda quando depois se depara com alguém que tem a veleidade, feito sir Galaad, de defender a autenticidade ou legitimidade de determinada forma, como aconteceu quando se discutiu o acordo ortográfico!

 

Como esta lusofonia nunca foi, nem nunca será uniforme, a sua diversidade dá-lhe vida, graça, universalidade. E motivo para cada um rir do outro e com o outro. Saudável.

 

O português levou a sua língua aos quatro cantos do mundo, espalhou-a por todos os continentes, e com diversidade ou sem ela, as pessoas entendem-se muito bem. Quando querem, claro. Quando não querem, surdo-mudo, é melhor.

 

É bastante indiferente o modo como se escreve, desde que quem leia consiga compreender, sem esforço, a mensagem que o escrito procura transmitir, se é que a tem. Por isso também a técnica usada nestes apontamentos foi baralhar os sotaques dos diversos países. Os sábios da nossa língua nem sequer têm que se preocupar em me perdoar porque não creio que algum deles se interesse pelo que escrevo! E se um dia tiver a sorte de merecer qualquer crítica, mesmo arrasante, será uma honra. Imerecida. A honra. O arraso não.

 

Aliás segundo as opiniões últimas dos cientistas começaram a ser perdoados os erros de escrita que os novos acordos ortográficos aposentam, para chamar a essas versões, não incorrectas, mas em desuso! Óptimo (com p, com assento ou sem ele?). Como muitos anos já me passaram em cima é bem possível que eu esteja obsoleto!

 

À lareira em Portugal, sentados ao redor duma bela fogueira nos sertões d´África, deitados ao sol numa praia maravilhosa do Brasil, bebendo umas e outras, geladíssimas, numa esplanada descontraída ou num café, há alguma coisa melhor do que conversar, bater um bom papo, contar histórias ou estórias, aventuras, compartilhar vivências?

 

Às vezes o silêncio é melhor. Muito silêncio entedia. Muita conversa cansa. Tudo na vida tem que ser como o presunto. Entremeado!

 

Por fim uma singela homenagem ao saudoso grande folclorista angolano Oscar Ribas lembrando o título de um livro seu, que melhor traduz tudo o que se segue:

 

SUNGUILANDO!

 

1944/45. O autor esteve um ano no colégio das Caldinhas dos jesuítas, em Santo Tirso, 3º ano do liceu, onde muita bordoada apanhou do Golias, um tomador de conta dos alunos que era uma besta, grande, bruto e covarde. Antes de arranjar emprego junto dos jesuítas havia sido futebolista; o seu sucesso fora tanto que optou por ser carrasco de crianças dos 10 aos 13 anos! Quando jogava o futebol lá no colégio, o Golias era sempre da outra equipa! Malandro, escondia a bola debaixo da sotaina e muito maior do que toda a criançada, avançava, confiante, até que em frente da baliza desferia um violento pontapé na bola que o goleirinho raras vezes conseguia segurar. Como o mais velho dos mais novos, 12/13 anos, sempre seu adversário, rápido aprendeu que para segurar aquele trator só havia uma maneira: chutar por debaixo das saias do homem, que a bola estando por lá, havia de sair. E saía. A bola por um lado, o Golias por outro e o nosso defesa por outro ainda. Golias levantava-se como um dragão, olhos chispando fogo, os puxa saco ajudando a sacudir o pó da batina preta, recomeçava o jogo. Tinha sempre que se vingar, e com isso o infeliz que se atrevesse a enfrentá-lo era impiedosamente derrubado. Voltava rápido ao ataque e no momento oportuno passava a bola a outro e sem querer chutava com violência as canelas do desgraçado. Imaginem quem era o tal desgraçado e como ele tinha as canelas! Como se amavam os dois! Passou alguns maus bocados naquele colégio, mas aprendeu muita coisa interessante, uma das quais foi ter jurado que filho seu nunca para ali iria. E não foi.

 

1948~50. Alentejo da minh’alma... Os bailes no Clube Lusitano de Évora. Tinha orquestra. As meninas com ar cândido e olhar lânguido, vestidas de tafetá amarrotável, sem decotes, e do braço só o punho atrevidamente de fora, sentadas na primeira fila de cadeiras. Na segunda, as mamãs, conhecidas como arame farpado, muitas de lenço na cabeça e buço aparado, velando e zelando pela decência e castidade das filhinhas que ao dançar não deviam nem se agarrar com muita força, nem se deixar apertar muito pelo par. Havia que manter uma certa distância de peitos e pernas, o que era completamente impossível, não só pelo número de pares que ocupava a pista de dança, mas sobretudo porque ninguém aceitava dançar desse jeito. Sempre se dançava agarradinhos, quando os aromas emanados da parceira o permitia! De qualquer modo eram todas meninas de gentil aspecto e nenhuma esquivança aos dardos penetrantes de Cupido, como dizia Camilo. Enfim... Trocavam-se juras de amor, ouviam-se secas tampas, ao que hoje se chama levar o fora, marcavam-se encontros para um dia seguinte, arranjavam-se chaperons – pessoa que pudesse acompanhar o par, ao longe, para não prejudicar possíveis e desejáveis intimidades, mas que velasse para que não avançassem mais do que demasiado - mas poucos iam além do baile. Neste, os homens amontoados à porta que separava o bar do salão da dança, esperavam o desafinado primeiro acorde da sanfona para atropeladamente invadirem a sala, correndo para o par a quem haviam feito prévios sinais de entendimento. Quem se atrasava não dançava. Não sobrava garota nenhuma, nem feia. Os machos, nos intervalos das danças iam ao bar beber uns copos - vinho, cerveja ou aguardente, o que viesse morria - e à saída, já quentes e apaixonados, envolviam-se em idiotas cenas de pancadaria. Macho é macho. Grandes farras.

 

1954. Uma vez nessa África, que continua a povoar os sonhos que quem por ela se apaixonou, Angola, ali por alturas do Cubal, numa fazenda de sisal, todo equipado para andar no perigoso mato, chapéu colonial, daquele bonitão com aba de cortiça, e bota alta, teve o azar de parar bem em cima da entrada de um ninho de quissonde ou bissonde, (também conhecidas no Brasil por crauçanga, morupeteca e taoca) aquelas horrorosas formigonas vermelhas escuras que têm uma mordida forte e dolorosa. Em menos de um minuto estava a ser mordido no corpo todo. Teve que se empoleirar no tractor e aí, em frente do pessoal que assistia ao trabalho das máquinas, incluindo a dona da fazenda, despir-se todo, todo, e catar uma a uma as miseráveis formigas que pelas fortes mandíbulas estavam já agarradas ao seu corpo. Se o não fizesse tão rápido talvez tivesse lá deixado somente os ossos. Foi bravo e uma bela lição. Até as grandes feras evitam essas “mininas”!

 

FGA-CHAPÉU COLONIAL.jpg

Belo chapéu!

 

1969 ou 70. Mais ou menos. Bebidas: só bebia nacionais e estrangeiras. Mas nada se compara a um bom vinho novo bebido em casa do produtor. Quando vivia em Angola tinha uma sequiosa saudade deste néctar. Numa das idas a Portugal, um tio, que nessa altura era importante, com direito a carro, bom, motorista e tudo, foi esperá-lo ao Aeroporto.

 

- Onde queres ir?

- Primeiro que tudo quero ir ao Cartaxo beber um copo de vinho!

- Ao Cartaxo?

- Sim.

- Porquê ao Cartaxo?

- Porque venho com uma saudade danada de beber um copo de carrascão!

 

Lá foram. Andaram sessenta quilómetros, para cada lado, só para entrar no primeiro tasco que apareceu e beber dois copos de vinho: um branco e um tinto.

 

O homem do tasco vê parar um Mercedes à porta, coisa inusitada, sai de lá um sujeito que pede um “copo de três” branco! Ahhhh! Que maravilha.

 

- Agora quero um de tinto!

 

Estavam assassinadas as saudades. Voltaram para Lisboa.

 

Escrito em 2002 – A continuar

 

FGA-2OUT15.jpg

Francisco Gomes de Amorim

CURTINHAS CXXXIX

 

Pirata.png

 

A ilha dos Piratas - III

 

  • Discorrer sobre os Offshores, como por aí se faz abundantemente, sem levar em linha de conta a importância actual dos movimentos transfronteiriços de capital, os obstáculos com que estes movimentos se deparam a todo o momento e os riscos financeiros que sobre eles impendem, é um rematado disparate.

 

  • Muitos que o fazem: (i) ou não têm a menor ideia de que o risco (e, em particular, os riscos financeiros) é algo inerente a todas as actividades económicas; (ii) ou, por razões ideológicas, aborrecem a livre movimentação de capitais (uma das quatro liberdades que dão forma às economias desenvolvidas).

 

  • Por falar em riscos financeiros, manda a verdade que se diga que a operação de back-to-back que serviu de exemplo expõe também o investidor (X) ao risco de crédito causado pelo Banco (Y). Se o Banco cair insolvente, o investidor pode nunca recuperar o seu depósito (em €), mas vai ter de pagar à massa falida, na íntegra, o empréstimo (em R$) que contraiu.

 

  • De facto, é muito raro que os depósitos bancários em Offshores estejam cobertos por Esquemas de Garantia financiados com dinheiros públicos - mesmo que os depósitos bancários no Onshore, tanto no país de origem do Banco Depositário, como no país onde o Offshore esteja localizado, gozem dessa cobertura.

 

[NOTA: Uma excepção que nos toca de perto é o Offshore da Madeira. Passou ao nosso preclaro legislador preceituar que o dinheiro ali depositado não tem o contribuinte português por fiador. Um dia vai correr mal.]

 

  • E é justamente por isto que os Bancos que prosperam nos Offshores são aqueles com uma reputação a toda a prova (valha isto o que valer) – o que leva quem usa Offshores a não ligar por aí além ao risco de crédito. Mas não têm sido poucas as surpresas.

 

  • Seja como for, é inegável que a possibilidade legal de constituir shell companies, a possibilidade legal de ocultar informação relevante e a recusa de cooperar no plano internacional criam o ambiente perfeito para esconder identidades – e não importa por que motivo.

 

  • Ora, “esconder identidades” não é, nem “originar capitais”, nem “rentabilizar capitais” – muito menos “reabilitar (branquear, lavar) capitais”.

 

  • As actividades ilícitas que estão na origem dos capitais que são encaminhados para Offshores só muito raramente têm lugar em Offshores. Acontecem, sim no Onshore - onde é suposto haver transparência, vigilância, cooperação e o firme propósito de combater o crime. Regra geral, os Offshores até são locais bastante tranquilos.

 

  • Aliás, os capitais ilícitos que afluem aos Offshores não ficam por lá, escondidos na toca – qual tesouro de pirata enterrado na areia. Quem se esconde, quem quer permanecer no anonimato, são os verdadeiros titulares (e os beneficiários últimos) desses capitais.

 

  • Os capitais, esses, procuram rentabilidades que só no Onshore A base económica dos Offshores, mesmo daqueles localizados em economias desenvolvidas, não é suficientemente robusta e diversificada para lhes proporcionar retornos interessantes. Recordo que não há Bolsas de Valores nos Offshores.

 

  • Começando pelo começo. Os capitais, seja qual for a sua origem, percorrem invariavelmente um ou outro dos seguintes dois caminhos para chegar a um Offshore: (i) ou são depositados num Banco aí estabelecido; (ii) ou são colocados à disposição de uma shell company aí constituída.

 

  • No primeiro caso: (i) ou têm como destino final o depósito bancário (depósitos por tradição mal remunerados); (ii) ou o depósito bancário é, apenas, o ponto de partida para a gestão fiduciária por entidades que podem nem sequer residir na vizinhança.

 

  • No segundo caso, por vezes, nem sequer chegam a sair do Onshore (circunstância muito mais frequente do que se pensa).

 

  • Temos, assim, que os capitais: (i) abalam do Onshore (quando abalam…) via Bancos (embora a mala cheia de notas ou barras de ouro ainda não tenha caído de todo em desuso); (ii) são acolhidos no Offshore, ou por Bancos, ou por shell companies com conta bancária aberta também no Onshore; (iii) regressam ao Onshore para novas contas bancárias - ou de lá nunca sairam.

 

  • É, então, no Onshore que os capitais ilícitos são, primeiro, reabilitados (isto é, acolhidos sem que a respectiva titularidade seja questionada, muito menos posta em causa) para, de seguida, serem rentabilizados através de aplicações financeiras perfeitamente legais.

 

  • Obviamente, se os Bancos no Onshore forem diligentes na identificação de quem seja o verdadeiro beneficiário dos fundos que movimentam (provenientes de Offshores ou do Onshore, tanto faz) a reabilitação de capitais ilícitos será extremamente dificultada – quase impossível.

 

  • Mas os Bancos, em geral, são, por natureza, discretos- e nada curiosos quando se trata de aumentar proveitos e/ou melhorar a posição de liquidez.

 

  • Isto, apesar de todos os Bancos: (i) estarem obrigados a respeitar o princípio KYC/Know Your Costumer; (ii) terem o dever de rejeitar a movimentação de fundos cujos remetentes e destinatários não estejam completamente identificados; (iii) estarem impedidos de negociar com contrapartes que recusem revelar a verdadeira identidade dos seus clientes.

 

  • Não é, pois, com a excomunhão dos Offshores que se elimina o branqueamento de capitais ilícitos. Defender tal: (i) ou é prova de ingenuidade; (ii) ou é manifesta ignorância; (iii) ou é táctica para distraír as atenções – a fim de que tudo no Onshore continue na mesma.

 

  • Num ambiente de plena licitude, a vantagem competitiva dos Offshores não é a opacidade, a defesa do anonimato ou a ausência de tributação directa, mas a contribuição que possam dar para a eficiência dos movimentos transfronteiriços de capitais e para a gestão dos riscos financeiros que essas operações envolvem.

 

  • Conseguem-no: (i) oferecendo segurança jurídica e fazendo cumprir as boas práticas internacionais – para que o risco país seja irrelevante; (ii) permitindo que qualquer empresa aí constituída escolha a sua moeda de relato (a moeda que utiliza na contabilidade) – para bem gerir o risco cambial e o risco de translato; (iii) aceitando que essas empresas optem pelo regime prudencial internacionalmente reconhecido que melhor lhes convenha – para facilitar o trabalho de consolidação contabilística (e diminuir gastos com o funcionamento).

 

  • E conseguem-no em competição directa com o Onshore, onde os Esquemas de Garantia dos Depósitos são a regra - apesar de não garantirem com dinheiros públicos o dinheiro depositado nos Bancos que por lá operem.

 

  • Porque a ausência de tributação directa é um argumento competitivo imbatível – diz-se. Assim é, de facto. Mas a generalização dos Acordos para Evitar a Dupla Tributação Internacional (a cooperação internacional no plano fiscal) retiraria muito peso a este argumento.

 

  • São, porém, os custos de contexto (a ideia de que o país deve ter um único regime prudencial que a todos sujeita; a propensão para legislar de forma desnecessariamente complicada, quase abstrusa; a obrigação de adoptar a moeda nacional como moeda de relato; as exigências mal calibradas em torno da informação fiscal a prestar; burocracias várias) que impedem que o Onshore compita de igual para igual - apesar de exibir o trunfo dos Esquemas de Garantia dos Depósitos.

 

  • E são também estes custos de contexto que enxotam para Offshores empresas que mantêm, entre elas, volumes de transacções comerciais muito elevados - estando localizadas em países diferentes, com moedas diferentes e sujeitas a leis diferentes.

 

  • A opacidade, a defesa do anonimato, a recusa em cooperar na perseguição aos movimentos de capitais ilícitos, combatem-se, não varrendo os Offshores da face da terra, mas vedando o acesso ao sistema de pagamentos internacionais a todos (Offshore ou Onshore) que façam disso modo de vida e modelo de negócio.

 

  • Mas daqui até à criminalização da evasão fiscal vai uma enorme distância.

 

  • Financiamento do terrorismo, do comércio privado de armas, do tráfico de drogas, de medicamentos e de pessoas, a contrafacção de notas, entre outros, são crimes onde quer que sejam praticados. E, por isso, o Direito Internacional os tipifica e pune. E, por isso, cada Estado tem autoridade própria para os perseguir, combater e punir.

 

  • A evasão fiscal, pelo contrário, varia consoante o entendimento que cada Estado fizer do que seja o dever fiscal. E só cada Estado é competente para fixar esse entendimento no interior das suas fronteiras. Não podem os restantes Estados substitui-lo no exercício dessa competência.

 

  • Por outro lado, não creio que nenhum Estado possa, com legitimidade, sentir-se prejudicado por outros Estados adoptarem regimes fiscais mais leves. Mas o Estado que seja vítima de evasão fiscal deve poder perseguir além fronteiras o dinheiro que lhe tenha sido ilegalmente subtraído. Para tal, a cooperação de todos os demais Estados, no Onshore e no Offshore, é imprescindível.

 

  • O problema está em como fazer: pela via administrativa? ou pela via judicial?

 

  • Defendo que seja sempre pela via judicial, em que o Estado que se sinta lesado recorre à cooperação internacional (seja do Estado onde se encontre o beneficiário último da evasão fiscal, seja dos Estados onde se encontre aplicado o produto da evasão fiscal) para recuperar os impostos que lhe tenham sido sonegadas. Uma cooperação que tem por base, unicamente, a execução de uma sentença judicial condenatória com trânsito em julgado.

 

  • Governos rapaces preferem, naturalmente, a via administrativa - e em defesa da sua posição argumentam que, sem essas receitas fiscais, é a prossecução do bem público (leia-se: investimento público, serviços públicos essenciais, transferências sociais) que fica irremediavelmente comprometida. E têm razão.

 

  • Mas a despesa pública inútil (em pessoal, em material, em serviços), o sobre-custo de tantos investimentos públicos, para não referir também os investimentos completamente improdutivos, têm exactamente o mesmo resultado.

 

E não se vê, da parte dos Governos, um esforço sério de contenção, nem se ouve, da parte da opinião pública, idênticos níveis de censura. Lá que é estranho, é.

 

 

(FIM)

ABRIL de 2016

Palhinha Machado.jpg

A. Palhinha Machado

 

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