Há 600 anos, Ceuta. Há 500, Afonso de Albuquerque. Do Mediterrâneo para o Mundo.
Duas efemérides e a natureza do nosso país.
(…)
600 anos depois de Ceuta e 500 anos depois de Albuquerque, Portugal é o mesmo, com a força que sempre teve para perdurar como entidade política independente apesar da sua pequenez … assim os próprios Portugueses o percebam.
João Paulo Oliveira e Costa
Historiador, Catedrático da FCSH da Universidade Nova de Lisboa
Um extenso artigo do Historiador João Paulo Oliveira e Costa distribuído por sete capítulos que, historiando a aventura marítima portuguesa, de Ceuta a Afonso de Albuquerque, parece querer fazer renascer um sentimento de orgulho pátrio, que fora preservado pelos séculos fora, nas crónicas cortesanescas ou na epopeia de exaltação, na consciência do milagre da devassa do mundo por um povo aventureiro e detentor de ambição, apesar – ou por causa – de um estatuto de menoridade intelectual e social que sempre o acompanhou. Povo que a pátria-mãe foi expulsando do seu habitat, para benefício próprio, não lhe concedendo enxadas culturais mais seguras e dignificantes no solo pátrio, avesso de longa data não só a uma abertura de modernização científica e filosófica, como a que se praticou na Europa seiscentista e dos séculos seguintes - e que a Igreja aqui contribuiu para impedir, anquilosada na estreiteza da sua fé ameaçadora e interesseira - como à difusão mais equilibrada dos preceitos culturais abrangendo todas as classes sociais, ao invés de condenar a plebe ao estatuto escravizante de servos da gleba e do senhor.
Mas hoje, que se deu a democratização, o mesmo povo culturalmente apagado, depressa mostrou o reverso da sua pose de humildade, aguçando as garras da sua exigência de confrontação, manipulado por dirigistas de uma doutrinação limitada e unilateral, sem princípios nem consciência do decoro, da educação e da dimensão económica e social.
É por isso que, desejando concordar com o conceito final do texto de João Paulo Oliveira e Costa - «600 anos depois de Ceuta e 500 anos depois de Albuquerque, Portugal é o mesmo, com a força que sempre teve para perdurar como entidade política independente apesar da sua pequenez … assim os próprios Portugueses o percebam.» - não consigo adaptar-me a outra posição que não seja o de desejar seguir em frente sem ambições de glória nem de confrontação, aspirando para este povo minúsculo apenas um comportamento de responsabilidade e decência, criado numa orientação de ambição, sim, mas apenas de competência e dignidade nos caminhos a seguir.
Quando o orçamento do Partido Comunista Chinês é segredo de Estado e o Orçamento das Forças Armadas é outro segredo de Estado, que sentido faz discutir a política monetária chinesa?
Quando as empresas cotadas na Bolsa de Xangai não têm contabilidade normalizada nem se aproximam sequer dos modelos internacionalmente aceites, que sentido faz atribuir um valor a uma empresa ali cotada?
Quando as moedas da China, de Hong Kong e de Macau têm o mesmo valor definido administrativamente, que credibilidade tem a política cambial chinesa?
Que sentido faz a economia mundial dizer-se dependente dum conjunto de falsidades tão grande?
A China não passa de um bluff e todos os movimentos bolsistas no resto do mundo que agora se dizem em crise por contágio, não são mais do que pura especulação. As enormes perdas de quem agora vendeu, serão a breve trecho os enormes ganhos de quem comprou.
As enormes perdas no preço das commodities resultantes da redução da procura chinesa mais não foram do que pôr um travão à tensão especulativa a que esses preços vinham sendo submetidos; os mercados retomam assim alguma normalidade.
É tudo manipulação e só manipulação.
Na China só acredita quem quer e o Ocidente (Japão incluído) tem que deixar na China as fábricas cujas produções se destinem ao abastecimento do mercado chinês e mandar regressar à origem todas as outras fábricas que lá instalou para abastecimento do Ocidente. As «Detroit» espalhadas pelos EUA e Europa exigem-no (e os Sindicatos agradecem).
Os franceses sempre brincaram demasiado com o fogo. E quem brinca com o fogo tarde ou cedo se queima!
Tanta vez em guerra, com a Alemanha desde sempre, – Carlos Magno, a Guerra dos Trinta Anos, a Franco-Prussiana, Napoleão, a I e II Guerras Mundiais, entre outras – em vez de fortalecerem, pela prática, enfraqueceram a França, seu povo e sua vontade de lutar.
Depois “conquistou” imensos territórios em África a quem impôs a segregação e toda aquele sistema de administração, de triste memória de todos os colonizadores, mas... um dia precisou dos seus colonizados para a ajudarem nas guerras em que se meteu.
Nas duas Guerras Mundiais, já no século XX, foram buscar à Argélia, Marrocos, Senegal e outros países africanos pseudo francófonos, centenas de milhares de homens para lutarem ao seu lado. Só na I Guerra terão morrido mais de 100.000 desses humildes soldados.
Mas desde há muito a França tinha já um razoável contingente de trabalhadores vindos de países de cultura muçulmana, sem um lugar onde se pudessem reunir e cumprir com as suas obrigações e devoções.
Finalmente, em reconhecimento dos que, mesmo de outra confissão, deram a vida pela França, foi dada autorização para se construir uma mesquita. Em Paris, lugar bem central, em 15 de julho de 1926 foi inaugurada a Grande Mesquita de Paris, um monumento imponente, muito bonito em estilo hispano-mourisco, lembranças do tempo em que foram donos da Hispânia, onde desenvolveram de forma admirável a sua cultura e que até hoje, por a terem perdido, lhes está atravessada na garganta.
Nesse dia um escritor, Charles Maurras, escreveu:
Se há um renascimento do Islão, e não acredito que se possa duvidar, um troféu da fé corânica nesta colina de Sainte-Geneviève onde ensinaram todos os maiores estudiosos do cristianismo anti islâmico, representa mais do que uma ofensa ao nosso passado: é uma ameaça ao nosso futuro... A construção oficial da Mesquita e especialmente a sua inauguração em pompa republicana, expressa algo parecido com uma penetração no nosso país e sua tomada de posse por nossos protegidos... Nós acabámos de cometer um crime de excesso. Faça o céu que não tenhamos que em pouco tempo pagar por isso e que as nobres raças que tivemos como herança preciosa nunca sejam esmaecidas pelo sentimento de nossa fraqueza.
Hoje França tem mais de 2.200 mesquitas e querem dobrar este número, com o argumento de que não há lugar suficiente para receber todos os crentes.
A Alemanha quer ganhar a Europa, como o Hitler, mas sem necessidade de canhões. Os muçulmanos ganharão a França com os seus pahlavi estendidos em qualquer lado. Nas mesquitas, nas ruas, nos locais de trabalho, discretos ou acintosamente, são já mais de 6 milhões espalhados pelo país, sem que se possa afirmar a veracidade deste número porque é proibido fazer distinções de caráter religioso nas contagens da população, e a toda a hora chegam mais, aos milhares.
Em 2013 Dominique Venner, antes de se dar a morte, deixou escrito que o perigo, segundo a sua opinião, o perigo maior estava na “grande substituição” da população de França e da Europa. Outros afirmam que o crescimento do Islão em França tem um caráter desagregador do multiculturalismo, tanto mais que a maioria considera o Islão não como uma religião, mas como um movimento político e de ambições territoriais. Já vão dizendo nós somos a geração da fractura étnica, da falência total do viver em conjunto, da mestiçagem imposta... Somos a geração vítima de Maio/68, dos que se queriam emancipar do peso das tradições, do saber e da autoridade nas escolas, mas que se emanciparam das suas próprias responsabilidades.
Considerar o Islão como uma religião é o maior erro. O Islão ignora a distinção entre a política e o religioso, o sagrado e o profano.
Segundo eles, um muçulmano que respeite o laicismo não pode existir e obrigará os seguidores que apliquem a jihad ou a qital (assassinato).
O polemista Alexandre del Valle no seu livro La Turquie dans l’Europe, un cheval de Troie islamiste, faz deste país o seu alvo preferido.
Um muçulmano pode afirmar que é laico para se inserir no espírito republicano mas não é, nem pode sê-lo, a menos que tenha a coragem de ser considerado um herético e submeter-se à lei da sharia!
Alguns “teólogos” do Islão, como Salih al-Fazwan, chega a firmar que os adeptos de outras religiões, como judeus ou cristãos, são simplesmente muçulmanos que se ignoram e por isso têm hoje a possibilidade de “regressar” à “verdadeira” religião!
Um exemplo curioso desta maneira de pensar e ameaçar: uma turista muçulmana foi com o seu marido assistir à Ópera ver a Traviata, mas vestia um niqab (aquele que cobre até aos pés e só deixa os olhos à vista), e a Direcção do estabelecimento pediu-lhe para deixar a sala a pedido de uma cantora; o acontecimento suscitou inúmeros comentários, sobretudo do fórum que “aconselha” as jovens muçulmanas: “Bem feito! Para que foi à Ópera? Promiscuidade, música, misturar com os kouffar – os incrédulos” ou “Mas o que é que ela fazia num lugar demoníaco? ”
Mas como os muçulmanos de Marrocos não se dão com os da Argélia, nem estes com os sauditas, nem sauditas com jordanianos, nem Hamas com Fatah, nem curdos com nenhum deles, assim como os iemenitas, e pior ainda quando se fala em xiitas ou alauítas, haja alguma esperança que se concentrem na guerra entre eles... com os judeus de permeio!
Só mais uma piada dum cretino extremista brasileiro:
Tudo isto lembra um pouco o que um idiota deputado brasileiro (que os há na maioria) pastor de uma daquelas igrejas que vendem milagres, entrou com um projecto no Congresso propondo a alteração SÓ do Parágrafo Único do Artigo 1° da Constituição do Brasil, que diz “Todo o poder emana do povo”, para o substituir por “todo o poder emana de Deus”! Transformar o Brasil em mais um Estado Teocrático!
Depois talvez queira convidar um aiatolá para presidente!
A infame submissão da mulher muçulmana aos caprichos masculinos é dos aspectos mais negativos com que o Ocidente se depara ao acolher as hordas de imigrantes que todos os dias arriscam a vida no Mediterrâneo.
Não está em causa a legitimidade da busca de melhores condições de vida – de sobrevivência, até – para essas populações; o que não se pode admitir é que esses imigrantes queiram transpor para a Europa as condições degradantes que na origem impõem à mulher.
Unânimes na condição inferior feminina, para a maior parte dos muçulmanos elas nem sequer têm alma, são instrumentos que existem apenas para servir os interesses do homem. E como instrumentos, não têm que ter vontade nem opinião.
E a pergunta é: e se essa mulher imigrante na Europa decidir alcançar o mesmo estatuto de plena dignidade humana e social que observa na mulher europeia?
Então, a resposta terá muito provavelmente a ver com a maior desorientação masculina nessa sociedade imigrante.
Bastará que a Europa decrete a proibição de qualquer pessoa transitar na via pública com o rosto tapado para que a vida se complique para os mais radicais; bastará que o acolhimento ao imigrante seja em tudo igual às politicas de conforto social que os Estados europeus dispensam aos seus próprios naturais para que o tão propalado parasitismo imigrante esmoreça; bastará que cada Estado europeu prossiga políticas de integração e não facilite a criação de guetos.
Bastará que uma rejuvenescida Ana de Castro Osório ou Carolina Beatriz Ângelo avance por essa Europa além como estandarte da emancipação da mulher imigrante.
Mais recentemente, tivemos «as três Marias» - Maria Isabel Barreno, Maria Velho da Costa e Maria Teresa Horta – cujo exemplo poderia servir de nova bandeira ao feminismo na Europa assim mostrando uma das maiores forças de que o Ocidente dispõe, a dignidade da mulher.
Mais um artigo de opinião, de Alberto Gonçalves, publicado no DN, que funciona como lufada de ar fresco na névoa espessa da idiotia lusa, exemplificada, no caso presente, com os discursos da “mesmice” da precariedade ideológica, ou até “moral”, que se traduzem na má fé dos argumentos repetitivos de uma simpatia humanitária artificiosa e unilateral – os argumentos de António Costa sobre modelos económicos de arteirice patética, visando a derrota do Governo vigente para a conquista do mesmo para si próprio; os discursos da falsa moral, apontando o dedo inquisitorial contra o pensamento claro e simples que não põe malícia nos gestos da simpatia alegre, traduzidos no retrato de um beijo de felicidade pelo fim da guerra, empolando-o hoje com intenções ocultas pecaminosas e ultrajantes dos bons costumes; um crime de extremismo terrorista islâmico, condenável, naturalmente, na atrocidade do gesto gratuito, mas admitindo, para evitar confrontações com os da nobreza de pensamento apoiantes do jihadismo, diversidade de justificações alheias, incluindo a do Avante: curto artigo este último, de humor gracioso a merecer galardão:
Precário é o Dr. Costa
D.N., 23/8/15
Dada a quantidade de ar morno que lhe atravessa a cabeça, extraordinária até pelos padrões da classe política, é difícil prestar atenção às opiniões de António Costa, e dificílimo destacar alguma. Quando num dia promete 207 mil empregos e no seguinte explica que a promessa é afinal uma estimativa, as pessoas, entretanto habituadas ao estilo, não ligam. Mesmo assim, foi com pasmo que vi o homem lamentar a "precariedade" dos novos contratos laborais, tragédia que "não oferece segurança" e é "altamente prejudicial". Não é só um argumento típico de quem anda longe do universo do trabalho: é a fezada de quem nunca trabalhou.
Pela parte que directamente me toca, em vinte anos nunca tive qualquer vínculo à entidade empregadora e nunca me ocorreu reivindicar (é o verbo, não é?) alternativa. Com uma remota excepção: seis meses de suplício num "projecto" ligado ao Ministério da Saúde, de onde saí por despedimento "ilícito" e abençoado. Descontada a legitimidade legal, a que pretexto iria forçar-me a continuar num lugar onde não me queriam e que, de resto, eu abominava? Desde então, aprendi que receber por cada serviço que presto é, além de genericamente decente, racional. Por muito que isto indigne o Dr. Costa, não percebo que um sujeito suporte ser remunerado por imposição do tribunal e não pelo reconhecimento daquilo que faz. A garantia do emprego para a vida é má para o emprego e péssima para a vida.
Pela parte que me toca indirectamente, a brutal distância entre o Dr. Costa e o mundo ainda é mais ofensiva. Nos últimos meses, tenho acompanhado de perto o microscópico drama de um "patrão" que tenta em vão despedir o "trabalhador". O primeiro paga o dobro do praticado no sector, a que acresce horas extras, 14 meses e, claro, segurança social. O segundo organiza manifestações sindicais diárias, esforça-se com irregularidade e exibe maus modos. A solução, de acordo com diversos advogados? Manter tudo como está, já que o despedimento com justa causa exige pelos vistos que o assalariado cometa um ou dois crimes de sangue durante o expediente. E o malévolo capitalista não aguenta os custos de um despedimento sem prova da causa "justa".
Quando o Dr. Costa, com três décadas de carreira partidária em cima, diz que "o combate à precariedade é tão ou mais importante do que o combate ao desemprego", não compreende que aquele torna este inútil: no cenário actual, e que o PS sonha agravar, apenas um maluco empregará alguém.
Mudando de assunto, há que louvar o novíssimo critério do Dr. Costa para a emergência de um "bloco central": uma "invasão marciana" (sic). Enfim, o chefe do PS comenta temas que domina. Infelizmente, arrisca-se a não ir a tempo: precário é ele.
Terça-feira, 18 de Agosto
A nova Inquisição
Há 70 anos, a rendição do Japão e o fim da Segunda Guerra produziram, a título de ícone, o beijo entre um marinheiro e uma enfermeira em Times Square. O instante foi registado pela câmara de Alfred Eisenstaedt e, durante as décadas seguintes, limitou-se a suscitar imitações e ligeira curiosidade face à identidade dos protagonistas (a propósito, talvez o homem fosse filho de emigrantes portugueses nos EUA). Outros tempos. Hoje, para muitos, o famoso beijo é, mais do que uma celebração da paz, um símbolo da "cultura de violação" e do "assédio sexual".
O raciocínio é simples, como aliás convém aos novos moralistas: o marinheiro não conhecia a enfermeira e beijou-a sem autorização (presume-se que escrita). Não importa para o caso que a senhora tenha sempre declarado lembrar-se com felicidade daquele momento, e afirmado em 2012 aos jornais: "Não consigo pensar em ninguém que encare o beijo como assédio."
Também me custa pensar em gente assim. O facto é que existe. E anda à solta, cheia de si, a farejar pecados e blasfémias, a regular comportamentos, a sugerir proibições, a excomungar almas e a exigir castigos a pretexto da cartilha que definiram para todos nós: a "igualdade de género", o combate ao que toma por racismo, o "ambiente", o que calha.
É com certeza a mesma gente que, há dias em Espanha e sob o aplauso do Podemos, vetou a participação de um judeu americano num festival de música porque o sujeito se recusou a criticar Israel. Li depois que o dito festival inclui uma "componente social", com mesas--redondas sobre violência doméstica e a exibição de peças influenciadas pelo "teatro do oprimido". Tamanho fervor puritano não é inédito. Mas foi para chegar a isto que uma civilização se livrou dos santos inquisidores?
Sexta-feira, 21 de Agosto
Um crime no TGV
Um indivíduo de 26 anos e origem marroquina apanhou o TGV Amesterdão-Paris com armas de fogo e facas sortidas. A páginas tantas, desatou aos tiros e feriu três pessoas, duas com gravidade. Não causou mais estragos porque acabou dominado por um par de passageiros, marines americanos, e entregue às autoridades.
Como começo a estar farto de escrever sobre a ameaça do islamismo menos moderado, prefiro imaginar pontos de vista alheios. Uns acharão que a notícia prova a loucura de investir no TGV. Outros verão aqui um pretexto para novas restrições à concessão de licença de porte de arma. Outros ainda detectarão a necessidade de estender o check-in de segurança a comboios, barcos de recreio e tractores de dois lugares. Uma quarta facção culpará a austeridade pelo incidente. Uma quinta lembrará que os franceses são salvos sempre pelos mesmos. E o Avante! publicará um editorial a condenar o imperialismo dos EUA.
Há 600 anos, Ceuta. Há 500, Afonso de Albuquerque. Do Mediterrâneo para o Mundo
Duas efemérides e a natureza do nosso país
Assim, as duas efemérides que se evocam este ano, os 600 anos da conquista de Ceuta e os 500 anos da morte de Afonso de Albuquerque, ajudam-nos a compreender a própria natureza do nosso país.
Há 600 anos, Portugal buscava ainda a sua configuração definitiva, ao mesmo tempo que lutava por garantir o seu espaço vital e que espreitava mais além. E ao completar o seu acomodamento ao mundo, ao definir o seu espaço no seio do mundo euro-mediterrânico, logo se tornou numa potência atlântica, e inventou o próprio Atlântico, transformando o ignoto e temido Mar Oceano num eixo de comunicações e num espaço com forma própria, ao mesmo tempo que transformava de vez o seu carácter periférico numa nova centralidade.
Não se pode explicar a modernidade e a globalização sem ter em conta o impulso visionário do Infante D. Henrique e o acto heroico da tripulação de Gil Eanes, que soube vencer o medo e desfazer num ápice as lendas do Mar Tenebroso.
João I cumpriu a História ao concluir a gesta da formação de Portugal, levando os seus homens até ao Estreito e sancionando a ocupação da Madeira, enquanto o génio irrequieto e pertinaz do infante D. Henrique abria o caminho para uma nova era, que fez de Portugal um dos protagonistas da História Universal, pois não se pode explicar a modernidade e a globalização sem ter em conta o seu impulso visionário e o acto heroico da tripulação de Gil Eanes, que soube vencer o medo e desfazer num ápice as lendas do Mar Tenebroso.
Há 500 anos, a presença portuguesa pelo mundo alcançava quase a sua amplitude máxima, pois os oficiais da coroa já andavam pelas praias do Brasil e já negociavam nos portos da China. Durante cem anos os navegadores portugueses desbravaram meio mundo, desde a Terra Nova até às águas longínquas de Timor. Abriram novos negócios, apropriaram-se de outros e ganharam as posições necessárias para dominar os mares, mas agora estavam aptos para aprofundar esse movimento pioneiro. Começavam, finalmente, a libertar-se da velha tradição mediterrânica que os tinha levado a Ceuta; era o tempo de focar o império nos oceanos e de ganhar territórios e as suas gentes.
D. Manuel I concluiu a tarefa a que a coroa se propusera desde que o regente D. Pedro proclamou o senhorio do mar, em 1443, e que ganhara limites concretos pelo Tratado de Tordesilhas de 1494. Foi no seu reinado que os horizontes se alargaram ao Brasil e à China e foi ao penetrar no Índico que consumou uma prática imperialista que já se adivinhava nos seus antecessores. Portugal era então um país rico pela sua capacidade de obter no exterior o que lhe faltava no seu espaço vital.
Mas foi o génio de Afonso de Albuquerque que provocou nova aceleração tal como o infante fizera há quase cem anos; ao ser o primeiro a libertar-se das grilhetas mentais da centralidade do Mediterrâneo concebeu o destino secular de Portugal na Ásia e ao promover os casamentos mistos intuiu o que seria a maior força do Império Português pelos séculos vindouros – a sua capacidade de negociação com povos de todos os continentes e a sua disponibilidade para criar um império assente na supremacia d’el-rei de Portugal e dos seus oficiais mas forjado e sustentado por uma massa mestiçada que tanto falava tupi, como ovimbundo, concanim, malaiala, malaio, chinês ou japonês, mas que rezava a um só Deus.
Passados todos estes séculos, Portugal, despojado das conquistas posteriores a 1434, persiste como país uno entre o continente e os arquipélagos adjacentes, sem ter perdido as suas ligações ao mar e ao mundo por onde os seus oficiais, mercadores e clérigos andaram anos a fio.
Não foi certamente por acaso, que a última eleição de Portugal como membro não permanente do Conselho de Segurança da ONU foi obtida predominantemente com votos dos países do Terceiro Mundo; como não é por acaso que é no mar que Portugal espera poder ganhar novos espaços e novas riquezas, seja na luta pelo subsolo das áreas adjacentes à sua linha de costa, o que devido aos arquipélagos lhe pode proporcionar uma nova fronteira marítima que tornará num dos países mais extensos do mundo, seja reinventando a centralidade do seu litoral continental conseguindo transformar Sines numa das grandes escápulas do comércio marítimo.
600 anos depois de Ceuta e 500 anos depois de Albuquerque, Portugal é o mesmo, com a força que sempre teve para perdurar como entidade política independente apesar da sua pequenez … assim os próprios Portugueses o percebam.
FIM
João Paulo Oliveira e Costa
Historiador, Catedrático da FCSH da Universidade Nova de Lisboa
Há 600 anos, Ceuta. Há 500, Afonso de Albuquerque. Do Mediterrâneo para o Mundo
A visão e ambição de Afonso de Albuquerque
Como referi, a política imperialista manuelina tinha como objectivo último o Mediterrâneo Oriental e a Cruzada, na senda do que fora já o sonho imperial de D. João II. Quase cem anos depois de Ceuta, a coroa lusa, desbravadora do mar oceano, continuava ligada às suas raízes ancestrais e à geo-estratégia euro-mediterrânica. Os espaços que se tinham tornado acessíveis ou descobertos pelos seus exploradores ainda eram entendidos sobretudo como simples meios para atingir os objectivos de sempre.
As ilhas atlânticas e a costa do Brasil serviam para assegurar a hegemonia marítima e o monopólio da Rota do Cabo, as duas fortalezas a sul do Bojador serviam para o controlo do ouro e as intervenções no reino de Fez eram entendidas como o prolongamento da Reconquista. Por isso, a ordem que Afonso de Albuquerque tinha para cumprir ao assumir o governo da Índia era a de atacar o Mar Vermelho para vibrar o golpe de misericórdia no agonizante Império Mameluco. Albuquerque, porém, tinha uma visão mais completa do mundo e, em especial da Ásia, e imaginou um outro destino para a presença portuguesa naquelas paragens do Oriente.
Sob o pretexto de que os sobreviventes da armada egípcia, que fora derrotada por D. Francisco de Almeida, se tinham acantonado em Goa, o Terribil propôs ao Conselho que se atacasse a cidade, o que recolheu facilmente a anuência dos seus capitães. Goa foi ocupada uma primeira vez entre Fevereiro e Maio de 1510, mas a hoste lusa teve de retirar face ao poderoso contra-ataque das forças do sultão de Bijapur. No entanto, Albuquerque não desistiu e a 25 de Novembro de 1510 reentrou na cidade, que permaneceu nas mãos dos Portugueses durante 451 anos, até Dezembro de 1961. Os goeses foram, assim, a primeira população asiática a ficar sob a alçada da coroa portuguesa.
A incorporação desta cidade no senhorio d’el-rei de Portugal introduziu um novo paradigma de presença portuguesa pelo mundo; 95 anos depois de Ceuta, Afonso de Albuquerque abria novos horizontes geo-estratégicos e novas práticas de expansão ultramarina que consagravam as próprias mudanças que os Portugueses tinham provocado, mas que a coroa ainda não tinha incorporado na sua política imperial. Com efeito, a ocupação de Goa não se articulava com os planos mediterrânicos de D. Manuel I, e pode ser vista como o prenúncio da nova política que foi implementada por D. João III desde que subiu ao trono, em 1521. O facto de a corte portuguesa ter discutido durante quase vinte anos se se mantinha a posse de Goa, é bem exemplificativo da novidade que representou a sua conquista.
O Terribil entendeu que a concretização do sonho manuelino seria mais exequível se os Portugueses criassem bases sólidas na Ásia – que fizessem do Estado da Índia uma potência asiática, tanto do ponto vista económico como do humano. Embora fosse partidário dos sonhos cruzadísticos do rei, Afonso de Albuquerque conhecia bem o mundo asiático e compreendeu que o império não se podia resumir ao sonho de resgatar Jerusalém para a cristandade e de fazer fluir mercadorias exóticas para Lisboa. O Terribil entendeu que a concretização do sonho manuelino seria mais exequível se os Portugueses criassem bases sólidas na Ásia – que fizessem do Estado da Índia uma potência asiática, tanto do ponto vista económico como do humano. Assim, a escolha de Goa como alvo resultou da sua importância nos negócios inter-asiáticos e a conquista da cidade foi logo seguida pela aposta no desenvolvimento de uma sociedade luso-asiática, de matriz cristã, mas de sangue mestiço.
Goa era uma cidade estrategicamente importante no contexto indiano, pois estava na fronteira entre a Índia controlada pelos muçulmanos e o grande império hindu de Vijayanagar. Mudava frequentemente de mãos, e Albuquerque pôde contar com o apoio tácito do soberano hindu, pois este viu nos portugueses um aliado natural contra os islamitas. Além disso, Goa era um dos principais centros de venda de cavalos árabes e persas na Índia. A península do Decão estava em guerra quase permanente e a cavalaria era uma arma importante; no entanto, os cavalos não se reproduziam aí, pelo que os potentados indianos compravam estes animais incessantemente, e pagavam-nos em moedas de ouro. Os equídeos eram originários da Arábia e da Pérsia e eram encaminhados para a Índia a partir de Ormuz, porto que estava na mira da própria coroa por ser a porta de acesso ao Golfo Pérsico e uma outra via de circulação das especiarias em direcção ao Mediterrâneo Oriental.
A posse de Goa foi consolidada por Afonso de Albuquerque em 1515 quando submeteu Ormuz; a partir de então, o Estado da Índia controlava totalmente o comércio dos cavalos – foi o primeiro grande negócio asiático que os Portugueses controlaram e que não se relacionava nem com o trato das especiarias nem com o bloqueio ao Próximo Oriente. Pelo contrário, este trato permitia o fluxo da pimenta para o mundo islâmico, como moeda de troca pelos cavalos. Ou seja, ao penetrar nos negócios inter-asiáticos, dotando a Índia Portuguesa de uma auto-suficiência, contrariava-se a política cruzadística do rei.
A par da “asiatização” da economia do Estado da Índia, a conquista de Goa representa igualmente a criação de um novo modelo de sociedade com a promoção dos casamentos mistos. Há que dizer que, por esta altura, já haviam despontado sociedades mestiças nas ilhas de São Tomé e de Cabo Verde, mas nesse caso as uniões entre brancos e negras tinham ocorrido naturalmente e predominantemente sob a forma de concubinato. Algo de semelhante ocorria em plena escala nas fortalezas portuguesas do Estado da Índia, fosse em Sofala ou Quíloa, em África, fosse em Cananor, Cochim ou Coulão, na Índia. Tal como os muçulmanos faziam há séculos, os membros das guarnições lusas juntaram-se a mulheres de castas muito baixas, mas preferiram quase sempre a mancebia ao casamento.
Após a tomada de Goa, o Terribil promoveu o casamento dos seus homens com mulheres que tinha capturado, dando o primeiro passo para a formação de uma sociedade mestiça. Por meados do século XVI, os netos destas primeiras uniões eram tão portugueses quanto o seu avô, mas também eram indianos pela avó e pelos pais.
Em Goa foi diferente, pois logo na primeira conquista, o governador capturou uma série de mulheres muçulmanas e guardou-as. Após a tomada definitiva da cidade, promoveu o casamento dos seus homens com essas mulheres, dando assim o primeiro passo para a formação de uma sociedade mestiça. Por meados do século XVI, os netos destas primeiras uniões eram tão portugueses quanto o seu avô, mas também eram indianos pela avó e pelos pais, ele luso-asiático, ela também mestiça ou simplesmente asiática. País de pequena dimensão demográfica, Portugal nunca exportou as suas mulheres, salvo quando famílias inteiras seguiram em massa para o Brasil do ouro, no século XVIII.
Enquanto construía um império pluri-continental, a coroa lusa nunca deixou sair o seu potencial reprodutor, a não ser em porções minúsculas, como foi o caso de algumas mulheres que iam para o Brasil, ou das órfãs d’el-rei que foram alimentar uma elite branca em Goa, no século XVII. Ciente dessa limitação, Albuquerque compreendeu que o Estado da Índia só poderia dispor de meios humanos significativos se fosse capaz de os gerar na própria Ásia, em vez de estar dependente dos homens que chegavam anualmente nas armadas da Índia. Assim, a partir de 1510 a Índia Portuguesa passou a contar com os casados, esses luso-asiáticos, com algum sangue português nas veias, e com uma cultura cristã, mas que tinham uma feição oriental (que facilitava a sua circulação pelos portos da Ásia), que eram pelo menos bilingues desde o nascimento, e que estavam familiarizados com a cultura dos seus antepassados pela via materna.
No ano seguinte de 1511, Albuquerque conquistou Malaca, através de uma operação militar arrojada. Nunca antes na História uma força expedicionária actuara de forma tão desapoiada, tão longe das suas bases mais próximas, e sem esperança de reforços e sem poder sequer recuar para o ponto de partida durante meses. D. Manuel I sempre se interessara por Malaca, sobretudo enquanto não se confirmou a inteireza da América e se receou que os castelhanos ou outros europeus pudessem alcançar a Ásia pela via do Ocidente. Ou seja, o interesse do monarca por Malaca relacionava-se sobretudo com as rivalidades europeias, embora já começasse a ganhar interesse pela China quando enviou uma expedição directamente à Malásia, em 1508.
Afonso de Albuquerque, porém, encarou a conquista de Malaca pela mesma perspectiva com que gizara a incorporação de Goa no Estado da Índia – o comércio inter-asiático e a promoção de uma sociedade mestiça. Malaca, que começara por ser vista como uma barricada para conter o acesso dos rivais europeus à Ásia (tarefa que, afinal, foi desempenhada pelo próprio continente americano) acabou por se transformar numa placa giratória que articulava as redes mercantis do Índico Ocidental, do Golfo de Bengala, da Insulíndia e do Mar da China; um empório extraordinário por onde passou grande parte da riqueza que alimentou os cofres do Estado da Índia, e onde cresceu outra comunidade luso-asiática que depois se estendeu a Macau.
Depois de Malaca, Albuquerque neutralizou o contra-ataque muçulmano a Goa, em 1512, e em 1513 atacou, finalmente o Mar Vermelho, mas foi mal sucedido, o que frustrou o rei e levou-o a não reconduzir o governador para um terceiro mandato. Indiferente à intriga política que urdia contra si no reino, o Terribil prosseguiu a sua política de “asiatização” do Estado da Índia e submeteu Ormuz, em 1515, morrendo em Dezembro desse ano.
Moribundo, ainda soube que o rei nomeara Lopo Soares de Albergaria para o substituir como governador da Índia, mas não soube decerto que a sua política de inserção de Portugal na Ásia começara a ganhar força no ânimo do próprio D. Manuel I. Com efeito, nesse ano de 1515, junto com a armada de Lopo Soares, partiu para a Índia uma esquadra com a missão de levar o primeiro embaixador português à China, o que se concretizaria dois anos mais tarde, quando Fernão Peres de Andrade desembarcou em Cantão a embaixada chefiada por Tomé Pires.
O império manuelino foi sempre uma entidade vocacionada para a hegemonia marítima, pois mesmo Goa e Malaca, os primeiros focos de uma sociedade ultramarina de casados mestiçados, eram meros enclaves em território hostil. No entanto, absorveu o paradigma de mudança desencadeado por Afonso de Albuquerque.
Esta decisão do monarca de iniciar uma aproximação diplomática à China inseria-se, sem dúvida, na mesma lógica que levara Albuquerque a conquistar Goa e Malaca e a submeter Ormuz. Nos anos seguintes, D. Manuel I tentou que os Portugueses passassem a ser os principais fornecedores de especiarias ao Império Chinês, o que não se relacionava, obviamente, com o seu (persistente) sonho de Cruzada à Terra Santa. O império manuelino foi sempre uma entidade vocacionada exclusivamente para a hegemonia marítima, pois mesmo Goa e Malaca, os primeiros focos de uma sociedade ultramarina de casados mestiçados, eram meros enclaves em território hostil. No entanto, absorveu o paradigma de mudança desencadeado por Afonso de Albuquerque, e o Estado da Índia foi uma entidade economicamente rentável enquanto os três pilares dominados pelo Terribil continuaram na posse da coroa portuguesa.
(continua)
João Paulo Oliveira e Costa
Historiador, Catedrático da FCSH da Universidade Nova de Lisboa
Há 600 anos, Ceuta. Há 500, Afonso de Albuquerque. Do Mediterrâneo para o Mundo
Comerciar, não colonizar
Ao contrário do que a tradição fez crer, D. Afonso V foi um rei atento ao progresso dos Descobrimentos e que controlou as viagens de exploração desde a morte do infante D. Henrique. A sua política ultramarina foi consagrada pelo Tratado das Alcáçovas-Toledo (1479-1480), pelo qual Castela lhe reconhecia o senhorio do mar a troco da posse das Canárias. Nos anos 80 do século XV, Portugal continuou a dominar o Atlântico, e D. João II (r. 1481-1495) obteve a passagem para o Índico com a viagem de Bartolomeu Dias (1487-1488). O monarca tinha como objectivo a descoberta do caminho marítimo para a Índia, mas quando estava em condições de enviar uma armada ao Oriente, Cristóvão Colombo embaraçou os seus planos, ao trazer de volta Castela para o Atlântico. Figura controversa e enigmática, Colombo julgava que era mais fácil chegar à Ásia pela via do Ocidente e conseguiu convencer a rainha de Castela a apoiar as suas ideias.
As teses que defendem que Colombo estaria ao serviço do Príncipe Perfeito não fazem sentido: Colombo foi um empecilho para D. João II e obrigou-o a abdicar da sua política de mare nostrum e a partilhar o oceano e o mundo com os castelhanos, o que foi resolvido pelo Tratado de Tordesilhas.
A viagem de 1492 pôs finalmente o homem europeu em contacto permanente com um Novo Mundo e o Atlântico começou a ganhar uma nova margem, ao mesmo tempo que libertava Castela da hegemonia aragonesa e dos seus interesses mediterrânicos. Sem o saber e sem o perceber, Colombo (fosse ele quem fosse) alterou duplamente o sentido da História, pois projectou a Europa para a América ao mesmo tempo que alterava decisivamente o jogo de forças entre Castela e Aragão a favor da primeira, abrindo caminho de vez para uma Espanha de predominância castelhana. Nada disto era desejado por D. João II pelo que as teses que defendem que Colombo estaria ao serviço do Príncipe Perfeito não fazem sentido (ainda que seja muito possível que o almirante fosse português); Colombo foi um empecilho para o rei de Portugal e obrigou-o mesmo a abdicar da sua política de mare nostrum e a partilhar o oceano e o mundo com os castelhanos, o que foi resolvido pelo Tratado de Tordesilhas, em 1494.
As descobertas castelhanas a Ocidente não demoveram o rei D. João II do seu objectivo e o seu sucessor, D. Manuel I (r. 1495-1521) completou o plano joanino e enviou os seus homens para os mares do Oriente. Entre 1498 e 1509 os Portugueses lograram intrometer-se no comércio euro-asiático das especiarias e abriram uma nova rota intercontinental que ligava Cochim, na Índia, a Lisboa.
Depois da viagem pioneira de Vasco da Gama (1497-1499) e da expedição de Pedro Álvares Cabral (1500-1501) que assegurou o controlo das terras no sudoeste do Atlântico, o rei enviou armadas todos os anos, tendo começado por garantir uma aliança firme com um potentado indiano, que foi o rei de Cochim, que se tornou no principal fornecedor de especiarias, ao mesmo tempo que ensaiava o ataque ao Mar Vermelho a fim de impedir o acesso de especiarias ao Cairo e a Alexandria, o que beneficiaria os negócios de Lisboa, mas também contribuiria para a asfixia do sultanato dos Mamelucos, a potência islâmica que controlava o Próximo Oriente, incluindo as cidades santas de Meca, Medina e Jerusalém. O monarca luso sonhava com a Cruzada à Terra Santa e logrou, de facto, enfraquecer os Mamelucos, mas a cristandade estava demasiado dividida e ameaçada pelos Turcos para ter condições de organizar um novo ataque à Terra Santa.
Quer as fortalezas na Guiné quer as no Índico não correspondiam a conquistas militares, e muito menos a centros coloniais; eram simplesmente um conjunto de guarnições fortificadas destinadas a proteger o trato oceânico. Os Portugueses negociavam nas praias de África, sem se aventurarem para o interior.
Entretanto, os negócios da Índia foram-se tornando mais complexos e D. Manuel I decidiu criar um comando permanente no Oriente e fez de D. Francisco de Almeida o 1º vice-rei da Índia, em 1505. D. Francisco governou durante quatro anos e nesses anos assegurou o domínio do Índico Ocidental, tendo criado as rotas necessárias para alimentar o trato das especiarias com ouro da África Oriental, e tendo eliminado a armada enviada pelo sultão do Cairo, na batalha naval de Diu, em Fevereiro de 1509.
Nesta altura, a coroa lusa dominava os quatro arquipélagos atlânticos, uma rede de fortalezas em Marrocos, mais duas na costa ocidental africana (Arguim e São Jorge da Mina) e uma pequena rede castelos no Índico Ocidental, desde Sofala até Coulão. No entanto, quer as fortalezas na Guiné quer as no Índico não correspondiam a conquistas militares dos Portugueses, e muito menos a centros coloniais; eram simplesmente um conjunto de guarnições fortificadas destinadas a proteger o trato oceânico. Os Portugueses negociavam nas praias de África, sem se aventurarem para o interior, e recolhiam o pau-brasil à vista do mar, com a colaboração dos indígenas. As fortalezas de Arguim e de São Jorge da Mina existiam apenas porque as populações locais deixavam e serviam somente para proteger as feitorias do ouro de possíveis ataques de outros europeus.
Desde 1500, os portugueses lutavam persistentemente nos mares da Ásia e tinham acumulado um grande número de vitórias, mas nunca tinham realizado conquistas territoriais, salvo o caso excepcional e momentâneo da ilha de Socotorá (1506-1510). Nos primeiros cem anos de expansionismo, os Portugueses criaram um império marítimo, que tocava quatro continentes, mas que estava vocacionado para o controlo de circuitos mercantis e dos seus portos e que instalava as suas guarnições em territórios de reis aliados ou submetidos. Embora já decorresse uma tentativa de cristianização do reino do Congo, cujo soberano aceitara o baptismo, até então a coroa portuguesa não tinha desenvolvido nem uma política colonial nem sequer uma política de conquista. Mesmo em Marrocos, os Portugueses só controlavam, de facto, o interior dos seus espaços amuralhados onde viviam quase só cristãos, nunca tendo despontado aí qualquer tipo de sociedade multicultural. Tudo se alterou nos anos seguintes depois de Afonso de Albuquerque assumir o governo da Índia, no final de 1509.
(continua)
João Paulo Oliveira e Costa
Historiador, Catedrático da FCSH da Universidade Nova de Lisboa
Há 600 anos, Ceuta. Há 500, Afonso de Albuquerque. Do Mediterrâneo para o Mundo
Depois de Ceuta, espreitar o desconhecido
O senhorio de Ceuta beneficiou muito a navegação cristã de longo curso, até porque nesta época o reino de Granada ainda dominava Gibraltar. A crise de 1437, provocada pelo fracasso da expedição do infante D. Henrique e o cativeiro do infante D. Fernando revelou de forma clara a importância da cidade africana como porto de mar. Como é sabido, a hoste portuguesa foi cercada pelos mouros à vista de Tânger e só pôde regressar aos navios com a promessa de que Ceuta seria devolvida ao reino de Fez, tendo o infante D. Fernando ficado por refém até que o acordo se concretizasse. A maior parte das forças sócio-políticas do reino manifestaram-se contra a entrega da cidade, assim como os principais agentes económicos, nomeadamente os grandes mercadores de Lisboa e do Porto. Além disso, as outras potências do Mediterrâneo Ocidental também tentaram evitar que os Portugueses largassem Ceuta.
Com a ocupação de Ceuta, a navegação portuguesa aumentou de intensidade e a circulação pelas águas a sul do reino tornou-se mais frequente, e as ilhas ganharam um novo interesse, tanto para a coroa como para os seus súbditos. Depois de concretizar a sua dimensão mediterrânica, Portugal começou a completar a sua dimensão atlântica.
Em 1441, D. Pedro, então regente da coroa, enviou uma armada para tratar da entrega da cidade e do resgate do irmão, mas os navios foram atacados por uma armada genovesa, que só se afastou depois do embaixador português ter perecido em combate. D. Pedro chegara à regência com o apoio da cidade de Lisboa, e depois deste incidente não voltou a tentar trocar Ceuta por D. Fernando, e Portugal nunca mais guerreou com Génova, tal como nunca o fizera antes. Portugal só conquistou uma segunda posição marroquina em 1458, quarenta e três anos depois da expedição de Ceuta, mas esta cidade não era uma peça perdida numa conquista interrompida, mas antes a escápula que muito beneficiava toda a navegação cristã.
Com a ocupação de Ceuta, a navegação portuguesa aumentou de intensidade e a circulação pelas águas a sul do reino tornou-se mais frequente, e as ilhas ganharam um novo interesse, tanto para a coroa como para os seus súbditos. Assim, depois de concretizar a sua dimensão mediterrânica, Portugal completou a sua dimensão atlântica ao iniciar o povoamento das ilhas da Madeira e do Porto Santo. E enquanto as ilhas começavam a ser incorporadas nos domínios d’el-rei, o infante D. Henrique já espreitava o desconhecido.
É esta, em meu entender, a importância da conquista de Ceuta – um momento chave que fecha e abre simultaneamente diferentes dinâmicas da História de Portugal. O país ficou mais definido e, a seguir, projectou-se para o mundo.
A passagem do Bojador em 1434 foi um feito singular, pois marca uma mudança estrutural da história da própria Humanidade. Como referi, até então o Atlântico, além de ser desconhecido na sua configuração, era uma imensa superfície aquática deserta de navios – era, de facto, a última barreira que impedia o Homem de circular pelo planeta; cem anos depois este mesmo oceano seria o eixo que permitia que o Homem circulasse por todo o planeta. 1434 assinala, assim, o inicio de uma Revolução Geográfica – um rasgar de horizontes que proporcionou a capacidade de compreender finalmente a verdadeira dimensão e configuração do mundo.
O que distingue a viagem de Gil Eanes é que foi esta, de uma só vez, que venceu o Medo e o mito do Mar Tenebroso; as lendas não desapareceram de imediato, certos receios sobreviveram, mas nunca mais um objectivo geográfico foi evitado porque os exploradores tinham medo de não poder voltar. Sintomaticamente, no texto da Crónica de Guiné, que relata as primeiras viagens, surge amiúde a palavra “nunca” como testemunho da consciência do cronista de que os feitos narrados assinalavam uma ruptura, uma mudança extraordinária.
Vencido o Bojador, Portugal afirmou-se de vez como uma potência marítima. Os descobrimentos henriquinos foram assimilados pela coroa em 1443 quando o rei de Portugal se afirmou como senhor dos mares. A carta assinada pelo infante D. Pedro, como regente, é uma das peças mais extraordinárias da diplomacia portuguesa. D. Henrique ordenara as viagens para sul, no âmbito de uma empresa privada, mas agora os negócios da Guiné começavam a ser lucrativos e a despertar o interesse de outros privados, portugueses ou estrangeiros.
O infante queria manter o exclusivo da exploração e do comércio da Guiné, mas faltava-lhe autoridade de estado para poder reclamar legalmente qualquer tipo de monopólio. Foi decerto fácil o entendimento com o irmão regente, e este concedeu, em nome do rei, o exclusivo da navegação a sul do Bojador a D. Henrique, a título vitalício. Ao conceder este monopólio, a um dos seus súbditos, a coroa estava, afinal, a proclamar a posse do mar oceano, o que levou as caravelas henriquinas a atacar todos os que desafiaram esta doação, mesmo que fossem estrangeiros. Quer isto dizer que, depois de ter obtido um estabelecimento na boca do Mediterrâneo e de ter ocupado as ilhas mais próximas do seu território peninsular, Portugal olhava para o Atlântico como um mare nostrum, o que foi, aliás, reconhecido pela própria cristandade, desde que o papa Nicolau V assinou a bula romanus pontifex, a 8 de Janeiro de 1455, que confirmava os termos da carta de 1443.
(continua)
João Paulo Oliveira e Costa
Historiador, Catedrático da FCSH da Universidade Nova de Lisboa
Há 600 anos, Ceuta. Há 500, Afonso de Albuquerque. Do Mediterrâneo para o Mundo
Sair dos limites da mais antiga fronteira do mundo
A celebração do Tratado de Alcanizes, em 1297, definiu de vez a fronteira luso-castelhana (que hoje é a mais antiga do mundo) e embora sobreviessem novas guerras com Castela, a configuração do território luso nunca esteve verdadeiramente em questão – foi a própria existência de Portugal que esteve em risco, principalmente no final da centúria. No entanto, a definição do rectângulo peninsular não sossegou a monarquia, pois pressentia-se que o país não estava ainda completado. Nestes anos de Trezentos, a ilha da Madeira começou a ser visitada regularmente e passou a ser correctamente localizada pelos cartógrafos europeus, mas no reinado dionisiano, as ilhas ainda não despertaram o interesse da coroa, pelo menos de forma visível.
No entanto, as pulsões expansionistas já se faziam sentir e o final do reinado de D. Dinis é marcado por uma série de decisões que potenciavam a intervenção dos Portugueses nos mares: ao criar a Ordem de Cristo para substituir a do Templo em Portugal, o rei estabeleceu a sua sede em Castro Marim, precisamente a localidade lusa mais próxima das terras dos mouros; além disso criou o almirantado e organizou uma esquadra de guerra permanente, e ainda obteve do papa uma bula de cruzada que lhe atribuía rendas eclesiásticas para organizar ataques de flagelação à costa africana. O monarca não manifestava um claro propósito de conquista ultramarina, mas dotava o reino de meios militares e de uma estratégia que reforçavam o papel de Portugal como potência marítima, e colocava os territórios muçulmanos na mira das armas lusas.
Afonso IV começou por enfrentar a última grande ameaça islâmica que ele próprio ajudou a travar na batalha do Salado, e a seguir o monarca definiu, como referi no início destas linhas, o que seriam, afinal, os grandes rumos da expansão ultramarina portuguesa. Perante o colosso castelhano, a obtenção de mais territórios e de mais riquezas teria que ser sempre pelo mar, e nunca poderia existir expansão marítima sem o domínio das ilhas adjacentes. Quer isto dizer que em meados de Trezentos, a coroa já estava consciente de que a posse dos espaços insulares vizinhos era fundamental para poder afirmar a sua dimensão marítima.
O facto de o reino ver reconhecido pela Santa Sé o direito de conquistar o reino de Fez mostra-nos que continuava a estender a sua fronteira estratégica até ao Estreito de Gibraltar. Portugal participava, assim, da geo-estratégia mediterrânica, apesar de ser banhado apenas pelas águas do Atlântico, o que definia já uma outra característica que se prolongou até aos nossos dias, pois ainda hoje o nosso país é membro de organizações internacionais de países mediterrânicos, apesar de continuar a não ter uma fronteira física com aquele mar. A expedição ao Estreito de Gibraltar, em 1415, acto fundador da Expansão Portuguesa, foi, pois, a realização de um objectivo previsto pela coroa lusa desde os tempos da sua fundação, e por isso, pode ser vista também como a conclusão de um processo secular.
As atenções de D. Afonso IV também estavam focadas para a fronteira marítima do Norte e foi durante o seu reinado que se iniciou uma mudança nas relações estratégicas com o Canal da Mancha. Enquanto a França consolidava a aliança com Castela, Portugal iniciava uma aproximação à Inglaterra, que esta também desejava. Chegou a negociar-se um consórcio entre as famílias reais dos dois reinos, mas embora este não se concretizasse, as duas monarquias continuaram a aproximar-se – dois reinos de vocação marítima viam com interesse a ajuda mútua face aos vizinhos. E o primeiro tratado anglo-luso tardou pouco, pois foi assinado dezasseis anos depois da morte de D. Afonso IV.
Ao longo do século XIV, Portugal ganhou o reconhecimento europeu da sua condição de potência marítima, naturalmente aliada à Inglaterra e detentora do senhorio dos espaços insulares existentes no mar alto.
A peste negra e os múltiplos conflitos europeus perturbaram de sobremaneira a Cristandade na segunda metade do século XIV e Portugal foi ainda afectado pela crise castelhana que sobreveio com a tomada do poder pelos Trastâmaras, em 1369, e o envolvimento de Castela em conflitos com a Inglaterra. Sucederam-se as guerras e o reino de Portugal esteve à beira do colapso, após as campanhas fernandinas, mas mesmo nesse contexto de crise, os reis não descuraram a dimensão marítima da monarquia, pois continuaram a proclamar os seus direitos sobre as ilhas Canárias, em concorrência com Castela, e continuaram a obter bulas de Cruzada contra o reino de Fez.
Este esforço diplomático não foi em vão, pois muito contribuiu decerto para que D. João I tivesse ocupado Ceuta e a ilha da Madeira sem que nenhuma outra monarquia reclamasse, nem sequer Castela. Pelo contrário, a vitória de Ceuta foi festejada por toda a cristandade e Portugal ganhou maior reconhecimento pelo facto de ter uma nova frente de luta permanente contra os islamitas; o caso da Madeira foi visto por todos com naturalidade, ou mesmo indiferença e o mesmo se passou depois, quando se iniciou o povoamento dos Açores.
Quer isto dizer que, ao longo do século XIV, Portugal ganhou o reconhecimento europeu da sua condição de potência marítima, naturalmente aliada à Inglaterra e detentora do senhorio dos espaços insulares existentes no mar alto. Somente as Canárias, mais próximas da costa africana continuaram a ser disputadas com Castela, até que D. Afonso V (r. 1438-1481) cedeu a sua conquista aos castelhanos, quando o arquipélago já não era necessário e quando a coroa lusa dominava todo o Atlântico.
Por tudo isto, a expedição de Ceuta foi muito mais que um acto inaugural – em 1415 Portugal completava mais de dois séculos e meio de História, antes de se projectar para a aventura oceânica, que começaria dezanove anos mais tarde, fruto da pertinácia do infante D. Henrique e da coragem de Gil Eanes e os seus homens. Com a ocupação de Ceuta, D. João I completava igualmente o posicionamento geo-estratégico do seu reino. De facto, o monarca tinha consolidado a fronteira setentrional através da aliança com a Inglaterra, e agora estendia os domínios de Portugal até à sua fronteira natural, o Estreito de Gibraltar.
Ofuscada pelo brilho do processo expansionista, a historiografia tem visto o caso de Ceuta, como referi, sobretudo, como um acto fundacional e, por isso, relaciona a expedição com o sonho da coroa lusa de conquistar o reino de Fez. Embora esse desejo existisse indubitavelmente, tendo sido acarinhado por diversos monarcas portugueses, a verdade é que o feito de Ceuta não se esgota nesse espreitar do sertão marroquino. O cronista Gomes Eanes de Zurara deixou-nos uma expressão lapidar: “Ceuta é a chave do Mediterrâneo”; trata-se, em meu entender, de uma referência clara à verdadeira importância da cidade africana no contexto da estratégia lusa do início de Quatrocentos.
Com efeito, a ocupação de Ceuta tem de ser vista também como o reforço da presença portuguesa no comércio entre o Mediterrâneo e o Atlântico Norte, que começara a ganhar relevo uns 130 anos antes, quando Lisboa se tornara num porto de escala fundamental nas relações comerciais Norte/Sul da Cristandade. Assim, no primeiro avanço para lá dos seus limites continentais, Portugal afirmou-se como uma potência marítima no quadro tradicional do mundo euro-mediterrânico.
(continua)
João Paulo Oliveira e Costa
Historiador, Catedrático da FCSH da Universidade Nova de Lisboa