Pela morte, a família não se destrói, ela transforma-se, uma parte dela passa a invisível. Cremos que a morte é uma ausência, quando ela é uma presença discreta. Cremos que ela cria uma distância infinita, quando ela suprime todas as distâncias, trazendo ao espírito o que se localizava na cadeira.
Que laços ela renova, que barreiras ela quebra, que muros derruba, que nevoeiro dissipa, se nós verdadeiramente o quisermos.
Viver, é muitas vezes, abandonar; morrer é juntar. Não é um paradoxo afirmá-lo. Para os que foram até ao fundo do amor: a morte é uma consagração, não um castigo…
No fundo, ninguém morre, porque não sai de Deus.
Aquele que parece ter-se parado bruscamente na estrada, escrivão da sua vida, apenas virou uma página.
Quando mais seres abandonaram o lar, tanto mais os sobreviventes têm laços celestes.
O Céu não é mais apenas povoado de anjos, de santos conhecidos e desconhecidos e do Deus misterioso. Torna-se familiar, é a casa de família, o andar superior da casa, se assim o posso dizer, de alto a baixo, a recordação, os apoios, os apelos têm resposta. Assim seja.
Agora é que vamos repor a justiça, por que sempre ansiámos, acho que Vasco Pulido Valente não tem razão nos seus esclarecimentos sobre o fim da tal época da social democracia, que para todos os efeitos é uma doutrina da esquerda.
Entre os povos mais maduros em capacidade e trabalho, talvez tenha acabado, mas a nossa social-democracia, mais recente e de apoio externo colaborante, só falhada porque distorcida pelos individualismos gerais, vai certamente dar todos os frutos agora, no estabelecimento escrupuloso das igualdades sociais. Começa por uma extorsão, é certo, com manigâncias de promessas e salamaleques de conluio, há muito que Costa age com risos de herói, na subversão que pretende estabelecer.
E agora é que a justiça vai reinar, o novo PREC se avizinha, de um “salve-se quem puder” de precipitação, mal a Europa nos retire a passadeira, o que não vai tardar.
Berta Brás
O fim de uma época
Vasco Pulido Valente
Público, 09/10/2015
A “social-democracia” acabou na maior parte da Europa por volta de 1970. Depois da guerra, a grande força igualitária, quem tinha combatido e sofrido queria dos políticos duas coisas básicas. Primeiro, o pleno emprego e salários crescentes. Segundo, um Estado Social mínimo: pensões de velhice, saúde gratuita, educação para todos.
Pouco a pouco, os partidos da esquerda e alguns da direita foram dando à massa da população o que ela pedia. Isto durou quando muito vinte anos. Só que a supremacia da Europa (e da América) a partir de 1965-1968 já não permitia este confortável arranjo. Começaram por desaparecer o pleno emprego e os salários crescentes. A seguir, a educação do Estado voltou pouco a pouco a beneficiar os filhos da alta classe média. A sociedade estagnou nas velhas formas de uma desigualdade inamovível.
O breve regresso da “social-democracia” acabou por ser uma batalha defensiva, que nunca conseguiu restabelecer a situação do passado. Os partidos do socialismo fizeram um esforço para recomeçar o caminho de 1948-1949. Não conseguiram; até a Inglaterra teve de pedir ajuda ao FMI; e os “trabalhistas”, que suspiravam pelo radical Tony Benn, entregaram o governo à Sra. Thatcher. Dali em diante, excepto em economias particularmente prósperas, a “social-democracia” passou a viver do imposto (cada vez mais pesado) e das dívidas que se iam acumulando à conta de um passado glorioso. Claro que, nesta queda, Espanha, Portugal e a Grécia, que precisavam de recuperar anos de miséria e de paralisia, caíram primeiro e desceram mais baixo.
Hoje há uma pergunta: que fazer dos partidos socialistas ou, se quiserem, social-democratas (no sentido próprio da palavra)? Quase nenhum pode continuar o programa tradicional de aperfeiçoamento e extensão do Estado Social (e o nosso PS menos do que outro). Emigrar para as simplicidades do século XX como o comunismo (na verdade, o estalinismo) ou qualquer outra espécie de seita revolucionária levaria directamente à mais desoladora pobreza. Ficar no sítio que sempre ocuparam, fingindo que o mundo não mudou, seria a receita para a divisão e para uma absorção lenta de cada uma das partes pela esquerda ou pela direita. O socialismo e a social-democracia chegaram ao fim do seu tempo. Só que a sua morte vai inevitavelmente provocar um abalo, e um abalo sério, no frágil edifício da democracia europeia.
Um breve resumo histórico do açúcar e a sua importância na ocupação madeirense das terras brasileiras
Formas de pão-de-açúcar madeirenses
Fonte: Wikipédia livre
Desde a antiguidade a cana-de-açúcar (saccharum oficcinarum L.) é cultivada na China e na Índia, de onde é originária. Chegou ao Ocidente com o regresso dos Cruzados do Oriente e com a invasão dos mouros na Espanha. Na Europa, principalmente em Veneza, ganhou fama e importância comercial com o seu produto principal, o açúcar.
Considerado uma especiaria com qualidades medicinais, conservante e adoçante, o açúcar foi tão valorizado no passado que provocou disputas entre reinos, enriqueceu Estados, estimulou a escravidão, propiciou o descobrimento e ocupação de novas terras, entrou em dotes de princesas e até como herança, em testamento de reis.
O lucro que advinha da produção açucareira estimulou o cultivo da cana na região mediterrânea e nas ilhas atlânticas, principalmente na Madeira, onde se iniciou e serviu de teste para outras possessões ultramarinas portuguesas. Com a descoberta do caminho marítimo para as Índias, e com o inicial sucesso do cultivo e produção da cana na Ilha, em pouco tempo, Portugal desbancava a rica Veneza, até então a maior comerciante e distribuidora de açúcar da Europa.
A política reinol que incentivou a monocultura da cana (vinda da Sicília) e a exportação de açúcar levou a Pérola do Atlântico à diminuição da produção cerealífera e o arquipélago a crises periódicas de fome e violência. O Brasil passou então a ser visto como uma outra oportunidade de desenvolvimento e riqueza pelos ilhéus. Candidataram-se à emigração pobres lavradores sem terras (pelas divisões sucessivas das glebas entre os descendentes, que recebiam nacos de terreno cada vez menores, inviáveis para assegurar a subsistência), os filhos segundos da nobreza (deserdados pelo regime de morgadio), os clandestinos e homiziados, e os mercadores cristãos-novos, na busca de liberdade religiosa no novo mundo, longe da Inquisição Portuguesa.
Na América Espanhola (São Domingos) as primeiras mudas chegaram com Colombo e no Brasil com os portugueses, no início de século XVI, a maioria oriundos da Madeira e de São Tomé .
Em diáspora, os madeirenses incorporaram armadas da Índia e depois do Brasil. Atingiram a embocadura do Senegal, o norte da África, levaram a sua tecnologia açucareira para os Açores, São Tomé, Cabo Verde e América portuguesa. No Brasil chegaram para colonizar, gerenciar e defender interesses e fronteiras. Com a cana, sem a mão-de-obra do índio, trouxeram os primeiros escravos negros para as plantações do nordeste e São Vicente.
Embora já houvesse em Itamaracá uma plantação de cana (1515/1519) de Pedro Capico, com produção de açúcar ( 1526), documentos dizem que D. João III mandou em 1530 uma forte armada comandada por Martin Afonso de Souza para o Brasil, onde numa das naus havia mudas de cana-de-açúcar. Nessa armada vinha o inglês Thomas Cresley que afirma, em carta enviada a um mercador londrino, que em passando pela Ilha da Madeira, a pedido de um cristão-novo, o capitão permitiu que o homem, a mulher e os 4 filhos embarcassem rumo ao Brasil.
Segundo historiadores, como curiosidade, é bem possível que o nome do morro carioca “Pão de Açúcar” venha deles, os madeirenses, pois era em formas cónicas, furadas na extremidade (pão-de-açúcar) que produto tratado da cana era drenado e os cristais de açúcar formados.
Com o grande crescimento da produção da cana em terras brasileiras, as dificuldades ilhoas se acentuaram. Sem condições de disputar com vantagem o mercado, os madeirenses passaram a negociar também o açúcar brasileiro. Apesar das leis do reino, que protegiam os interesses dos engenhos da ilha, o açúcar americano continuava a chegar. Diversificou-se então a economia com produtos para exportar: doces, confeitos, roupa e vinho madeirenses eram trocados pelo açúcar, tabaco, pau-brasil brasileiros e escravos angolanos. Um comércio triangular entre Angola-Madeira e Brasil se desenvolveu, o cobiçado açúcar era ainda a moeda circulante.
Na América portuguesa , onde o clima não ajudava, não se plantava, investia-se na criação de gado para alimento, transporte, vestuário, força motriz dos engenhos. Documentos relatam que o madeirense Gabriel Cristóvão de Menezes, aos 29 anos, já era um abastado criador de gado (Devassa de 6/12/1728).
A presença madeirense não só se fez presente nos primeiros séculos de ocupação e produção económica, como também na defesa do espaço territorial e marítimo contra corsários, piratas e principalmente armadores franceses.
Para ilustração, alguns ilhéus madeirenses de destaque na formação do Brasil:
Francisco de Aguiar (Capitão do Espírito Santo)
Vasco Fernandes Coutinho (Capitão do Espírito Santo)
Antonio Teixeira de Melo (Capitão do Pará)
Pedro Vogado (Governador de Itamaracá, na ausência de João Gonçalves)
Luis de Melo da Silva, Bartolomeu de Melo Berenguer (Capitães do Maranhão)
Tristão de França (combateu os franceses)
Catarina Ferreira (porto santense, mãe de André Vidal de Negreiros)
Manuel Dias de Andrade (actuou na Bahia)
E outros mais como Antonio Freitas da Silva, Fernão Dias de Andrade, Antonio Freitas da Silva...
Homiziados da Ilha da Madeira:
Nicolau de Brito de Oliveira e seu filho Nicolau de Brito (responsáveis por mortes de parentes em disputa de terras)
Rafael Accioli de Vasconcelos (degredado com hábito de Cristo e tença)
João Vieira Pita, Egas Moniz (cristão-novo), Manuel Leme (bígamo).
Mercadores:
Diogo Aragão Pereira, Baltasar Aragão Ayala
João Fernandes Vieira
Diogo Fernandes Branco (negociava marmelada)
Colonizadores Pioneiros
Domingos de Góis e sua mulher Catarina de Mendonça (S. Vicente)
Manuel Escórcio Drumond e família
João de Souza Botafogo (Rio)
Família Lira (Pernambuco) Gonçalo Novo e a esposa Isabel de Lira
Salvador Taveira
Família Mendonça de Vasconcelos (Gaspar Mendonça de Vasconcelos)
Família Cunha (Pedro da Cunha Andrade)
Família Madeira (Gaspar Lopes Madeira casado com D. Luísa Ferreira)
Família Montes Barreto (Duarte Moniz Barreto, Diogo Moniz casado com D. Felipa Mendonça)
Família Furna (Antonio Fernandes Furna)
Família Carvalho (Bernardino Carvalho, irmão de Sebastião Carvalho)
Família Aguiar (Francisco Aguiar donatário do Espírito Santo)
Outras Famílias: Berenguer, Câmara, Accioli, Gadelha, Aragão, Faria, Bulhões, Aranha, Regueira, Saldanha, ... chegaram nos primeiros tempos da construção do país, principalmente , no nordeste e no sudeste para colonizar e cultivar a cana–de-açúcar. Deixaram raízes na incipiente sociedade brasileira.
Uberaba, 21/10/15
Maria Eduarda Fagundes
Resumo e dados compilados de
- «Os Madeirenses na Colonização do Brasil» (Maria Licínia Fernandes dos Santos) Edição: Centro de Estudos de História do Atlântico CEHA. Secretaria Regional do Turismo e Cultura.
Começo por este artigo de hoje, de Alberto Gonçalves, sobre António Costa, seguindo-se-lhe o corajoso desafio do mesmo autor definindo-se como anticomunista com muita honra, o que certamente lhe vale, de vez em quando, acerbas ironias dos sem anti.
Um confronto com o anterior caso Soares, de iguais motivos de realização pessoal, o primeiro proporcionando proveito para o PS, o segundo condenação para este e, à la longue, o mal do país. Mas sobretudo, o retrato de um homem cuja frustração e ambição o fizeram descer a vilezas de mentiras e rebaixamentos a uma esquerda que está ali para o seu furo sem mérito, movida por igual falta de escrúpulos, avidez e mentira pueris.
Alberto Gonçalves o descreve bem, sem fé também no comportamento de Cavaco Silva que, como está de saída, aparenta uma consciência moribunda dos pruridos do zelo pátrio anteriores. Oxalá me engane, que, apesar da admiração que me foi merecendo, como “segurança da lusitana antiga liberdade” em várias crises, nesta, que é tão definitiva, parece não acompanhar, em sorrisos e palavras sonsas, a aflição nem as razões das pessoas de inteligência e carácter. Tais, Alberto Gonçalves. E Vasco Pulido Valente, nos seus avisos, dos textos a seguir, falando em catástrofe, desmascarando intenções, e apontando a marginalidade de um país sem norte, novamente caindo no buraco negro da miséria que o governo de Sócrates tanto favorecera, e que o partido que para todos os efeitos ganhara as eleições tentara resgatar durante quatro escassos anos, necessitando de um prolongamento, é claro, numa austeridade de bom pagante.
Será que o antigo Cavaco não se vai mostrar, oculto Godot desatento, a nós, pobres já de esperança?
Berta Brás
O presidente da junta (golpista)
Alberto Gonçalves
DN, 18/10/15
Desconfio que, em 1975, Soares combateu a extrema-esquerda menos por convicção ideológica do que pela necessidade de "definir" o PS de acordo com a vontade da maioria dos portugueses. Sei que, em 2015, o Dr. Costa procura a extrema-esquerda por falta de alternativas que não incluam o linchamento imediato. No fundo, ambos se moveram e movem por interesses privativos: a diferença é que o egoísmo do primeiro beneficiava da consolidação de um partido democrático e, naqueles anos de chumbo, isso beneficiou o país. Por infelicidade de circunstâncias, o egoísmo do segundo condena o partido e, caso o chumbo regresse, desgraça o país.
O Dr. Costa, parco em escrúpulos, possui os três neurónios suficientes para perceber que só o cargo de primeiro-ministro e a distribuição de poder pelos esfaimados do PS o resgatariam de um fracasso vergonhoso. Como a vergonha não é o seu forte, avançou sem modos pelo único caminho disponível. Com a desastrada - e desastrosa - ajuda do Dr. Cavaco, enfiou na cabecinha que o remédio para uma derrota límpida é uma vitória suja. Perdidas as urnas por incompetência épica, restava o golpe baixo. E nem sequer habilidoso: as declarações de terça-feira, à saída da "reunião" com a coligação, voltaram a exibir o descaramento rude do espécime, que chegou ao ponto de nem fingir ter lido as propostas de PSD e CDS. As propostas, estas ou outras, são de qualquer maneira inúteis, já que o Dr. Costa apenas admite uma solitária hipótese: ser primeiro-ministro, dê por onde der.
Nada de novo. O currículo do Dr. Costa, ao que consta desde as associações de estudantes (não, o prodígio nunca teve vida), é, perguntem a Seguro e a Sócrates, um inventário de facadinhas e traições. Hoje, por carência de saídas profissionais (a obsessão com a educação de adultos não é aleatória), anda por aí a abrir caminho à catanada, defendendo a promoção para assegurar o emprego. Nos intervalos dos encontros "técnicos", dialoga com embaixadores e dá entrevistas ao "estrangeiro", proeza notável em quem fala um português precioso. No auge das alucinações, arrisca umas referências inacreditáveis ao Muro de Berlim. A pergunta que atravessou a campanha mantém-se: será que ele inventa estas coisas sozinho ou há alguém que lhe quer muito mal? Se Cavaco não lhe prestar atenção, sairá directamente do trémulo PS para uma roupinha de Napoleão. Se Cavaco repetir a imprudência do "consenso", o Dr. Costa mandará provisoriamente em nós, por sorte acompanhado de terceiro-mundistas e perante o pasmo da Europa.
Em suma, o homem quer entrar na história. Num país civilizado, já fez mais que o suficiente para acabar no tribunal.
Sábado, 17 de Outubro
Chamo-me Alberto e sou anticomunista primário
Consta que o MRPP suspendeu Garcia Pereira por "incompetência e anticomunismo primário". A primeira acusação, feita a quem não cumpriu a promessa de matar os "traidores", não surpreende. A segunda parece uma tentativa tardia de conferir ao homem a respeitabilidade de que jamais dispôs: há poucos elogios tão lindos quanto o insulto de "anticomunista". E se for "primário" ainda melhor.
Tenho a sorte de receber o epíteto com frequência, dádiva que me consola o ego e coloca uma dúvida: existirão anticomunistas sofisticados? Uma volta pela maioria de sábios que opina nos media leva-me a concluir que não. De acordo com a "inteligência" pátria, que me faz corar de vaidade, abominar o comunismo é coisa de boçais, de trogloditas encalhados em 1975, de ultramontanos (!) que acreditam que os comunistas comem criancinhas ao pequeno-almoço.
Apesar do meu primarismo, só por acaso nunca engoli semelhante lenda. No que acredito é que os comunistas já perseguiram, "sanearam" e destruíram as vidas públicas e privadas dos pais das criancinhas. E que conseguem arruinar a economia de um país mais depressa do que uma visita do Dr. Soares a Ricardo Salgado. E que vêem na democracia representativa um obstáculo à felicidade experimentada nas democracias realmente populares, de Cuba à Coreia do Norte. Primário, estou convicto de que o comunismo recorre ao estratagema reles de fomentar a miséria alheia para proveito próprio. E ignoro se regressaremos a 1975, mas sei que os comunistas não saíram de lá. Como não tenho vergonha de ser anticomunista, tenho vergonha de um governo em que participem comunistas. Eleitores de segunda? São os que votam ao domingo e descobrem no dia seguinte a intentona que lhes anula o voto. Diversos "constitucionalistas" e o meu vizinho alcoólico garantem não haver problema.
É que porque não há. Aliás, para a próxima, e a benefício do Processo Retardatário em Curso, vamos alargar o "arco da governação" ao PNR? Ódio à liberdade? Confere. Aversão à Europa e ao euro e à NATO e ao Ocidente? Confere. Repulsa pelo capitalismo? Confere. Porrada nos homossexuais? Confere. E à última hora hão-de fingir converter-se ao parlamentarismo "burguês". Claro que também reconheço as diferenças entre os patriotas de extrema-esquerda e os patriotas de extrema-direita: até ver, o PNR não colaborou em golpes de Estado.
Antes do dilúvio
Vasco Pulido Valente
Público, 16/10/15
António Costa não percebeu o essencial, ou seja, que um Governo como o que ele se prepara para fabricar com o PCP e o Bloco é impossível em democracia e só se aguenta, e mal, em ditadura. Com um Parlamento aberto e uma oposição a meia dúzia de votos da maioria absoluta; com liberdade de expressão e de reunião; com um regime judicial, apesar de tudo, independente; com partidos sólidos nas câmaras de mais de metade do país; com uma economia de mercado; e com uma Igreja Católica intocável: é um contra-senso e uma loucura. A cada erro, a cada fracasso, haverá uma tempestade geral e Costa não tem, fora da sua geringonça, em quem se apoiar. E mesmo no PC e no Bloco não vai ser fácil encontrar quem queira partilhar o desastre. A realidade não se inventa com uma aritmética duvidosa e meia dúzia de frases sibilinas.
Além disto, que chega e sobra, o Governo PS não pode dispensar uma disciplina rigorosa no seu próprio partido, que sempre viveu de uma larga tolerância, e nos partidos da extrema-esquerda em que não manda e são uma quantidade desconhecida, jurem agora o que jurarem. Costa andará sempre a olhar por cima do ombro e cairá dia a dia em qualquer armadilha que lhe estenderem. A boa-fé, que ele também não observou, não é uma das virtudes do radicalismo, por muito cândida que a dra. Catarina pareça. A intriga endémica da esquerda crescerá sem parar, com a ajuda dos grupinhos que nasceram ultimamente e um batalhão de comentadores à procura do seu lugar ao sol. Imerso neste caldeirão, o Governo, sem meios para impor a sua autoridade, irá muito depressa cair numa irremediável barafunda.
E, por fim, Costa não tem dinheiro para pagar os compromissos do PS e os que vier a tomar para angariar os votos do PC e do Bloco. Em vários tons, os papas da economia já avisaram que, nesse capítulo, o programa do PS leva a uma segunda catástrofe. Para não os citar todos, basta falar da sra. dra. Teodora Cardoso, presidente de um organismo respeitável, o Conselho das Finanças Públicas. Previne a senhora que “o regresso a uma política de estímulo ao consumo privado pode agravar o défice externo”, “o défice orçamental” e, logicamente, “o grau de endividamento” do país. E, para não deixar dúvidas, Teodora Cardoso não hesita em dizer que a estratégia de Costa cria o “risco” de provocar uma “nova crise”. Se criar, como de resto pessoalmente acredito, não se tornará a ouvir em Portugal o nome do PS.
É o dinheiro, estúpido!
Vasco Pulido Valente
Público, 17/10/15
António Costa ameaça o país com um governo PS, PC e Bloco. Manuela Ferreira Leite declara dramaticamente que Portugal está em pânico e, como boa representante da burguesia indígena, apela para Cavaco e Pedro Passos Coelho. Na televisão e nos jornais, toda a gente discute a legitimidade de Costa e soma com muito zelo votos com votos. Só não se fala no essencial e apetece berrar como Karl Rove: “It’s the economy, stupid”. A aventura de Costa não vai durar muito, nem trazer uma grande mudança à política como ela por aqui se entende. Mas as consequências do programa que ele pretende executar, ainda por cima corrigido pelo PC e o Bloco, podem ser fatais. Teodora Cardoso, João Salgueiro, Medina Carreira e João César das Neves já avisaram. Não serviu de nada.
Aumentar o consumo doméstico com dinheiro público é a melhor receita para o empobrecimento geral e para a bancarrota. Tanto mais que a situação da economia e das finanças, embora um pouco melhor do que em 2011, continua fluida e atada com fios. Qualquer pequeno incidente doméstico ou internacional é o bastante para a deitar abaixo. Costa não tem dinheiro para cumprir as suas promessas, nem as que fará à dúbia “esquerda”, que anda hoje a cortejar. E isto se não houver obstrução do parlamento a medidas que o PS pretenda tomar e os puros santinhos do Bloco e do PC considerem excessivamente autoritárias. Para a minha geração a guerra entre o PS e a “direita” é uma história velha; uma história de erros, de mentiras e pura falta de vergonha.
António Costa julga que se for dizer à imprensa internacional e a Bruxelas que, no fundo, no fundo, ele é um menino bem comportado, temente à Europa e pronto a cumprir as regras ganhará por isso a confiança dos credores. Não percebe, como não percebe quase tudo, que os credores não querem saber de palavras, querem saber de números. E que, de tudo o que Costa lhes disser, e eles fingirão ouvir com amabilidade, só dois nomes verdadeiramente pesam: PCP e Bloco de Esquerda. A “esquerda” e a “extrema-esquerda” têm um longo hábito de viver de esmolas. Mas não devem presumir que os senhores de Bruxelas partilham a mesma educação ou se regem pela mesma torpe complacência que os portugueses têm com os portugueses. O dinheiro é que vale.
Em 1195 Fernando Martins de Bulhão nasceu em casa de seus pais, comerciantes abastados, no lugar onde hoje se encontra a Igreja de Santo António, frente à Sé Catedral de Lisboa.
Ali ao lado havia a pedreira da Sé e o Arco, ou Porta de Ferro, onde esteve instalada uma Ermida de Nossa Senhora da Consolação, cuja imagem havia sido levada de França pelo General Martim Afonso de Sousa (herói da Batalha de Aljubarrota).
Em 1431 já existia, porque para terem ali sido trasladados de São Vicente de Fora, os restos mortais de dona Teresa Taveira, mãe do Santo, conforme inscrição que estava do lado da Epístola e que o terramoto de 1755 destruiu.
Por isto, se confirma que a igreja já existia antes de 1495, ano em que o Senado, satisfazendo os desejos de D. João II, confirmado por disposição testamentária por D. Manuel I, de construir neste local uma nova igreja, decidiu erigir um templo que abrangesse toda a casa dos Bulhões, e a que se deu o nome de Real Casa de Santo António.
Cerca de 1300, esta casa, solar ao que parece, por ter sido berço do Santo havia sido adquirida pelo Senado da Câmara e transformada em capela, conhecida de início por Santo Antoninho da Sé, servindo ao mesmo tempo de Senado Camarário desde 1326 a 1753.
Foi ali que D. João III recebeu a bandeira da cidade que havia de ser arvorada em Ceuta bem como foi dali que saiu a bandeira empunhada pelo Conde de Castanhede, a que se juntou ao Senado e o povo em 1 de Dezembro de 1640 para correrem com os espanhóis.
Parece não se se saber ao certo quando esta casa-capela foi transformada em igreja em homenagem a Santo António. Freire de Oliveira atribui a fundação da primeira igreja entre o primeiro e segundo quartel do século XIII.
Perto da primeira capela-mór ainda existe a mesma porta de que se servia Martim de Bulhão, pai do Santo.
Entretanto, a primeira capela foi absorvida ou completamente substituída pela igreja que D. João II e D. Manuel mandaram levantar.
Todos os reis de Portugal contribuíram para o esplendor deste templo, mas foi D. João V que converteu a basílica num dos mais sumptuosos templos da Europa. O terramotos de 1755 e o incêndio que se seguiu pela cidade quase a destruíram completamente, só se tendo salvo a capela-mór e a venerada e veneranda imagem do Santo.
Após esta catástrofe a Câmara ordenou que se edificasse, entre as ruínas da antiga basílica, uma capela provisória, cuja abertura coincidiu com o primeiro aniversário da tragédia.
Entretanto, Mateus Vicente, que planeara a basílica da Estrela, substituiu o estilo manuelino por barroco.
Interior da Igreja
Existe ainda a cripta, por baixo do altar-mór, onde, segundo a tradição, seria o quarto onde nascera o Santo casamenteiro.
A igreja esteve fechada desde 1910 a 1926, os anos escuros dos carbonários revoltosos, só foi reaberta ao público a 14 de Setembro.
Muitas modificações vêm sendo efectuadas nesta igreja, como restauros e melhoras. A meio da parede nota-se uma lápide de mármore, ali mandada colocar pela Câmara em 1859:
Nascitur.Hac.Ut.Tradunt.Antonius. Aede.
Quem.Coeli.Nobis.Abstulit.Alma.Domus
(Nesta casa, segundo a tradição, nasceu António, aquele
Dissertar sobre um livro que nunca se leu é difícil mas quando deambulam por aí tantas recensões, a dificuldade atenua-se.
Por isso vamos sabendo que nesta comédia o tal Ernesto não existe pura e simplesmente e que duas Senhoras se deixam convencer estarem dele noivas num enredo que logicamente as conduz ao... celibato. Ou seja, muito stress e, afinal, tudo debalde.
Eis por que sempre considerei que a importância de se chamar Ernesto é nenhuma porque se conclui pela vacuidade: personagem inexistente e celibato das sempre-noivas.
Então, plagiando Isidore Lucien Ducasse, mais conhecido pelo pseudónimo literário de Conde de Lautréamont (Montevideu, 4 de Abril de 1846 — Paris, 24 de Novembro de 1870) e um dos escritores franceses mais refractários, (...) confesso que o considerei cheio de uma notável quantidade de importância nula...
Em todo o caso, não quero deixar de referir o trocadilho algo jocoso entre «Ernest» e «earnest» que a tradução portuguesa perde.
E, depois, tenho a acrescentar que não leio escritos de quem tenha opções de vida que nada me dizem. E porque Camilo Castelo Branco se suicidou, nunca o li. Uma excepção: Ernest Hemingway que se suicidou quando estava completamente bêbado na convalescença duma depressão. Por outras razões, também nunca li Truman Capote.
Mandou-me a minha filha Paula um engraçado e-mail intitulado SALDOS, com a imagem de quatro sérias damas grisalhas, sentadas, pernas pendentes, num banco de encosto com, por trás, um rebordo de folhagem de jardim público, vestidas com blusa e saia de meia perna, no entretém do seu direito, talvez de coscuvilhice zelosa dos bons costumes, com, em epígrafe, a frase displicente: «Vende-se: 4 câmaras de vigilância modelo antigo».
Lembrei-me, como resposta à brincadeira, de traduzir para a Paula a “Ballade des dames du temps jadis” do poeta quinhentista François Villon, saudoso daqueles luxos descritivos dos poetas e artistas de antanho sobre as figuras femininas perenes na sua beleza, na sua frescura, no seu amor, mas dolorosamente consciente da tragédia humana do efémero de tudo isso.
Entre Fariseus progressistas e Saduceus conservadores
Situação na Polis outrora e hoje
Os Saduceus (conservadores, acreditam no livre-arbítrio, negavam a existência da alma, de espíritos e de anjos) pertenciam ao alto escalão social e económico da sociedade (aristocracia do Templo) e seguiam estritamente a Tora (Lei); os Fariseus (progressistas, acreditavam na liberdade humana mas com influência do destino e na ressurreição dos mortos), fanáticos e “hipócritas” seguiam a Tora e a tradição oral, manipulando as leis no seu interesse e juntavam o poder religioso ao poder político (no Sumo Sacerdote).
Os saduceus eram colaboracionistas dos gregos e dos romanos pelo que eram odiados pelos partidos dos Zelotes. Comportavam-se em relação ao poder ocupante romano de maneira serviçal e oportunista, acatando no Sinédrio (senado) as decisões de Roma.
Muitas das características descritas em relação aos Saduceus e Fariseus encontram-se hoje na política e nos parlamentos nacionais também no que respeita ao poder da UE e ao Grande Sinédrio de Bruxelas.
O Modelo de Sustentabilidade que dá Perenidade ao Desenvolvimento
Parto do princípio, porém, que a sustentabilidade e sobrevivência do povo judeu, deve muito aos Fariseus. Interessante que tanto o Povo Judeu como a Bíblia (Antigo e Novos Testamentos) se tornam em protótipos do desenvolvimento histórico e humano. Em Jesus Cristo podemos reconhecer a integração e conciliação da materialidade/corporalidade e do espírito (divindade) numa só pessoa; por outro lado, o povo judeu mantém também ele na sua existência a tensão e inclusão dos extremos que lhe garante a continuidade através da História. Moral da história: só a integração, do aparentemente polar e contraditório, num processo de inclusão de complementaridades (numa realidade superior para lá das diversas perspectivas), conseguirá dar sustentabilidade à sociedade – missão essa que o Cristianismo assume na vivência da experiência da Realidade Jesus Cristo na qualidade de comunidade e de pessoa; como realidade relacional e processual aberta, o Cristianismo contém no seu protótipo da Realidade a fórmula que serve ao mesmo tempo de matriz de indivíduo e sociedade que comporta a antecipação do futuro garantidor de todo o Homem e de toda a comunidade humana na plataforma da divindade, suporte de toda a realidade existente e não existente (fórmula trinitária) numa dinâmica do já e ainda não.
Da Ordem natural das Coisas – Polis entre Fariseus e Saduceus
Dado que sem preconceito não se passa ao conceito, há que constatar: no discurso político é muito frequente tropeçar-se com Escribas e Fariseus: uma direita com o rei na barriga e uma esquerda com a rainha; de resto, petulâncias ou rumores intestinais.
Fariseus e saduceus, ontem como hoje, manifestam duas tendências/princípios naturais que dão continuidade a um povo numa dinâmica de preconceitos interactivos das duas partes. O erro da hipocrisia fomentadora do preconceito parece ser o óleo dos veios de transmissão entre o motor (o agente) e o carro (povo) e, como tal, o erro torna-se, a nível factual, numa constante motriz do desenvolvimento histórico.
A ordem natural das coisas dá razão e favorece os detentores do poder ou os que se encontram na sua disputa. Quem não entende isto, em termos de política, está predestinado a ser terreno onde aqueles escavam seus regos para a água deles passar. Lógica da questão: quem não entra fica como o cão à porta e por mais que ladre nunca chega a ter razão (na lógica factual do poder)!
Do mercado da polis – Hipocrisia e Iniquidade
Portugal dá a impressão de andar sempre em campanha eleitoral, sem espaço para discutir nem elaborar programas de governação; parece ser um agregado sociológico de repúblicas (povos) - sem Povo - num arraial antigo, onde ecoam os pregões e os berros.
Quem não tem acções partidárias no mercado da polis resigna, faz da tristeza raiva ou procura consolação na exclamação: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque sois semelhantes aos sepulcros caiados… também vós exteriormente pareceis justos aos homens, mas, por dentro, estais cheios de hipocrisia e de iniquidade.” (Mt 23. 27-28)
Tal como nos tempos bíblicos, temos conflitos programados e de que bem vivem os escribas/saduceus e fariseus.
A palavra Fariseus ganhou a conotação de hipócrita e de confessos aparentes. Fariseus e Saduceus/Escribas fazem parte da dialéctica social e são adversários entre si mas quando se trata de defender os próprios interesses sublevam e dividem o povo para poderem legitimar e manter as estruturas do poder que lhes oferece palco seguro para se afirmarem (manipuladores do povo matam Jesus para depois lavarem as mãos na “inocência do povo” que os legitimou). Inteligentes como serpentes, encontraram e encontram uma estratégia comum que lhes dá segurança na ocupação dos cargos de prestígio da nação e a maioria dos postos no Sinédrio. A inveja e a ganância atiçam-nos uns contra os outros, a ver quem mais come enquanto o povo olha e ladra para enganar a fome.
A ganância humana torna-se apetite desenfreado. Se não fosse o apetite que seria do saborear!... Mas o povo cada vez mais habituado ao fastio vai perdendo o apetite e o carácter, fomentando ainda mais os apetites dos poucos.
O apetite partidário é tanto que chega a não distinguir o que já lhe estreborda do prato. Victor Hugo dizia “em tempo de revolução, cuidado com a primeira cabeça que rola. Ela abre o apetite ao povo”. Por essa razão andará tanta gente à volta de algumas cabeças; o problema delas será nunca se saciarem; por isso se tornam cães de guarda ou feras.
Todos mereceram a crítica do Mestre da Judeia porque adorando ídolos e não Deus mostravam-se como os mais dignos de respeito entre o povo. Uma reflexão pessoal e nacional, para ser salutar a nível de comunidade, deveria passar a considerar a dialéctica polarizante como mal menor a ser ultrapassado processualmente no serviço de um bem maior que é o todo de tudo em todos. Premissa da relação: o outro que permite identificar-me é o tu que dá consistência à minha ipseidade (eu-tu-nós) que se expressa na relação do eu-tu inclusivo a realizar Jesus Cristo.
Releio livros antigos, aparentemente ligeiros, de Françoise Sagan, que, desde o seu «Bonjour tristesse», imediatamente desencadeador de escândalo e admiração, (esta última causada pela precocidade da escritora) protagonizaram um piparote nos costumes burgueses, encarcerados nos convencionalismos das chamadas hipocrisias sociais, impeditivas da transparência nas acções do foro pessoal e familiar. Estas, acondicionadas na ciência das conveniências, não impediram nunca, contudo, tantas das tais violências que uma sociedade machista possibilitou - e, ao que parece, continua a possibilitar, mau grado o travão que a defesa dos direitos humanos instituídos propõe.
As liberdades concedidas com o desenvolvimento cultural, as permissividades que as acompanharam, nos capítulos do feminismo, da prostituição, da homossexualidade, do desgaste das relações humanas, tudo isso perpassa sem convicção na obra de Sagan, em que, muitas vezes ela é figura principal, que encara cinicamente todas as questões morais ou amorais, na consciência da sua irrisão. Admiro-lhe, pois, o estilo, onde a psicologia se casa com o conhecimento humano resultante de experiência de vida, sem dogmas de verdades absolutas E as personagens surgem leves, sedutoras, ingénuas ou grotescas, e simultaneamente indiferentes, na sua intelectualidade que põe em causa todos os princípios da racionalidade, o ser afirmando-se superior a quaisquer princípios – caso dos irmãos suecos Sébastien e Eléonore, cínicos e belos e parasitas, tanto na comédia “Château en Suède” , como na novela “Des bleus à l’âme” traduzida em português como “Viver não custa”, em que surgem como cúmplices na procura de quem os sustente momentaneamente, aliciado pela sedução e indiferença que ambos revestem.
Estes e outros livros – “Aimez-vous Brahms?”, “Dans un mois, dans un an”, li-os há muito, como algo de novo que varreu concepções antigas e me ajudou a pensar, a voz da narradora, presente ou não, que se afirma na solidão irreparável da miséria humana, que as filosofias existencialistas tornaram mais percucientes. Vou-os relendo, sempre no mesmo encantamento, a “pobreza” não aparecendo entre as suas temáticas, na intelectualidade e bem-estar das sociedades que transpõe aos seus livros, desde os tempos recuados do seu “Bonjour tristesse”, no local paradisíaco da Côte d’Azur.
Pobreza é tema que amam os nossos escritores neo-realistas, na tristeza de uma pátria pobre e pouco intelectual, que amam os nossos deputados da esquerda com fins revestidos de uma generosidade ambígua, pobreza, o tema escolhido por Vasco Pulido Valente para a sua crónica de 11/10, clarificadora de mensagem e história. “A natureza da coisa”, assim se chama. Não mostra quanto é obscena, de facto, a pobreza, que, apesar dos tais direitos constitucionais, invade o mundo, com cada vez maior amplitude, lembrando o universo em expansão, de galáxias afastando-se. A riqueza em expansão, a pobreza em expansão. Tal o universo e as suas galáxias. Não deixa de ser obsceno, pese embora a nossa descrença nas intenções desses tais deputados da esquerda. Porque não atentam no facto de os que governaram quererem eliminar isso, tanto quanto possível.
Em minha humilde opinião, esses tais de que fala Vasco Pulido Valente estão ansiosos por generalizarem a pobreza a todo o país, quais galáxias expandindo-se no espaço.
Berta Brás
A natureza da coisa
Vasco Pulido Valente
Público, 11/10/2015
A pobreza foi descoberta pelos filhos da burguesia no século XIX. Até ali não era visível, como hoje ainda em grande parte não é, ou era considerada uma característica geral da criminalidade.
Foi já em 1958 que o historiador Louis Chevalier escreveu um livro em que distinguia as “classes laboriosas” das “classes criminosas” e explicou ao mundo essa particular cegueira da civilização ocidental. Houve, evidentemente, desde o princípio da Restauração dos Bourbons (1815-1830) uma espécie de literatura que explorava o equívoco entre o “povo” bom e o “povo” mau, que a gente “com qualquer coisinha de seu” lia com delícia, cujo exemplo mais conhecido é “Os Mistérios de Paris” de Eugène Sue, mil vezes copiado e recopiado, mesmo por Vítor Hugo na obra épica “Os Miseráveis”, que continua a ser na forma de opereta ou na forma de filme um sucesso contemporâneo.
No século XIX descobrir a pobreza (como descobrir o sexo) mudou a vida a muita gente. Não só essa estranha revelação abria o caminho para a idade adulta e para a cidadania, mas porque o adolescente “rico” se sentia por uma vez parte da humanidade e frequentemente com a missão de a reformar. Claro que primeiro vinham os sentimentos: a indignação, a fúria, a tristeza, o ódio por uma sociedade que permitia aquela atroz miséria. Mas, com o tempo, esses sentimentos cristalizavam numa vontade de acção: ou se trepava para uma barricada ou se escreviam utopias “socialistas”, para inquietar os poderes do dia e aliviar os remorsos. E aqui nesta luta pela transformação do mundo, que se achava radical e definitiva, nasceu um equívoco perene.
Do genuíno sofrimento pela pobreza não derivam conclusões seguras sobre a natureza da história ou sobre o regime em que a humanidade deve viver. Pelo contrário, o sofrimento leva quase sempre a ideias que não têm um uso prático ou a planos que escondem ou ignoram a realidade. Basta ver a nossa extrema-esquerda. Não nego que andem por lá pessoas bem-intencionadas. Sucede que a noção de que os sentimentos chegam para reformar a sociedade e o fanatismo em que a acção de costume se perde e se transforma podem quanto muito produzir alguma destruição sem nexo, não podem mudar nada duradouramente. Não por acaso a extrema-esquerda (de qualquer pinta ou nascimento) se parece toda com uma igreja, com o seu zelo e o seu ódio teológico. São pássaros da mesma pena.