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A bem da Nação

Burricadas - 5

 

Chuva de molha-tolos ( V )

v      Será já a temida crise financeira que de tempos a tempos nos visita? Não creio – ainda que a miopia de uns, a insensatez de outros, a imprevisão de tantos e as desatenções dos supervisores tenham espalhado as sementes da crise por tudo quanto é sítio.

v      Comece-se pela liquidez no sistema bancário. Sabe-se hoje que não existe o que seja um stock óptimo de liquidez para a economia. Mas sabe-se também que os capitais próprios e a exposição ao risco traçam um limite à expansão dos Bancos – e, por consequência, à variação da liquidez com origem nos empréstimos bancários.

v      Ora, as nuvens de crise vieram lembrar que a liquidez conta - sobretudo quando a contrapartida da sua emissão envolve riscos em crescendo e exige capitais próprios.

v      Prossiga-se com os “derivados de crédito”. Contratos padronizados, bem testados em lides judiciais, não podem ser (mas foram) colocados em pé de igualdade, para efeitos prudenciais, com contratos avulsos, cuja interpretação nunca foi posta à prova. E, quando se trata de medir riscos, as actividades OTC não podem ser (mas foram) equiparadas às actividades que se desenrolam em mercados organizados.

v      E sem mercados organizados não há sistemas financeiros sólidos. Até porque as normas contabilisticas continuam a lidar mal com as responsabilidades contingentes.

v      Passe-se às garantias hipotecárias. Fazer vista grossa ao modo como elas aparecem valorizadas nos Balanços dos Bancos, e supô-las livres do risco de mercado, não augura nada de bom. Dispensar os Bancos de divulgar o rácio de cobertura que lhes aproveita, também não. Dizer que não há alternativa porque o mercado imobiliário está longe de ser perfeito, só dá mais força à pergunta: então porquê conceder-lhes um tratamento mais favorável em matéria de adequação dos capitais próprios?

v      Enfim, os encadeamentos de operações que, só na aparência, removem o risco dos Balanços dos Bancos, dispersando-o - sem dúvida um problema bicudo, sempre que a consolidação das demonstrações financeiras não consiga captá-los.

v      Tudo isto era por demais sabido. Tal como não se ignorava a importância da disciplina do mercado (a vigilância pelos pares) para a estabilidade dos sistemas financeiros.

v      O que passava despercebido era o modo como a desejada estabilidade dependia também de três outros factores: (1) o peso dos encargos de estrutura na margem recorrente (as receitas imunes aos riscos de mercado, deduzidas dos custos firmes para obtê-las) de Bancos, Seguradoras e afins (que vou designar por Bancos, apenas); (2) o dividend yield (a fatia dos lucros que é distribuída aos accionistas) praticado pelos Bancos de referência; (3) a atitude dos accionistas minoritários.

v      Num cenário de crise provocado por uma explosão de riscos (como parece poder vir a ser o caso), a solução óbvia passa pelo “emagrecimento” dos Balanços dos Bancos (consequência imediata de uma menor apetência pelo risco) - e, nas situações mais gravosas, inevitavelmente, por entradas de capital.

v      Em geral, a aversão ao risco é sinónimo de quebra nas receitas brutas recorrentes. Em tais circunstâncias, se os Bancos possuírem uma estrutura pesada, pouco sobrará, uma vez pagos os custos firmes (isto é, não contingentes).

v      No limite, a alternativa para a gestão dos Bancos é diabólica: (1) ou faz o que tem a fazer, e pode registar EBITDA (Excedentes Brutos de Exploração) insuficientes, quiçá negativos, que vão ratar nos capitais próprios; (2) ou foge para diante, e expõe-se a ainda maiores riscos, o que exigirá capitais próprios cada vez mais elevados para continuarem em linha com o previsível aumento das perdas.

v      Por isto, o peso dos encargos de estrutura na margem recorrente é um indicador que as Autoridades de Supervisão devem acompanhar de perto. É ele que revela a sensibilidade do risco sistémico a cenários de credit crunch (redução abrupta do volume de novos empréstimos bancários). Foi ignorado até hoje. Vê-se, agora, ao que isso conduziu.

v      Nas actividades sujeitas a capitais mínimos (como Bancos, Seguradoras, etc.), é comum a ideia de que parte substancial dos lucros deve ficar retida para reforçar a capitalização dos Bancos. Com algum exagero, dir-se-ia: Bancos, quanto mais capitalizados, melhor. Será assim? Sim e não.

v      Sim, se o Banco em causa estiver insuficientemente capitalizado e/ou se existirem no mercado mais oportunidades de negócio com um grau de risco que os seus capitais próprios permitem ainda acomodar.

v      Não, se, na esperança de manter a rentabilidade dos seus capitais próprios, o Banco for levada a assumir riscos cada vez maiores (ou a praticar condições que não comportem a perda esperada a que se expõe). [Vem a propósito recordar que o binómio retorno/risco (ou máximo retorno para um dado risco; ou mínimo risco para uma dada taxa de retorno) tem por solução óptima uma carteira com uma determinada composição, é certo, mas sempre, sempre de dimensão finita.]

v      Pode parecer paradoxal, mas animar os Bancos a aumentarem indefinidamente os seus capitais próprios agrava o risco sistémico. Em conjunturas de bolha especulativa, é mesmo recomendável que os lucros sejam integralmente distribuídos.

v      Mas, para isso, o regime fiscal não pode tributar duplamente os dividendos (num primeiro momento, no património da empresa que os paga; seguidamente, no património do accionista que os recebe), muito menos pode dar às mais valias (que reflectem, em parte, o direito aos lucros retidos) um tratamento de maior favor.

v      Regressando por momentos aos empréstimos hipotecários subprime: nos últimos anos, a pretexto de que os choques sofridos não estavam ainda completamente superados, o dividend yield no sector financeiro norte-americano ficou sempre abaixo da média histórica. A crescente capitalização, combinada com a descida das taxas directoras, ia levar muitos Bancos a exporem-se a maiores riscos para aguentar a rentabilidade dos seus capitais próprios.

v      E é aqui que entra a atitude esclarecida, exigente e interveniente dos accionistas minoritários. Sem estes a pressionarem, a tecno-estrutura (à J. K. Galbraith) dos Bancos tende a prosseguir objectivos próprios de dimensão (quota de mercado) que, com o tempo, vão abalar a solidez do sistema financeiro. Mas não se vê como possam surgir minorias assim, quando o regime fiscal as penaliza.

v      São ainda os accionistas minoritários, com as suas perguntas incómodas, que podem complementar a disciplina do mercado (o 3º pilar do Basileia 2) e a supervisão (o 2º pilar) em tantos aspectos da actividade dos Bancos. São eles que estarão na primeira linha contra o empolamento das estruturas e o aumento dos custos fixos. São eles quem mais beneficia com dividend yields elevados. São eles, enfim, que ao pugnarem pelos seus próprios interesses, acabam por ajudar a conter o risco sistémico.

v      E, ironia do destino, são eles que, em termos relativos, irão suportar o maior quinhão (em inglês soa perfeito: more than their fair share), quer das medidas destinadas a prevenir a crise, quer das consequências da própria crise, se ela se desencadear.

v      Mentes cínicas concluirão que eles têm o que merecem - por acreditarem naqueles que dizem existir só para os proteger. (FIM)

A. PALHINHA MACHADO

Setembro 2007

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