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A bem da Nação

A GRÉCIA E NÓS

 

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A vida será dura para os gregos, o que não é indiferente às pessoas de boa vontade. Mas temos de pensar na nossa casa e os políticos — da actual ou duma futura maioria — devem ter cuidado com a palavra.

 

A discussão sobre se somos iguais aos gregos é pouco interessante; a querela de quem tem razão, se o resto da Europa se a Grécia, já passou. Agora é apenas saber os que nos poderá acontecer. A nós portugueses, hoje, e ao projecto europeu a médio prazo. O que poderá acontecer ao projecto europeu, pode ficar para outro dia. Agora a casa do vizinho está a arder.

 

Antes de prosseguir devo salientar que sou, desde a primeira hora, um crítico do MoU que assinámos com a troika. Não tínhamos alternativa mas havia aspectos técnicos graves nas políticas negociadas. E havia que reconhecer que, dois anos passados, a taxa de desemprego estar em mais do triplo da chamada taxa natural de desemprego era a prova provada de que alguma coisa de muito errado havia com as políticas e com a política. O caso grego, que eu conheço menos bem, não fugiu à regra.

 

O que nos pode acontecer hoje, segunda-feira? Directamente, nada acontece; indirectamente veremos…

 

Se os gregos entrarem em incumprimento, vulgo bancarrota, e está quase lá, nada acontece de materialmente significativo no resto da Europa. A dívida grega está nas mãos das “instituições” ou de bancos gregos, pelo que não há outros bancos em perigo. Poderá haver ainda algum CDS (seguro de crédito) por aí perdido mas não deve ser significativo, caso contrário saberíamos há muito dessa possibilidade. Não será assim para os que vivem na Grécia e essa história será bem triste como já se está a perceber. Não sei se o Syriza tinha mandato eleitoral para fechar os bancos e introduzir controlos de capitais mas aí estão e para ficar. Para o resto da zona euro e para o resto do mundo directamente nada acontece.

 

Indirectamente, muita coisa pode ainda vir aí, e tudo pode ser bem diferente. O tal plano B — no caso de não acordo com as autoridades gregas — não o conheço mas deveria ser acompanhado de fortes intervenções verbais das autoridades europeias, de Merkel e Hollande (e por que não de Cameron, ficava-lhe bem) e, acima de tudo do BCE. No curtíssimo prazo — hoje, amanhã, depois…— tudo pode depender de Draghi e do BCE. E quanto mais forte e atempada for a intervenção verbal daquele, menos terá o BCE de gastar no dia seguinte nalguma intervenção de mercado.

 

O chamado efeito de contágio vai certamente afectar os nossos credores e as taxas no mercado secundário vão subir. O mesmo se passará em relação a Espanha ou a Itália. Tal já se viu, há umas semanas atrás, e foi parcialmente desaparecendo, mas agora podemos ter uma escalada nas taxas se não surgir algum apoio europeu. O facto de o Tesouro português não necessitar de se financiar até, pelo menos, ao final do ano são excelentes notícias. Dá-nos tempo e ter tempo é agora precioso.

 

Há um outro tipo de contágio que dificilmente poderá ser completamente contrariado. Também não é certo que possa existir de forma significativa mas a ver vamos. A economia portuguesa estava a ter um bom desempenho (não excelente mas melhor do que antecipado por muitos, incluindo o Governo). O crescimento para este ano estaria mais próximo dos 2% que da previsão do Governo de 1,5%, o investimento estrangeiro tem estado em alta e o investimento nacional sem dúvida a retomar. Podemos somar a tudo isto os bons sinais de subida — não esperada — da inflação a fazer-nos crer que a deflação nacional era história. E, depois de uma pausa, o desemprego estava necessariamente a baixar. Nada de brilhante mas os bons sinais eram consistentes por toda a economia portuguesa.

 

Qual o impacto da crise grega nos investidores internacionais e nacionais em Portugal? Ninguém sabe se esse efeito de contágio vai ser significativo e só o saberemos com o tempo. A privatização no Novo Banco pode dar um sinal claro desse contágio ou não.

 

Agora a vida vai ser dura para os gregos e qualquer pessoa de boa vontade deve pensar nisso. Mas também temos de pensar na nossa casa. É bom que os políticos — da actual maioria ou de uma futura maioria — tenham cuidado com a palavra. Ela não pode faltar, mas tem de ser clara e não deixar dúvidas quanto à posição do nosso País face às suas dificuldades do passado recente, do presente e do futuro próximo. Uma palavra errada pode custar caro a todos nós, a cada português: mais impostos, juros mais altos e desemprego mais agravado.

 

29/6/2015

 Luís Campos e Cunha

O ACORDO ORTOGRÁFICO DE 1990 – 1

 

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Qualquer crítica – e qualquer defesa – que se baseie sobretudo em chamar nomes aos defensores e aos críticos, não é crítica nem defesa: é mero desabafo, auto- regozijo pela certeza que transborda da alma de cada um. Não vale nada.

 

Por isso não me atrevo a ser contra a adopção do Acordo Ortográfico de 1990 sem

apresentar as razões em que me baseio.

 

Os argumentos que se seguem são de ordem operatória, fonológica, morfológica, de linguística histórica, sociológica, diplomática, económica e de preservação histórica.

 

Há mais, porém fico por aqui.

 

  1. Argumento da pouca eficácia

 

Segundo um estudo de Maria Regina Rocha, o AO90, em vez de diminuir o número de palavras que se escreviam diferentemente em Portugal e no Brasil, aumentou‐o consideravelmente: 2.691 palavras que se escreviam de modo diferente, mantiveram-se diferentes; 1.235 palavras que eram iguais tornaram-se diferentes; apenas 569 que eram diferentes se tornaram iguais; 200 palavras mudaram apenas em Portugal, dando origem a soluções aberrantes como aceção, conceção, confeção, contraceção, deceção, impercetível... enquanto no Brasil se continua a

escrever acepção, concepção, confecção, contracepção, decepção, imperceptível....

(Jornal Público,

19.01.2013.)

 

Retomado em

 

https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/artigos/categorias/acordo/a-falsa-unidade-ortografica/2772

 

(continua)

Manuela Barros Ferreira, Mértola.jpg

Manuela Barros Ferreira

Campo Arqueológico de Mértola

O PAPA SEM FILTRO

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PAPA DA POBREZA DA ECOLOGIA E DA MISERICÓRDIA

 

Tema “Família” no 2° Sínodo dos Bispos em Outubro

 

No Vaticano sopra um vento sul forte, um vento oceânico de fora da Europa que, ao suflar nas batinas da Cúria romana, habituadas à brisa mediterrânica, causa perplexidade. Francisco I, no seu discurso de 22 de Dezembro diagnosticou 15 doenças em pessoal da Cúria e em muita outra gente acomodada que não se controla: “Alzheimer espiritual”, “terrorismo das conversas”, críticas aos “fariseus”, são palavras não diplomáticas que abanam muitas árvores da cúria chegando a atingir até as raízes de alguns “cedros do Líbano”.

 

No Vaticano, como na política há posições controversas, uns mostram-se mais comprometidos com a doutrina, outros com a praxis, como é natural numa tradição de dialéctica frutífera entre doutores e pastores. A um Papa teólogo segue-se um Papa pastor. É profético e quase de obrigação programática o facto de a História ter reunido dois Papas ao mesmo tempo sob o mesmo tecto romano, como que a avisarem: a praxis é a flor da doutrina; a pastoral não se deve dissociar da doutrina embora aquela deva constituir um desafio a esta. Um grupo conservador receia que Francisco I mude a doutrina quando ele apenas quer pôr a pastoral na ordem do dia. Aguentar a tensão é o que a Igreja católica sempre conseguiu tornando-se assim em modelo institucional para a humanidade.

 

De facto, a Igreja encontra-se em diferentes contextos; foi a primeira instituição global quando os países nasciam e lutavam ou lutam ainda pela sua identidade regional; como tal, a Igreja tem diferentes rostos segundo os continentes e as culturas subjacentes, o que poderá originar diferentes práticas pastorais.

 

Francisco I também manifesta compreensão para com os gays de boa vontade que “não se devem condenar, mas pelo contrário ser integrados na sociedade”. As suas expressões espontâneas e palestras livres na missa matinal tornam-se motivo de observações teologais por parte de alguns prelados.

 

O Papa pretende a reevangelização do mundo. Até os seus críticos reconhecem nele grandes qualidades incontestáveis. Ele sabe olhar as pessoas nos olhos. Ao escolher a Casa Santa Marta (a casa de hóspedes do Vaticano) para residência preferiu o contacto directo com a realidade universal. O Papa revela-se à altura dos tempos e tem sido muito oportuno em iniciativas para as religiões no sentido de serem fiéis à sua tarefa primordial e dando também impulsos muito concretos para a política internacional: genocídio dos arménios, impedimento dos ataques dos americanos e do ocidente contra a Síria, relações diplomáticas entre Cuba e USA, apela para “não desprezar a Rússia”, e tem conseguido transparência na banca vaticana etc.

 

Ano Santo da Misericórdia

 

Em Abril, anunciou um ano santo extraordinário, o Ano Santo da Misericórdia que vai de 8 de Dezembro de 2015 até 20 de Novembro 2016. O bem da igreja e das almas é prioritário.

 

Uma igreja precisa de mística, doutrina e pastoral. As reformas na moral e na pastoral são precisas tendo muito em conta as assimetrias culturais e sociais das diferentes sociedades. A revelação divina acontece na Bíblia, na Igreja, na Comunidade e na História que vai sempre mostrando novas facetas da realidade global que é Jesus Cristo.

 

O Pontífice é servidor e não senhor da verdade, por isso não pode mudar a doutrina/dogmas, pode criar prioridades na forma de tratamento pastoral. Por isso, na sua bula sobre o ano da misericórdia acentua: a ”misericórdia é o caminho que une Deus e o Homem”. Misericórdia para quem merece uma pena é uma questão que na visão secular parece contraditória…

 

Bento XVI era um teólogo, Francisco é um pastor, a teologia permanece na tensão entre doutrina e interpretação e a pastoral segue as circunstâncias dos tempos e das idades. O que se faz e o que se crê não são a mesma coisa, a fé permanece embora a prática seja mais importante. A verdade é processo e o Papa tem a função de encaminhar as diferentes forças em direcção a ela. Francisco I esforça-se no sentido de tornar o espírito de Jesus mais visível e mais experimentável. Sabe que não é seu papel adaptar a Igreja ao gosto do tempo mas que a partir dele se torne experimentável o espírito de Deus. Esta será a sua tentativa.

 

Há pessoas que se sentem sempre indignadas com o que o papa diz. A indignação nem sempre é sinal de empenho e responsabilidade; hoje é, muitas vezes, uma forma fácil de se destacar e ser notado. Destacar-se perante alguém conhecido ajuda o “santo” ego.

 

Alguns radicais e eternos insatisfeitos que procuram aproveitar-se do bem e do mal para danificar a Igreja apelam à venda de igrejas e obras religiosas para com esse dinheiro se ajudar os pobres. Esta medida encheria o estômago de alguns pobres por algum tempo mas o problema continuaria. “Pobres sempre os tereis…” (Jo. 12,1-9. A igreja oferece não só pão mas também cultura, arte onde as pessoas encontram paz, conforto e meditação (Não só de pão vive o Homem!). Imagine-se a presença e o contributo contínuo da Igreja para o património cultural dos povos. (Uma instituição sem memória não comporta o futuro). Nas igrejas podem reunir-se os pobres e os que sofrem do frio da sociedade; a Igreja é também o seu porta-voz. Os templos e as obras religiosas são também elas as mãos da natureza, de cidades e aldeias e do povo crente a apontar para a transcendência, a apelar para a verticalidade num mundo cada vez mais horizontal e massa inerte. A expressão espontânea brota do coração e transmite o calor do amor, a expressão da inteligência reflectida espalha a luz do amor. O amor guarda espaço para a pobreza consciente e interior que se preocupa com o bem estar material e espiritual da humanidade. A pobreza espiritual é a maior causa da pobreza material. Precisa-se de uma rede de pessoas de boa vontade. O Pontífice trabalha no sentido de uma utopia que quer um mundo melhor, ao contrário das ideologias que prometem um mundo perfeito. Fronteiras e limites devem ser mantidos apenas como as membranas que ligam os órgãos do mesmo corpo.

 

2° Sínodo em Roma

 

Em Outubro deste ano realizar-se-á o 2° sínodo em Roma. Prevê-se uma forte luta entre a defesa da tradição da doutrina da Igreja sobre a família e os que seguem o coração das pessoas que aceitam que divorciados que se encontrem na situação de segundo casamento civil possam frequentar os sacramentos. Aqueles argumentam que a Igreja não deve submeter-se aos caprichos do mundo. Entre eles, o cardeal Raymond Burke e vários cardeais africanos e da Europa de leste e da Itália receiam que Francisco mude a praxis da doutrina do matrimónio. Sem ser necessário mudar o dogma chegar-se-á a um consenso entre teóricos e pragmáticos. A doutrina fica a mesma, tal como acontece nos Estados em parte com a Constituição mas que se usa das leis para adaptar a constituição à situação concreta. Assim se responderia à necessidade da dogmática (lei fundamental) e de uma pastoral (aplicação da mesma no concreto).

 

De facto o matrimónio dá-se muitas vezes numa situação de conhecimento e consciência diferente daquela que a realidade depois vem a mostrar; chega a haver casamento mas sem sacramento, apesar da liturgia realizada. Há doenças que um dos parceiros pode trazer consigo que não permitem uma verdadeira relação a nível interior e exterior. Para isso o recurso à anulação do casamento, por falta das condições iniciais necessárias, deveria torna-se num instrumento mais normal. Muitas pessoas trazem nelas doenças psicóticas (ou maldades) escondidas que só o convívio do dia-a-dia vem revelar e podem impedir o desenvolvimento espiritual e levar ao sofrimento dos parceiros a vida inteira.

 

Violência doméstica pode ser motivo para separação

 

O Papa Francisco tem compreensão para a separação no casamento em determinadas circunstâncias. “Certamente também há casos em que a separação de consortes se torna inevitável. Às vezes é até moralmente necessária”. Quando disse isto referia-se especialmente aos casos de violência doméstica, opressão do parceiro mais fraco ou de crianças pequenas.

 

Certamente um assunto muito complicado mas o “Casamento” não pode ser argumento de justificação de arrastamento de casos de violência repetida ou de impedimento de desenvolvimento individual e comunitário. No caso de matrimónios católicos há um instrumentário muito adequado que deveria ser mais utilizado e que constitui no recurso ao pedido de anulamento do matrimónio. Os episcopados deveriam ser mais receptivos e rápidos na decisão sobre pedidos de anulação. Por vezes faltam já de início as condições necessárias para a efectivação do sacramento.

 

Também Jesus comparou o Reino dos Céus a um reino em que o rei fez o convite a muita gente para a boda de casamento do filho; muitos convidados não vieram e então ele convidou todo o mundo, bons e maus (Mateus 22:1-14). De facto a Igreja não se reduz a um povo eleito ou a uma cultura, por isso Jesus convida todo o povo a entrar no seu reino.

 

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António da Cunha Duarte Justo

Teólogo

 

DE SACO CHEIO

 

O caso da Grécia reverte sempre, até pelos próprios governantes gregos – industriados pelos não governantes portugueses seus parceiros – contra o governo de Passos Coelho e sobretudo contra Passos Coelho. Há quem lhe espreite o currículo, preocupados que somos pelos bons costumes, que condenam formações ambiciosas do poder, as quais se vão, ao que parece, enleando em redes proteccionistas até atingirem os pináculos das suas aspirações. Talvez tenham razão. Quando se vai cavando passo a passo a sua pequena ascensão na vida, feita de trabalho, de ambições e de naturais prazeres, em que se resume o viver humano, com o complemento de aflições e alegrias, distribuídas ao acaso dos procedimentos ou do destino, para os mais supersticiosos, a ascensão rápida de alguns traz sempre suspeitas, resultantes, muitas vezes, de mesquinhos ódios ou invejas.

 

Todos os homens são seres imperfeitos, mas os outros sempre mais do que nós, que trazemos a sacola de trás – a dos nossos defeitos – mais leve, e a da frente, dos defeitos alheios, a rebentar. Já Esopo o dissera e Fedro o imitara, concluindo La Fontaine a sua fábula (La besace), recheada de recursos animistas, segundo o seu costume, para os seus enredos poeticamente fabulosos – Júpiter convidando os animais a confessarem os seus defeitos, o que nenhum fez, contente consigo próprio, apontando todos os defeitos nos outros, e com a referência final aos humanos – de saco leve atrás, de saco cheio à frente:

 

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mais parmi les plus fous

Notre espèce excella; car tout ce que nous sommes,

Lynx envers nos pareils, et taupes envers nous,

Nous nous pardonnons tout, et rien aux autres hommes:

On se voit d'un autre œil qu'on ne voit son prochain.

Le Fabricateur souverain

Nous créa - tous de même manière,

Tant ceux du temps passé que du temps d'aujourd'hui:

Il fit pour nos défauts la poche de derrière,

Et celle de devant pour les défauts d'autrui.

 

(mas entre os mais loucos

A nossa espécie se distinguiu; porque todos quantos somos,

Linces para com os nossos pares, toupeiras para connosco

Olhamo-nos com olhos diferentes

Dos com que para o próximo olhamos.

O Soberano Fabricante

Criou-nos a todos – antigos como presentes –

Transportadores de sacola:

Para os nossos defeitos fez a bolsa de trás,

A bolsa da frente para os alheios defeitos.)

 

Vem o intróito a propósito do programa que ouvi ontem, em repetição – Quadratura do Círculo – que em cada semana que passa nos apresenta um José Pacheco Pereira de sacola dianteira cada vez mais inchada, a de trás como só ele pode tê-la, lisinha de auto satisfação pela sua impecabilidade, e de saber extraído não do “experto peito” mas do peito forjado na muita leitura, que nele se traduz não por uma voz “pesada”, audível no mar claramente, como era a do “velho de aspeito venerando” e “descontente”, mas por uma voz implicativamente aguda, de homem impaciente na meia-idade, que se encontra noutras praias, de holofotes assestados sobre o seu lúcido saber.

 

Falou na destruição da Europa, dizendo não referir a influência da Grécia nessa, mas todo o seu discurso rodou em torno da pobre coitada, vítima de uma Europa que “congelou definitivamente as desigualdades sociais” – a que Passos Coelho abjectamente se submeteu – mas a que os altaneiros Syrizas se não adaptam, orgulhosamente implicantes e indiferentes aos débitos dos seus compatriotas, como heróis de uma história de fábulas clássicas, não mais adaptados às realidades modernas, estas cada vez mais impacientes, aguardando mudanças invariavelmente adiadas, na fabricação de mais uma lenda, de contornos modernistas, esquilos roendo as nozes que as nogueiras benfazejas se não atrevem a negar-lhes, seduzidas pelos ademanes sedutoramente caprichosos da puerilidade aventureira.

 

Quanto aos que se submetem sensatamente a pagar uma dívida que há muito os comprometeu, não passam de cobardes e vendidos ao poder supremo de uma Europa “congeladora de desigualdades”, apesar das promessas de união e igualdade pré estabelecidas nos Maastrichts da nova ordem.

 

Como José Pacheco Pereira que daqui não sai, há muitos. Muitos que deveriam estar reconhecidos a uma figura que, tal como Salazar outrora, nos libertou do labéu de maus pagadores, e que vai construindo uma nação mais livre da injúria externa – conquanto não da interna, dos não habituados ao lema bíblico da necessidade de saldar dívidas. Para estes, pagar é ser servil, é viver de rastos, como os devotos “pagadores de promessas” que todos os anos a televisão faz questão de reproduzir.

 

Não são a mesma coisa. Os pagadores de dívida fazem-no discretamente, num objectivo construtivo e dignificante. Nos de “promessa” há muito de exibicionismo grotesco.

 

Eu estou grata a Passos Coelho e aos do seu Governo, digam lá o que disserem os da sacola bojuda dianteira.

 

Berta Brás.jpg Berta Brás

A SITUAÇÃO DA ANTIGA ALEMANHA (DDR)...

 

... ERA SEMELHANTE À DA GRÉCIA E DE PORTUGAL – A ALEMANHA UNIDA CONSEGUIU EQUILIBRAR AS DIFERENÇAS ABISSAIS

 

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IMPOSTO DE SOLIDARIEDADE EUROPEIA DESTINADO A ECONOMIAS FRACAS SERIA A SOLUÇÃO

 

O que vale para a Alemanha deveria valer para a Zona Euro – Por que não?

 

A criação de um imposto de solidariedade europeia em todos os países da Zona Euro (à imitação do que fez e faz a Alemanha para recuperar economicamente a sua antiga zona socialista), que anualmente seria canalizado para as zonas periféricas e mais fracas da EU, evitaria a política de austeridade imposta aos mais fracos e criaria mais justiça, numa sociedade de concorrência livre, que beneficia já por si as nações mais fortes e mais centrais. Esta via conseguiu quase apagar as distâncias abismais que existiam entre as economias da zona DDR e zona BRD. As economias periféricas da Zona Euro encontram-se em situação semelhante às das então Alemanhas separadas.

 

Porque é que o que vale para a Alemanha no seu processo de reunificação (no sentido do alinhamento da economia e nivelamento do nível de vida da Alemanha de leste à Alemanha ocidental) não é posto em consideração numa estratégia europeia de tentativa de solução dos problemas da zona Euro? A política de Bruxelas até agora seguida não mete no seu barco a população nem os países periféricos. Permanece renitente deixando a economia oligárquica, levar tudo de enxurrada.

 

Porque abandona a UE o sistema de economia social do mercado europeu (um capitalismo de rosto humano) para seguir o sistema de economia liberal anglo-saxónico (um capitalismo para os oligarcas do capital e da ideologia)? Deste modo a Europa abandona pouco-a-pouco a tradição humanista que deu rosto à Europa, vendendo assim o fundamento da sua identidade.

 

Uma outra medida justa seria vincular o pagamento de juros ao crescimento económico do país. Interessa a criação de regras comuns conectadas de tal modo que um só país não possa criar problemas a toda a UE. O alerta da Grécia a Bruxelas implicaria uma grande reforma das instituições da UE mas estas não mostram qualquer sinal de arrependimento nem de interesse; sentem-se bem no papel de disciplinadoras dos países europeus de que tiram o proveito imediato. À união monetária será necessária seguir-se uma união económica real que culminaria com uma união fiscal.

 

Juros da dívida pública querem-se investidos no fomento das economias que os pagam

 

Os juros que Portugal paga pela dívida pública deveriam ser aplicados pelos fiadores em Portugal para não se continuar a desviar os recursos públicos para fora do país sem qualquer contrapartida que reverta no investimento económico nacional. Neste sentido seria consequente também a distribuição das centrais das multinacionais por diferentes países especialmente nas zonas que precisam de maior desenvolvimento, o mesmo se diga das instituições da UE. A democratização da economia suporia uma correcção substancial da ideologia centralista. Torna-se intolerável que uma democracia política se deixe governal pela ditadura económica isente.

 

Doutro modo a Dívida só serve para pagar os gastos do estado e para engordar as instituições internacionais credoras, as únicas que beneficiam dos juros da dívida. De facto, os 12 maiores bancos do mundo compram em leilão os títulos da dívida que o Tesouro Nacional vende e por outro lado também são eles que emprestam dinheiro aos Estados, como testemunham peritos no assunto. Forma-se assim uma corrente mafiosa de credores e compradores dos títulos da dívida nacional. Assim os países devedores tornam-se na mama dos sistemas financeiros.

 

Portugal vai gastar este ano 8.836 milhões de euros para pagar juros da dívida pública, o que corresponde a 5% do PIB. Uma sangria de um país que trabalha para os credores sem que estes invistam produtivamente em Portugal. Imagine-se a situação de derrocada em que nos encontramos. Para pagarmos 5% teríamos que ter um crescimento económico de 10%, quando ele não chegará aos 2%. O Governo português quer antecipar o pagamento do empréstimo ao Fundo Monetário Internacional para evitar ser vítima do sistema progressivo das dívidas. A dívida é de tal ordem que destrói qualquer boa vontade.

 

Concluindo; os credores são ao mesmo tempo os compradores dos títulos de dívida pública nacional e como tal especuladores que beneficiam só eles dos juros e do estado carente dos países. Quanto mais os países devem, mais ganham os jogadores do sistema financeiro. Os juros que Portugal paga pela dívida pública deveriam ser aplicados pelos fiadores em Portugal. Esta seria a única maneira de controlar este ciclo mafioso a que os Estados estão amarrados e obrigados a ter um povo inteiro a trabalhar e poupar para pagar a soberba e a usura dos oligarcas.

 

No cenário partidário nacional não se encontram programas eleitorais de partidos onde se encontrem propostas de medidas concretas semelhantes às que refiro e que exijam responsabilidade ao capital especulativo internacional e que impeçam o seu papel simultâneo de sanguessugas dos contribuintes e de destruidores das soberanias nacionais. Não se apresentam alternativas; o actual sistema está de tal modo elaborado que mesmo os de boa vontade não podem sair dele; serve os interesses de quem está à frente por isso a opção será continuar a administrar a miséria do sistema. Deixar de o ser não é tarefa natural nem fácil porque os tentáculos do polvo são universais.

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António da Cunha Duarte Justo

 

RESVALANDO

 

 

«O ensino deve ser de modo a fazer sentir aos alunos que aquilo que se lhes ensina é uma dádiva preciosa e não uma amarga obrigação» - Einstein o disse, tornou-se axioma que o “Público” publicou no domingo de 14/6/15 e que gostosamente tomamos como regra para nosso resguardo físico e mental, sendo que, desta forma responsabilizadora do mestre que o difunde, nos ilibamos a nós dos nossos insucessos, imputando-os exclusivamente àquele, que o tornou não dádiva preciosa mas obrigação danosa.

 

Jacques Prévert.png É Jacques Prévert que também no mesmo axioma se inspira para traçar a figura do seu “Cancre”, desatento e rebelde à penosa obrigação, recebendo, provavelmente pela janela, a dádiva preciosa das suas devoções – aquilo que ele ama, dádiva do seu mundo próprio, de cor e felicidade, tema indiscutivelmente enternecedor para nós que amamos a infância criativa e irreverente da espontaneidade, Herman José no seu Zezinho atrevido e desestabilizador:

https://www.youtube.com/watch?v=P4wLy7e-L7U

 

«Le Cancre»

Il dit non avec la tête

Mais il dit oui avec le coeur

Il dit oui à ce qu’il aime

Il dit non au professeur

Il est debout

On le questionne

Et tous les problèmes sont posés

Soudain le fou rire le prend

Et il efface tout

Les chiffres et les mots

Les dates et les noms

Les phrases et les pièges

Et malgré les menaces du maître

Sous les huées des enfants prodiges

Avec les craies de toutes les couleurs

Sur le tableau noir du malheur

Il dessine le visage du bonheur.

(in PAROLES)

 

(Ele diz não com a cabeça mas diz sim com o coração diz sim a tudo o que ama diz não ao professor ele está de pé é interrogado e todos os problemas são colocados de repente o riso desenfreado o toma e ele apaga tudo algarismos e palavras as datas e os nomes as frases e as armadilhas e apesar das ameaças do professor sob os apupos dos meninos prodígio com os pedaços de giz de todas as cores no quadro negro da desgraça ele desenha o rosto da felicidade.)

 

Afinal, tem sido esse o caminho por que ultimamente, durante vários anos temos evoluído, com a reviravolta sofrida pelo ensino, as novas metodologias destinadas a pôr de parte o aprendizado centrado na memória, segundo o método tradicional e privilegiando uma educação de liberdade e de direitos igualitários, que, evidentemente, se revelam como grossa armadilha que colherá a mocidade quando, não possuidora de saberes mas de pretensões de competências, terá de enfrentar exigências e compostura a que não foi habituada.

 

É certo que o dinheiro tudo resolve e que até se obtêm cursos por meio de fraudes, mas a regra não será essa, o bom senso acabará por retomar os velhos caminhos dos preconceitos mais sólidos, de honestidade e esforço, contamos com isso.

 

Todavia, lendo o artigo de Vasco Pulido Valente dessa mesma página do Público – «O Papa e a Guerra» – quase que reconhecemos a nulidade deste nosso esbracejar, uns por isto, outros pelo seu contrário, uns batalhando por abstracções, outros lutando pela sua vida apenas, indiferentes ou superiores aos “rumores do universo”.

 

Mais uma lição de história – esta contemporânea – a do seu texto que, referindo as previsões do papa Francisco sobre as hipóteses de uma terceira guerra mundial, mostra como se fizeram as outras duas, num mundo espartilhado de pequenos conflitos que de repente foram causa de conflitos assustadores em que as grandes potências se envolveram. Tal como hoje. Conflitos aqui, além, envolvimentos parciais das grandes potências, de repente ninguém é mais ninguém num mundo descomandado, que os maiores da Terra pretendem reconstruir em seu benefício.

 

Não, o ensino talvez não tenha, afinal, tanta importância assim. Os professores apenas deverão precaver-se. Enquanto a guerra não chega:

 

O Papa e a Guerra

Vasco Pulido Valente

Público, 14/6/15

O Papa Francisco fala constantemente do perigo de uma nova guerra: de uma III guerra mundial. Porquê, sobretudo numa altura em que as grandes potências – a Rússia e a América – têm uma força equilibrada e são capazes de mutuamente se destruir?

Em 1914, os quatro “grandes” também não queriam aventuras (nem mesmo a Alemanha) e, no entanto, pequenas querelas, com que ninguém no fundo se preocupava, levaram a milhões de mortos e à ruína da Europa por uma geração. O problema está em que as pequenas querelas (as da Bósnia, por exemplo) podem com facilidade levar a um conflito geral, com que as pessoas de repente acordam sem explicação ou aviso. Guilherme II passou Julho de 1914 num cruzeiro à Noruega. Voltou uma semana antes de o céu cair.

No princípio do século XIX a Europa era um conjunto de pontos de fricção, nenhum dos quais parecia por si só resolúvel e anulável. Existiam dois blocos: a Alemanha, o Império Austro-Húngaro e a Itália de um lado; e do outro a França, a Inglaterra e a Rússia. Mas, para começar, havia treze grupos linguísticos, doze etnias diferentes, dúzias de inimizades com uma curta ou longa história e ambições de afirmação e expansão que chegavam ao território inteiro. A Rússia planeava dominar a costa do Pacífico e ocupar de uma vez para sempre Constantinopla. A Inglaterra não conseguia pacificar o separatismo irlandês. E, sobre isto, cresciam dia a dia religiões, seitas, partidos revolucionários, bandos de terroristas, que diminuíam ou arrasavam a influência da Igreja Católica.

O Papa Francisco vê a terra dividida e subdividida, à beira de catástrofes localizadas, mas perigosas. O Islão continua numa guerra civil, que dia a dia se alarga e que as potências cuidadosamente ignoram. A África começa a ser penetrada pelo jihadismo mais feroz e as tribos do Afeganistão, do Iémen ou da Líbia estão muito longe de constituir nações. Putin pensa em anexar a Ucrânia. A Europa impotente e fragmentada assiste sem reagir. E a América, como jurou Obama, não tenciona “pôr as botas no terreno”. O que precede é uma insignificante amostra do estado caótico para que o mundo desliza. O Papa Francisco, cujas prédicas não me entusiasmam, olha a humanidade que lhe cabe pastorear com uma visível angústia. A fraqueza acaba invariavelmente mal.

Berta Brás.jpg Berta Brás

ANIVERSÁRIO

26JUN15-«Didi».jpg

 

 

Ao Amigo Henrique Salles Fonseca

 

Cavalga com atitude

com garbo, com galhardia

este amigo universal

a ele, Paz e Saúde

e a toda a companhia

em dia fenomenal.

Muitos anos, muita vida

e venham cada vez mais

a dizer da caminhada

que a vida, curta ou comprida

só é vida se vivida

e se tiver à partida

mais amores do que à chegada!

 

27/Junho/2015

Maria Mamede.png Maria Mamede

 

 

A ENCÍCLICA ECOLÓGICA EM DEFESA DA “NOSSA IRMÃ E MÃE TERRA”

 

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A “nossa Casa comum” sente-se ferida, adverte Francisco I

 

Na sua encíclica verde, o Papa denuncia a destruição do ambiente, a embriaguez do consumismo, a degradação ambiental e cultural, e a submissão da política à economia.

 

A encíclica Laudato Si (Louvado seja) do Papa Francisco, dedicada à ecologia e ao ambiente, põe em primeiro plano a protecção, conservação e recuperação do ambiente natural e ecológico da “nossa irmã e mãe terra”, no seguimento de S. Francisco de Assis, Padroeiro dos ecologistas. Por isso o Papa inicia a encíclica com as palavras de S. Francisco “Louvado seja” no seu “Cântico das Criaturas” que compôs em 1225 (Texto em: http://antonio-justo.eu/?p=3183).

 

O pontífice constata que o planeta “está a ser destruído" e estabelece uma "relação íntima entre os pobres e a fragilidade do planeta". Dirige-se “a cada pessoa que habita o planeta” e não só aos católicos e às pessoas de boa vontade; descreve a natureza como “a nossa casa comum” apelando para a necessidade de “uma conversão ecológica global”.

 

Alerta para o facto de a terra parecer transformar-se num “imenso aterro sanitário” que reage com catástrofes de maremotos, furacões, desertificação de algumas regiões e inundação de outras. Apelida o planeta de “terra irmã e mãe” e atesta: “Nunca tratamos a nossa casa comum tão mal e ferido como nos últimos dois séculos… o ritmo do consumo, do desperdício e a mudança do ambiente superou a capacidade do planeta de tal modo que o actual estilo de vida só pode conduzir à catástrofe”.

 

O domínio absoluto da finança sobre a política

 

A política não deve submeter-se à economia, e esta não deve submeter-se aos ditames e ao paradigma eficientista da tecnocracia. “Qual é o lugar da política? É verdade que, hoje, alguns sectores económicos exercem mais poder do que os próprios Estados. Falta a consciência duma origem comum, duma recíproca pertença e dum futuro partilhado por todos”.

 

“A subjugação da política à tecnologia e às finanças torna-se visível na falta de sucesso da cimeira mundial…”. “A salvação dos bancos a todo o custo, fazendo pagar o preço à população, sem a firme decisão de rever e reformar o sistema inteiro, reafirma um domínio absoluto da finança que não tem futuro e só poderá gerar novas crises depois duma longa, custosa e aparente cura”.

 

Crescimento à custa dos pobres

 

O rápido crescimento dos países ricos acontece à custa dos pobres: “sabemos que o comportamento injustificável daqueles que consomem e destroem, cada vez mais, enquanto outros não conseguem sequer viver adequadamente a sua dignidade humana”. Uma “verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem social, que deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres”. «Tanto a experiência comum da vida quotidiana como a investigação científica demonstram que os efeitos mais graves de todas as agressões ambientais recaem sobre as pessoas mais pobres»

 

Propõe que se diminua o crescimento: “Por isso, chegou a hora de aceitar um certo decréscimo do consumo nalgumas partes do mundo, fornecendo recursos para que se possa crescer de forma saudável noutras partes”.

 

A liberdade de consumo ilude a falta de uma liberdade mais profunda

 

Apela para a reflexão da própria liberdade que não se esgota na liberdade de consumir como o sistema faz crer “quando na realidade apenas possui a liberdade a minoria que detém o poder económico e financeiro”. “A velocidade da mudança … contrasta com a lentidão natural da evolução biológica.”

 

Critica a privatização da água “recurso escasso” que não se deve comercializar porque tal como “o clima é um bem comum, um bem de todos e para todos.”

 

Também questiona o direito de empresas ricas poderem comprar direitos de poluir a atmosfera afirmando que “a estratégia de compra-venda de «créditos de emissão» pode levar a uma nova forma de especulação”.

 

“Os mass-media e o mundo digital quando se tornam omnipresentes, não favorecem o desenvolvimento duma capacidade de viver com sabedoria, pensar em profundidade, amar com generosidade.”

 

Património humano e cultural ameaçado

 

O globalismo económico liberal, em nome de uma supraestrutura (um governo do mundo, interesses económicos supranacionais, EU, USA, etc), impõe-se de cima para baixo, centralizando tudo: avassala o regionalismo e desrespeitando as identidades culturais e democráticas dos países, organicamente elaboradas ao longo de séculos. “A par do património natural, encontra-se igualmente ameaçado um património histórico, artístico e cultural”. Recorda também que existe uma “ecologia do Homem” como dizia Bento XVI que «também o homem possui uma natureza, que deve respeitar e não pode manipular como lhe apetece“.

 

O preço do crescimento é pago com a saúde e com o roubo à dignidade dos povos: „O homem não se cria a si mesmo. Ele é espírito e vontade, mas é também natureza”, devendo tornar o seu “estilo de vida conciliável com a defesa integral do ambiente".

 

Ecologia e Cristianismo

 

A crise ecológica apela à “conversão ecológica”. “A espiritualidade cristã propõe um crescimento na sobriedade e uma capacidade de se alegrar com pouco”. Cita João Paulo II que diz: «Deus deu a terra a todo o género humano, para que ela sustente todos os seus membros, sem excluir nem privilegiar ninguém». E continua: “Na tradição judaico-cristã dizer «criação» é mais do que dizer natureza, porque tem a ver com um projecto do amor de Deus, onde cada criatura tem um valor e um significado.” “Toda a natureza, além de manifestar Deus, é lugar da sua presença”. «Sentir cada criatura que canta o hino da sua existência é viver jubilosamente no amor de Deus e na esperança» …” “Quando o coração está verdadeiramente aberto a uma comunhão universal, nada e ninguém fica excluído desta fraternidade”…

 

Em Jesus Cristo encontra-se resumida toda a realidade espiritual e material: ”o destino da criação inteira passa pelo mistério de Cristo, que nela está presente desde a origem…

 

“O antropocentrismo moderno acabou, paradoxalmente, por colocar a razão técnica acima da realidade, porque este ser humano «já não sente a natureza como norma válida nem como um refúgio vivente.” ” …A finança sufoca a economia real”...

 

“O trabalho é uma necessidade, faz parte do sentido da vida nesta terra, é caminho de maturação, desenvolvimento humano e realização pessoal… Neste sentido, ajudar os pobres com o dinheiro deve ser sempre um remédio provisório para enfrentar emergências. O verdadeiro objectivo deveria ser sempre consentir-promover uma economia que favoreça a diversificação produtiva e a criatividade empresarial”.

 

Inicialmente os monges refugiavam-se do mundo para viverem em meditação e oração; São Bento de Núrsia, imbuído do espírito cristão, promoveu a união da oração, estudo e trabalho manual, dignificando-o na fórmula «Ora et labora ». Francisco I: “Esta introdução do trabalho manual impregnada de sentido espiritual revelou-se revolucionária”.

 

“A criação encontra a sua maior elevação na Eucaristia. No Pão Eucarístico, «a criação propende para a divinização, para as santas núpcias, para a unificação com o próprio Criador».

 

A relação entre todas as criaturas verifica-se na Trindade, que é a matriz de toda a realidade. Penso que os teólogos do futuro, os místicos e os cientistas da física quântica encontrarão na fórmula da Trindade a fórmula do mundo e a verdadeira fórmula de toda a realidade.

 

O papa adianta: “Para os cristãos, acreditar num Deus único que é comunhão trinitária, leva a pensar que toda a realidade contém em si mesma uma marca propriamente trinitária”…: “O Pai é a fonte última de tudo, fundamento amoroso e comunicativo de tudo o que existe. O Filho, que O reflecte e por Quem tudo foi criado, uniu-Se a esta terra, quando foi formado no seio de Maria. O Espírito, vínculo infinito de amor, está intimamente presente no coração do universo, animando e suscitando novos caminhos. O mundo foi criado pelas três Pessoas como um único princípio divino, mas cada uma delas realiza esta obra comum segundo a própria identidade pessoal. Por isso, «quando, admirados, contemplamos o universo na sua grandeza e beleza, devemos louvar a inteira Trindade».

 

A encíclica do Papa foi recebida com grande entusiasmo na Alemanha enquanto nos USA se levantaram vozes críticas, certamente os que beneficiam com as injustiças do regime económico. O Papa, porém, tem de falar deste tema e criticar o sistema, (embora isto não agrade a muitos) porque o problema ecológico atinge as pessoas e as regiões mais vulneráveis e consequentemente a fome e a emigração em massas.

 

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António da Cunha Duarte Justo

Teólogo

NOS MEUS 70 ANOS

 

 

Sempre gostei de fazer anos e para dizer a pura verdade, sinto sempre um certo frisson, qualquer coisa que não sei nem quero explicar; e não quero porque se descobrisse do que se trata, arriscava-me a perder a magia que desde sempre sinto no meu dia de anos.

 

E digo «dia de anos» porque não gosto da palavra «aniversário». Faz-me lembrar outras palavras de que também não gosto como «sanita», «psiché» ou «bafordo». Sim, prefiro-lhes os sinónimos. Mas, em compensação, gosto imenso de «alguidar» e de «manteiga» (só que desta gosto sobretudo no Verão porque fica com uma consistência mais condizente com a «canícula» que, parecendo uma pequena cadela, nada tem a ver com a «melhor amiga do homem»).

 

Mas os 70 anos têm uma magia especial. Já repararam? Correspondem exactamente a 3,3333(3) vezes os 21 anos da antiga maioridade e a 3,8888(8) vezes os 18 anos da actual maioridade. Em ambos os casos de acumulação de sabedoria, a parcela nos encaminha para o infinito, para um número que nunca alcança a exactidão, a sugerir que começamos a idade em que muito provavelmente ficamos inexactos; em português mais corriqueiro, a idade em que ficaremos chonés. Já pensaram no respeitinho devido a um septuagenário? Imaginem as parangonas nos jornais sobre o velhinho septuagenário atropelado por um autocarro numa passagem de peões... Pois é! A partir de agora só me safo dessa se não atravessar nas passagens de peões. Mas também é esta a idade em que confirmamos que mais vale ser do que ter.

 

E perguntam-me ao que me vou dedicar de agora em diante até que a memória se desvaneça, para além de não atravessar nas passagens de peões. Bem, tentarei continuar a montar a cavalo diariamente, de preferência de manhã; a estudar e a escrevinhar umas «coisas» e a defender as causas em que acredito. Ou seja, um divertido de manhã e um chato à tarde.

 

E como o tal infinito para que os submúltiplos de 70 nos mandam, também penso que infinita é a ignorância em que me sinto mergulhado. E tentarei continuar a combatê-la. A ver se consigo.

 

Eis por que há alguns anos decidi atacar a vastidão da ignorância e passei a dedicar-me à Filosofia. Sim, desenhei eu próprio o curso que fiz, escolhi os professores, passei em todos os exames que não se realizaram, esclareci dúvidas com ninguém e fui aprovado sem qualquer favor mas também sem a mínima distinção. Então, cumprido esse curso, concluo que a vasta ignorância de que antigamente desconfiava mas era indefinida, agora é consciente e bem concreta. Mas ignorância na mesma. E vasta!

 

Essa nova consciência levou-me a desenhar novo curso, a escolher os professores e... ainda estou no início e os exames longe. Sim, estou agora a fazer o meu próprio curso de Teologia. Já fiz as cadeiras do Animismo, do Chamanismo, do Induismo e do Budismo. Mas quando estava no Judaísmo estalou a bronca do «Charlie» e interrompi para acorrer às aulas do Islamismo. Tive um professor fantástico que morreu em Novembro passado e ensinava na Sorbonne. Chamava-se Abdelwahab Meddeb, era tunisino e diz dos integristas o que o Profeta não diria dos suínos. Decididamente, deixou-me muito interessado em Averróis. A ver se o leio lá mais para a frente... Como os gulosos, guardo para o final do curso a parte mais saborosa, o Cristianismo. Mas não posso deixar de contar agora uma pequena história que me foi contada por um monge seguidor do Dalai Lama.

 

Perguntado sobre o que é a compaixão budista, o monge pediu a quem o escutava que imaginasse entrar numa sala e ver uma flor num vaso. Todos pensaremos em primeiro lugar se gostamos ou não daquela flor, se ela é bonita, enfim, se de algum modo nos satisfaz. Ou seja, todos teremos raciocínios ego centristas, egoístas, no limite: todo o raciocínio se desenvolve em torno de nós próprios, dos nossos parâmetros e interesses. Mas se ao vermos a flor naquele vaso pensarmos que ela estaria muito melhor se pudesse apanhar directamente a luz do Sol e o ar fresco, se pudesse estar entre as outras da sua espécie... Então nós abdicávamos do nosso egoísmo, do egocentrismo e focávamos o nosso raciocínio no interesse da flor. Ou seja, interessávamo-nos pelo outro e não mais apenas por nós. Esse cuidado com o próximo é a compaixão budista. Os cristãos chamam-lhe amor.

 

Mas com o tempo todo do mundo à minha disposição, tenciono também continuar a deambular por aí seguindo a sugestão de James Joyce em busca da epifania das coisas, dos locais, dos animais e das pessoas por que passarei procurando o que têm de invisível mas lhes define a essência. E como eu quero que essa essência seja boa, dou por mim a procurar o bem e a esquecer (perdoar) os defeitos. Garanto-vos que é giro viver assim.

 

E pronto, eis ao que tenciono agora dedicar-me até que a memória se desvaneça: à compaixão (no sentido budista) e à epifania joyciana.

 

Chegado à definição do futuro, resta-me gozar o presente que se fará numa sucessão sucessiva de momentos que a todo o instante passarão a ser passado, esse de que guardamos as memórias que nos definem neste mundo, agora e para sempre...

 

E assim, acabo a brindar ao futuro dos presentes, daqueles que vemos e dos outros!!!

 

Tchim, tchim!!!

 

27 de Junho de 2015

 

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Henrique Salles da Fonseca

AS FASES HISTÓRICAS DO PROFETA MAOMÉ

 

Islão.png

 

(...) a cronologia das suras, de acordo com o estudo de Theodor Nöldete, apresentado em 1864 e tornado clássico nos meios dos teólogos muçulmanos, [são] distribuídas em quatro períodos históricos de Maomé: os três primeiros no tempo de Maomé e de Meca, o primeiro entre os anos 610 e 615, o segundo entre os anos 615 e 619, o terceiro entre os anos 619 e 622 e o quarto, já em Medina, entre os anos 622 e 632. O autor aprecia as suras, misturadas compulsivamente pela redacção final, de acordo com a literatura intrínseca à língua árabe, número de versículos, dados históricos e revelação contínua confrontada com o mundo politeísta, judaico e cristão com quem Maomé se confrontou.

 

A página que descreve o último período, o de Medina, é deveras ilustrativa: «O quarto grupo de suras pertence ao período de Medina e resulta facilmente identificável. Os versículos são menos fluidos e a prosa mais discursiva. Quanto aos conteúdos, devemos ter em conta que Maomé já não é apenas Profeta mas exerce a “chefia do Estado”. Há uma mudança nos temas; aparecem novas leis para a organização da sociedade, formação de alianças entre tribos e redacção de contratos; normas sobre o matrimónio e as heranças, sobre a pureza ritual e a forma de praticar o culto; novas prescrições para o pagamento do imposto para atender às pessoas necessitadas dentro da comunidade, a prática do Ramadão, a peregrinação a Meca no caso de se dispor de meios para o fazer e a sexta-feira como o dia dedicado à oração comunitária. O aspecto jurídico tem uma importância especial e a normativa torna-se cada vez mais complexa e minuciosa. Apresento três exemplos: a redacção de contratos no caso de dívidas (2, 282), os impedimentos para se poder casar (4, 23) e a herança (4, 11).

 

As suras do período medinense caracterizam-se pela rigidez no tratamento dos muçulmanos que renunciam à fé. Uma vez que se abraçou o Islão, nunca mais se pode abandonar. Quem o fizer, é considerado definitivamente perdido (3, 85-91) e “incorrerá na ira de Deus e terá um castigo terrível” (16, 106): será atirado para a geena (4, 115). Deus não perdoa a quem morrer como infiel (47, 34). Contra eles penderá um castigo doloroso.

 

Há uma mudança de atitude para com os judeus e, em parte, também para [com] os cristãos. Agudizam-se as diferenças. O Alcorão acusa-os de terem modificado as Escrituras (2, 42. 75. 146. 159. 174; 3, 78, 4, 46). Isto explica as mudanças que se produzem em determinadas práticas religiosas, como seja a direcção da oração (2, 142 e ss.) e o mês do jejum (2,183). Depois da Hégira, os muçulmanos rezavam voltados para Jerusalém, como faziam os judeus de Medina de acordo com as normas veterotestamentárias (1Rs 8, 44; Dn 6, 11). Porém, um ano depois, devido às discussões com os judeus, os muçulmanos decidiram, como alkibla, rezarem voltados para a Kaaba (2, 142. 177). Determina-se com precisão a moral muçulmana e critica-se o apego excessivo aos bens terrenos.

 

Nem sempre resulta fácil identificar o período em que foi revelada cada sura. Nalguns casos há desacordo entre os especialistas. E também deveremos dizer que nem todos os versículos duma mesma sura pertencem necessariamente ao mesmo período.»

 

 

InDEUS EXISTE? – Uma viagem pelas religiões”,

P. Joaquim Carreira das Neves.png P. Carreira das Neves, Editorial Presença, 4ª edição, Setembro de 2013, pág. 312 e seg.

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