Passos Coelho pegou num país falido, sem acesso a financiamento e comprometido com um programa de ajustamento violentíssimo e conduziu-o, durante três anos, para fora do resgate, voltando a financiar-se nos mercados a taxas de juro mais baixas de sempre, pôs a economia a crescer, o desemprego a baixar e o emprego a aumentar.
A primeira etapa, tirar o país da assistência financeira, foi ultrapassada e a segunda, fazer de Portugal um país com futuro, semeada durante a primeira, está a ser vencida. O País tem confiado.
Nestes quatro anos o Governo reformou de tal maneira a economia que alterou o seu perfil estrutural com consequências a todos os níveis: o sector exportador está a ser o motor de saída da crise. Aumentou o investimento (o público está em queda). A prioridade é agora a industrialização. Na banca mudaram todos os protagonistas. Na classe política virou a geração, na empresarial está a virar. Saíram 60 mil pessoas do Estado que funciona.
Na educação saíram cerca de 30 mil professores e ninguém ficou sem aulas; na saúde a factura com medicamentos e as rendas aos laboratórios caíram centenas de milhões de euros; na justiça foi feita uma reforma sem precedentes; na defesa, a reforma 2020; na energia e obras públicas (PPP) foram cortadas rendas com poupanças, presentes e futuras, de milhões de euros ao contribuinte; o Estado manteve e reforçou a rede de segurança para os mais vulneráveis à crise. Pelo caminho, o Governo enfrentou a oposição do Constitucional que boicotou a reforma do aparelho do Estado e a não comparência do PS para um acordo inadiável de reforma da segurança social.
Não são queixas, são factos, e os factos criaram impossibilidades. O alerta do FMI para que as reformas estruturais não parem terá muito de pressão para o Governo mas chama sobretudo a atenção para o retrocesso que significam Costa e 'entourage', membros dos governos de Sócrates que faliram o país, que continuam a prometer o que nos faliu e tudo o que o Governo Grego foi obrigado a congelar há duas semanas para obter financiamento: aumento de salários públicos, pensões e investimento público (tudo sem planeamento, sem gerar valor acrescentado, apenas dívida), travar privatizações. Já ultrapassamos esta fase, o Governo precisa de mais quatro anos para a modernidade do país se solidificar.
Contrariando anteriores posições que defendi nesta página (só não muda de opinião quem não reconhece a evolução natural do status quo e os elementos novos de análise introduzidos recentemente no debate), creio que haverá um entendimento difícil, complexo, e em certos aspectos pouco linear, mas, sem embargo, de algum modo, consistente entre Atenas e Bruxelas. Sucede que a Grécia ao brandir a arma do “incumprimento” (default) assusta a Alemanha e coloca em risco toda a zona Euro, muito embora existam, hoje, diferentemente de 2011, todas as almofadas financeiras possíveis para enfrentar uma tal situação. A questão, porém, é política como se procurará demonstrar.
Atenas vai prometer vender algumas empresas públicas, encetará uma batalha contra a evasão fiscal, mais uma disseminação de impostos, aqui e além e a garantia de que irá cumprir fica atestada. Os credores podem considerar-se parcialmente satisfeitos – é um exercício do possível. Resta saber como Tsipras vai vender essas promessas em casa perante um eleitorado descontente e um partido no Poder que ameaça cindir-se. Com efeito, a resistência principal parece provir do próprio Syriza, uma vez que toda a campanha eleitoral se baseou no termo da austeridade, na renegociação da dívida e na manutenção da Grécia na Eurozona. Todos estes objectivos são, à partida, inexequíveis, porque contraditórios nos seus próprios termos e toda a gente tem plena consciência disso. Mas...aguardemos para ver.
Nesta matéria, as perguntas que se impõem são estas: Que estratégia vai ser adoptada por Alexis Tsipras, uma vez que à medida em que as negociações avançam o funil vai inevitavelmente apertar-se? Estaremos perante um hipotético referendo à presença da Grécia no Euro? Ou a eleições antecipadas, porque não existem condições para o Syriza se manter no poder, nem cumprir o seu programa? Estas questões são essencialmente intra-helénicas, com repercussões além fronteiras, bem entendido, mas são de pura gestão doméstica.
Estou em crer que o Syriza conta, no essencial, com a vontade da Alemanha em manter a Grécia na Eurozona. O Grexit (evicção da Grécia da moeda única) se, como dissemos, pode ser viável do ponto de vista financeiro, não o é do ponto de vista político. E o busílis da questão está precisamente aqui. A Alemanha, principal Estado da Eurozona e da UE não pode admitir a implosão do sistema que ela própria ajudou a criar em Maastricht. A saída de Estados da moeda única e, a prazo, da própria União, é uma questão politicamente impensável e redundaria, em última análise, no desprestígio total da própria Alemanha. Assim, Berlim necessita de um compromisso e Alexis Tsipras joga com isso. A jogada de póquer está aqui. Pode-se, pois, arriscar uma previsão: Atenas vai cumprir minimamente o programa de resgate, com este nome ou com outro qualquer, até Junho e veremos internamente como se vai comportar a ala mais à esquerda do Syriza. A contestação pode ser muito aguda e tal será visível principalmente na segunda metade do ano.
Dou a mão à palmatória. Estas análises terão de ser reformuladas em tempo, porque estamos num cenário de mutação permanente.
Tout commence en janvier 1686, où Louis XIV tombe subitement malade.
Il semble qu'il se soit piqué en s'asseyant sur une plume des coussins qui garnissaient son carrosse déclenchant un abcès à l'anus, qu'il aurait fallu immédiatement inciser pour éviter que la blessure ne s'infecte. Mais les médecins du roi, épouvantés à l'idée de porter la main sur le fondement de la monarchie, optèrent pour des médecines douces, type onguents. Ces méthodes ne donnèrent aucun résultat.
Tout cela dura près de 4 mois et les douleurs royales ne cessaient pas !
Brusquement, vers le 15 mai, les chirurgiens, verts de peur, soupçonnèrent l'existence d'une fistule. Ce fut l'affolement général. Finalement, le 1er chirurgien Félix de Tassy (appelé simplement FELIX) décide d'inciser et "invente" un petit couteau spécial, véritable pièce d'orfèvrerie dont la lame était recouverte d'une chape d'argent.
Mais il fallut encore 5 mois pour fabriquer ce petit bijou...
L'opération eut lieu le 17 novembre - sans anesthésie ! Il faudra encore 2 autres incisions (la plaie ayant du mal à se refermer pour cicatriser) pour qu'enfin, à la Noël 1686, on puisse déclarer que le roi était définitivement sorti d'affaire...et mettre fin aux rumeurs qui, à l'étranger, se propageaient disant que Louis XIV était à l'agonie.
Dès l'heureuse issue de l'intervention connue, des prières furent dites dans le royaume et les dames de Saint Cyr (création de Mme de Maintenon devenue épouse morganatique) décidèrent de composer un cantique pour célébrer la guérison du roi.
La supérieure, Mme de Brinon (nièce de Mme de Maintenon) écrivit alors quelques vers assez anodins qu'elle donna à mettre en musique à Jean-Baptiste Lully :
Grand Dieu sauve le roi !
Longs jours à notre roi !
Vive le roi . A lui victoire,
Bonheur et gloire !
Qu'il ait un règne heureux
Et l'appui des cieux !
Les demoiselles de Saint Cyr prirent l'habitude de chanter ce petit cantique de circonstance chaque fois que le roi venait visiter leur école.
C'est ainsi qu'un jour de 1714, le compositeur Georg Friedrich Haendel, de passage à Versailles, entendit ce cantique qu'il trouva si beau qu' il en nota aussitôt les paroles et la musique. Après quoi, il se rendit à Londres où il demanda à un clergyman nommé Carrey de lui traduire le petit couplet de Mme de Brinon.
Le brave prêtre s'exécuta sur le champ et écrivit ces paroles qui allaient faire le tour du monde:
https://www.youtube.com/watch?v=tN9EC3Gy6Nk
God save our gracious King,
Long life our noble King,
God save the King!
Send him victorious
Happy and glorious
Long to reign over us,
God save the King!
Händel remercia et alla immédiatement à la cour où il offrit au roi - comme étant son oeuvre - le cantique des demoiselles de Saint Cyr.
Très flatté, George 1er félicita le compositeur et déclara que, dorénavant, le "Godsave the King" serait exécuté lors des cérémonies officielles.
Et c'est ainsi que cet hymne, qui nous paraît profondément britannique, est né de la collaboration :
- d'une Française (Mme de Brinon),
- d'un Italien (Jean-Baptiste Lully - ou Lulli-) naturalisé français,
- d'un Anglais (Carrey),
- d'un Allemand (Georg Friedrich Händel - ou Haendel-) naturalisé britannique, et...
d'un trou du cul Français, celui de sa Majesté Louis XIV.
Un hymne européen, en fait !
Si Louis XIV ne s'était pas mis, par mégarde, une plume dans le «derrière», quel serait aujourd'hui l'hymne britannique?...
Pourrez-vous désormais écouter "God save the Queen" sans penser à cette petite plume?...
Um artigo de António Bagão Félix, – “A insustentável não prioridade do ensino artístico” – (Público, 21/3/15), é bem expressivo da nossa idiossincrasia de mediocridade e apatia intelectual que, em sucessivos governos, vai relegando para as calendas gregas os trabalhos de reparação da Escola de Música do Conservatório Nacional, as prioridades de embelezamento centrando-se nas redes de auto estradas e estádios de futebol inadiáveis e ruinosos que foram. É bem significativo de desprezo, sobretudo por este Governo, que, afirmando a questão como prioritária, a vai protelando. Mas o mesmo fora, no tempo de Maria de Lurdes Rodrigues, o Programa Parque Escolar, ambicioso e espectacular, colocando-o no fim das suas prioridades.
E no entanto, não admira a desatenção pela cultura real e pelo bem estar físico e espiritual dos estudantes – neste caso de música. Já nos meus tempos de Coimbra, a água penetrava na Biblioteca Geral. Mas havia sempre quem se lá enfronhasse nas consultas dos calhamaços. Nas escolas de hoje apanha-se chuva de pavilhão para pavilhão, estamos habituados às dificuldades, desde tempos imemoriais, o sítio é secundário quando se tem uma vocação.
A nossa música de maior receptividade está, aliás, centrada no fado e no bailarico, ela nos serve de estímulo, e até já ganhou projecção, como património imaterial. Há canais televisivos em francês e inglês, pelo menos, que vão mostrando e explicando quadros de pintores clássicos em várias facetas de análise. Também há neles programas sobre os palácios, num reviver de arte e história dos reis. Nós somos avessos aos reis. Mas também à arte. A televisão poderia ser um bom veículo didáctico, em termos mais sérios ou menos farfalhudos. Programas de fados é que não faltam, no canal Memória aos domingos. Repetidamente. E assim, de vez em quando vamos revendo e revivendo a nossa Amália. Somos pessoas que nos deixamos embalar pelos prazeres dos sentidos mais do que pela reflexão sobre as características das artes, coisa cansativa.
Os alunos que se dedicam de facto à música, fá-lo-ão sempre, estudiosamente. Basta-lhes que tenham professores transmissores dessa arte. Que, ao menos, nunca falte dinheiro para pagar aos professores. O sítio é secundário. Somos assim. Não se estranhe. Hoje já ninguém cora de vergonha.
A insustentável não prioridade do ensino artístico
António Bagão Félix
As imagens do estado de degradação do edifício onde funciona, há 180 anos, a Escola de Música do Conservatório Nacional fazem corar de vergonha qualquer pessoa com o mínimo de sensibilidade.
Uma situação insustentável do ponto de vista das condições mínimas para se ensinar e aprender, e perigosa em termos de falta de segurança física, ao ponto de a Inspecção da CML ter mandado fechar dez salas. Ao que li, as últimas obras significativas aconteceram há 70 anos.
Verdade seja dita que o problema, embora agora agravado, já existe há muito tempo, passando pela indiferença e inacção de vários Governos. Até o Programa Parque Escolar, lançado em 2007, relegou para o fim da lista as inadiáveis obras de reparação e de requalificação, o que, na prática, significou que nada se veio a fazer.
Foram precisos concertos de protesto, manifestações, petições para debate na AR e outras lancinantes chamadas públicas de atenção para que, ao que parece, se ter decidido por alguma intervenção mais urgente, ainda que provavelmente insuficiente.
O ministro da Educação afirmou, há dias, que a reabilitação da Escola estava na “lista nacional de prioridades” (curiosa a prioridade … quase no fim do 4º ano do seu mandato). Um propósito tardio, mas, apesar de tudo, esperançoso para os alunos e professores do Conservatório, ainda que vago quanto a prazos, grau da intervenção e montantes (moda de vacuidade que pegou de estaca em alguns membros do Governo).
Este problema é a face mais grave da secundarização com que o Estado tem olhado para o ensino artístico especializado. Provavelmente revelador do modo pouco importante como, também na sociedade em geral, se olha para a cultura e arte. Consequentemente, o dinheiro nunca chega. Mesmo o pouco (em termos relativos face a gastos elevados e, não raro, menos prioritários) que é necessário para dar as condições suficientes de dignidade a estas escolas.
1 – No aproximar de Abril, julguei interessante escrever alguma coisa sobre os caminhos que nos levaram a este mês de grande significado nacional. Para uns, de forma positiva. Para outros, de forma bem negativa. Mas não a um único Abril, mas sim a dois. O primeiro nos idos de 1961 e a 13, o segundo a 74 mas a 25. No meu entender bem modesto eles são a chave da explicação do nosso regresso às fronteiras europeias. E só uma Nação como a nossa e um Povo como o nosso podem explicar a existência de uma Pátria que ,no espaço de um ano, perde praticamente todo o território que considerava seu e regressava cabisbaixo às fronteiras iniciais. E que fronteiras. Uma travada pelo castelhano (abençoado travão), a outra virada para o infinito, para o longínquo, para a vastidão oceânica que nos levaria para longe, muito longe, tanto a Terras de Vera Cruz, como a Terras Africanas Atlânticas e Índicas, não esquecendo Terras Abexins, e longe, bem longe, Terras de Diu, na Índia que, quando perdida, foi séculos mais tarde chorada por esse gigante que a amava, de seu nome Churchill.
2 – Mas vamos ao que interessa. O regime do Estado Novo, com os seus altos e baixos, nunca esteve em causa até 1958. Neste ano, pela primeira vez e de forma subtil, o timoneiro era posto em causa. Salazar, para alguns, não poucos, começava a ser um incómodo e por isso os seus mais fiéis preferiram jogar a carta Américo Tomás, para pôr fora do baralho Craveiro Lopes. Em texto anterior já referi isso mesmo. Só que a escolha, com divisões bem marcadas no terreno dos apoiantes do EN, iria provocar o primeiro grande abalo não só nas fileiras da União Nacional, como pela primeira vez AOS era questionado na autoridade da sua liderança.
3 – Estava aberto o caminho para a primeira tentativa de derrube de AOS, que ocorreria dois anos mais tarde em 13 de Abril de 1961. Quando escrevo derrube, significa que Salazar seria mesmo apeado do poder, isto porque as forças em presença eram muito poderosas. Considerou-se que o que se tinha passado com a eleição presidencial,e suas consequências, tinha sido grave, muito grave. E o primeiro aviso vem de dentro do próprio governo. E dois jovens “turcos” vão ser protagonistas, no chamar a atenção, para a atmosfera doentia que o País enfrentava. Foram eles o subsecretário de Estado do Exército, coronel Almeida Fernandes, e o subsecretário de Estado da Aeronáutica, tenente-coronel Kaúlza de Arriaga.
Os dois elaboram memorando conjunto (na altura muito secreto) para ser presente ao Ministro da Defesa Nacional, a fim de este dar conhecimento ao Presidente do Conselho.
4 – Ao que consta, o memorando era muito pormenorizado, identificando as causas do mal-estar nacional. E as palavras não se ficavam pelos meios-termos. Nada disso. Ou se arrepiava caminho, ou vinha aí grave “convulsão” nacional, se não mesmo um “pronunciamento” militar. Da oficialidade superior e generais poderia estar tudo controlado, agora capitães, oficiais subalternos, sargentos e praças, era só chegar fogo à peça e não estariam ali para outra coisa. Pessoal para o gatilho já havia. Faltava só liderança com projecção nacional. E, naquele 58, Botelho Moniz ainda não era Spínola de 74.
Botelho Moniz confidencia a AOS o que preocupa os dois subsecretários de Estado e Salazar promete o seu empenho pessoal junto de Ministérios e departamentos do Estado para que a situação seja de imediato corrigida. Num ponto, tanto Almeida Fernandes como Kaúlza de Arriaga, estão totalmente de acordo: SALAZAR não está em causa. Curiosamente, dois anos depois, Kaúlza mantém esta disposição; Almeida Fernandes diz basta, logo AOS tem de sair. Mas isto fica para outro texto. Se me deixarem (tenho a certeza que deixam).
5 – Só que… só que, aos problemas do Terreiro do Paço e de S. Bento juntam-se os problemas ateados pela Assembleia-Geral das Nações Unidas. Portugal teimava em não dar seguimento às recomendações para os seus Territórios Africanos. Mas a África, lenta, mas seguramente, caminhava para a sua emancipação, com os nossos territórios cercados pelas novas independências. E esta situação levantava grandes preocupações tanto nas lideranças militares como nas lideranças civis. E, aqui, começam as clivagens entre os que “o Ultramar não se discute” e os que afirmam que é melhor “olhar para a casa do(s) vizinho(s)”, neste caso a Inglaterra e França, sobretudo esta com o problema argelino.
6 – Penso, que as lideranças civis, tanto do EN como da Oposição estão de acordo. Quem está ligado ao EN não quer ouvir falar num possível abandono, mesmo que a prazo, do Ultramar. Quem está ligado à Oposição, nomeadamente os herdeiros de Bernardino Machado e Afonso Costa, que consideravam África “Chão Sagrado”, apenas pretendiam discutir a melhoria da administração ultramarina e o bem-estar dos povos ultramarinos portugueses. Na liderança militar o caso era mais complicado. E compreende-se. Porque se a casa entra em dificuldades os militares são de imediato chamados. Por isso até são militares. Mas também são cidadãos. E daí… duas linhas distintas: a atlantista e a africanista. A atlantista tinha já pé firme dentro do Conselho de Ministros na pessoa do ministro da Defesa Nacional general Botelho Moniz.
A linha africanista a nível muito poderoso continuava a ter como o mais acérrimo defensor o coronel Santos Costa, o substituído ministro da Defesa Nacional. E tanto assim é, que em 1959, em reunião do Conselho Superior de Defesa Nacional, o general Botelho Moniz entra em colisão com o Chefe do Governo. Botelho Moniz pede atenção para a futura situação em África para evitar que o país entre em guerra. Oliveira Salazar chama a atenção do ministro para o prescrito na Constituição da República Portuguesa, e sendo assim, todos deviam estar preparados para os tempos que se avizinhavam. Salazar respondia desta forma às dúvidas levantadas. Só havia portanto uma coisa a fazer: uma mão na charrua e a outra na espingarda.
7 – E aqui é de abrir, talvez, as razões de dois portugueses que amavam profundamente o seu País. Comecemos por Botelho Moniz. Antes de ser ministro da Defesa, tinha sido CEMGFA e Ministro do Interior de Salazar. Como CEMGFA conhecia bem as Forças Armadas de terra, mar e ar. Como Ministro do Interior conhecia bem a máquina administrativa e policial e sobretudo os relatórios que lhe chegavam do sentir do povo português. Na questão ultramarina não lhe tinham passado ao lado incidentes muito graves em África. Nomeadamente a “Revolta de Batepá” em S. Tomé e Príncipe” em 1953, quando as populações se revoltaram contra a obrigatoriedade do cultivo do cacau e da cana-de-açúcar que, por baixo, teria custado um milhar de vitimas. O governador de STP é chamado a Lisboa sendo de imediato demitido das suas funções. Em 1956, no porto de Lourenço Marques, estivadores entraram em greve por melhores condições de trabalho e salariais e, chamada a polícia, fecham-se as saídas e entradas, e o cálculo ronda as cinquenta vítimas, fora as prisões efectuadas. Na Guiné, em 1959, no porto de Pidjiguiti, os estivadores reclamam por melhores condições no seu trabalho e como consequência, sem olhar a meios, foram duramente reprimidos.
Em Angola bastava ler os relatórios do Professor Doutor Silva Cunha, que acompanhou Marcello Caetano na sua primeira visita a África na década de 40, para ficar ciente que as associações africanas de cariz secreto e religioso, tudo já faziam para que as populações de Angola se revoltassem.
8 – Do lado de António de Oliveira Salazar também encontramos razões para que sentisse que África não era passível de discussão e não estarmos tão angustiados com possíveis complicações. Ele lá tinha, sem sair do País, as suas velhas cumplicidades. Uma era o Secretário de Estado norte-americano Jonh Foster Dulles (muito poderoso) da administração Eisenhower que, face à intenção de Pandita Nehru invadir Goa, muito simplesmente o avisou que, para os americanos, Goa era província portuguesa. O Pandita nem se mexeu face ao aviso. Mas há mais. Oliveira Salazar sabia da grande admiração que o Imperador da Etiópia tinha por Portugal e pelos feitos dos portugueses de antanho. Pois convide-se o Imperador para visitar Portugal.
E Hailé Selassié visita Portugal de 26 a 31 de Julho de 1959. Mas o melhor estava para vir. O Imperador passava primeiro por França e dali vinha para Portugal. E suprema honra que Salazar lhe deu, perante o espanto dos líderes da altura. Manda a fragata Nuno Tristão, da Marinha de Guerra, ao porto francês de Bayonne, onde ele embarca para visitar o nosso País. Mas para que ele, Imperador, se sentisse mais honrado, a Marinha de Guerra envia mais dois contratorpedeiros para escoltar a fragata em que ele estava embarcado. Hailé Selassié não cabia em si de tanta satisfação. E tudo aceitou, sabendo o que Portugal pensava do seu Ultramar.
9 – Mas também o organizador da Conferência de BANDUNG, o Presidente Soekarno da Indonésia, o político que tinha dado o pontapé de saída para uma descolonização em larga escala, também conhecendo bem o pensamento de Salazar, passa por Portugal em 15 de Maio de 1959 a caminho do Brasil e teve a recebê-lo no aeroporto da Portela o Presidente Américo Tomás que lhe ofereceu um jantar no Palácio da Ajuda, tendo-o condecorado com a grã-cruz da Ordem de Santiago da Espada. Podemos dizer: foi um acaso. Não. Não foi. Porque é o mesmo Soekarno, que em 5 de Maio de 1960, vem de novo a Portugal, em Visita de Estado de três dias, ficando alojado no Palácio de Queluz. E sabia bem o que estava a fazer, ele que era o Padrinho e porta-voz dos “povos mudos” no dizer do Professor Doutor Adriano Moreira. Portanto todos, mas todos, tinham noção das consequências políticas dos actos oficiais em que estavam envolvidos. E a “amnésia” ainda não estava tão espalhada como nos dias de hoje. E Salazar ia marcando pontos na cena internacional. E quem disser o contrário… factos são factos.
10 – Mas, e para finalizar, voltemos ao “confronto” entre o Chefe do Governo e o seu Ministro da Defesa Nacional. O ambiente é tenso. Muito tenso. Pela primeira vez um membro do governo ousava enfrentar Salazar, e logo foi o responsável pela Defesa Nacional. Que não se calou perante o Presidente do Conselho. Salazar apesar do sucedido entende mais uma vez, que as Forças Armadas, tal como no século XIX e princípios do século XX, terão de responder à chamada caso necessário. E, entendo, que aqui, está aberto rumo para um qualquer Abril. Porque não havendo entendimento, um dos dois está a mais. No Governo. Mas não é para já. Mas vai acontecer. Estava aberto o caminho para um almoço, no Tavares Rico, entre o embaixador americano Charlles Burke Elbrich e o general Botelho Moniz. Mas só em 61. E a convite do diplomata. Convite feito em Fevereiro. Mas só “praticado” em Março. Prato principal: Salazar tem de ser afastado, se não quiser mudar a política africana. Sobremesa: o general pode contar com a compreensão dos americanos, caso seja ele a chefiar o afastamento do Presidente do Conselho. Mas fica para próximo texto. Que prometo ao Henrique para muito breve.
Base Documental e Investigação (entre outros): Coronel Viana de Lemos, Embaixador Franco Nogueira, Embaixador Calvet de Magalhães, Professor Doutor Adriano Moreira, Almirante Américo Tomás, Mestre José Freire Antunes, AHM.
Não há dúvida que parece uma pergunta estúpida! Toda a gente sabe (pensa que sabe!) o que é a UE.
Depois da sua criação e, sobretudo, com a imposição do Euro, a UE passou a ser aquilo que há muitos anos escrevi: áreas suburbanas da Alemanha.
Que o Hitler foi burro, isso é mais fácil de se constatar. Berrou que nem elefante faminto, exterminou judeus, ciganos e homossexuais porque não gostava deles, copiou o desastre de Napoleão ao invadir a Rússia, o que o fez perder a guerra, quando podia ter ganho a Europa toda simplesmente com o poder da disciplina, indústria e ciência e tremenda capacidade do povo alemão, incluindo os judeus, mesmo que estes preferissem pertencer não a uma nação alemã, mas à nação judaica, o que não faria qualquer diferença.
Em 1933 Hitler é nomeado chanceler da Alemanha. O país estava destruído, faminto, desmoralizado. Havia fome, desemprego assustador, imensa falta de alojamentos, inflação estratosférica. Três anos depois inflação zerada, emprego quase total, automóveis para o povo, etc. A Áustria animada com o desenvolvimento económico dos vizinhos decidiu submeter-se e os sudetas pediram-lhe que tomasse conta da região deles na Checoslováquia, porque estavam na miséria.
A Alemanha expandia-se e o povo alemão delirava e orgulhava-se do que tinha feito em tão pouco tempo. Deixara de ser enxovalhado pelos “aliados” e toda a Europa invejava o progresso daquele país. Depois assinou um covardíssimo acordo com a URSS para dividirem a Polónia entre eles. E aqui começa a guerra.
Esta introdução, que não pretende fazer a apologia dum assassino anormal, abrenuncio, mostra que foi possível através de discursos políticos devolver ao povo alemão a sua dignidade e moral, e uni-lo ao ponto de seguir um líder louco. Mas líder.
E se Hitler não tivesse sido um assassino? Não tivesse tentado exterminar judeus e outros, mas mantido todos os alemães unidos pelo mesmo sentimento de valores humanos que lhes haviam sido roubados pelo Tratado de Versailles?
A Europa teria seguido no seu rasto. Nacional Socialismo? Fascismo? Talvez.
O que une hoje a “União” Europeia?
O Euro?
O Euro em vésperas de falência, com o seu valor no mais baixo patamar, com alguns industriais dando risada porque isso facilita as exportações?
Os chamados países do Sul – Grécia, Itália, Portugal e outros – de corda na goela para cumprir as exigências duma corte inútil e faraónica, que custa uma fortuna imensa aos estados-membros, que se “assenta” em Bruxelas e Estrasburgo, ditando leis bestas que vão favorecer os descendentes do famigerado Adolf, não deixando aos países liberdade para resolverem os seus próprios, e muito próprios, problemas regionais.
Tal como o famigerado BES e muitos outros bancos, hienas esfaimadas à procura do lucro e só lucro, a UE encheu os países dos “pobres” de dinheiro e luxo, endividou-os de tal forma que hoje vivem um período de sofrimento. Inadimplentes.
Pelo que se sabe, bem mais da metade da população dessa UE “arrenega” a hora em que enfiaram a touca, de ouro, que estão a pagar deixando de comer.
Não é só o Euro que desune a Europa.
É também o medo. O medo de verem os seus países falirem, e o medo do crescendo jihadismo.
O Estado Islâmico, encontrou um discurso, igual aos urros hitlerianos, com a grande vantagem de estar a unir à sua volta milhares e milhares de cegos, que vêm nele algo de forte, imbatível, positivo, mesmo que abominável aos olhos do chamado inocente e pretensamente moralizador ocidente. (Olha o Hitler aí!)
Onde está hoje o político, um só que seja, capaz de mostrar aos europeus os seus valores, a sua cultura, os seus brios, quer seja na terra de Platão, Rousseau, Lutero, Shakespeare, Cervantes, Homero, Afonso de Albuquerque, Spinoza, Comenius, e tantos outros?
Há um líder, sim. Mas espiritual. O grande homem que é o Papa Francisco. Mas só consegue unir os católicos e...
Fica no ar a pergunta: o que une hoje os europeus?
O Euro, não; o medo da infiltração terrorista, sim, e para muitos também o discurso, igualmente hitleriano do inimigo da Europa, Putin, mesmo sendo reconhecidamente um assassino, congrega a quase totalidade da população russa, que o aplaude, dentro e fora das fronteiras da Rússia.
Na França, com a jihad por todos os lados, o auxílio aos países francófonos de África, o cansado discurso dos “valeurs de la Republique, la laicité et la liberté”, em que poucos já acreditam, e com o pavor da subida do Front National, o que os une? Mais de dois terços são anti UE, os agricultores sofrem uma tremenda concorrência dos países vizinhos, sobretudo da Espanha, o desemprego aumenta, vai-se valer agora um pouco da queda do preço do petróleo e da desvalorização do Euro. E depois?
A Itália, onde chegam todos os dias milhares de imigrantes do Magreb, Síria, Iraque, Afeganistão, não sabe mais como lidar com isso. O mesmo com a Grécia que viveu até agora à sombra acolhedora de Afrodite, deixando a administração do país num γλυκιά απραξία – dolce fare niente?
Portugal, isolado e pequenino, depois de ter perdido o seu “glorioso império” e ter jogado infantis esperanças em Angola, como vê o futuro?
A UE, atacada por todo o lado: do leste longínquo, os americanos e a sua voragem capitalista-consumista que ajuda a destruir as famílias, e o seu exemplo de racismo! Na fronteira leste o expansionista chamado tzar Putin, o grande (!), e “logo ali”, na Próximo Oriente e no Magreb, pelo inexorável, e até agora imparável, avanço da jihad. E até da China a perspectiva de banca rota das industrias europeias.
A UE vive à sombra da história: como foram grandes os nossos antepassados!!! Wellington, Aquiles, Napoleão, Cristóvão Colombo, Rommel, Bartolomeu de Gusmão, Júlio César, e tantos outros.
E vive sob o peso dos “pecados” cometidos, numa democracia indolente, preguiçosa, com direitos humanos abestalhados e ultrapassados, e como criança com medo de fantasma, esconde-se, e aguarda pacientemente o que o futuro lhe trouxer, como boi a caminho do matadouro.
Os inimigos... avançam. O capitalismo, o sovietismo disfarçado de democrata e o extremismo jihadista. E com toda a ferocidade. Se o “menino medroso” não se levantar e pegar em armas, sejam elas quais forem, para lutar, algum dos bichos papões, ou todos, vão devorá-lo.
Mas... onde encontrar um líder para guia? Marine Le Pen? Tsipras? Pablo Iglesias Turrion? Que outros?
Ou como o Brasil num des-governo com 39 ministros! Sabem porquê? Se fossem 40 então estaria certinho:
Conheci intimamente um xeque venerável, grande sábio em ciências religiosas, mestre de prodigiosa memória que recitava sem esforço trechos da tradição e que consultava quotidianamente o Corão de que foi um exegeta avisado. Era um homem todo ele prudência, gradação e subtileza nas suas interpretações quando se encontrava num estádio médio, longe das aflições melancólicas da depressão e não encorajado pela excitação colérica do maníaco. Mas bastava que a regulação química se perturbasse e que à aproximação da sua fase maníaca os sais de lítio mal doseados não conseguissem aplainar as asperezas que conduzem o indivíduo à crise, para que nele o regime da referência corânica mudasse. O xeque já não evocava então os versículos delicados, tolerantes, cheios de compaixão pelo outro na fé; era incitado pela parte guerreira e redutível do Corão, começava a zurzir os vestígios de jâhiliyya e a idolatria que perturbam ainda a idade contemporânea. Se o tivéssemos deixado agir, teria destruído os vestígios arqueológicos, estátuas ou outros sinais de qualquer culto pagão das imagens. Na sua excitação, atingia o mesmo estado que levou os talibãs a destruir os budas de Bamiyan bem como as peças arqueológicas conservadas no museu de Cabul.
Este retrato deverá ser entendido como uma alegoria que revela a dupla face que a palavra corânica encerra e que confirma que a doença do Islão se referencia a partir da figura do maníaco.
Deste ponto de vista, o Corão é um livro análogo à Bíblia tal como a redescobre Voltaire no seu Tratado sobre a Tolerância.
Existe nas revelações monoteístas uma parte guerreira, fanática, violenta, redutível. É esta face que a doença favorece. E a doença assinalada por Voltaire entre os seus correligionários releva, também ela, do estado maníaco:
«A melhor forma de diminuir a quantidade de maníacos, para não ir mais longe, é a de entregar esta doença do espírito ao regime da razão, que ilumina lenta mas infalivelmente os homens.»
(...) O zelo fanático dos [almóadas] está provavelmente na origem da extinção do cristianismo autóctone no Magrebe[1] que era tão antigo e estava tão enraizado quanto o cristianismo copta do Egipto, ou árabe, sírio e caldeu do Próximo Oriente.
E é sempre o mesmo trecho corânico que é invocado por aqueles que instauram o fanatismo e a intolerância no coração do Islão deles[2].
Abdelwahab Meddeb
In “A DOENÇA DO ISÃO” – ed. Relógio D’Água Editores, Março de 2005, pág. 186 e seg.
[1] -Lembremo-nos de que Santo Agostinho era tunisino.
Um artigo de Vasco Pulido Valente - «Folhas Mortas?» - (Público, 22/3/15), jornal trazido pela mão fraterna da minha irmã, ontem, juntamente com as amêndoas da Páscoa, artigo que leio hoje, com o prazer de sempre, revivendo Yves Montand, e simultaneamente lembrando a minha Mãe, que completaria hoje 108 anos, se não tivesse partido há dois anos, «moi qui t’aimais, toi qui m’aimais”, para onde nunca saberemos onde fica. Mas ela está, e é connosco que fica, bem florida na sua campa partilhada com a gente boa que lhe rodeou a vida – o seu marido, a sua irmã Clara, o seu genro - «moi qui t’aimais, toi qui m’aimais”, on s’aimait bien et l’on continue. Campa que a minha irmã se encarrega de embelezar, sempre atenta ao pormenor artístico, sinónimo do prazer de viver, contemplando toda a maravilha que nos fornece o universo, prova da existência de um ser superior para um Rousseau sensível e brilhante. O mesmo prazer que se sente na leitura de um bom artigo de jornal, como este de Vasco Pulido Valente, também prova da existência de um Deus criador, na concepção racionalista de Voltaire, verdadeira também na pintura de um quadro, ou na decifração de um enigma, na resolução de um problema complicado, ou na descoberta de um remédio eficaz, expressão das potencialidades intelectuais ou artísticas desse ser, ao sexto dia criado do pó, conquanto edénico.
Este artigo de Vasco Pulido Valente levou-me aos tempos do liceu, onde havia jovens como esses de quem fala, ledores da cartilha marxista e por isso chamados a prestar contas perante a PIDE-DGS, que lhes invadira as estantes domiciliárias com ferocidade destruidora. Recordo o Rui, o Gil, o Horta, não sei se o Miranda e o Pereira Leite, também todos eles deslumbrados, na sua adolescência de rebeldia e novidade ideológica, de quem julgava ter descoberto a pólvora e desprezava a sociedade burguesa conservadora e preconceituosa a que pertenciam as suas famílias, que provavelmente os educaram na liberdade de pensar, talvez elas próprias contestando as grilhetas impostas por um governo autoritário, mas naturalmente submissas às regras seguidas. Recordo o meu Pai, contando, a rir, a história de um colega seu que um dia foi votar por desfastio no único partido existente e escreveu no seu voto: “Eu e o meu cão Farrusco votamos na União Nacional.” Era assim, o meu Pai, como a maioria dos cidadãos, seguindo as regras, por respeito, por princípios de obediência e educação, reservando para a família ou os amigos as graças das suas reservas políticas. Respeito como hoje se encontra ainda entre a maioria dos ingleses, quando fazem, com veneração, a trasladação dos ossos encontrados de Ricardo III para junto dos seus parentes York.
Velhas histórias que vão ao encontro das que Vasco Pulido Valente traz uma vez mais ao palco das suas evocações, transformadas pelo seu senso crítico, nascido do saber feito de leitura e de vivência acumulada de todos estes anos que passaram, de viragem nesse sentido libertário que os jovens de então pretendiam, e que se revelou catastrófica pelos excessos cometidos em sucessivos governos de abertura para o povo carente de direitos, pretexto para uma manipulação destruidora do equilíbrio governativo.
“Folhas Mortas?”, o excelso texto de Vasco Pulido Valente, que me lembrou a minha Mãe de 108 anos - hoje, na nossa lembrança - uma mulher tão viva, tão enérgica, tão humana, em toda a acepção do termo. Um texto que ousa apontar a profunda ignorância dos “Álvaros Cunhais” daquele e deste tempo, confinados aos seus slogans admirativos ou de repulsa revolucionária. Também eu adorei Sartre uns anos mais tarde, sobretudo o das peças dramáticas e nas descrições de Simone de Beauvoir, com o espírito admirando, com encanto mas sem parcialidade, relativizando os conceitos e as atitudes e contestando por vezes os princípios irreverentes ou de revolta facciosa.
“Folhas Mortas?” com interrogação, o título do texto de Pulido Valente, sugerindo resposta negativa, na identidade espiritual entre esses idealistas de outrora e os de agora, os de agora mastigando as sínteses vindas do passado, de pura revolta não por amor mas por ódio.
Não, não estão mortas as folhas, como não estará morta a recordação da nossa Mãe que a canção de Yves Montand pode também abranger, «Moi qui t’aimais, toi qui m’aimais». Et encore…
FOLHAS MORTAS?
Vasco Pulido Valente
Resolvi fazer uma visita ao meu passado, o que evidentemente implicou ler o que lia há 50 ou 40 anos. Não tudo, claro, só aquilo de que ainda me lembrava e que, por uma razão ou por outra, tinha sido importante na minha vida.
De livro em livro, fui percebendo que desde muito cedo fiquei fixado nas duas grandes polémicas do tempo: a natureza do comunismo soviético e as pretensões científicas do marxismo. Ninguém acreditaria hoje no entulho que pouco a pouco acumulei sobre assuntos com tão pouco interesse e, em si próprios, tão claros. Mas na atmosfera de esquerda da minha casa e da universidade, eles exigiam tempo, zelo e proficiência. E não me desculpo porque toda a “inteligência” da Europa (excepto em Inglaterra) também não pensava em mais nada.
A Ditadura complicava as coisas. Os sermões dos “maîtres à penser” não se vendiam ao balcão como qualquer legítima mercadoria. Alguns beneméritos acabavam por os vender clandestinamente. Ou meia dúzia de intermediários acabavam por os trazer de Paris. Para seu mal, o regime do dr. Salazar não deixou que o descrédito do marxismo e do estalinismo (já quase completo em 1973) chegassem a Portugal. Aqui, a esquerda continuava a ler Althusser e a falar com inteira seriedade da “prática económica”, da “prática política” e, principalmente, da “prática teórica”. E gente, que depois deslizou para um liberalismo analfabeto (“neo” ou não), não se calava com o “corte epistemológico” de Marx e a soturna realidade genericamente apelidada de “Aparelhos Ideológicos do Estado”. Esta alta idiotia, sob formas variáveis, nunca os deixou.
Estava na televisão, em 1975, quando Cunhal, um estalinista indecoroso e beato, proibiu com a ajuda do MFA um documentário em que se mencionava de passagem a purga ao Exército Vermelho de 1938. Nessa altura, a Europa conhecia Kravchenko, Souvarine, Serge, o relatório de Khruschev ao XX Congresso, e também Koestler, Orwell, Milosz e Solzhenitsyn. Infelizmente, Portugal era uma ilha de iletrados em que se admirava o PC e se persistia em venerar Sartre. Porquê ir agora buscar esta velha história? Porque ela deixou a sua marca na cultura política portuguesa: a intolerância que reapareceu e aumenta dia a dia de ferocidade; a desonesta e facciosa simplificação da crise (da direita à extrema-esquerda); e a terrível ideia de que o Estado pode formar e corrigir a sociedade. No Portugal arcaico, que é o nosso, estas ressurreições não animam.