Dois estudos que, divergindo, se complementam: o primeiro, de Vasco Pulido Valente, revelador do que há muito se sabe a respeito da nossa penúria intelectual e de princípios éticos, justificativa da eterna atrofia em que nos remexemos, sempre manipulados por circunstâncias e seus aproveitadores na condução dos destinos pátrios, pondo e dispondo de acordo com a doutrinação ou os interesses próprios das diferentes chefias. Mas se Vasco Pulido Valente o historia, desde os circunstancialismos que ditaram a mudança do regime absoluto em regime pretensamente liberal, e que resultaram na indignidade de uma irresponsabilidade contínua, o artigo de Alberto Gonçalves mais uma vez põe o dedo na ferida revelando um tal guia de acolhimento segregativo dos refugiados feito pela DGS – julgo que por ordem de comandos alheios – que apontam bem a abjecção e a indignidade de uma Europa a ser manipulada por um Islão de repugnantes leis rácicas, que pretendemos aplicar a esses, no respeito solidário pelos seus fundamentalismos que, todavia, reprovamos. O guia alternativo do sociólogo, de evidente exagero, é, todavia, uma lufada de ar fresco na hipocrisia do mundo – o oriental como o ocidental. Quanto à questão da TAP e os desígnios de António Costa e seus parceiros, é demasiado perigosa para este mísero país, para que possamos rir das graças de Alberto Gonçalves. Mas admiramos-lhe, como sempre, a coragem e a eficácia do seu humor.
Berta Brás
A educação de um povo
Vasco Pulido Valente Público, 12/12/2015
O primeiro regime supostamente “representativo” que houve em Portugal não foi o resultado de nenhum movimento interno. Foi resultado da guerra contra os franceses, do exílio de D. João VI no Rio e da perda do monopólio colonial. Um pronunciamento militar, o “24 de Agosto”, conseguiu impor aos portugueses uma Constituição “radical” e a burocracia, a Igreja e o exército escolheram os deputados, depois de um simulacro de eleições. Nem a “classe média”, nem evidentemente o povo que vivia da terra participaram no exercício. Entre tentativas de rebelião armada, as Cortes Soberanas duraram pouco tempo (um ano e uns meses) e não trouxeram a ninguém qualquer educação para a liberdade e o respeito da lei. Portugal voltou ao antigo regime até à morte de D. João em 1825.
Em 1826 começou uma guerra civil que durou até D. Miguel desembarcar em Belém, vindo de Viena. A seguir a uma insurreição armada da gente de 1820, o Infante impôs com dureza as regras da Monarquia tradicional. E, em 1832, o “liberal” D. Pedro apareceu perto do Porto com uma expedição, paga pela Inglaterra e a França, e começou uma guerra que só acabou em 1834 com a derrota do “miguelismo”. A situação que saiu desta “vitória”, perante a indiferença do país, não passou de “uma balbúrdia sanguinolenta”, em que os regimes se sucederam até a uma nova guerra civil, a da “Patuleia”.
(para saber mais sobre a Guerra da Patuleia, ver p.ex. em https://pt.wikipedia.org/wiki/Patuleia)
Em 1851, surgiu por miséria e cansaço um arranjo chamado “Regeneração”, que domesticou o exército e os políticos, pedindo dinheiro no estrangeiro em grandes quantidades. Anos relativamente felizes, com que a crise financeira de 1892-1893 definitivamente acabou.
Ao fim de 70 anos de “liberdade legal”, como se dizia, os portugueses não sabiam ainda o que eram os seus direitos, nem os seus deveres, e o poder permanecia ilegítimo e arbitrário. A dívida custou a Portugal a relativa tolerância da “Regeneração”, a interferência inconstitucional do Rei na política partidária, 15 anos do corpo a corpo geral da República e a ditadura de Salazar e de Caetano. Um preço alto. Pior ainda, entrou na III República sem a mais vaga noção da espécie de cidadania que um Estado democrático implicava e requeria. Uma coisa dessas, para se aprender, precisa de uma longa tradição histórica, que por acaso ou por desgraça a nossa história não nos deu. Em 2015 não devemos esperar muito do futuro, porque nós próprios somos responsáveis pelo nosso destino e a nossa responsabilidade, talvez não por nossa exclusiva culpa, não é muita.
Como receber refugiados: um guia alternativo
AlbertoGonçalves DN, 20/12/15
A Direcção-Geral de Saúde (DGS) concebeu um guia de acolhimento das (aparentemente poucas) dúzias de refugiados que aceitaram mudar-se para cá. Com as melhores intenções, 112 páginas e a colaboração de "nutricionistas, dietistas, médicos, veterinários, psicólogos e especialistas em relações internacionais", o guia diz-se "inovador a nível nacional". Não admira, dado que é também uma das mais violentas manifestações de racismo, xenofobia e segregação que um Estado dito democrático é capaz de produzir.
Dominado por "imperativos de ordem cultural e religiosa", o curioso documento limita-se a reproduzir um pedacinho do fundamentalismo que afugentou os refugiados para a Europa, quer estes tenham ou não tenham consciência disso. Exemplos? Vamos a eles: nas consultas médicas, as mulheres só devem ser atendidas por mulheres. Os alimentos devem estar circunscritos à lei islâmica, leia-se nada de porco e derivados, álcool, sangue. O abate dos animais deve obedecer aos métodos considerados halal. O jejum do Ramadão deve ser equilibrado por uma dieta adequada (o guia inclui receitas e tudo). Etc. E isto versa apenas matéria clínica. Espera-se a qualquer momento que diversos organismos públicos publiquem códigos de vestuário, organização familiar, boas maneiras, hábitos sexuais e o que calhar, sempre com mil cautelas - ou as cautelas necessárias para impedir que os nossos convidados se possam ofender connosco. O guia da DGS, convém notar, destina-se aos indígenas.
Ouvi por aí que semelhante toleima é consequência natural do "multiculturalismo". É uma razão parcial. Sendo verdade que constitui um refúgio (sem trocadilho) de idiotas, é igualmente verdade que o problema do "multiculturalismo" passa pelo modo muito "unicultural" como é entendido: a regra obriga inevitavelmente à compreensão do "outro", mas nunca se lembra de obrigar o "outro" a compreender-nos a nós. Por vários motivos, era útil que o fizesse.
Aliás, já cumprimos a primeira parte do compromisso durante séculos. Portugal e o Ocidente em geral lembram-se perfeitamente do que é proteger por lei o tratamento discriminatório das mulheres. E perseguir criminalmente homossexuais. E legitimar a escravatura. E punir a ciência que questione a "realidade". E executar apóstatas no meio da praça. E, em suma, colocar a religião no centro da existência enquanto se castigavam os ínfimos vestígios de dissidência ou distracção. Experimentámos as actividades referidas e, salvo pelos raros tradicionalistas que terminam a falar sozinhos ou na cadeia, não gostámos particularmente delas e decidimos trocá-las por hobbies menos, digamos, radicais.
Sucede que a vasta maioria dos muçulmanos não beneficiou de oportunidade idêntica. Ao contrário do que acontece connosco, a "cultura" que a DGS exige que respeitemos é a única que eles conhecem. Em nome da hospitalidade, da abertura, da tolerância e de palavras assim lindas, importa ajudá-los a conhecer o resto. Julgo que foi o escritor francês Michel Houellebecq quem sugeriu o bombardeamento das nações islâmicas com minissaias, contraceptivos e pornografia. É um princípio, e cabe-nos garantir que não seja o fim.
Desde logo, a circunstância actual dos refugiados facilita imenso o processo: os muçulmanos encontram-se à mão de semear. Semeemos pois entre esses infelizes o exacto tipo de "licenciosidade" que tanto eriça o Prof. Freitas do Amaral. Há que iniciá-los no prazer da blasfémia, nas virtudes do deboche, nos meandros da pouca-vergonha, no gozo da excentricidade, nos apelos do vício e afinal no pleno exercício da liberdade terrena, que para a celestial não faltará tempo. Se coubesse um pingo de humanidade nas cabecinhas da administração pública, o guia de acolhimento recomendaria médicos de acordo com a especialidade e não com o género, piropos em vez de pudor, pândega em vez de Ramadão, risco em vez de medo, arte em vez de cartilha, Nabokov em vez de castigos, mundo em vez de gueto, século XXI em vez do XI, factos em vez de superstições, cabidela em vez de tofu. É dever de todos os portugueses e ocidentais responsáveis mostrar aos refugiados o que andam a perder. Até porque a alternativa é perdermos nós.
Sexta-feira, 18 de Dezembro
Pelos ares
António Costa, que a Providência colocou ao nosso serviço, garantiu que o Estado tomará posse da TAP a bem ou a mal. Será, naturalmente, a mal, o que além de permitir que possamos voltar a optar por viajar pelo triplo do preço para um vigésimo dos destinos disponíveis, terá o divertido bónus das indemnizações. É que os actuais proprietários, gente decerto mesquinha, não devem encarar o assalto - chamemos-lhe reivindicação patriótica - com bonomia, pelo que talvez recorram aos tribunais por pirraça. E a menos que o Dr. Costa a pague do seu bolso, ou do bolso dos companheiros de luta que o ampararam até ao poder, a despesa recairá sobre o fatal contribuinte. Por sorte, e a dádiva de 60 cêntimos na sobretaxa, não nos custará muito amealhar uns milhões adicionais para reaver a "companhia de bandeira" (sic) e, cito de novo, as caravelas do século XXI. De resto, precisaremos destas para rumar à Venezuela, o inevitável destino de um país entregue a alucinados e que, de futuro, o mundo civilizado tratará com nojo.
Hoje, já ninguém pode ter dúvidas quanto ao seguinte:
(i) gerir Bancos sem deitar tudo a perder, parece não ser connosco;
(ii) supervisar com um mínimo de proficiência Bancos (e outras Instituições Financeiras), também não é para nós;
(iii) resolver capazmente os problemas que um Banco em crise sempre coloca é coisa para a qual não estamos obviamente fadados;
(iv) e a vender património, mesmo que a preços de saldo, também não somos melhores.
Que tal contratar na estranja quem tenha provas dadas? Especialistas não faltam - e não creio que, no final, a conta ultrapasse escandalosamente aquilo que, por junto, têm custado os Conselhos de Administração cá da rapaziada.
Agora, é o BANIF.
A confirmar-se o que acaba de ser anunciado, a factura incluirá, em primeira estimativa, uma entrada de dinheiros públicos ligeiramente superior a € 1 mM, mais uma garantia de € 750 M a prestar pelo Estado para cobrir qualquer perda que o património vendido venha a registar.
Sim, porque só a parte “boa” (leia-se, menos má) do Balanço actual do BANIF é vendida - e, pelo módico preço de € 150 M (espera-se que seja pago a pronto). O restante ficará arrumado numa sociedade-veículo ainda a constituir - para que “longe da vista, longe da aflição”.
Isto, lido às avessas, revela:
(i) que o valor considerado realizável dos activos vendidos é inferior aos Depósitos (igualmente alienados) em cerca de 870 M;
(ii) que esse valor realizável é bem capaz de ser optimista (daí a garantia do Estado);
(iii) que do património destinado à sociedade-veículo pouco ou nada se espera apurar em fecho de contas, apesar de os accionistas e alguns outros credores perderem tudo.
Uma vez que o grosso do dinheiro com que o Estado entrou (em 2013) ainda por lá anda (entre capital e empréstimos, € 825 M), forçoso é concluir que, à data da recapitalização, o BANIF teria, não uma insuficiência de Capitais Próprios, não uma insuficiência de liquidez, mas, mais singelamente, uma situação líquida negativa não inferior a € 2.5 mM. Pondo em perspectiva: cerca de 39% do Total dos Depósitos à época (€ 6.3 mM) - ou apenas um pouco menos dos fundos captados junto do BCE (€ 2.9 mM).
Duas perguntas se impõem, desde já: Como foi possível, em 2013, acreditar que um Banco com este (mau) aspecto poderia, alguma vez, ser recuperado? Como foi possível que as coisas chegassem a esse ponto?
É claro que a situação do BANIF, no final de 2012, poderia não ser tão grave assim, e que o descalabro só teria ocorrido de então para cá. Mas, que diabo! tratava-se de um Banco que se sabia em crise, cujo processo de recuperação tinha sido totalmente financiado por dinheiros públicos - e, para mais, em que o Estado era o accionista maioritário (com 61% do capital). Não deveria ter havido uma vigilância um pouco mais atenta?
Ou haverá aqui algo mais?
Olhemos para o BES. Mais exactamente para o Novo Banco (NB). Desde logo, um ponto em comum: tal como no BES, o que determinou a impossibilidade absoluta de o BANIF continuar a operar foi o facto de o BCE ter-lhe vedado o acesso às facilidades de liquidez e exigido o imediato reembolso dos fundos que emprestara.
Em ambos os casos, conhece-se a decisão do BCE, conhecem-se de sobra as consequências dessa decisão, mas as razões que a fundamentam continuam fechadas a sete chaves. E sem conhecê-las nada disto faz sentido. Na CPI ao caso BES desperdiçou-se uma oportunidade única quando os deputados se esqueceram de exigir ao BdP e ao Governo que revelassem as razões que o BCE aduzira para decidir como decidiu. Passou-lhes, coitados.
O NB, presume-se, foi constituído com o que o património do BES teria de melhor - no entender do BdP, que conduziu a operação de cisão. Todos os activos que cheirassem a GES, mais outros activos igualmente “tóxicos” foram despejados no BES “mau”. E, no entanto…
Decorridos menos de 3 meses (logo em OUT2014) o NB chumbava no exame à qualidade dos activos que o BCE estava a levar a efeito. No fecho do exercício de 2014 era já evidente a insuficiência de Capitais Próprios, apesar dos € 4.9 mM com que o Fundo de Resolução o capitalizara. E, ao completar um ano de vida, crédito malparado e menos-valias colocavam-no à beira da crise.
Como é possível? Será que o BdP não soube avaliar o risco latente nos diversos elementos que compunham o Balanço do BES? Será que o BdP soube avaliar esse risco, mas fez vista grossa na esperança de que o tempo tudo viesse a curar? Será que os gestores nomeados para o NB não estavam à altura da missão, prova de que o BdP também não sabia distinguir o trigo do joio no capítulo da competência profissional?
Se o BdP não soube avaliar o risco - era óbvio que não estava à altura de supervisionar o sistema bancário. O mesmo se diga, se não soube seleccionar gente competente. E se jogou aos dados com o futuro, foi de uma imprudência indesculpável.
Pode muito bem ter acontecido que o BES não dispusesse de activos de qualidade suficiente que cobrissem o Total dos Depósitos (€ 33.4 mM). E uma vez mais a pergunta fatal: como foi possível permitir que as coisas chegassem ao ponto a que chegaram?
Mas, se chegaram, a solução não era fingir que os activos eram “bons” - e injectar os tais € 4.9 mM para equilibrar o Balanço. A solução tecnicamente escorreita era, sim, integrar no NB apenas os activos comprovadamente realizaveis e o Estado (através do Fundo de Garantia dos Depósitos) entregar em Títulos de Dívida Pública o que faltasse para cobrir a totalidade dos Depósitos (ressarcindo-se através do produto da liquidação do BES “mau”).
Uma pergunta fica a pairar: Tem a economia portuguesa condições que suportem, sem sobressaltos de maior, a recuperação de um Banco em crise?
Quando uma economia só tem para oferecer à intermediação bancária empresas excessivamente endividadas (graças a um regime fiscal que favorece o endividamento), um mercado de trabalho rígido que tende a perpetuar o desemprego, um sistema judicial disfuncional e um processo de insolvência aberrante - a resposta só pode ser: não, não tem!
Quando os Bancos não revelam, nem capacidade técnica, nem vontade, para oferecerem soluções de financiamento adaptadas ao comércio transfronteiriço - a resposta só pode ser: não, não tem!
Vitor Bento, há dias, lançou um grito de alerta: por este caminho, não irá restar nenhum Banco de raiz portuguesa! Não vejo que isso seja necessariamente mau - sempre que a supervisão for competentemente exercida (a regulação, essa, é assegurada, há muito, pelas instâncias comunitárias: EBA, ESMA, BCE).
O drama é que a fraca sofisticação da nossa vida financeira, conjugada com as actuais exigências prudenciais, só justifica, quando muito, duas redes de Banca universal de média dimensão - e, talvez, um ou outro Banco “boutique” (especializado nesta ou naquela Linha de Negócios e de reduzida dimensão). Tudo o resto estará a mais. É uma questão de tempo.
DEZEMBRO de 2015
A. PALHINHA MACHADO
PS1: Consta que o Fundo de Resolução irá entrar com € 489 M para capitalizar a sociedade-veículo. Como esta sociedade tem por objectivo único liquidar o património residual do BANIF, extinguindo-se em seguida, não se percebe porque necessitará de um capital acima do mínimo simbólico. Mais uma singularidade que o BdP nem sequer se dá ao cuidado de explicar.
Parecia milagre o diálogo aberto, até amigável, entre o ministro das Relações Exteriores do Irão, Mohamed Javad Zarif, e a comissão internacional, sobre o problema atómico.
Milagre também a conversa telefónica entre este e Obama. O mundo sorria, tinha esperança.
E tudo parecia correr para bom termo, para entendimento entre povos há tanto separados, quando a cizânia (do grego zizanion, joio) se instala, mais uma vez, e como sempre, pela intervenção daquela parcela de humanos que jamais deveriam ter saído das grades de um zoologico: os estúpidos.
Começou já há alguns dias quando o entendimento e a educação entre os negociadores parecia estar a correr muito bem, mas... sem a intervenção da França.
Foi a entrada da tal cizânia! Um dos ministros deste miserável e desprestigiado governo se lembrou de levantar a voz, vociferar contra o Irão dizendo que a França, note-se bem a França “daqueles valores” que eles estão sempre a alardear – la Republique, l’Igalité, etc. – “não iria permitir, de forma alguma que o Irão tivesse a bomba atómica”.
Berrou isto diversas vezes até que o senhor Hollande, o hollandinho, que está com o mais baixo índice de aprovação desde... décadas, e com o país a afundar-se, greves e revoltas por todo o lado, se lembrou também de ir “dar uma de gostoso” desembarcando em Israel para dizer aos judeus que a França, que não está a meter o bedelho nas negociações com o Irão, não ia permitir a tal bomba.
Esta, sim, uma bomba. Os israelitas ficaram muito contentes com aquela insensata visita, não entenderam o porquê da mesma, o hollandinho sentiu-se herói, e no dia seguinte entrou a “besta fera” no caminho.
O “adorável” Khamenei, o manda-chuva, e manda tudo no Irão, num pronunciamento igualmente besta ao do francês, ameaçou os judeus de destruição, disse que o problema atómico era dele, dele, Khamenei, e que quem se metesse com ele, ele Khamenei, se daria mal.
Um balde água fria nas negociações que agora vão demorar mais tempo.
Tudo por culpa do senhor Hollande, chefe de um des-governo francês, que sentido-se a afogar em casa, onde não sabe o que fazer – e parece que tudo quanto faz é errado – e desprestigiado por não ser o principal interlocutor nas negociações, nem o “porta voz” do super Obama, abriu a boca para dizer um monte de besteira, indo até Israel, convencido que de lá sairia com coroa de louros como os generais romanos ao regressarem vitoriosos a Roma para serem aplaudidos pelo povo.
França, o país que divulgou o conhecimento na Europa, de Rousseau, Montesquieu, Voltaire, Descartes, de Racine e Victor Hugo e tantos outros que brilharam e deram à França um sentido de respeito, devem dar voltas no túmulto ao verem tão pobre a cabeça dos, hoje, seus des-governantes.
E assim vai o mundo. Entregue a ineptos, corruptos, gananciosos, malandros e, pior do que tudo, estúpidos.
«Ninguém aceita uma parcela de poder sem a condição de uma parcela de malvadeza», (Alain, pseudónimo literário de Émil-Auguste Chartier, 1868-1951, ensaísta e filósofo francês): pensamento do «Escrito na Pedra» que encima a última página do Público de 28/11/15, donde já extraí o “Acabou!!!! Acabou. Acabou?» de José Pacheco Pereira e a que os artigos que seguem – «Porque sim», de Vasco Pulido Valente e a “Editorial” –«A “agenda improvável” de Costa» podem servir de resposta, no seu conteúdo de responsabilidade feita de amadurecimento cultural e ético, que a idade ainda não trouxe a José Pacheco Pereira, envolto nas brumas venenosas de um muito saber destituído da necessária cordura e equilíbrio, impregnado dos resquícios da doutrinação marxista – necessária, sim, mas sem os radicalismos utópicos e falsos próprios de todos os radicalismos, tais os que a Revolução Francesa já igualmente difundira, com muita malvadez, de mistura com as belas teorias dos seus filósofos enciclopedistas, e ainda os radicalismos que os jihadistas nos tempos presentes pretendem impor hoje, no desregramento da sua vileza sem tabus, sob falsos pretextos religiosos.
Na verdade, se o governo de Passos Coelho, a que se refere o Tri “Acabou” de Pacheco Pereira, foi duro e austero e com muitas falhas, não podemos deixar de reconhecer que, na camisa de onze varas em que necessariamente se viu metido, não poderia actuar de uma forma muito diferente, se queria livrar-se dela honrosamente, como parece que fez. Vasco Pulido Valente traça o retrato de mais esta vergonha nacional de um Costa usurpando um lugar que lhe não pertence, com os seus satélites rindo felizes, sem lhe dar garantias de eficácia colaboracionista, e um país acomodado, alinhando na falcatrua, no cinismo e na comezaina eufórica. Também Paulo Portas o apontou no seu brilhante discurso, aquando da moção de rejeição do governo usurpado, como, aliás, todos os da direita que então se pronunciaram.
É certo que poucos querem saber de pagar dívidas, neste país em que se foi aumentado com dinheiro alheio, e a iniciativa do governo anterior de pagar a dívida, os senhores e as senhoras apoiantes de Costa, desdenham, nos velhos discursos com sabor aos dos reclamantes da nossa juventude, hippies, se lhes chamava, mas postos na boca de gente que nada tem de hippie hoje, porque lhe cobre a cabeça antes o véu da sua unção, e lhe enche as mãos antes o missal da sua devoção e do seu cinismo. Os hippies – e os existencialistas, que aqueles também eram – contestavam a burguesia endinheirada a que pertenciam, estes desejam massificar uma sociedade pela igualdade, no seu ódio à diferença, coisa que por cá, aliás, já conseguiram.
Foi no que se transformou a libertação da “ditadura”. A liberdade não formou homens, porque lhes faltaram os princípios. E a perversão veio, gradualmente, manchando o caminho, descambando na irracionalidade dos pensamentos, nisto, no “porque sim” de Pulido Valente, a que se aplica o axioma do Escrito na Pedra: «Ninguém aceita uma parcela de poder sem a condição de uma parcela de malvadeza».
Mas a reposição dos direitos dos “trabalhadores”, segundo Pulido Valente e a Editorial, parece mergulhar no vazio de uma utopia que o tempo talvez não tarde em demonstrar. Oxalá que não.
Berta Brás
Porque sim…
Vasco Pulido Valente
Público 28/11/2015
A esquerda manifestou ontem a sua alegria, embora misturada com uma certa raiva a Cavaco, agora absolutamente inútil. Se deixasse o cavalheiro espernear sozinho em Belém, não tinha estragado a sua festa. Até porque, como de costume, o conformismo do indígena entrou logo em cena e, tirando um ou outro caso de convicção e teimosia, os jornais, o Komentariado e a televisão começaram logo a louvar o inominável governo do sr. Costa e as felicidades que ele seguramente nos traria. Houve mesmo um originalíssimo grupo de beatos que resolveu promover um jantar na Casa do Alentejo para comungar na alegria colectiva da vitória, com o proverbial lombo de porco e batatas fritas. Deus lhes dê uma longa vida e muitos pretextos para se unirem assim na sua fé.
Cá de fora, não pareceu que os motivos dessa tão devota euforia merecessem uma grande confiança. Compreendo muito bem que um subsídio, uma encomenda ou uma ajudazinha no emprego alegrem a alma. Mas não parece que o “bodo aos pobres”, como a direita lhe chama, ou a “redistribuição”, como lhe chama a esquerda, venha a ser uma coisa por aí além. Num país com a dívida pública e privada de Portugal e uma economia pequena e frágil, em que se investe pouco e mal, não sobra muito para acabar com a miséria, o desemprego e a pobreza de uma “classe média” que nunca chegou verdadeiramente a existir. O óbolo que se pretende dar aos “mais desfavorecidos” não lhes devolverá o optimismo do tempo em que, à superfície, o mundo se mexia a seu favor e ninguém esperava um percalço ou uma catástrofe.
Hoje, o dr. Costa e as suas tropas contam, para nos livrar deste desgraçado destino, com o aumento do consumo interno da gente encalacrada a quem deram uns cêntimos, com uma extraordinária epopeia científica e cultural (?) e com os milhões do universo exterior que serão atraídos pelo PCP e o Bloco e pelo seu conhecido tacto para receber e regular a iniciativa privada. Quanto ao resto, 19 ministros, 41 secretários de Estado e, como certeza, umas centenas de assessores saídos direitinhos da América e da Inglaterra bastam para pôr em ordem a vida portuguesa e a administração, de acordo com os melhores preceitos da arte. Pena que o Partido Socialista falhe sempre com Soares, com Guterres, com Sócrates. Mas desta vez não falhará com Costa. Porquê? Porque sim.
A “agenda improvável” de Costa Direcção Editorial
Público, 28/11/2015
Não é preciso acompanhar de muito perto a política nacional para perceber que talvez o mais difícil para António Costa ainda esteja para chegar e que o novo primeiro-ministro vai ter de fazer a quadratura do círculo para conseguir ultrapassar os muitos desafios e obstáculos que tem pela frente. O longínquo The Times of India publicava esta quinta-feira, dia de tomada de posse do XXI Governo Constitucional, uma notícia em que, para além de se congratular com o facto de o novo primeiro-ministro ser “de origem goesa”, resumia de uma forma inteligente e informada os tempos “difíceis” que Costa tem pela frente: “Simultaneamente [terá de] assegurar os compromissos com a União Europeia e dialogar com partidos de esquerda que rejeitam o acordo desde o início, insistir num programa socialista que permita uma redução sustentável de défice e dívida, aumentar salários mínimos e descongelar pensões.” Um caderno de encargos que o jornal indiano classificava de “agenda improvável”.
No Parlamento, esta sexta-feira percebeu-se as dificuldades que o líder dos socialistas vai ter para tornar provável essa “agenda improvável”; a maior parte das propostas mais sensíveis de alterações às leis que subiram ao plenário acabaram por descer às respectivas comissões sem votação para serem discutidas na especialidade. Um adiamento que mostra que ainda há muito trabalho a fazer para que haja uma convergência à esquerda que seja consequente.
Aliás, a “posição conjunta do PS e do PCP sobre a situação política”, um dos acordos que permitiram aos socialistas chegar ao poder, já alertava para uma lista de temas sensíveis em que, “apesar de não se ter verificado acordo quanto às condições para a sua concretização, se regista uma convergência quanto ao enunciado dos objectivos a alcançar”. Dois desses temas sensíveis, a extinção da sobretaxa do IRS e o fim dos cortes nos salários da função pública, chegaram ontem ao Parlamento, mas foram remetidos para discussão na especialidade nas respectivas comissões, sem votação. Aliás, todos os restantes dossiers levados pela esquerda à Assembleia da República, à excepção do fim dos exames do 4.º ano do ensino básico, tiveram o mesmo destino, ou seja, o adiamento. A direita, agora na oposição, não perdeu tempo e tentou transformar os adiamentos num caso político. “A decisão da esquerda ou das esquerdas é adiar, adiar, adiar”, comentava Cecília Meireles do CDS.
Os deputados têm agora 20 dias para fazer a discussão na especialidade para que as propostas possam voltar a ser votadas. Um tempo que António Costa terá de aproveitar para se sentar à mesma mesa com Jerónimo de Sousa e Catarina Martins e tentar chegar a um consenso, sobretudo quanto à velocidade com que se vai tirar o pé do acelerador da austeridade. A falta de entendimento sobre estes temas sensíveis numa altura tão precoce da legislatura equivaleria a uma sentença de morte para este Governo.
À Maneira de Meditação - O Fogo que brota da Gruta
Sou feito de céu e terra, se nego o céu deixo de ver, se nego a terra deixo de crescer.
A natureza revela ser um organismo onde tudo caminha em direcção à luz e tudo gira em torno dela. Se observamos o ser humano também constatamos que se direcciona para o Espírito/luz na procura da vivência do calor/amor; a luz, o espírito, o calor/amor são os princípios que tudo inflam e regulam no desenvolvimento da pessoa, da sociedade e da natureza. Somos filhos da luz e por isso não descansamos enquanto não atingirmos a luz e o calor do amor.
Neste processo de procura de amor/luz, chegamos a distrair-nos, num jogo de meninos de bata a tentar saltar a sombra. Santo Agostinho dizia ““Avança no teu caminho, porque só ele existe para a tua caminhada „ mas também acrescentava: “É melhor seguir o bom caminho mancando do que o mau de pé firme!”
Leitor/a amigo/a, vamos navegar num sonho acordado e tentar descortinar aquele estado em que sonho e realidade se unem, em que noite e dia, dor e alegria, escuridão e luz, se dão as mãos numa união de realidade e esperança. Vamos ser mar, sentir a onda que vai e vem, o universo a respirar em nós, num fluir de saudade do aqui-ali-além.
No aqui sou o sono duro e triste a acordar na pedra, no ali sou a água que flui na procura de um fim, no além sou a vida que voa na nuvem junto à luz do amor que me dilata e tudo cobre. Num flutuar entre céu e mar vamos sentir o amor e nele o carinho do mistério que nos envolve. Vamos como a onda que vai e vem, à superfície do mar, receber o melhor que damos.
No profundo de ti, no fundo de cada um, há uma imensidade de experiências e revelações a querer subir à superfície. São muitas correntes, órbitras e sistemas a interlaçar-se no mesmo ser, o que dificulta a identificação da verdadeira força que o sustenta; à imagem do sistema solar, com seus planetas e do universo com as suas galáxias em expansão, expressamos em miniatura o desenvolvimento do cosmos e a ânsia que o orienta e determina.
Não te admires com o que escrevo porque, ao fazê-lo, faço-o para mim numa procura de verdade através de ti, porque só um tu é capaz de me fazer eu. O universo ajuda-nos a encontra-la no seu caminho com cada ser ordenado e orientado para a floração das relações. No universo e com ele, cada ser é dirigido para a relação divina do inefável que parece ser o sentido último da criação.
O ser humano tal como o universo encontra-se em movimento, à semelhança das ondas e das marés, numa afluência de distensão e de contracção. O mesmo princípio se encontra nos movimentos de contracção e expansão dos cíclicos ciclónicos e anticiclónicos da atmosfera e na inspiração e expiração do nosso respirar. No intervalo dos dois movimentos surge a vida.
O mesmo se observa onde o calor expande os elementos e o frio os contrai, onde o amor e a alegria expandem o coração, e a tristeza e a maldade o contraem: como na natura, assim na cultura e consequentemente na vida de cada um.
No vácuo da depressão, a baixa pressão causa o mau tempo. Dificulta-se a capacidade da resiliência que crie em nós o equilíbrio, a capacidade de resistir a toda a pressão independentemente do estresse da situação (independentemente da realidade e da expectativa em relação a ela).
Em tempos sombrios, domina a contracção que cria espaços escuros onde se mostra o ódio de rostos culpados enquanto na gruta de Belém surge o fogo sagrado num rosto que torna toda a pessoa luminosa. O verdadeiro impulso a que estamos chamados é a abertura ao relacionamento, do qual surgem novos níveis, novas vivências, novos seres e novas realidades. S. João Baptista, descalço, como Moisés ao pisar terra sagrada junto à sarça-ardente, torna-se o exemplo das predisposições necessárias para o encontro de nós connosco, com o outro, com o sagrado. A gruta de Belém e o ventre de Maria simbolizam também o coração de cada ser humano onde o gene divino repousa, na espera pela energia da fé, pelo fósforo da iniciativa pessoal, que reactiva o nascimento da divindade em nós.
Reconhecer a Realidade que somos e as Forças que nos regem
Tudo muda e se transforma, doutro modo pára e apodrece. Se observamos o elemento água, nos seus diferentes estados mais ou menos condensados/retraídos (sólido, líquido, gasoso), podemos ter nele uma analogia para tudo o que acontece também na vida material, psíquica e espiritual de cada um de nós.
O Homem mais empedernido é ferido e fere pois ao tornar-se duro perde a sua característica humana (maleável e fofa, respeitadora) e a sua característica espiritual (que tudo penetra no amor que respeita cada ser e cada acontecer). A água no seu estado mais frio concentra-se totalmente em si mesma adquirindo a forma dura e rígida de gelo; no seu estado menos retraído torna-se líquida e maleável; no estado gasoso amplia-se de tal forma que tudo abrange e abraça. O gelo, a pessoa empedernida, não se move, onde está aí fica, desconhecendo a realidade dela mesma e fora dela e de que tudo flui, que tudo se muda, num processo de contracção e de distensão. O que constitui a vida é a relação, o movimento presente nesse processo. O universo, cada objecto, cada ser, no seu caminho (órbitra), tal como as ondas do mar, se move (em fluxo e refluxo) numa cadência de recuo (contracção endurecedora) e avanço (expansão libertadora), com um ritmo solidário. Poderíamos considerar o mal como a sombra, como o estado de endurecimento, como o estado do ego, em que a massa não se reconhece em relação com o outro.
Tudo no universo se encontra em rotações ordenadas, não só circulares mas também lineares, no sentido de uma espiral ascendente. Tudo está chamado ao crescimento onde tudo se encontra em permanente mudança e o que permanece é a vida, numa relação de equivalência, que brota da realidade e dos factos, à imagem da flor que brota da árvore.
A vida é mistério e como tal infinita; o cristianismo equaciona-a e resume-a na fórmula trinitária: a Realidade é relação expressa na divindade relacional manifesta na unidade das três pessoas (a segunda pessoa – Jesus Cristo - inclui nela a criação).
Se observamos o universo e a vida nele, também constatamos os dois movimentos, os dois princípios, correspondentes à inspiração e à expiração (a contracção e a distensão). Aqui podíamos fazer um exercício de respiração no sentido de facilitar a entrada em eutonia connosco, com Deus e com o universo (1).
Na vida social também observamos esses dois movimentos, expressos no egoísmo e no altruísmo, uma força centrípeta virada para o ego e outra centrífuga virada para o outro; uma afirmadora da matéria, virada para a terra e outra espiritual, aberta ao infinito. Se não fossem os movimentos aparentemente contraditórios das ondas do mar (contracção e de dilatação), não haveria vida no mar, tudo se estragaria; o mesmo se diga dos movimentos da respiração e da acção humana. Pelo que constatamos, o universo e cada um de nós estão chamados a ser a vida que acontece no entremeio desses dois movimentos. Não se trata de os pôr em contradição (valorizar uns e desvalorizar outros) mas de os reconhecer e aceitar no mundo e em nós. Se o fizermos encontraremos a paz e a força de agir no seu sentido; então deixaremos de ser meras ondas para nos tornarmos mar!
Já Paulo dizia que o baptizado se torna «filho da luz» (Ef 5, 8). O mesmo vento, que sopra lá fora e acaricia as plantas libertando-as de toda a poeira, sopra doutra maneira no nosso coração em vivências de amor, a ressonância de Deus.
O Mundo que dizemos real é, também ele, uma Metáfora/Analogia da Vida
Ao observarmos a água, nos seus diferentes estados, podemos consciencializar-nos das suas e nossas propriedades naturais e da força da sua simbologia espiritual e social. Mais sólida (impermeável – encerrada em si), mais líquida (permeável - aberta) e gasosa (transmeável – no e com os outros).
Uma pessoa, uma massa mais expandida é mais permeável permitindo nela mais ondas e mais diferenciados níveis de vibrações. Semelhante fenómeno acontece no âmbito do pensamento e dos sentimentos, sendo eles de maior ou menor alcance. Pessoas de consciência energética menos massificada têm mais compaixão/empatia com os seres que a circundam chegando a ponto de atingirem um estado de união com os outros seres, que os leva a sentir menos a necessidade de se definir ou delimitar.
O medo, a dor, o ódio, o não saber, corresponde ao acto de distanciar-se, contrair-se e limitar-se no viver, no sentir e no pensar, corresponde a estar numa forma de energia contraída e ensimesmada – uma fixação no movimento do ter sem passar à forma alargada do ser! Somos microcosmos e cada sistema, cada coisa, cada ser tem a sua ordem, o seu modelo e correspondentes frequências de vibrações. Importa descobrir o próprio modelo interior, aquele que corresponderá à onda universal, a onda divina aberta. Massa (energia ensimesmada) e espaço encontram-se em interação ordenada em sistemas abertos possibilitadores de novas relações. Tenho a possibilidade de dirigir a atenção e a consciência no sentido de a contrair ou expandir. Amor é a força comum que tudo une e sustenta. Para os cristãos o Espírito Santo é esse amor fruto da relação entre o Pai e o Filho. Amor é agir, é o brotar do interior a expandir, numa interacção do dentro e do fora à semelhança do amor divino que se extravasa na criação.
A dilatação no amor abre-se a todo o ser libertando-o para a possibilidade de tudo fazer, independentemente do valor subjacente ao que se faz. Ama-te como és, quer te encontres numa situação de ampliação ou depressão, quer te encontres num estado de vibração sólida, líquida ou gasosa. Só temos o momento da retracção e da expansão. Olha o comportamento do vento/ar, sente o teu respirar, que repete em ti o respirar de Deus e do universo numa ligação comum que se expressa no espírito sem ter de negar a carne.
Também a Planta se transcende no Aroma da Flor e no Fruto – Da Iluminação escurecida
Olha o arvoredo da floresta e as plantas do jardim, cada qual na sua ordem se serve ao serviço de uma ordem mais abrangente. Como elas tento fazer o melhor, a partir do que sou, e isso é suficiente porque é o que tenho num universo em extensão sustentado pelo Espírito que muda, transforma e age em cada um, independentemente do seu estado momentâneo. Na espiral do desenvolvimento, tudo se desenvolve e liberta a partir da alma no interior da massa que segue o chamamento a tornar-se espaço aberto, tal como a semente que no seu trajecto se torna na resposta, o caminho, em direção ao chamamento do Sol. Ao tornar-me espaço indefinido e aberto, acaba a resistência, tudo se torna permeável através do amor que tudo transforma à imagem do calor que ao agir sobre a massa a torna fluída ou mesmo em vapor. Jesus, o ressuscitado, dizia: “Sou o caminho, a verdade e a vida”! Essencial é pôr-me a caminho do encontro comigo no Outro, do encontro comigo nos outros e dos outros em mim, então possibilito o caminho da vida em mim.
O reencontro no Outro (encíclica “Deus é amor” n° 6) fortalece a consciência de se se ser comunidade, na via dos “bem-aventurados”, na misericórdia fecunda que é a feminidade divina sentida e integrada em nós. Então poderemos melhor compreender e possibilitar em nós a exultação divina no seio de Maria quando esta visita a outra - Isabel.
Há diversas formas de êxtase/iluminação. Para Kant a iluminação intelectual é o pensar “liberto sem a auto-incorrida tutela de alguém”. A iluminação espiritual é o aroma da vida em flor. É um êxtase, um instante de inebriamento na experiência do amor. A iluminação anda ligada à experiência mais ou menos momentânea do alargamento da consciência que ultrapassa os próprios limites.
Cristãmente falando poderia ser referida como a experiência da natureza trinitária, um ultrapassar de formas, um sentir a relação do inefável - uma identificação momentânea com o todo na vivência da relação, do Filho com o Pai, vivência analógica à do aroma fora da árvore em floração.
Há pessoas que se consideram iluminadas, o que contrariaria a própria iluminação porque ao fazê-lo sairiam da relação e centrar-se-iam no ego da planta que também são. Afirmar-se como iluminado seria certamente um abuso apropriado para criar subserviências ou aspirações de mais-valias em relação a outros humanos. As diferentes formas de oração, de meditação e de outros meios mesmo seculares, poderão provocar vivências momentâneas do inefável (iluminações) que podem contribuir para o desenvolvimento do nosso estado de consciência e para o melhor agir. Todo o ser está chamado a ir além da massa (como o aroma da flor e o fruto vão além da planta) e a tornar-se mais independente do mundo físico (embora reconhecendo-se parte dele), num esforço de levantamento da matéria para o espírito/amor, à semelhança da água que vai evaporando à medida que recebe mais calor.
As energias de contracção e distensão, o saber e o não saber são momentos da mesma realidade. O bem e o mal, a perfeição e a imperfeição são o solo em que colocamos os pés para podermos andar. O bem e o mal encontram-se em mim, só me resta a graça de orientar-me para o bem para que este possa desabrochar.
Quanto menos me centro no mal e nas negatividades mais espaço fica para o bem, doutro modo petrifico o mal em mim, passando a tropeçar nele; outra opção será não lhe ligar tendo a consciência dele e assim ele torna-se menos duro (massa) e mais permeável. Cada um de nós é seguido pela sombra de suas ideias e sentimentos que, por sua vez, condicionam a realidade. Ao reconhecer a escuridão e a ignorância em mim mais ilumino o espaço escuro, criando mais espaço para o espaço iluminado e para a sabedoria divina.
Se aceito a resistência, com o tempo, ela não me afronta. Há muitos caminhos para chegar a casa não havendo necessidade de se ficar preso na dualidade do nosso estar, no ou… ou…; o prazer divino aplaina todos os caminhos e ele encontra-se na amizade e na benevolência para com tudo e todos, doutro modo petrificamos a energia em nós. O segredo da felicidade estará em ser livre nos pensamentos, agir por amor e fazer o que nos causa bom sentimento. (Evitar correr atrás da felicidade ou cobiça-la nos outros, evitar pensar “não estou tão adiantado como o outro”, o que importa é o encontro com o Outro que me torna de filiação divina não mais súbdito de alguém).
A costa, quanto mais aberta é menos sofre o impulso da água; a costa rochosa cerrada sofre mais com a resistência que oferece dando razão à água que, com o tempo, porque maleável, a reduz a areia. A contracção da massa em forma de rocha sólida torna-a dura mas mais fraca que a água constituída de energia mais distendida e aberta; esta dá-lhe vantagem sobre a massa contraída. Mais sólido, mais líquido ou mais gasoso (espiritual) o que importa é a abertura do aceitar-me como sou e não oferecer resistência ao outro aceitando-o como é; isto porém pressupõe aceitar-se como se é, colocar-se nas mãos de Deus e querer o bem, na certeza de que o resto virá por acréscimo.
Anda comigo, - segreda o espírito e sussurra o vento que se estende e quando passa tudo move e abraça. Não procures fora, nas ideias e nos objectos o que está dentro; está atento ao teu respirar e reconhecê-lo-ás no pulsar das estrelas, no ondular do mar, na noite e dia, que impelem o teu andar.
Abre as comportas mas com cuidado para não sofreres nem provocares inundação. O mal é como a sombra que só está onde não há sol, onde não há amor. A realidade aparece sob a forma de sol e sombra, não interessa combater a sombra, importante é aprender a redirecioná-la. “Vaidade das vaidades, tudo é vaidade”!
Na Mudança - Limitar a vontade de sucesso e dosear o progresso
Lá fora, na selva e na sociedade, domina a força do mal, a lei do mais forte e de quem se impõe. Uma luta do poder pelo poder, onde o poder denuncia o mal do poder para subir ou alcançar poder, o poder económico-político ou moral (2).
Actualmente fala-se muito de tolerância, na opinião publicada, sem se reflectir na sociedade que vive da superfície e do superficial, sem se se questionar a própria percepção. Já St. Agostinho (Aurelius Augustinus 354 até 430) chama à atenção do vício da douta ignorância ao constatar: “À força de ver tudo, acaba-se por tudo suportar. À força de tudo suportar, acaba-se por tudo tolerar. À força de tudo tolerar, acaba-se por tudo aceitar. À força de tudo aceitar, acaba-se por tudo aprovar.” A rutina é o grande perigo, aquilo que nos impede de acordar. Um viver no estado de acordado evita a rutina e a mera reacção de resistência.
No nosso ser temos a energia do bem e a energia do mal tendo a tendência de atribuir, ao de fora, a energia do mal e, ao de dentro, a energia do bem. A raiva vem da mesma fogueira que alimenta o ódio. Já notaste que o vento que anedia as folhas da natureza na primavera espalhando o pólen das flores é o mesmo que lhe arranca as folhas no outono e no inverno?
Porque tenho tanta pressa em atingir o fim, em chegar à meta, sem ter saboreado o caminho, se ao atingir o epílogo só me espera a descida? O progresso espiritual ou cultural é processo relacional e não se deixa avaliar com medidas do ter ou do possuir como é hábito no mundo dos fenómenos naturais e sociais; só uma cultura da paz interior conseguirá anediar e integrar positivamente as energias do exterior.
A nossa tendência para a identificação (para nos definirmos e sentirmos nós) centra a atenção na diferença do ser do outro. Esta legítima aspiração é muitas vezes orientada pelo adquirir, pelo ampliar o próprio corpo, à custa da diminuição do espírito (alma), contra os outros. Neste sentido orientamos a nossa atenção para o negativo e para a queixa como maneira de melhor definir o nosso ego, recorrendo-se para isso à ideia da culpa e do erro fora de nós como se não fossemos também o seu recipiente e como se o erro não fosse o ponto morto que dará possibilidade ao desenvolvimento.
A culpa e o erro são como a viatura na estrada; seguem sempre do outro lado da rua e não do nosso! A realidade é a mesma, só os sentidos se contradizem! Se há problema este vem da percepção. Se o mal faz parte de nós, mais que lamentá-lo ou atacá-lo será preciso aprender a lidar com ele, como sendo parte de mim e, como tal, também querido e amado. Se tenho uma perna coxa e a trato bem, posso andar embora com dificuldade, mas, se a rejeito ou corto, não posso andar. Importante é reconhecer que se é feito de céu e terra inseparáveis para se passar a ter interesse em fazer o que se quer.
Na pantalha da fantasia passam ideias e sentimentos mas nós é que as projectamos. A consciência da coisa não é a coisa em si. Quanto mais se ama mais rápidas são as vibrações e tudo passa a fluir com menos incrustações, tudo acontece sem que os fenómenos, os acontecimentos ocupem tanto espaço no nosso ser. (Há pessoas que odeiam tanto uma outra pessoa que a querem ver longe de si; não notam porém que quanto mais a odeiam mais ela se torna senhora dela tomando conta do espaço da sua consciência). Uma posição de resistência ao outro endurece uma realidade de si fluída, se compreendida e aceite.
Não é fácil mudar a maneira de ver as coisas. Em momentos difíceis em que o meu ego se sente tocado preciso de mais tempo para observar as ideias e as emoções negativas, e as ver a passar no seu rio, sem lhes prestar atenção, até se chegar à indiferença; doutro modo sou levado a descer ao rio delas sendo levado na enxurrada por elas ou ficando encalhado nalgum pormenor ou nalgum redemoinho delas; se as observo de longe sem lhes ligar, o nível baixo das vibrações negativas vai subindo cedendo espaço para as frequências positivas.
Saber de experiência feito! Já experimentaste abençoar a sombra, as ideias, as emoções, as coisas, e até a pessoa que te faz mal? Se o fizeres, seguirás acompanhando no gesto o fluir da tua respiração mais profunda e sentida e o mal já não se apegará a ti, deixando em seu lugar um sentimento de satisfação e paz. O amor surge então com mais ternura da alma dissolvendo em nós todos os nós e até as vibrações negativas físicas e psíquicas mais baixas… Se pelo contrário reages logo, ficando preso nas malhas do pensamento, então estendes o tapete do teu ego ferido aos outros que se apoderam dele passando a passar sobre ele e a arrastar-te para o seu campo; passam a tocar a sua música (e não a tua) nas cordas do teu coração e a tua alma passa a sentir-se estreita e apertada passando a ser dominada pela emoção física (a vibração no estado mais baixo), determinada pelos outros.
Sou um Cruzamento onde todos os Caminhos se encontram
O Sol e o Espírito são os dois elementos que fazem crescer a natureza e desenvolver a pessoa e a humanidade: são os dois chamamentos que todo o ser segue. Sem eles tudo estagnaria. Se observamos árvores, umas ao lado das outras, verificamos que algumas se esforçam por crescer mais para fugirem à sombra da árvore vizinha. A planta na sombra em vez de se virar contra a vizinha vê nela um estímulo para se dirigir mais para o Sol e assim crescer mais. No nosso dia-a-dia, por vezes, não seguimos o exemplo das plantas e fixamo-nos na escuridão que o próximo provoca, ficando presos à sua aura. Então o nosso ar, a nossa aragem, passam a ter a nota escura do outro, prejudicando a nossa área branca da alma que assim se escurece devido ao direccionamento provocado pelo pensamento e pelo sentimento.
Cada um de nós tem a sua afinação própria mas cujo diapasão deverá ser o Espírito, a vibração divina que tudo inclui; se me deixo afinar pela dissonância do vizinho renuncio à afinação com o divino, a minha onda do infinito. Se oriento a atenção para a frequência e vibração da estabilidade espiritual, para a onda divina, onde a misericórdia e a liberdade não têm limites, também a minha consciência se torna abrangente e ilimitada. Como filhos de Deus, estrebordo do Seu amor, estamos chamados a ser uma porta aberta a abrir-se nos dois sentidos, nos sentidos da humanidade e da divindade, uma porta no meio da vida que se abre para nós e para o próximo que se encontra mais visivelmente na infantaria da sociedade a viver nas trevas da História.
O meu ser humano, para o ser em plenitude, é todo ele aberto, tornando-se o lugar do encontro, a interseção do dentro e do fora. O outro é o que me dá perspectiva, a perspectiva da terra para o céu. Que seria da terra sem a perspectiva do firmamento; este foi resultado da ânsia que levou a terá a criar a atmosfera, de que também vive. Nesta perspectiva, também eu, passo a viver na ressonância, na compaixão com o Outro, com o universo, assumindo a atitude de João Baptista que se limita a preparar o caminho do Senhor (a ipseidade), deixando as sandálias nos pés de Jesus que, por sua vez, mais tarde sacudirá, no respeito pelos outros, para melhor poder andar.
No sentido cristão, o outro é o diferente, o longe que se encontra perto, o inferior que se encontra fora (o Samaritano), o baixo do cima e o cima do baixo. Uma identidade que não reconheça nela o dentro e o fora, a terra e o céu, o bem e o mal, passa a viver na luta frustrada de combater fora o que pertence dentro, passa a desentender-se e a viver fora no desentendimento da essência do bem e do mal. O nosso protótipo é “caminho, verdade e vida” que se “esvaziou „de Deus (2Cor 8,9) para embarcar connosco. Daí o chamamento a sermos caminho da vida.
Muitas vezes, no dia-a-dia, contentamo-nos a limitar o ordenamento dos factos e da realidade a termos apenas bipolares, a duas notas do solfejo, o dó e o si, o sim e o não, o preto e o branco, o certo e o errado, o prosélito e o adversário; pretende-se, deste modo, andar sobre terreno firme e caminho feito, desconhecendo que o caminho é processo, empreendimento sempre em construção, dado o caminho fazer-se andando. O medo só nos deixa andar sobre o alcatrão de certezas solidificadas, que nos tornam duros, de horizontes curtos e delimitados. Desconhece-se, assim, outras realidades, outros caminhos, em que se possa andar sobre as águas como demonstrou Jesus no seu modo de andar.
Se o teu vizinho, independentemente da sua atitude moral, tem uma frequência vibratória inferior à tua, ele procurará roubar-te energia para descer o teu tom para a sua onda de ressonância, para a sua frequência de afinação. Se o teu vizinho se encontra desafinado, não tentes afiná-lo, seria melhor deixá-lo ou ir de encontro à sua negatividade com positividade, para não haver resistência nem curto-circuito. Então a interacção estabiliza-se no sentido do teu estado de espírito. Não exijas de um violão a mesma frequência de tonalidade de um violino, porque com eles poderás conseguir belas melodias. Se receio alguém, o medo torna-me mais fraco do que ele. Deus em Jesus Cristo manifestou-se homem para nos dizer que o ponto de partida é da igualdade de valor. Ele quis dizer-te, como protótipo que é, que em ti tens todo o potencial não precisando de olhar ninguém, de baixo para cima, nem de cima para baixo. Se olho alguém de cima para baixo perco a capacidade de olhar para mim e se olho alguém de baixo para cima perco a capacidade de olhar para mim.
Cada um tem em si as potencialidades de Jesus Cristo e as circunstâncias que o delimita. Jesus não presta atenção aos pecados, ele olha para a pessoa e ama os pecadores porque além de Deus também reconhece neles a matéria de que é feito. Cada um traz em si as suas feridas mas ninguém deve passar o tempo a lambê-las. Não te deixes amarrar a ninguém, seja pela positiva ou pela negativa, a não ser que te encontres depressivo. Cristo transmitiu a sua mensagem de libertação ao tornar-se num de nós e ao dizer que só nos mudamos quando nos aceitarmos como somos, independentemente do nível de desenvolvimento. A segunda pessoa da santíssima trindade assumiu numa só pessoa o divino e o humano (o Jesus e o Cristo).
Na Cristologia medita-se sobre a Kenosis, o esvaziamento divino (Fil.2, 5-7) em Jesus Cristo. Através da incarnação, Jesus Cristo deixa na sombra os atributos divinos, continuando a ser parte da Trindade e a estar presente no universo através do Espírito Santo, que actua nele; deste modo Deus solidariza-se com toda a criatura (criação) de uma forma panenteista. A divindade não tem forma mas através da kenosis adquire forma em Jesus. A realidade trinitária pressupõe, em correspondência, que o ser humano se esvazie (kenosis) do mundo (ego mundano) para atingir a dimensão do “ informe” mas pessoal numa ética de humildade e corresponsabilidade entre os seres e com o Paráclito. A interacção (relação) entre o Pai e o Filho expressa-se na terceira pessoa, a outra dimensão, no paráclito que resulta da acção da força do amor entre os dois. O amor entre os humanos é, também ele, o resultado de interacções abertas; porém o que nos faz mover não é a energia do movido porque esta não pode ser a mesma do movente.
Ama e faze o que queres
A realidade é mistério e como tal pode ser abordada através da acção, de teorias e de crenças. Estou no universo e o universo está em mim, não me podendo identificar fora dele. Como a água penetra todo o ser, assim o Espírito que é amor se encontra em todo o ser, em ti e em mim. A água, na presença do sol tende a subir, a mudar de estado e a transformar-se; coisa semelhante se observa com o amor na vida, tornando-nos mais leves e universais; se por um lado, na física, temos as leis da gravitação que dão unidade aos corpos atraindo-os uns aos outros, damo-nos conta que, no âmbito social religioso e humano, a moral e a espiritualidade nos une e impulsiona.
A pedra oferece resistência, por isso a água a quebra e chega a desfazê-la em areia, a água é permeável, oferecendo pouca resistência, por isso se possibilita a passagem ao vapor que tudo alcança. A vida tem muitos níveis em que se pode viver. A aparente diferença da gravidade na queda dos corpos é devida apenas ao grau de resistência que o ar oferece em relação a esses corpos!... Muitas vezes o mesmo se dá a nível humano na avaliação ilegítima das pessoas quando lhe oferecemos resistência provinda da nossa petrificação e não dos actos dos outros que adquirem gravidade pela maldade da interpretação.
Muitas vezes construímos um ideal como barreira ou como pedestal que nos destaca e impede de nos encontrarmos uns com os outros de olhos nos olhos ou ao nível dos factos que se manifestam de interpretação diferente devido à percepção limitada de cada um. O Espírito jorra como quer, tal como a água imperceptível jorra em cada árvore, em cada ser, sem ser vista. O importante é encontrar o vibrar do universo, da própria ipseidade, em cada facto em cada pessoa e sentir o seu tocar sem a desafinação do próprio ego ou da influência de outrem.
Temos a liberdade de nos afinarmos ao nível da consciência cósmica de Cristo, ao nível da comunidade, ou do que quer que seja, sem termos de ser condenados. Que importa se duvidam de ti; a ti basta-te assumir a responsabilidade do viver e a intenção de amar porque nela são lavados os teus actos por mais sujos que sejam. Já Jesus dizia “Ninguém te condenou? Nem eu te condeno a ti, vai e procura não pecar… Quem de vós estiver sem pecado, seja o primeiro a atirar-lhe uma pedra” (Jo 8, 1-11). A queda no peregrinar é própria de quem anda; O novo Adao revelou-nos que não é necessariamente preciso incorrer na atitude de Eva ao “esconder-se de Deus” (Gen 3, 8-10), a fugir da Presença, porque Deus é a Presença na qual me encontro, mesmo quando me encontro na fuga de mim; Deus condena o pecado, a pedra endurecida, mas não o pecaminoso porque …”Deus não quer a morte do pecador, mas sim que este se converta e viva” (Ez 33, 11).
Na voz dos outros escutamos a voz da justiça que é passageira porque julga de fora, mas na voz de Deus escutamos a voz do amor que prevalece e é eterna, é a Presença que julga de dentro.
“Ama e faze o que quiseres” porque o amor que opera de dentro é quem tudo move e mostra o caminho. Jesus age como o Homem liberto que libertou o homem das prisões do pecado, restituindo-lhe a dignidade da liberdade.
À luz do Espírito até a negrura se torna brancura porque a glória divina brilha mesmo no ser que parece mais escuro. Jesus Cristo ao colocar em baixo o que estava em cima e ao colocar em cima o que estava em baixo revelou-nos a verdade do meio-termo e reconheceu a diferença.
A minha beleza é o reflexo da beleza e da fealdade dos outros e vice-versa. Em ti vejo o que sou porque a realidade que vejo é deformada pelo meu modo de ver, pelo olhar dos meus óculos. Porque não reconhecemos as pessoas do partido oposto com gratidão até por nos ajudarem a ver mais? Cada um é como é e, cada qual se deve amar como é, no momento adequado da própria imperfeição.
A falta de saber e de empatia (falta de compaixão e misericórdia de nós e dos outros) leva-nos a descobrir o mal nos outros e a não ver o mundo como é. Se não reconhecemos a contracção e a distensão dentro e fora de nós, corremos o risco de nos tornar cúmplices do princípio da contracção que condenamos nos outros. Esta atitude afastar-nos-ia da iluminação intelectual e espiritual. Onde não há relação viva a percepção centra-se na análise e descrição das características externas tocando a sua forma e não o conteúdo…. Meditar, implica a vontade de pôr-se a caminho do meio, do centro; esta atitude predispõe-nos a construirmos a experiência do encontro (do outro) à segunda vista e não apenas ao deslumbre do primeiro encontro.
O outro, a compaixão, o êxtase, o milagre da vida, encontra-se em todo o olhar onde a luz mora e brilha. A luz e a verdade aparecem entre o objectivo e o subjectivo, entre a cera e o pavio; ela é o fruto do encontro de céu e terra, o encontro de mim, comigo no outro. Trata-se de abrir o nosso ser para espaços que nos tocam sem os vermos, aquilo que não consigo fazer mas tento. O segredo da felicidade é a gratidão!
“Vaidade das vaidades, tudo é vaidade” (3)! És feito de céu e terra, se negas o céu deixas de ver, se negas a terra deixas de crescer.
António da Cunha Duarte Justo Teólogo
(1) Exercício de respiração introdutória à meditação/oração numa atitude que pode levar à respiração de boca a boca com o universo: Numa posição agradável, com a coluna vertebral direita, os olhos fechados, os ombros descontraídos e as palmas das mãos viradas para cima, inspiro profundamente e expiro ritmadamente sentindo como, pouco a pouco, o volume da inspiração aumenta e a frequência do inspirar e expirar diminuem. Agora inspiro a luz através das narinas e sinto o seu flui através de todo o meu corpo; expiro o escuro e a negatividade do meu espírito e do meu corpo através da boca como se soprasse uma vela. À medida que respiro conscientemente a inspiração e a expiração tornam-se ainda mais lentas e profundas, passando do peito totalmente para o abdómen; os músculos retraem-se ao inspirar e descontraem-se ao expirar. Depois do exercício, de olhos fechados, sinto a luz e o calor a transformar-se em sentimento amoroso que flui através de todo o corpo em sintonia com o universo; se me encontro já na ressonância da paz oriento a minha atenção para o respirar ritmado das ondas como sendo o respirar do mar, a energia divina a bater na costa do meu ser; vou sentir as ondas do mar no seu ir e vir e o respirar de Deus no universo e no meu corpo. Depois do exercício permaneço uns minutos a sentir a paz e a alegria de simplesmente ser. Depois espreguiço-me de maneira agradável.
(2) Actualmente fala-se muito de tolerância, uma tolerância alucinante ao serviço de estruturas demasiado preocupadas em manter a própria ordem, uma ordem que não se identifica com a pessoa mas a usa. Na Europa a ideia da Integração encontra-se um pouco desvairada! Há estrangeiros que não se integram no país onde chegam! Há europeus que não se integram nos partidos dominantes nem nas tradicionais forças políticas que se alternavam na governação do país! Há cidadãos que, em vez de se integrarem, formam partidos novos! Vai-se tendo a impressão que só se integra quem não tem poder e quem não sabe o que é poder! Para onde caminha a integração? Para a democratização do poder? Sim, até porque na realidade não!
(3) O livro do "Eclesiastes" do AT é iniciado com estas palavras.
Li em tempos que o Professor Marcello Caetano lia vários livros ao mesmo tempo e sempre associei esse hábito ao final político que a História lhe registou.
Creio difícil – se não mesmo impossível – fazer uma ligação lógica directa entre o dito hábito e o epílogo no Largo do Carmo mas, na verdade, mantive até muito recentemente o método de só ler um livro de cada vez. Seria esse um modo que arranjei de espantar fantasmas? Talvez, não nego. Até porque, como não sou supersticioso, só essa hipótese fantasmagórica resta.
Mas, agora que estou a ler vários livros ao mesmo tempo, arranjei uma desculpa que me parece muito lógica: uns são livros de consulta; outros são livros de correnteza. E dentre estes últimos, os de ler de fio a pavio, só leio um de cada vez.
Dos de consulta tenho ao activo o Dicionário de Filósofos(editado pelas Edições 70), Les 100 citations de la Philosophie, de Laurence Devillairs (PUF) e A Filosofia do Séc. XXcoordenado pelo Professor Fritz Heinemann (pela Fundação Gulbenkian). Dos de correnteza, li há dias A um deus desconhecidode John Steinbeck (Livros do Brasil) e estou agora no pólo oposto a deliciar-me com Eu não venho fazer um discursode Gabriel Garcia Marquez (D. Quixote). Num nível intermédio, meio consulta-meio correnteza, tenho o Outras coresde Orhan Pamuk (EDITORIAL PRESENÇA) que pode ser lido aos saltinhos uma vez que se trata de um conjunto de textos soltos que ele foi publicando aqui e ali mas que recentemente (2007) decidiu coligir em livro.
Ou seja, duma assentada, reuni na minha mesa-de-cabeceira três nobelizados e alguns Professores universitários.
E se os filósofos se vão entretendo com ideias a que previamente extraíram a mais remota ponta de humor e generalizam os conceitos de modo a que qualquer um de nós possa em qualquer circunstância «enfiar a carapuça», os nobelizados são muito mais humanos e integram-nos em cenários tão ou mais reais do que se nós próprios fossemos aos locais referidos. Como assim? Pois aí está a capacidade imaginativa, a urdidura das palavras, os conceitos despretensiosos que vão deixando por aqui e por ali... e nós, leitores, sempre livres de escolher os que nos servem e os que servem aos outros.
Uma pequena amostra das frases de Steinbeck que me chamaram a atenção:
«... filósofo furioso, marxista pelo prazer da discussão.» (pág. 51) – a famosa dialéctica marxista; «... ela tinha o cabelo tufado no alto da cabeça, mas continuava a comportar-se como professora.» (pág. 54) – professora tem cabelo acachapado e não há discussão; «[ela] via-se a sair para ir à catequese em Monterrey e depois a tomar parte numa longa procissão de crianças portuguesas vestidas de branco marchando em honra do Espírito Santo (...)» (pág. 144) – a colónia açoriana na Califórnia na pena dum nobelizado sensibiliza qualquer português; «... a vida não pode ser cortada repentinamente. Uma pessoa não pode estar morta enquanto as coisas que alterou não tiverem morrido. Os efeitos que provocou constituem a única prova de que esteve viva. Enquanto se conservar uma recordação, ainda que dolorosa, uma pessoa não pode ser posta de parte, morta. É um longo processo lento a morte de um ser humano.» (pág. 189) – o tema central do livro tem a ver com o espírito protector do pai do personagem principal que se instalara num grande carvalho e a desgraça se ter abatido sobre a comunidade quando um fundamentalista duma das inúmeras Igrejas americanas cortou a árvore.
Um livro sério em que o autor vai largando piadas que os leitores escolhem a seu bel-prazer, um tema muito espiritual que me pareceu esotérico mas admitindo que Steinbeck preferisse considerá-lo exotérico.
A ver se o manuseio de tantos nobelizados melhora a minha escrita. Ou será que nem por osmose?
Lisboa, 26 de Dezembro de 2015
Henrique Salles da Fonseca (navegando de Chipre para Israel, Março de 2014)
É claro que Vasco Pulido Valente tem razão no retrato impecável que fez em 20/11/15 no seu texto Um triste espectáculo, não só da direita a dar o flanco, como no de António Costa assumindo, por contraste, o seu arzinho de estadista responsável e tranquilo, coisa que evidentemente impressiona o povo e o solidifica a ele.
Mas também se diz que quem não se sente não é filho de boa gente, e o espectáculo de um país curvando o dorso e retorcendo-o em miadelas dengosas à espera do novo pires de leite, ou tão só indiferente a uma fraude maquiavélica, esfregada nas nossas caras, de extorsão de um lugar para o pódio dos vitoriosos, (como aqueles que o obtêm por dopping, estimulante da sua energia de desportistas sem escrúpulos), não me parece que seja mais edificante do que a reacção dos que, tendo ganho as eleições, são afastados com critérios de tanta vileza ou saloice.
Quanto a mim, os tais adjectivos – usurpador, golpista e fraudulento – sendo verdadeiros, são bem aplicados pelos que se sentem lesados. O pretender que, em nome das boas maneiras – agora se diz do “politicamente correcto”, que é chiquérrimo – finjam ignorar a falcatrua criminosa – parece-me politicamente indigno, retrato de um pobre país exangue, quer em termos físicos, quer em termos éticos.
A diferença reside em que os do dopping são afastados da sua glória, pelo menos nos países mais seguidores das normas consuetudinárias. Nós passamos por cima delas.
Perdidos. Homens e mulheres. Reclamam, uns com os outros, em casa, nos cafés, por vezes nos órgãos de comunicação, mas... nada acontece.
Andam perdidos, revoltados, a reclamar, a falar mal de qualquer um que alcance o poder, mas... quanto ao resto deixam-se ficar na maledicência, chorosos, a maioria das vezes sem saberem que caminho tomar ou para onde ir.
Cristãos e não cristãos todos têm algum “pedacinho” de fé. Os ateus têm plena fide, por exemplo que podem desconverter os religiosos, ou que o Botafogo ou o Benfica vão ser campeões, e mais fé ainda de que Deus... talvez não exista. Mas lutam pelas suas ideias.
Os cristãos, e os de muitas outras religiões têm Fé. A maioria não sabe bem o que é a Fé, mas jura a pés juntos que tem Fé, sim senhor. Só não acreditam na palavra do Senhor que, claramente afirma: Em verdade vos digo que, se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a este monte: passa daqui para acolá, e há de passar; e nada vos será impossível.
Dificilmente se encontrará alguém com tamanha Fé, concordemos, mas porque passar a maior parte do pouco tempo que nos foi dado para viver na Terra, sendo comandados por políticos inábeis, inescrupulosos, que se garantem com a impunidade dos votos dos covardes ou gananciosos?
Não será necessária uma “fé que remova montanhas”. Uma fé muito mais simples e quase infinitamente menor poderá resolver esses problemas: a fé nas nossas possibilidades e sobretudo na coragem para as advogar e fazer valer.
Neste momento, países como Portugal e Brasil atravessam uma das mais difíceis fases de toda a sua história.
Em Portugal, uma esquerda de inábeis e igualmente gananciosos não tem a menor ideia do que fazer para elevar a prosperidade do seu povo, as previsões são muito negativas, e já começou a vomitar da boca para formar abomináveis projectos cuja única consequência será levar o país para um buraco ainda mais fundo.
No Brasil o caos é total. Nunca, jamais, em tempo algum... foi possível imaginar que um grupo de malfeitores pudesse em tão poucos anos destruir um país que, com todos os seus problemas, estava a crescer e a impor-se como potência.
Desde há alguns anos que não há governo. Há lutas de interesses politiqueiros, dos tais sanguessugas corruptos que, cada um, quer unicamente ver como roubar o máximo da res púbica, manter-se eternamente no poder, esmagar o adversário a quem no dia seguinte se une. E o desenvolvimento do país... parou.
O relógio do desenvolvimento é exacto: parou um segundo, atrasa a vida de todos em alguns dias. Aqui parou, como está a acontecer há 12 anos, e o país recuou quase meio século no seu crescimento. Estamos de volta a meados do século passado, mesmo com Internet e satélites de GPS!
É verdade que, como em todo o mundo, milhões saíram da pobreza, mas mais milhões nela entram todos os dias. É verdade que, como em todo o mundo, o crescimento do número de bilionários aumenta de forma quase exponencial. E a mais triste verdade é que a classe média, empurrada por baixo e esmagada por cima tende a empobrecer de forma, para muitos, ou quase todos, fortemente.
Quo vadis, domine? Empurrado, como um pacífico e obediente rebanho de ovelhas, o homem, e a mulher, vão pastando um pouco da grama seca que ainda lhes sobra, sem reagir.
E a Fé? A Fé nas possibilidades de cada um? A vergonha de se sentir um carneiro não mexe com as possibilidades que em cada um se reconhece? Enxovalhado o orgulho, desonrado por ser considerado pouco mais do que um objeto, não faz aparecer aquela Fé que remove montanhas? Ou somente acorda aquela fézinha, ridícula de acender uma velinha a uma imagem de barro e esperar um milagre, que jamais acontece?
Sentar-se tranquilamente nas praias, ao pôr do sol e ver se aparece o Encoberto?
Vem o Papa ao Brasil, o Grande Papa Francisco, e junta milhões de pessoas. Fé no Papa.
Mas logo a seguir a Fé autêntica, a Fé nas capacidades quase ilimitadas dos homens... dorme ao som dolente do balir do rebanho.
O tempo corre. Poucos, raros, se mexem. Não erguem a bandeira da decência, daquelas virtudes que não há muito tempo representava a garantia dada com um fio da barba!
Em Portugal parece que esperam o “milagre” marxista que derruba, não montanhas, mas economias. No Brasil ninguém espera a não ser a esmola do programa “Bolsa-Voto”. Não há instrução, não há cultura, não há professores competentes em número suficiente para elevar a educação do povo, e surge do esgoto fétido a voz dum bandido, a dizer que a incultura se deve, ainda hoje, 183 anos depois da Independência, aos portugueses!
É verdade que as colónias espanholas tiveram universidades desde muito cedo. Mas não há a mínima possibilidade de comparar o nível de conhecimento científico do Brasil com os vizinhos, talvez com excepção da Argentina que parece que finalmente levantou a voz contra a podridão peronista.
O mal das Américas Latrinas parece endêmico.
Nos altiplanos os índios reforçam a resistência mascando folhas de coca.
No Brasil, na baixaria, só os bandidos se reforçam.
O povo, aquele povo simples, mais pobre ou menos pobre, assiste. Os mais ricos, poucos se atrevem a mover uma palha com medo de perder a sua capacidade de influenciar o caminho das leis e justiça a seu favor.
Será que todos perderam a dignidade e se incorporaram ao submisso rebanho?
Afinal de contas, e de resto sem grande surpresa, a nova maioria de esquerda está condenada a viver em estado de intermitência. Não podia ser de outra forma, dadas as profundas divergências que a atravessam, as quais se manifestarão sempre que estiverem em causa decisões nos domínios das políticas europeia, económica e financeira. Ontem, o que estava em causa no Parlamento era a aprovação de uma proposta de Orçamento Rectificativo apresentada pelo Governo a propósito do processo de resolução de um banco que já tinha sido anteriormente objecto de intervenção pública. No futuro surgirão outros temas e outras decisões propiciadores de idênticas expressões de desagregação política da base de sustentação parlamentar do actual Executivo. Uma conjectura desta natureza não envolve qualquer exercício de adivinhação, funda-se estritamente num simples acto de constatação da realidade. O Bloco de Esquerda e o PCP, partidos que até agora se tinham auto-excluído do famigerado “arco da governação”, não alteraram – e disso têm mesmo feito gala – os seus respectivos posicionamentos doutrinários a ponto de se constituírem como parceiros constantes de uma solução parlamentar investida de responsabilidades governativas. Quando se trata de revogar, de reverter ou de repor – tudo situações que remetem para uma apreciação crítica da acção do Governo anterior – é relativamente fácil associar os votos de toda a esquerda parlamentar; já será diferente sempre que os verbos forem outros – reformar e realizar.
O Partido Comunista e o Bloco de Esquerda não poderiam ter actuado de outra forma relativamente ao Orçamento Rectificativo, sob pena de cometerem verdadeira apostasia política. Reconheça-se, aliás, que uma parte significativa do país se identifica com o posicionamento crítico por eles adoptado. O PCP manteve-se fiel ao propósito de nacionalização do sistema bancário e o Bloco de Esquerda colocou condições congruentes com o seu discurso histórico sobre esta matéria. Quanto a isso nenhum deles pode ser objecto de censura. Pelo contrário, mereceriam ser vergastados se renunciassem à sua identidade mais profunda. A questão não se coloca, por isso, no plano da apreciação da legitimidade do comportamento de cada um dos partidos de esquerda mas, antes, na avaliação do mérito de um projecto político baseado no pressuposto de um entendimento entre eles. Sobre isso já escrevi o suficiente em ocasiões anteriores.
Pedro Passos Coelho já o tinha anunciado na semana passada e na votação do Orçamento Rectificativo tornou-se oficial: a coligação de direita acabou. O CDS-PP, votando ao lado da extrema-esquerda parlamentar, iniciou o caminho de regresso a um tipo de discurso não isento de uma boa dose de populismo, algo que o caracterizou em épocas anteriores. Nisso irá muitas vezes disputar tempo de antena com o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista. Até que ponto se afastará o CDS de alguns consensos a que se viu constrangido por força da sua conjuntural condição de partido do Governo? Esta questão é das mais interessantes que se colocam neste processo de reorganização do sistema partidário português. Não é impossível que Paulo Portas venha a recuperar a prazo um discurso de tom marcadamente nacionalista, com a consequente adopção de um comportamento muito crítico face à evolução do projecto europeu. É da natureza das coisas que assim venha, provavelmente, a acontecer.
Já o PSD, superada que esteja uma primeira fase marcada pelo ressentimento em relação ao Governo socialista, tenderá a estabelecer com este uma relação mais complexa do que desejaria. Aquilo que separa estruturalmente o PS dos partidos situados à sua esquerda é precisamente o mesmo que o aproxima substancialmente do PSD: a Europa, a economia de mercado, o primado da iniciativa individual. Por muito que ambos protestem insanáveis divergências, a realidade encarregar-se-á de realçar os pontos de entendimento. É tudo uma questão de tempo. É claro que são partidos com horizontes, referências e projectos distintos, um marcadamente de centro-esquerda e outro inquestionavelmente de centro-direita. Têm, porém, muito em comum, como o comprova a história das democracias contemporâneas. Saber valorizar o que os afasta e o que os aproxima revelar-se-á da maior importância para a saúde do nosso regime político. No imediato esse exercício não será de realização fácil por razões atinentes à interpretação dos recentes resultados eleitorais. Por um lado, qualquer esforço de aproximação explícita estará condenado ao fracasso, por outro, qualquer tentativa de exacerbamento das distâncias colidirá com a pressão da realidade envolvente. Basta uma ligeira evolução na Europa no sentido da consumação de um acréscimo de federalismo institucional (coisa que bem pode acontecer no domínio da União Económica e Monetária) para que se redescubram os traçados das velhas fronteiras que à esquerda e à direita separam diferentes abordagens do projecto europeu. Então lá assistiremos ao regresso do velho bloco central europeísta rodeado de soberanistas por todos os lados.
A criação de uma comissão de inquérito ao que se passou com o BANIF é absolutamente imprescindível. Muito para além do jogo partidário há muitas coisas que têm que ser esclarecidas. É obviamente inadmissível, à luz de diversos princípios – nomeadamente os que se filiam na melhor tradição liberal – que o Estado venha socorrer sistematicamente instituições privadas levadas à insolvência pela ganância dos seus gestores e accionistas.
Ah meu irmão Que longe andas, que não voltas a casa… À sombra do velho cedro Olho sentada no muro A escarpa lá em baixo Até onde o olhar alcança E revejo dias de Primavera Da nossa meninice Em grandes brincadeiras Ao seu redor… Nesse tempo, meu Ginjinhas Eramos ambos tão felizes!...