ENTRE DESRESPEITO E IDEOLOGIA – O PORTUGUÊS NÃO É DE PORTUGAL NEM DO BRASIL ELE É A ALMA DA LUSOFONIA
MEC brasileiro pretende acabar com a obrigatoriedade da Literatura portuguesa: de Cavalo para Burro?
Quem tocar na língua deve fazê-lo com respeito e de forma moderada porque ela é a alma da cultura, a água límpida que dá forma mais ou menos física à cultura de um povo. O Português não é só forma e meio de expressão de um povo, de uma região, de um país ou de um continente, ele é a a alma e expressão sublime de muitos e nobres povos que formam uma civilização intercultural interoceânica e intercontinental - é um idioma onde os diferentes génios de povos se miscigenam no sentido da evolução cultural e civilizacional. Seria ofensor do Português querer vê-lo reduzido a um lago ou país, ou mesmo a um mar ou continente, quando integra nele a experiência de vida dos diferentes continentes, sendo ele um mar aberto de águas interoceânicas.
Constituiria um acto de infidelidade e falta de brio, uma falta de autoconsciência querer apoucar-se o Português a uma terra maninha ou baldio incultivo, querê-lo uma árvore sem raízes ou reduzi-lo a simples coutada de alguém. O Português, como a água tanto rega os baixios da favela como os lugares altos do país e da civilização. No seu todo é que a língua é grandiosa, na rica expressão multiforme e na sua capacidade de diferenciação. O português não é de Portugal nem do Brasil; ele é teu e meu, é de todos, como o céu é das aves onde todas voam e se encantam. O português quando ouvido lembra diferentes melodias de variadas intonações. Ele é como a terra mais virgem ou mais elaborada, uma intercultura a proteger-se tal como uma terra indígena a defender-se.
A notícia de que “A Literatura portuguesa deixa de ser obrigatória no Brasil” (1) deixou-me perplexo e desiludido tal como a mutilação da língua, no que toca ao acordo ortográfico.
Defraudadores da Língua roubam as penas aos pequeninos e ao pensamento
Na minha qualidade de docente, divertia-me quando ensinava o Português aos distraídos que o queriam simples e imediato mas entristecia-me de sobremaneira quando, ao ensiná-lo no secundário e na universidade (de Kassel), onde estudantes já com capacidade de diferenciação se viam confrontados com os nossos gramáticos simplicistas que o empobreciam, ao roubar-lhe a segunda pessoa do singular e do plural (o tu e o vós) como se fossemos crianças que só compreendessem o “eu” e o “você”. Esta falta originava uma certa confusão a estudantes habituados a línguas de alta diferenciação em que se usam normalmente todos os pronomes pessoais (Eu, Tu, Ele/Ela, você, a gente, Nós, Vós, Eles/Elas, vocês). Contra a corrente simplicista em voga, implementada por ideologias proletárias, optei por elaborar a minha sebenta onde colocava todos os pronomes de expressão diferenciada e distinta. Via-o também como uma ferramenta de trabalho – uma possibilitação de oportunidades - tanto para futuros pedreiros como para futuros advogados. Tratava-se de dar as mesmas armas a beneficiados e desfavorecidos da vida para, uns e outros poderem combater pela vida fora com as mesmas armas e não apenas com as que a sorte ou a oportunidade lhes deixou.
A vida é luta e é desigual e quem apregoa uma igualdade sem esforço e gratuita ou é mentiroso ou é oportunista. Quem pretende libertar as massas do destino terá de lhes proporcionar o instrumentário e a vontade de o fazer! Ou queremos manter uma sociedade em que ao ouvir as pessoas falar se fique logo com a ideia da sua proveniência como acontecia antigamente ao olhar-se-lhes para os dentes? Quem, politicamente, tem só facilidades ou facilitações para oferecer, sem apontar o preço que se tem que pagar por elas, não é sério porque aposta na lei da inércia e no oportunismo que ela proporciona às aves de rapina!
As questões da língua não podem ser deixadas nas mãos de políticos feitos mais para as coisas grossas do que para as finas. A ideologia de alguns, no zelo do seu preconceito, chega a tal disfarce de dizer que o emprego do „vós“ é próprio da igreja, (de quem aprendeu latim e grego) como se, só padres, advogados ou médicos tivessem uma tal capacidade de discernimento e distinção! Aqui faria um apelo aos irmãos seguidores do soberbo Marquês de Pombal e ao proletariado intelectual de esquerda: não se virem também contra a igreja católica que no seu processo de aculturação e inculturação aprendeu a honrar e a respeitar a cultura seja ela a dos cedros do Líbano ou a dos pinheiritos raquíticos fustigados pelo vento salgado. Faz-me tanta dor ver que tanta esquerda irmã a combater Cristo pelo facto de ele se colocar ao lado dos pequeninos mas não com os mesmos meios, os meios activistas de Judas. Demo-nos as mãos; juntos certamente conseguiríamos tirar os irmãos das favelas; separados continuaremos a servir a dois senhores!
Que o povo simples se expresse como sabe e como pode, não é mal, o que é de lamentar é que já na escola se lhe cortem as asas dando-lhe apenas asas de pardal quando precisariam das de águia para subir mais alto. Este é o grande engano e a mentira declarada de uma esquerda radical que só alimenta o proletariado com ideologia não lhe facultando boas asas para que o proletariado não só possa voar mas para que tenha também a possibilidade de voar alto e assim notar que só das alturas se consegue ter a perspectiva de reconhecer quem explora económica e ideologicamente. É natural que uma sociedade de modelo soviético só precisaria do proletariado almeida e de uma pequeno grupo de águias - troica- que os governe e que um capitalismo liberal precise só de braços ou de mentes bem podadas para melhor produzir porque a capacidade de pensar só estorva.
Defraudadores da Língua portuguesa, porque roubais as penas aos passarinhos e ao pensamento? Não notais que, as asas com que voais, as não dais à passarada que em baixo esvoaça em volta dos trigais para que não possa voar nem subir mais? (Se escreverem um texto como este último parágrafo – que de propósito escrevi na segunda pessoa do plural – num computador com programa corrector de ortografia, logo notarão que as segundas pessoas verbais aparecerão assinalados como erro e com a indicação de se corrigir para a terceira pessoa! A pobreza de espírito e a entropia já chegaram a tal ponto de fazer uso da tecnologia para nos passar a ferro e embrutecer).
Uma Ideia de emancipação masculinizada, ao seguir o fluxo de um populismo barato, exige que, em questões de língua e de educação, se ande de cavalo para burro. O maior passo nesse sentido deu-se já no processo da regressão com o “Acordo Ortográfico” de 1990 (2). Quer-se uma reforma para favorecer ideologias e uma economia ligada ao comércio da cultura e a monopolistas e a um MEC a querer ter melhores satisfatórios nos meios analfabetos… Cultura não se pode adquirir com tarifa zero nem com ideologias de trazer por casa que passam como as nuvens em tempos fortes de altas e baixas pressões.
Ai dos Vencidos!
Como pode um país jovem e promissor, como o Brasil, seguir servilmente ideologias niilistas e marcadamente de extrema-esquerda que são o produto importado de um estado ocidental decadente e senil? Não notam que em cada fase do desenvolvimento seja de uma pessoa ou da história de uma sociedade, a cada fase corresponde uma diferente acção, pedagogia e ética? Esta Europa que já foi jovem e adulta e agora vai passando a vidinha já não tanto com base no trabalho mas nos serviços e na ideologia não pode ser norma para países jovens que passam a ser mais prejudicados pelo jugo novo do que pelo antigo. Como não nota a classe média de um país jovem que muitos dos seus impulsionadores só seguem atrás de um progresso que os não serve, apenas os adia e leva a empatar o melhor do seu tempo em copiar sem adaptar, no seguimento dos arrotes de ideias e de ideologias que são característica do espreguiçar-se de civilizações na sua fase velha e não do seu início? Não notam que consomem não só os produtos ocidentais mas, o que é mais grave ainda, também consomem as suas ideias de plástico, sem serem vivificadas nem sequer aferidas?Não notam que colonizam em nome da contra-colonização? Não notam que onde chega uma mentalidade decadente, fruto do Ocidente, ao ser importada pelos países emergentes, estes se destroem a si mesmos com novas doenças não só físicas como também intelectuais, tornando-se cada vez mais dependentes? Não notam que as instituições que exigem saber, disciplina e rigor para os seus empregados apregoam o simplicismo e o à-vontade para um vulgo que querem inerte e disponível? Uma nação faz-se pelo trabalho, pela qualidade da formação e por uma vontade determinada de ser, como mostraram e demonstram os judeus, como mostraram os portugueses, como mostrou a civilização ocidental quando se orientava por ideais universais e não apenas por objectivos económicos, quando a classe média se sentia responsabilizada e não se deixava levar em conversa fiada como querem as novas burguesias intelectuais citadinas e os novos ricos.
Ensino de literatura lusófona em todos os Países de língua lusófona
Entre os países lusófonos deveria haver um contractointerestadual em que cada Estado lusófono se comprometesse a incluir e implementar, nos seus programas e currículos escolares, literatura de todos os estados lusófonos. Urge fortalecer intelectualmente uma camada média consciente e capaz, com um ensino exigente, porque desta é que vem a massa crítica que corrige, desenvolve e equilibra os exageros dos extremos. Urge que, todas as organizações empenhadas na lusofonia façam valer as suas influências perante os países lusófonos no sentido de ser implementado o intercâmbio cultural e o ensino da literatura lusófona já a nível de escolas secundárias.
Como pode haver um estudo sério do português na escolarização sem o estudo de linguística e da história da literatura do português desde as suas origens? É mais que óbvio o estudo do seu desenvolvimento desde o latim vulgar e latim erudito ao português arcaico, galaico-português, Gil Vicente, ao português moderno de Luís Vaz de Camões, António Vieira, Fernando Pessoa e o seu desembocar nos diferentes sistemas literários de cada país lusófono, como, em relação ao Brasil, com um Machado de Assis, Drummond, Cecília Meireles, Jorge Amado, etc.
A política de língua seja ela no Brasil, Angola, Moçambique, etc. terá naturalmente que implementar o estudo das línguas indígenas, mantendo, no interesse da identidade nacional, uma incidência especial no português falado como o idioma nacional oficial.
Conclusão – Fernando Pessoa é o Protótipo do homo lusófono
Uma mentalidade bárbara procura, em nome de um capitalismo avassalador, de um socialismo aplanador e de uma emancipação masculinizante, acabar com as próprias raízes e origens no desprezo pela mãe latina, como se uma sociedade se pudesse manter viva contentando-se com o ir à prostituta, ou negar nela as virtudes e os defeitos que tornaram povos pequenos grandes. Quem faz das origens um borrão e acaba com as referências históricas, retrocede em vez de evoluir. Não é justo querer funcionalizar o povo indefeso e distraído no sentido de ser apenas braços, estômago e abdómen. Nesta fase social da História quem não defende uma classe média forte e consciente atraiçoa o povo. As nomenclaturas das ideologias e da economia trabalham a grande pedalada para que toda a sociedade se torne dependente de uma pequeníssima elite com o monopólio da influência cultural e económica. Por isso atacam tudo o que lhes oferece resistência seja o cristianismo, seja uma camada média resistente ou seja o sindicalismo. Querem transformar a democracia numa democraturaNa Alemanha os sindicatos e a Igreja já colaboram em acções comuns numa tentativa de impedirem a arrogância política e económica que se encontram cada vez mais de braço dado.
Verifica-se que, em todos os governos, onde a esquerda assume o governo logo procura, à maneira jacobina, influenciar determinantemente o sistema de educação e, quando em governos de coligação, segue a estratégia de assumir as pastas da cultura e do ensino, seus meios privilegiados para garantir a sustentabilidade da influência. A influência e o domínio social que o capitalismo adquire com a economia são adquiridos pelo socialismo através da cultura: Formam um par unido na exploração humana. Naturalmente esta estratégia não é de condenar. O que é de condenar é a atitude descomprometida de conservadores que por preguiça ou favorecimento da natureza se vejam apoiados sem necessidade de se empenharem.
Uma política redutora e nacionalista não pode ter a pretensão de querer inventar a roda de novo, nem tão-pouco, com a desculpa do colonialismo e da opressão externa, justificar uma colonialização ideológica interna que possa vir a alimentar o alarde de novas ideias de gene colonizadora. As grandes nações criam-se em torno do trabalho, do estudo e de uma vontade guiada por um sentido comum. Fernando Pessoa é o Protótipo do homo lusófono. Fernando Pessoa reúne e resume nele a grandeza de alma da pessoa lusófona.
A língua lusa é a pátria de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Macau, Moçambique, Portugal, Timor-Leste, de São Tomé e Príncipe e de tantas comunidades falantes do português, espalhadas por todo o mundo. A língua lusa é aquela alma que nos torna a todos irmãos. Fernando pessoa, aquele génio de personalidade lusa migrante, que reuniu numa só pessoa o contraditório e os opostos, é o melhor protótipo do lusófono; na diversidade e integração dos seus heterónomos viveu e reviveu a grandeza e multiplicidade dos povos da lusofonia que o fez exclamar, também da perspectiva geográfica horoscópica, com amor e devoção: “A minha pátria é a língua Portuguesa”!
É sabido (para os que sabem) que a primeira escrita com caracteres fonéticos terá nascido com os fenícios e apareceu primeiro em Biblos – uma palavra que nos lembra alguma coisa de escrita! Povo marítimo e comerciante, expandindo-se através do Mare Nostrum e não só, criando colónias com quem tinha necessidade de se comunicar, os caracteres ideográficos, como os hieróglifos, além de darem um intenso trabalho, conduziam muitas vezes a interpretações erróneas. Os fenícios não usavam vogais, mas entendiam-se bem e foram os gregos, igualmente povo do mar, que pouco mais tarde, com os mesmos problemas de comunicação dos fenícios, introduziram as vogais e tornaram a escrita naquilo que é conhecida até hoje, quer o alfabeto seja romano, grego ou cirílico.
Os tipos de letra destes inovadores eram complicados. Os romanos, práticos, organizados, criaram um tipo de letra que, gravada na pedra, podia ser vista a qualquer hora do dia: linhas rectas, gravações profundas que permitiam praticamente em todas as horas que uma sombra se projectasse no fundo da letra e a tornasse bem legível e inteligível. A este tipo de letra se chamou, como é óbvio, lapidar, gravada na pedra.
Atribui-se mais tarde aos santos Cirilo e Metódio a criação dum alfabeto próprio para as línguas eslavas e hoje utilizadas também em alguns países da antiga União Soviética, com a finalidade de transcreverem para esses povos a Bíblia. O alfabeto cirílico.
Ainda no mesmo século IX, Carlos Magno impôs o uso de letras minúsculas, que igualmente foram baptizadas de carolinas¸ a que hoje se chamam, em tipografia, letras de caixa baixa.
No século XII surgem as universidades e com elas imensa demanda de pergaminhos, para a necessidade da divulgação, arquivo, consulta e troca do conhecimento. Os godos, face a essa penúria de base onde escrever, criaram uma letra especial, angulosa, estreita, que ocupava menos espaço do que as conhecidas até então, economizando assim os tais pergaminhos, e essa letra, que resiste nalguns lugares – meio exóticos – está-se mesmo a ver que se chama gótica. Letra cheia de maneirismos, difícil de ler, criou também um cursivo, chamado bastardo!
No sentido de economizarem os pergaminhos chegaram a criar uma letra tão miúda que só se lia com óculos!
Os humanistas italianos não foram na conversa dos godos. Petrarca dizia que aquele tipo de letra embaraçava e fatigava os olhos como se fora feita para qualquer outra finalidade que não a leitura e a Renascença procura então um novo tipo de letra.
Com a conquista de Mogúncia, terra de Gutemberg, onde nasceu a tipografia no Ocidente, muitos artistas se espalharam pela Europa. O franco-alemão, da Alsácia, Nicola Jenson, instala-se em Veneza e vai-se inspirar no alfabeto romano: letras simples, bem legíveis, rectas, estilo puro, o romano. Um dos seus herdeiros, Aldus Manutius, encomendou mais tarde ao seu gravador um tipo mais delicado, inclinado, que começou por se chamar aldine, mas que “herdou” o nome da terra onde nasceu: o itálico.
Francisco I, rei de França, confiou a Claude Garamont uma encomenda real, para edição de textos gregos, os famosos grecs du roi¸ que criou caracteres romanos e itálicos, hoje presentes em todos os computadores: o Garamond.
Em 1692 foi o “humilde” Roi Soleil, Luis XIV, que encarregou o abade Jacques Jaugeon de criar um novo tipo, reservado em exclusivo, à impressão real, o romain royal. Este tipo de letra, mais elegante e rebuscada, como seria de esperar, não durou mais de meio século. Apagou-se a meio do reinado de Luis XV!
No século XVIII foram os ingleses que primaram pela elegância. Mas todos se basearam no “velho” romano, dando-lhe um pequeno toque aqui, outro além, o que se pode constatar correndo as várias “fontes” disponíveis nos computadores.
E veio depois a Art Nouveau, a Bauhaus, o Peignot, o Bifur, e tantos outros artistas criadores de tipos de letras, que as gráficas, hoje baseadas em computadores, podem alterar e realizar.
E... os chineses? Como conseguem eles escrever num computador? Levou tempo para que chegassem a uma conclusão, mas, determinados e inteligentes, obtiveram o resultado desejado.
Pode parecer um pouco preconceituoso dizer que os chineses têm problema para digitar, mas a verdade é que até hoje eles não possuem um sistema padrão para desenvolver teclados, como o nosso ABNT2. E esse problema é mais antigo que os computadores: ele vem desde a época das máquinas de escrever.
A maior dificuldade enfrentada pelos chineses actualmente é fazer um teclado que consiga produzir o maior número possível de ideogramas e que ainda possa usar os caracteres do alfabeto latino, predominantes nas culturas ocidentais e, portanto, na Internet. Para resolver o enigma, algumas soluções foram pensadas.
Uma delas, o método Cangjie é apenas o mais famoso dos chamados “Shape-based methods” (Métodos baseados na forma). Existem vários outros, cada um adaptado para uma região, contexto e língua diferente.
Cada tecla recebe um símbolo que é chamado de “radical” ou “raiz”. Existem 24 desses radicais e a partir deles você pode usar outros sub-radicais, formando praticamente todos os ideogramas. Para uni-los há que pressionar dois ou mais botões ao mesmo tempo!
Complicado, né? Eles lá se vão entendendo, mas a escrita ideográfica... começa a cair em desuso. E isso é um bem cultural chinês de valor inestimável, que, como é evidente eles não podem, nem querem perder.
29/02/2016
Francisco Gomes de Amorim
Fontes:
- Robert Druet – La civilisation de l’écriture – 1977
"Foi a Função Pública que suportou o maior fardo da austeridade"
(Daniel Oliveira)
Não, não foi.
Na Função Pública houve: (i) cortes salariais (certamente penalizadores, mas, apesar de tudo, moderados); (ii) algumas centenas de funcionários públicos (em mais de 700,000) que foram transferidos para um quadro de mobilidade especial (a imaginação para os eufemismos, essa, nunca conhece austeridade) com redução do vencimento; (iii) pressão para reformas antecipadas (que, por norma, falhava o alvo); (iv) muitos contratos de prestação de serviços que não foram renovados (só que os tarefeiros não pertencem aos quadros da Função Pública).
Mas despedimentos na Função Pública, não houve.
Quem sofreu a austeridade em todo o seu rigor (e ela nem sequer foi especialmente rigorosa no plano “macro”, mas isso são outros contos) foram: (i) os que perderam o emprego - sobretudo aqueles que ainda hoje estão desempregados e sem perspectivas de arranjar trabalho novamente; (ii) os jovens que não encontram, por cá, onde trabalhar.
E é isto que tem levado muita gente (jovens, e outros não tão jovens assim) a emigrar. Tanto quanto a estatísticas mostram, os funcionários públicos que têm emigrado fazem-no, não para encontrar, no estrangeiro, o trabalho que aqui perderam, mas porque lhes acenam de lá com melhores condições de trabalho e remunerações mais aliciantes.
Convenhamos que ver o vencimento encolher, não ser beneficiado com promoções nem com actualizações salariais (mesmo quando a inflação é, apenas, residual), por muito desagradável que seja (e é certamente), não se compara a ficar desempregado numa economia em recessão.
Por outro lado, ver fechar a porta da Função Pública a filhos, parentes e amigos, quando tudo parecia bem encaminhado para um emprego, talvez mal pago, mas não excessivamente intenso - e, acima de tudo, garantido para a vida - é, de facto, uma arrelia. Mas só isso (porém, as clientelas partidárias lá continuaram a arranjar um lugarzinho aqui, outro ali, na esperança de melhores dias).
O surpreendente é que ao fim de 5 anos, ninguém páre para reflectir nestas questões simples, mas essenciais: (i) Como queremos exercer a nossa soberania num mundo que é impiedoso para os países irrelevantes? (ii) Como organizarmo-nos para esse fim? (iii) Com que meios dotar essa organização e qual a sua expressão financeira? (iv) Qual a carga fiscal máxima compatível com o modelo de desenvolvimento escolhido? (v) Fará sentido continuar a aplicar o mesmo estatuto (e, consequentemente, a mesma tabela salarial) nas funções de soberania (totalmente incompatíveis com conflitos de interesses) e na restante Função Pública (onde o problema dos conflitos de interesses se coloca com muito menor acuidade, tal como acontece em qualquer actividade privada)?
E isto leva-nos a nova frase…
"A TAP oferece um serviço público e, por isso, deve ser do Estado"
(Catarina Martins)
(Nota: O caso da TAP é aqui simples pretexto)
Na sua pureza, a tese que esta frase perfilha pode ser sintetizada assim: “Serviços públicos têm de ser prestados por funcionários públicos”.
Uma tese que nos tem acompanhado desde a Revolução Liberal - o cruel episódio que substituiu uma monarquia absolutista, porque “iluminada”, por uma Administração Pública que se reclamava herdeira dessas mesmas “luzes”, logo tendencialmente absolutista.
Foi assim durante o Constitucionalismo, onde os sucessivos Governos bem tentavam, mas não conseguiam dominar uma Administração Pública retalhada por interesses partidários em permanente litígio e absolutamente disfuncional. Foi assim nos tempos da 1ª República, impotente para corrigir a herança que o regime monárquico lhe legara. E o Estado Novo mais não foi que o triunfo desta tese - agora, com a Administração Pública sob a vontade férrea de Salazar.
Para manter os funcionário públicos sossegados, mesmo se não de todo comprazidos (porque as remunerações eram modestas), Salazar mimou-os com um regime de excepção: (i) vencimentos pagos a tempo e horas, garantidos pelas receitas fiscais; (ii) despedimentos (e aposentações compulsivas), só com justa causa (quase sempre por infidelidade política, raramente por incompetência ou desonestidade); (iii) reforma garantida (por inteiro e actualizável); (iv) promoções automáticas por antiguidade; (v) assistência total na doença (ADSE); (vi) incentivos à aquisição de casa própria; (vii) até, para algumas categorias de funcionários, habitação gratuita (ou com rendas simbólicas). Só os maiores grupos empresariais conseguiam oferecer aos seus empregados benesses comparáveis - e mesmo assim...
Trata-se, porém, de uma tese prenhe de equívocos, na exacta medida em que cultiva, de forma deliberada, a confusão entre a organização (o Estado), os órgãos que a tornam efectiva e a fazem funcionar (com destaque para o órgão executivo, o Governo) e os meios de que se serve (a Administração Pública com a sua estrutura hierárquica, a Função Pública).
O Estado a que a frase faz referência não é a sociedade políticamente organizada, orientada para a segurança colectiva, a convivência pacífica e a cooperação em busca do bem comum no território nacional. Porque, nessa concepção, nada é estranho ao Estado, tudo acontece no seu âmbito.
É, sim, uma vontade política: (i) que tem por evidentes os benefícios a que eventualmente conduza (por isso, não os enumera, nem cuida demonstrá-los); (ii) que não se preocupa com os correlatos custos (por isso, não os estima). Apenas, uma figura eminentemente ideológica, intolerante e totalmente assente no contribuinte como “pagador de último recurso”.
O que transparece da frase comentada é a dicotomia Estado/Sociedade Civil, um resquício da dicotomia Soberano/Súbditos característica do “Ancien Régime”. Dicotomias que colocam quem exerce o poder (antes, em nome próprio; hoje, como órgão do Estado) ao abrigo das críticas, evitando-lhe o incómodo de ter de se explicar e de convencer.
“Serviço público” é a etiqueta com que uma tal vontade aparece justificada. Aliás, a tese bem poderia acolher a figura do “Estado-financiador (de serviços públicos)” - que exige uma Função Pública de menor dimensão. Mas não. Só admite a figura de “Estado-prestador (de serviços públicos)” - porque só assim a Função Pública poderá ultrapassar sem rebuço qualquer limite.
Mais recentemente, a tese começou a ser lida às avessas: já não é o serviço público que mobiliza funcionários públicos, mas são as actividades que se quer exercidas por funcionários públicos que passam a ser qualificadas, ipso facto, “serviços públicos”.
Mas porquê este apetite pela Função Pública?
A razão é óbvia. Emprego garantido para a vida - em que a aposentação compulsiva é uma possibilidade muito, mas mesmo muito, remota e o despedimento por razões políticas uma absoluta impossibilidade. Remuneração garantida pelos contribuintes. Reforma garantida, idem. Avaliações ténues. Promoções automáticas. E tudo o mais que havia no Estado Novo. Possibilidade de contestar (isto não havia no Estado Novo) sem nada arriscar, porque nunca nível remuneratório, estatuto e emprego são postos em causa.
Enfim, o melhor da Função Pública que o Estado Novo nos legou (e que tem sido mantida intacta com grande cuidado), sem a teimosia, o olhar severo e o espírito poupado de Salazar.
Não me deixa de me surpreender que sejam justamente aqueles que mais esconjuram Salazar a querer perpetuar o modelo de Função Pública legado pelo Estado Novo.
Normalmente, quando se utiliza a expressão “Países Lusófonos”, a referência imediata são os países africanos que têm o português como língua oficial e que por circunstâncias históricas foram colónias de Portugal, tendo ascendido à independência na década de 70 do Século XX. E por extensão, já mais tarde, Timor-Leste.
Normalmente é senso comum que o Brasil e os brasileiros não são incluídos neste conjunto, muito menos Portugal. Ora, se no plano empírico as coisas assim se passam, é porque, do ponto de vista desse senso comum, algo se cristalizou a partir de um jogo de aproximações semânticas que nos remetem à teoria de conjuntos. Quando em 1988, Itamar Franco se reuniu com os seus homólogos em São Luís do Maranhão, o encontro não se designou Lusófono, mas sim dos Países de Língua Portuguesa. Assim, também as bases para a constituição de uma comunidade constituída por esses Países também não adoptou o nome de Comunidade Lusófona, mas sim Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, CPLP.
Este é o primeiro ponto que coloco à reflexão e discussão. Por que razão é que do ponto de vista oficial, na diplomacia e na cooperação multilateral, jamais o termo lusófono foi adoptado? E por que razão é que a nível do discurso político, sobretudo na relação entre o olhar de vários segmentos da sociedade portuguesa, este termo tem vindo a ser consagrado como sendo o de maior utilidade para identificar os espaços e as gentes que historicamente já estiveram ligados a Portugal, sobretudo.
Marcelo Rebelo de Sousa, esteve recentemente em Moçambique, no âmbito de cooperação académica entre as universidades portuguesas e moçambicanas. Ele escandalizou meio mundo ao, pela primeira vez, assumir a postura muitas vezes pronunciada em surdina de que havia que resgatar o lado bom do colonialismo, fazendo justiça àqueles que, embora servidores do sistema, conseguiram dar-lhe um rosto humano. E chocou, porquê? Na justa medida de que, para nós, é um dado adquirido de que o colonialismo é sempre mau para quem o sofreu e é sempre bom para quem dele beneficiou.
Esta mistura de águas publicamente assumida num País que foi colónia até há pouco mais de trinta anos, vem demonstrar que muitas contas estão ainda por fazer para nos entendermos no mundo dos conceitos. Para isso é que servem as discussões.
Levanto esta questão do pronunciamento de Marcelo Rebelo de Sousa para remetê-la à problemática do mito do império que habita o imaginário cultural e ideológico dos portugueses desde o Século XVI.
Independentemente da postura partidária de quem quer que seja e que pode enformar o discurso, hoje na essência, a questão permanece inalterável.
O destino dos portugueses é plasmar o seu ser nos quatro cantos do mundo. A história, em parte, confirma isso, na medida em que, a partir do século XV, Portugal tornou-se numa grande potência mundial, presente em todos os continentes, fazendo-se respeitar e fazendo com que a sua língua se tornasse na língua franca nos meandros da economia, do comércio e da diplomacia.
Mesmo com o enfraquecimento do Estado Português e consequente desaparecimento desse poderio real, os portugueses interiorizaram esse desígnio de grandeza histórica que lhe não permite ser contido naquele pequeno rectângulo que constitui o seu território.
ESQUERDA RADICAL NÃO DIGERE BEM O SEU RESSENTIMENTO CULTURAL
Celebração da “Vitória” bloquista pela aprovação da Lei da Adopção por pares homossexuais
Em Portugal passou a ser permitida a adopção e co-adopção (10.02.2016) por pares homossexuais. Para celebrar a festa da “vitória”, o Bloco de Esquerda, publicou um cartaz com a imagem do “Sagrado Coração de Jesus” com os dizeres “Jesus também tinha 2 Pais”. A esquerda radical, instrumentaliza assim a decisão parlamentar para uma campanha de “afronta aos crentes”.
Celebram uma vitória de quem contra quem? Será a vitória do direito dos pares gays e lésbicos contra os direitos das crianças? Ou será que a República portuguesa sente problemas de má consciência, vivendo bem do medo e da afronta como estabilizadores de um poder que se estabiliza através de uma táctica de permanente guerra civil camuflada e que se alimenta mais das armas da emoção do que das da argumentação?
A ferocidade cultivada, que se constata por parte da esquerda radical numa tentativa de estabelecer uma imagem pública de catolicismo como inimigo comum, revela um estado doentio de sociedade e de civilização. Porquê tanto zelo, seja da parte de quem for? Será frustração, será recalcamento, será ressentimento ou o mero efeito de uma primaridade infantil embalada no jacobinismo que veio nas fardas dos soldados das invasões francesas?
Os bloquistas prestaram um mau serviço a si próprios porque desmascaram aqui como noutras ocasiões o seu espírito trotskista e anticristão que os domina; meteram no saco ateu os Gays e as lésbicas negando-lhes a capacidade de espírito religioso ou de fé); revelaram total ignorância teológica partindo do princípio de que o Deus dos cristãos é masculino; além da incongruência de reclamarem para si uma paternidade divina, esqueceram-se que Jesus tinha uma educação heterossexual (bipolar) da mãe Maria e do pai adoptivo José; a sua pretensão de, com o exemplo apresentado, quererem estigmatizar os católicos que se declaram contra a educação unipolar que em nome de um direito se afirma à custa da discriminação da criança justifica em nome de ideologias contrárias até à ciência que define a origem de doenças patológicas adquiridas através de genética, contágio e hábitos sociais. A Igreja católica é atacada por se declarar defensora dos sem voz e indefesos e naturalmente também por incomodar aqueles que quereriam fazer o que bem lhes apetece e não suportam qualquer resistência e que em nome de um direito cultural ideológico, com benefício emocional e económico próprio, pretendem que a criança não tenha o direito a ter uma educação de referência masculina e feminina, com diferenciação bipolar pai-mãe, para a reduzirem a uma experiência unipolar de pai-pai ou mãe-mãe. O Zelo cega-os e prejudica-os porque 1°- o problema de adopção gay será uma questão passageira (ciências da educação e psicológica já prevê défices psicológicos para tais casos de perfilhamentos com enormes despesas de tratamentos psicológicos – o futuro terá a última palavra; na Alemanha, já há vários anos para dar cobro aos défices psicológicos e educativos de crianças que crescem predominantemente em casa das mães, procura-se nas creches e infantários empregar-se mais homens para compensarem possíveis défices) e 2°- muitas pessoas que votam no BE passarão a votar no PS porque não reconhecem no BE mais que um grupo de ideologistas armados emfeiticeiros que brincam não só com o dinheiro do povo mas também com as suas crenças! Um partido que queira manter a sua sustentabilidade não pode basear a sua doutrina só na ideologia e no abuso, no abuso de normas e de ideais.
Incongruência de uma esquerda filha (pródiga) do Cristianismo
Por vezes observa-se uma certa incongruência e ignorância numa esquerda radical que embora seja filha do cristianismo - o portador e gerador dos valores e direitos humanos da civilização ocidental – vive numa contínua fase adolescente, numa atitude de revolta de filho contra os pais. Falta-lhes uma certa maturidade para compreender possíveis mazelas. O respeito pelas sensibilidades das pessoas é tão importante como os arrazoamentos sejam eles mais ou menos brilhantes.
Na discussão pública logo se formam hostes com as tradicionais valas como se a liberdade e a verdade se pudesse limitar a um só campo e cada disputante não tivesse direito a uma opinião própria sem ser denegrido ou negado. Na controvérsia chega a notar-se até ódio. Esquece-se que o ódio é pai e filho, ao mesmo tempo! A intolerância, tal como a estupidez humana, é infinita, não pára nos crentes nem nos não crentes, no saber e no não saber! Também não justifica a estupidez do falar com a do estar calado seria argumento para inocentes! O ser humano faz-se falando!
A minha liberdade começa onde a dos outros tem a possibilidade de se mostrar de cara levantada. É atitude atrevida querer defender os valores da própria liberdade à custa dos valores da liberdade dos outros; tentar identificar a liberdade com uma mera opinião é reducionismo e inferioridade moral!
Enfim, o que Portugal mais precisa é da fraternidade universal cristã (que inclui o amor ao próximo e não só aos do clã), sem os talibãs da política nem da religião.
Na controvérsia desnecessária iniciada pela provocação do BE revela-se um estado latente de ressentimento na sociedade portuguesa que germina como um cancro que continuamente produz novas metástases, fomentadoras de um espírito cobarde ao saber que pode atacar sempre os símbolos e a sensibilidade dos cristãos, sem consequências.
Resumindo: Em questões de política e de poder o problema de um lado é febre e do outro é fome!