A forma como o Governo vai apresentando as suas contas para o próximo ano é, naturalmente, sempre posta em causa, quer elas sejam feitas numa tentativa de melhoria (ainda que demorada), no que ninguém crê, quer sejam decisivas para piorar, o que toda a gente logo enfarda, para poder vomitar os impropérios do costume, indiferentes às condicionantes do status que as ditaram.
Vasco Pulido Valente, faz, como sempre, uma análise lúcida, mas tão frígida e distante como é a indiferença que ele atribui ao Governo a construir o seu Orçamento do Estado para o próximo ano. Porque só repara nos efeitos do modo sobre o tempo, não nos efeitos do tempo sobre o modo. Tempo de dívida, de crise, tempo de penúria, e os seus efeitos sobre uma sociedade sem expectativas, sem esperança. Compara com a “grande depressão” em que a penúria se traduziu em consciência de um tempo irrecuperável – o de anos de felicidade perdida. Para Vasco Pulido Valente, as palavras do Governo sobre a crise – de desemprego, despedimentos, corte nos salários, penhora, trapalhada na colocação de professores, fome pura e simples – não descrevem a realidade, na sua frieza abstracta e ausência de calor humano.
É certo. Esses termos reais não traduzem o horror e a humilhação que provocaram em tantos casos – de casais com filhos, ambos, de repente, desempregados e a ter que recorrer a sopas alheias, de crianças com fome, de velhos desamparados, de jovens sem futuro… Serão também anos de tempos de vida irremediavelmente perdidos no cômputo das vidas de cada um.
Tudo isso é certo. Os tempos da 2ª Guerra, de seres encurralados e mortos em câmaras de gás, não contam no paralelo, porque esses morreram, sem mais perspectivas de vida. Ou os crimes repugnantes perpetrados pelos monstros que o mundo aceitou e vai aceitando, em tentativas de retaliação, é certo, mas quantas vezes impregnadas de cinismo, ao esconder na manga interesses económicos que fazem vender a arma a esses que depois combatem.
São imediatas e esfuziantes, como bichas de rabiar em faúlhas pelo chão, todas estas críticas a um Governo frígido a impor um Orçamento feito na sombra dos gabinetes, o qual logo é posto em causa, como responsável pela continuação da crise, por muito que os responsáveis por esse Governo apontem os dados positivos da sua actuação de três anos. Ninguém os crê, como ninguém crê em ninguém. Também porque sabem que o que se fez tem que ser feito, embora muitos achem que não, que quem nos emprestou dinheiro não precisa de ser indemnizado da dívida monstruosa em que nos afundámos descontroladamente, habituados que estamos a um parasitismo antigo, de dispor de serviços de outros, sem esforço de angariação pessoal.
Um homem tomou a peito o salvar o seu país e exigiu sacrifícios. E logo é atacado, sabendo todos que sem isso, menos hipóteses teremos de sobrevivência. E Vasco Pulido Valente que sabe disso mais do que ninguém, prefere a sua retórica destrutiva, na linha de uma bondade que não se afasta muito, afinal, do discurso monocórdico de uma esquerda a gotejar para a mesma banda, indefinidamente, monocordicamente, sem mudar uma vírgula, desde que a conheço.
«O tempo e o modo»
Se este Orçamento foi pensado como um exercício de reabilitação e propaganda, falhou. Há um erro de princípio que este Governo faz, e persiste em fazer, quando se trata de política económica. As palavras que usa para descrever a miséria portuguesa – desemprego, despedimentos, corte nos salários, penhora, falta e colocação de professores, fome pura e simples – não descrevem a realidade. Primeiro, são termos técnicos. Segundo, não contam com o tempo. Dantes, as biografias de autores que tinham vivido a “grande depressão” diziam sempre o que lhes sucedera nessa época de angústia e de catástrofe. As pessoas percebiam ainda que, para lá do sofrimento pessoal, a “depressão” lhes roubava o que nunca lhes poderia voltar a dar: o tempo perdido. Cinco, seis, sete anos da vida que tinham imaginado para si.
A crise que nos sufoca desde 2011 também interrompeu, ou suspendeu, a vida de milhões de portugueses: velhos, novos, na idade da força e na idade da fraqueza. Os mais novos perderam o entusiasmo e a curiosidade por um futuro independente e adulto. Os mais velhos perderam a tranquilidade de uma existência relativamente segura e, às vezes, confortável, tremendo, à espera do próximo desastre. O grosso do país, mesmo a parte que não sofreu directamente estados de irremediável carência (e essa é pequena), ficou mutilado; por outras palavras, permanentemente diminuído. O que talvez tivesse sido sem a crise será a medida de tudo o que vier – e é uma medida implacável para os sábios que nos trouxeram aqui, em nome de uma lógica que ninguém percebe e por que ninguém se interessa.
O ressentimento, o rancor, o puro ódio que se acumularam – e que as cenas dos políticos dia a dia acirram – não desaparecem com o falso alívio que o Orçamento pretende trazer. A cena, de resto, conduzida e representada por indivíduos que não se distinguem pela inteligência, incluiu números de pura pornografia: a diatribe do primeiro-ministro contra o “fanatismo orçamental”; a “fiscalidade verde” para seduzir uma população sem trabalho e uma juventude sem carreira; e a junção a essa sopa turva de uma súbita preocupação com a natalidade para sublinhar os pequenos descontos no IRS, que supostamente exprimem o amor do Governo pela Pátria e pela família. O Orçamento não chegou a tempo, nem veio num modo susceptível de amansar o putativo eleitorado de 2015. A julgar por ele já não está em causa a sobrevivência da maioria, está em causa a sobrevivência do PSD e do CDS.
Páginas de Guerra
Por Paula Almeida, Técnica Superior
Num 30 de outubro:
1939– A União Soviética anexa formalmente os territórios polacos ocupados. - Em Berlim é assinado um acordo germano-letão para a evacuação de alemães das regiões do Báltico. -Na Grã-Bretanha, estreou o primeiro filme de guerra sobre o conflito, O leão tem asas, um noticiário sobre um ataque aéreo britânico a uma frota alemã. -Em Londres, um documento branco governamental expõe a brutalidade nazi sobre os judeus, incluindo o sistema de campos de concentração.
- 1941– Franklin Delano Roosevelt aprova o empréstimo de Um bilhão de dólares para ajuda às nações aliadas.- Mil e quinhentos judeus da Pidhaytsi (no oeste da Ucrânia) são enviados pelos nazis para o campo de extermínio de Belzec.
- Na frente oriental, a operação Tufão é interrompida até que o inverno chegue. A lama profunda provocada pelas chuvas de outono imobilizou os veículos alemães.
1942 –Os Tenentes Tony Fasson, Able Seaman Colin Grazier e o assistente de cantina Tommy Brown do HMS Petard board U-559, recuperaram material que conduzirá à decifração do código alemão Enigma.
1943- Na Itália, Quinto Exército dos EUA captura Mondragone, na costa oeste, depois de penetrar as linhas de defesa alemãs Barbara. Outros elementos do exército, mais para o interior, continuam o seu avanço.
1944 –Anne Frank e sua irmã Margot são deportadas do campo de concentração de Auschwitz para o de Bergen-Belsen - As câmaras de gás em Auschwitz são utilizadas pela última vez. - Em Leyte, nas Filipinas as tropas da Sétima Divisão de Infantaria do exército americano tomam Dagami. - Na Frente Ocidental, elementos de Primeira Divisão do Exército canadiano lutam em Beveland do sul, na Holanda, e alcançam o Canal de Walcheren. -Em Caserta, na Itália libertada, o governo grego no exílio proíbe a Milícia Nacional ELAS, um movimento de resistência comunista.
É bem conhecida a importância da matéria orgânica na fertilidade do solo agrícola. No entanto, muita matéria orgânica, que podia ser utilizada para esse fim, é levada para aterros. Para reduzir esse desperdício devemos procurar forma de a usar. Já repetidas vezes lembrei a produção de biogás, uma forma de energia renovável que Portugal tem negligenciado, mas que é utilizada noutros países. Tratarei hoje de um outro caso, especialmente aplicável aos muitos quintais que existem junto às habitações: a compostagem.
A Câmara Municipal de Oeiras, em tempos, distribuiu gratuitamente umas caixas de madeira, com cerca de um metro cúbico, onde se podiam acumular os detritos orgânicos da casa e do quintal, para se decomporem e formarem aquilo a que se chama “composto”. Também há à venda, para o mesmo efeito, caixas em plástico. Mas essas caixas são dispensáveis, especialmente se o quintal não for muito pequeno e houver abundância de detritos de material vegetal. Basta ir empilhando os detritos, quando possível encostados a um muro. Para dar ao monte de detritos a forma de um cubo ou de um paralelipípedo, para melhor aproveitamento da superfície ocupada, podem ser cravadas canas ou varas, como se fossem os lados da caixa, como se mostra na figura. No verão convém regar a pilha do composto porque sem humidade não há decomposição da matéria orgânica.
O tempo que os materiais orgânicos levam a decompor-se varia muito. Folhas e caules verdes decompõem-se facilmente, mas materiais mais grosseiros, como caules muito lenhificados, levam mais tempo. O produto final é um excelente fertilizante, muito bom fornecedor de azoto, um dos elementos de que as plantas necessitam em grande quantidade.
A propósito, talvez valha a pena lembrar que as cinzas das lareiras também são um bom fertilizante. São fornecedoras de fósforo e potássio, outros dos elementos que as plantas consomem em grande quantidade. São, portanto, um bom complemento do composto e, como este, devem ser deitadas no solo a cultivar e enterradas com a cava ou sacha.
Pode parecer insignificante um tal aproveitamento. Mas, considerando os muitos milhares de quintais a que ele pode ser aplicado, são toneladas de lixo que deixam de ter de ser transportadas para os aterros e é o aumento de fertilidade do solo de milhares de hectares, para incrementar a produção de mais e melhores frutos, hortaliças e flores.
Publicado no “Linhas de Elvas" de 30 de Outubro de 2014
A reforma política (bandeira dos todos os candidatos à actual presidência) é uma acção necessária e de consenso geral (povo, PT, PSDB, PSD...). É mais que acabar ou não com a reeleição e com o voto proporcional. É conhecer a força popular no que é voto distrital, é saber como funciona o Sistema maioritário, é mexer numa estrutura política complexa, eleitoreira, viciada e acomodada. Reformá-la é uma questão que exige seriedade, conhecimento profundo das leis políticas do país, o que são e fazem, as composições e coligações partidárias, quais são suas prerrogativas e delegações políticas. A imensa maioria do país vota sem saber nada disso, “emprenha” pelo ouvido aquilo que diz, o que mais alto grita!
O país precisa de leis feitas às claras, por quem tem conhecimento e competência para isso, e depois de elaboradas, apresentadas e aprovadas (ou não) pela população, para então serem promulgadas. Tudo feito de acordo com a nossa Constituição.
No Brasil, o Congresso Nacional (órgão de âmbito federal eleito pelo povo para legislar, fiscalizar e controlar o governo), é que tem essa atribuição. O que se deve fazer é cobrar do Congresso uma decisão.
Com a desculpa de consultar as ruas, a presidente quer passar como um tractor por cima de tudo isso, tirando do Congresso Nacional a sua função e representação legítimas! Então para que servem as nossas Instituições se não são respeitadas pela cúpula política da nação?... E onde ficam as regras da nossa democracia? Isso não é constitucional e nem desejável.... O povo que elegeu Dilma também elegeu os Senadores, deputados,...nossos representantes legítimos, no Congresso Nacional.
Nunca mais os ouvi, farta que estou de espectáculos de riso sem compostura pela TV, que de vez quando vira botequim ruidoso, de vozes explodindo, frases que se entrecruzam com mais ou menos graça. No caso do Eixo do Mal preferencialmente largando sentenças, por vezes pedantes, na convicção arrogante da sua verdade – embora a cultura da Clara me encantasse, e também o discurso trapalhão do Luís Pedro fosse o que, por vezes, mais me agradasse pela sensatez, por muito boba que se revelasse, em discurso trapalhão
Mas procurando os artigos de Alberto Gonçalves, deparou-se-me a magnífica caricatura de Durão Barroso, no DN de 26/10/14, por André Carrilho, uma mão na bandeira europeia apontando a saída àquele, todo fora dela e das suas doze estrelas, como pássaro de gordo bico e de olho meio fechado no esconderijo arguto da sua interiorização, mas vivo em saberes, a preparar novos voos vivenciais. E a caricatura levou-me ao artigo de Pedro Marques Lopes sobre o ex-presidente da Comissão Europeia.
Um artigo humilhante sobre DB, humilhante para nós também que produzimos destes seres sem iniciativa própria, robôs telecomandados, de que P.M.L. explica as origens da manipulação, provocando a indiferença ou o desprezo dos comparsas europeus, pelo untuoso e a opacidade das suas actuações apagadas.
Não sei se foi assim tão grave. Eu não gostava sobretudo dos seus discursos em inglês, muito mastigados, como se tivesse papas na língua. Ouvi-o defender a necessidade do euro para nós, apoiando Passos Coelho, sempre o ouvi apoiar Passos Coelho e fiquei-lhe grata por isso. Nem todos o fizeram nem fazem, Marques Lopes sendo um deles, atraiçoando-o com a sua crítica destrutiva, o que não abona sobre a sua própria idoneidade moral, seguindo ele o mesmo partido, trazendo-me à memória imagens passadas da multidão que virou comunista e outros istas aquando do reviralho. PML, pontapeando o Governo com tanta garra, prepara-se para assumir futuramente um posto de amizade no próximo reviralho.
Se as políticas da Sr.ª Merkel arrasaram a economia europeia, como se grita e PML mais alto ainda, penso que os que nos governaram deram origem há muito a este descalabro. Talvez a Sr.ª Merkel e o FMI não pudessem seguir outras metas. Que sabe o arrogante PML disso? Se não fossem eles onde estaríamos? Onde estaria a arrogância de PML? Ou doutros como ele, de barriga cheia a explanar teorias de solidariedade social…
E Durão Barroso fez o que pôde, como faria PML no lugar dele. Talvez pior ainda.
Artigo de Pedro Marques Lopes:
Tainha por cherne
O discurso com que os chefes de Estado e de governo da União Europeia se despediram de Durão Barroso foi feito por Angela Merkel. Não admira. O, até o dia 1 de novembro, presidente da Comissão Europeia, foi um venerador e diligente executor de todas as convicções, de todas as políticas, de toda a visão alemã para a Europa. O seguidismo foi tal que Durão Barroso deixou de contar. A partir de certa altura quem queria saber qual a posição da União Europeia perguntava primeiro aos representantes do eixo franco-alemão e depois simplesmente à chanceler alemã. As pessoas fazem, muitas vezes, os cargos, e Durão Barroso conseguiu transformar o seu numa espécie de sucursal dos interesses alemães.
Barroso seguiu o cherne da necessidade da expiação da culpa dos povos das economias periféricas.Esses malandros que viviam de bar em bar e gastavam à tripa-forra. Atacou com denodo o Tribunal Constitucional do seu próprio país e conseguiu fazer do FMI uma instituição equilibrada face ao fanatismo da Comissão que liderava. Colaborou activamente nas criminosas políticas que ajudaram a destruir ainda mais as economias periféricas e mais débeis e tornou-se uma espécie de campeão dos tremendos erros das troikas . No fim dos vários programas, as várias nações europeias não resolveram os seus problemas estruturais, pelo contrário, as suas economias ficaram mais frágeis, os Estados mais fracos, as comunidades mais desiguais.
Barroso deixa a União Europeia à beira da deflação, com um desemprego nunca visto (sobretudo jovem) e com as populações descrentes no projeto europeu. Nunca os partidos eurocépticos foram tão fortes e nunca houve tantas dúvidas sobre a convicção de que uma Europa unida seria boa ideia. Temos um conjunto de nações para quem a Europa deixou de ser uma prioridade e assistimos à renacionalização da política feita às claras.
Há quem diga que uma das vitórias de Durão Barroso teria sido a não morte da moeda única. Diria que o euro sobreviveu apesar do ex-primeiro-ministro português. Foram, em grande parte, as soluções que Durão Barroso apoiou que puseram em risco o euro e se há alguém a quem devemos a ainda existência da moeda única, muitas vezes contra corrente, é a Mario Draghi. Também podia referir-se em seu abono as vezes em que falou das eurobonds ou das necessárias alterações aos tratados europeus. O problema é que rapidamente esquecia as propostas ou mesmo se desdizia mal a Sra. Merkel ou o Sr. Schäuble contestassem as suas propostas.
Dizia Bernardo Pires de Lima, neste jornal, que Durão Barroso não tinha sido presidente da Comissão em tempos fáceis, mas que é nestas alturas que os políticos acima da média sobressaem. Não consigo sequer pensar, pelos resultados obtidos, em Durão Barroso como um político mediano. Provou ser simplesmente medíocre. Não admira que as instituições europeias e a própria União tenham chegado ao estado a que chegaram, tendo durante este período um político deste calibre, sequer formalmente, à frente dos seus destinos. O pior é que, às tantas, foi mesmo essa a intenção - mas isso é outra conversa.
Mais uma EFEMÉRIDE, chegada por email, que transcrevo, agradecida, de outros tempos, sobre outros comparsas:
Por Paula Almeida
28 de Outubro
1938 - Os nazis prendem 17 mil judeus de nacionalidade polaca a viver na Alemanha, expulsando-os de seguida para a Polónia, que lhes recusou a entrada, deixando-os na "Terra de Ninguém", perto da fronteira com a Polónia, durante vários meses.
1939 - Em Berlim, Himmler emite decreto sobre o Lebensborn, exortando as mulheres solteiras da Alemanha a dispensar o "costume burguês" do casamento para ter filhos racialmente puros.
1940 - A Itália invade a Grécia. Hitler e Mussolini encontram-se em Florença. Hitler esconde a sua raiva por não ter sido informado dos planos dos italianos e diz que tropas alemãs estão disponíveis se for necessário para manter os britânicos fora da Grécia e longe do petróleo romeno.
1941- O primeiro transporte vindo de Terezin chega a Auschwitz.
1944 O último transporte vindo de Terezin, com 2.000 judeus para serem gaseados, chega a Auschwitz. O armistício URSS-Bulgária é assinado em Moscovo. Existem orientações para a integração das tropas búlgaras no sistema de comando soviético, o que na prática já acontecia.
Naquela porta do «hospital» só entrava quem eu considerava que estava em condições de lá ir dentro para o tratamento apropriado; quem saísse daquela porta era por mim encaminhado ao destino que eu considerava conveniente. A preparação dos que haviam de entrar ao fim do dia fazia-se no meu gabinete; o encaminhamento dos que saíam fazia-se também no meu gabinete mas só na manhã do dia seguinte. Muitas vezes, a receita para os tratamentos já ia cá de fora rascunhada como sugestão e lá dentro era eu que a cantava para o «médico» a escrever pelo seu punho. Nunca o «médico» fez alguma pergunta sobre cada um dos que lá estavam em tratamento sem que eu respondesse prontamente, ou seja, eu tinha que saber tudo sobre cada caso.
Muitas vezes, ao fim-de-semana tínhamos que ir ver o que se passava nas «enfermarias» mas na segunda-feira seguinte voltava ao trabalho como se tivesse estado a descansar no Sábado e no Domingo.
Quando a minha filha mais nova nasceu, trouxe a minha mulher e o bebé para casa e lá fui eu estrada fora em ronda pelas «enfermarias». A minha mulher ainda hoje me atira isso à cara e essa nossa filha também já é mãe.
Quando o motorista me vinha buscar de manhã e me levava até ao meu posto de trabalho, eu invejava as pessoas que via nos passeios com ar descontraído e até prazenteiro. À noite, na volta, vinha tão cansado que já não via se os passeios tinham gente. Mas durante a semana nunca cheguei a casa depois da meia-noite.
O cansaço pode ser destrutivo e assim como o recruta só pensa em dormir, eu só ambicionava um fim-de-semana em casa com a família.
Foi a partir de então que considerei os fins-de-semana intocáveis.
Algum tempo depois desse «hospital» ter fechado, ainda andava eu estafado e a tentar retomar o ritmo normal dum simples Contribuinte, adoeceu fatalmente uma parente nossa que visitámos duas ou três vezes nos hospitais por que foi passando e lembro-me de, certa vez, o termos feito durante um fim-de-semana. O mais estranho foi que dei por mim a pensar que, sendo fim-de-semana, essa nossa parente deveria estar em casa sossegada com a família e não ali naquele sítio (pensei mas nunca o disse; escrevo-o agora pela primeira vez).
Mas o porteiro daquele hospital disse-nos que a nossa parente estava no quarto nº... do Serviço de... e que aquela era a hora de a podermos visitar. Entrámos e também ali não havia fins-de-semana.
O cansaço pode mesmo ser destrutivo da racionalidade e se não tenho grandes possibilidades de adivinhar o futuro, duma coisa tenho a certeza: nunca mais voltarei a ser porteiro dum «hospital», desses que o não são.
Interpretar algo dito ou feito, em todas as áreas em que acessamos, não é trabalho fácil, pois quem interpreta deixa sempre marcas pessoais e sofre influências geopolíticas e culturais do seu tempo. Além, é claro, de poder estar sujeito a manipulações contextuais que o levem a conclusões nem sempre verdadeiras.
Clemenceau era cirúrgico e irónico ao mesmo tempo, suas observações e visão realística não davam margem a devaneios. Coisa que não ocorre com a maioria das pessoas que, por exemplo ao lerem um texto, dão com frequência diferentes interpretações.
Mas permita-me relatar uma situação emblemática, mais corriqueira, que o teu texto me levou: tempo houve na escola secundária brasileira que estudar História era decorar datas e factos. Ninguém gostava! E quando o facto histórico era destrinchado, a interpretação vinha mastigada e já digerida com um cunho político marcadamente patriótico, demonizando o estrangeiro. Evidente manipulação do Governo que precisava despertar sentimentos nacionalistas num povo miscigenado adoptando livros específicos a serem lidos, ditos didácticos. Talvez seja por isso (lá vai a minha interpretação pessoal) que no Brasil, de maneira geral, a maior parte da população só se interessa por História e Política quando estas matérias sensibilizam de perto o leitor, como novelas contadas, fantasiadas, à maneira do autor, em que cada um dá a interpretação que mais se aproxima da sua visão pessoal e vivência real.
Quem sabe não está aí a explicação do resultado das nossas recentes eleições?...
O famalicense Joaquim Alves Correia de Araújo, enviado como Alferes-médico para a frente moçambicana em Maio de 1917, era um observador metódico e imparcial, virtude que tende compreensivelmente a rarear no cenário violento de um teatro de guerra, propício a emoções fortes e empolamentos patrióticos
Por isso mesmo é tão precioso o diário que nos deixou: um caderno de 77 páginas que uma sua sobrinha-neta, Teresa Araújo, historiadora e arquivista na Câmara Municipal da Póvoa de Varzim, tem vindo pacientemente a decifrar e que tenciona publicar em breve.
Destacado no posto de Chomba, onde se instalara um Hospital de Sangue e depois no Hospital dos Combatentes na ilha de Xefina, na baía da então Lourenço Marques, o jovem médico de Vila Nova de Famalicão esteve ainda noutros locais-chave do conflito e foi uma testemunha privilegiada da actuação das tropas portuguesas em Moçambique durante a I Guerra.
Um bom exemplo da sua objectividade, que em nada diminui a vivacidade dos seus relatos, é este passo do diário, transcrito por Teresa Araújo, no qual descreve o modo como se reagiu em Chomba à notícia de que “grossas colunas alemãs” tinham atravessado o Rovuma:
“Às 5h de 22 [de Julho de 1917] tudo batia em debandada. Automóveis e carregadores transportavam continuadamente pessoal e bagagens, não esquecendo os penicos. Os lugares eram disputados (…). Todos os serviços ficaram abandonados. O Director do Hospital pôs-se na alheta e deixou os doentes de que a custo se evacuou parte. Os medicamentos ficaram encaixotados. Tomei a direcção, por nomeação dos meus colegas que ficaram (…). A desordem era enorme, a confusão não se descreve…”.
Nos apontamentos do médico, diz a sua sobrinha-neta, percebe-se que respeitava mais os adversários alemães do que os aliados ingleses. E irritava-se deveras com o amadorismo das forças portuguesas, lamentando a “figura tristíssima que muitos oficiais fazem”, chorando e implorando para os mandarem para casa.
Ma o diário também regista momentos felizes: uma noite de Natal com o indispensável bacalhau, ou a notícia do armistício, a 11 de Novembro de 1918, que o médico celebrou com champanhe no vapor que já o trazia de regresso a casa.
Nascido em 1889 em Requião, freguesia do concelho de Vila Nova de Famalicão, Joaquim Alves Correia de Araújo era o segundo dos oito filhos de um casal de abastados proprietários rurais. O pai, Manuel, foi Presidente da Junta de Paróquia local e Vereador da Câmara de Vila Nova de Famalicão antes e depois da implantação da República. E muitos dos seus familiares exerceram, em sucessivas gerações, cargos públicos na Freguesia e no Concelho.
O seu irmão Armindo veio a presidir à Câmara de Famalicão na década de 50 e um seu tio, Francisco Alves Correia de Araújo, fora o primeiro Presidente da autarquia após o golpe de 1926 e voltou a sê-lo ao longo de quase toda a década de 30. Foi com o seu patrocínio, conta Teresa Araújo, que Manoel de Oliveira realizou em 1940 o documentário Famalicão. O intermediário terá sido um filho do autarca, Virgílio, que estudara com o futuro cineasta num colégio em La Guardia, na Galiza.
Manuel e a sua mulher, Bambina, eram suficientemente abastados para poder proporcionar uma educação cuidada a toda a sua extensa prole e Joaquim não foi excepção. Licenciou-se pela recém-criada Faculdade de Medicina do Porto, tendo defendido tese em Fevereiro de 1917, já após ter sido mobilizado, com um trabalho intitulado O método de Carrel e o soluto de Dakin no tratamento das feridas infectadas. No preâmbulo à sua tese, diz a sua sobrinha-neta, exprime a sua perplexidade pelo facto de os jovens médicos sem tese de final de curso poderem ser mobilizados para exercer clínica militar, quando estavam impedidos de a exercer enquanto civis.
Chegado a Moçambique, é integrado na chamada coluna dos Macondes e colocado no posto de Chomba, onde fica cerca de um ano. É depois transferido para o hospital de Xefina, onde terá usado um medicamento da sua própria autoria que, segundo memórias conservadas na família, obteve resultados excepcionais na luta contra a febre biliosa.
Regressado a Portugal, trabalhou no Regimento de Sapadores do Caminho-de-Ferro e no Hospital Militar da Estrela, em Lisboa, tendo sido promovido a capitão-médico em 1922. Pediu depois transferência para uma unidade de Santo Tirso, e quando esta foi extinta passou formalmente à reserva, embora tenha continuado a exercer medicina, designadamente no Hospital Militar do Porto, onde se manteve até 1947. Morreu quase octogenário, em 1968.
Uma super potência na Europa, por várias vezes mostrando as garras. Na 1ª Guerra, na 2ª Guerra, nesta 3ª guerra de aparência macia, mas que, tal como o polvo, que António Vieira considera o “maior traidor do mar”, com os seus” tentáculos e com aquele não ter osso nem espinha”, bastariam, talvez, para um paralelo de fortaleza e astúcia. Mas os Alemães não se revêem na foto, até porque desconhecem o nosso Vieira, que muito barafustou, mas sem sucesso. Vejamos sempre:
Mas já que estamos nas covas do mar, antes que saiamos delas, temos lá o irmão polvo, contra o qual têm suas queixas, e grandes, não menos que S. Basílio e Santo Ambrósio. O polvo com aquele seu capelo na cabeça, parece um monge; com aqueles seus raios estendidos, parece uma estrela; com aquele não ter osso nem espinha, parece a mesma brandura, a mesma mansidão. E debaixo desta aparência tão modesta, ou desta hipocrisia tão santa, testemunham constantemente os dois grandes Doutores da Igreja latina e grega, que o dito polvo é o maior traidor do mar. Consiste esta traição do polvo primeiramente em se vestir ou pintar das mesmas cores de todas aquelas cores a que está pegado. As cores, que no camaleão são gala, no polvo são malícia; as figuras, que em Proteu são fábula, no polvo são verdade e artifício. Se está nos limos, faz-se verde; se está na areia, faz-se branco; se está no lodo, faz-se pardo: e se está em alguma pedra, como mais ordinariamente costuma estar, faz-se da cor da mesma pedra. E daqui que sucede? Sucede que outro peixe, inocente da traição, vai passando desacautelado, e o salteador, que está de emboscada dentro do seu próprio engano, lança-lhe os braços de repente, e fá-lo prisioneiro. Fizera mais Judas? Não fizera mais, porque não fez tanto. Judas abraçou a Cristo, mas outros o prenderam; o polvo é o que abraça e mais o que prende. Judas com os braços fez o sinal, e o polvo dos próprios braços faz as cordas. Judas é verdade que foi traidor, mas com lanternas diante; traçou a traição às escuras, mas executou-a muito às claras. O polvo, escurecendo-se a si, tira a vista aos outros, e a primeira traição e roubo que faz, é a luz, para que não distinga as cores. Vê, peixe aleivoso e vil, qual é a tua maldade, pois Judas em tua comparação já é menos traidor!
Foi o que me lembrou o artigo “Lição de coisas” de Vasco Pulido Valente, saído no Público em 17/10/2014, lição, como sempre, abundante em referências, sobre a força nazi, que indiscutivelmente é o que lembra, é nazismo, tão estrondosa segurança de visão na arte tentacular com que a Alemanha nacionalista se vai distinguindo, apesar dos percalços, e que hoje chegam da Roménia a Lisboa, de gente de periferia, mas que, segundo a canção, é a menina bonita de quem tem olhos p’ra ver, moira sem alma nem lei, quis dar-lhe o Céu cor e luz, o nosso primeiro rei deu-lhe nova grei e o sinal da cruz. Por isso estamos aviados, com o sinal da cruz e sempre na cola de um Sebastião salvador, ideia com que o próprio Vieira também compactuou e Pessoa idem aspas, inteligentes que foram, mas inegavelmente amantes da pátria e desejando para ela o melhor, mesmo chegado do exterior...
Vasco Pulido Valente sabe que o dobrar da cerviz de Passos Coelho, perante a srª Merkel, é coisa arrumada, embora, ao que parece, Costa pretenda dar murros na mesa da srª Merkel para que este povo continue a viver na abundância. A imagem do murro do Costa é como a do soco do Dâmaso, nós cá somos assim, a defender as nossas posições, confiantes no resultado do murro, acho que por falta de posses para outros meios de imposição mais fortes. De qualquer modo, jogada ou não, desses pactos económicos distantes, eu não quero ser ingrata para com a srª Merkel, que é valente e generosa, mas pessoa responsável. Os dinheiros das dívidas devem ser ressarcidos, mas entretanto eles permitiram desenvolver o nosso país, e até fizemos coisas nele de muito interesse social e turístico. O esbanjamento e a corrupção é que arrumaram connosco, mas se não fosse a mãozinha dos apoios europeus, não sei onde estaríamos, tanta foi a avalanche dos salteadores da arca cada vez mais perdida. Vasco Pulido Valente não quer descer da sua torre e confessar-se grato à Merkel, mas dá-o a entender, ao considerar a inutilidade do soco do Costa, e que a brandura de Passos, (que não precisa de ser de humildade – Passos é um homem corajoso e tenaz e patriota, já se viu –) é o único caminho a seguir.
Lição de coisas
V.P.V
Segundo A. J. P Taylor, o problema da Alemanha é ser grande demais para a Europa. No século XX, isto levou a duas guerras que acabaram por envolver o mundo inteiro. Partindo do poder que tinham - e que, aliás, sobrestimavam - tanto Guilherme II como Hitler quiseram primeiro afirmar a sua supremacia na Europa e, depois, submeter o mundo. Os dois, como se sabe, falharam. Mas convém perceber por que razão.Em 1914, nenhuma potência podia em princípio resistir à Alemanha. O exército inglês, voluntário e minúsculo, não contava; o exército russo mal armado, desorganizado e sem vias de comunicação estratégica não valia muito; e a França, já derrotada em 1870 e agora enfraquecida por um constante conflito político, parecia eminentemente vulnerável.
Pior ainda, em 1914 a Alemanha era, tirando a América,o país com maior produção industrial do tempo. Esta quase ilimitada força inspirou ideias de conquista militar. E também de hegemonia económica. Na Europa central e, a seguir, na periferia. Com a derrota de 1918 e a de 1945, ficou só a segunda hipótese, a que Mitterrand eventualmente ofereceu a arma e a camuflagem do euro. Até ao colapso da União Soviética, a Alemanha (dividida) não interferiu com os vizinhos, bem guardada a leste e dependente da América a oeste. Mas no momento em que readquiriu a sua velha liberdade de acção voltou à velha política que a perdera duas vezes. Claro que desta vez a sua supremacia, na impossibilidade de ser militar, tomou a forma alternativa de domínio económico.
Nada impedia este exercício.A Rússia continuava na miséria; a América estava endividada e enfraquecida; e a França e a Inglaterra, apesar da retórica oficial, sem verdadeira influência externa. A Alemanha miraculosamente acordou como em 1914 dona da Europa e passou logo a impor a sua vontade à gente bárbara da periferia. Hoje manda, embora com boas maneiras, da Roménia a Lisboa,enquanto vai enredando as suas vítimas com tratados supostamente benéficos para a Europa, mas que realmente se destinam a consolidar a sua posição. O Orçamento para 2015 indignou por aí muito português. Quase ninguém percebeu que o “servilismo” perante a Alemanha é um facto da vida, não é nem um erro económico, nem a falta do “murro na mesa” que António Costa anda por aí a prometer. As coisas são como são.
Mas recebi também um e-mail de Paula Almeida, contendo efemérides da 2ª guerra, traduzidas do inglês, de acontecimentos passados neste dia 27/10, que transcrevo como informações preciosas desse passado que vivemos na inocência e que muito lhe agradeço:
1939 - Na Bélgica... o rei Leopoldo III declara, numa radiodifusão para os EUA, que a Bélgica está determinada a defender a sua neutralidade/No Vaticano, o Papa Pio XII emite a sua primeira encíclica condenando o racismo, os ditadores e as violações de tratados/ Na Alemanha são feitos comentários e queixas nos jornais sobre a propaganda antinazi nos jornais belgas, sugerindo que esta é uma violação da neutralidade belga/Em Berlim, Hitler ordena novamente aos seus generais que se prepararem para a ofensiva a ocidente.Na Frente Ocidental, surgem relatos de tropas alemãs reunidas no Saar, ao longo das fronteiras belga, holandesa e suíça e ao longo da costa alemã banhada pelo mar do Norte.
Em Washington.... O senado norte-americano aprova as emendas à Lei da Neutralidade, que revoga o embargo ao abastecimento de armas /
1940 -Em Roma, os italianos informam os alemães sobre a sua decisão de invadir a Grécia/
1942- No Norte de África... A Batalha de Alamein. Enquanto os britânicos se concentram no reagrupamento das suas forças, o que Rommel entende ser um enorme contra-ataque, é derrotado por uma pequena força britânica no Kidney Ridge. Outros ataques mais ao norte também não são bem sucedidos
1944- As forças alemãs tomam a cidade de Banská Bystrica durante a Revolta Nacionalda Eslováquia, facto que conduziu ao fim deste movimento/»
Paula Almeida
Departamento de Desenvolvimento Estratégico Divisão de Animação, Promoção e Patrimónios Culturais Câmara Municipal de Cascais
Chegaram num autocarro alugado a uma empresa da zona de Guimarães, com um papel para desempenhar.
Não eram professores nem alunos e muito menos representavam alguém que não fosse quem os mandou.
Eram uma das brigadas "autocarrotransportadas" dos senhores Arménio Carlos e Mário Nogueira.
Chegaram com as palavras de ordem habituais, os insultos do costume, as faixas e bandeiras mil vezes vistas, as buzinas próprias para incomodar. E com a ordinarice e falta de respeito que os caracteriza em todas as situações.
Como na Guarda onde nem a indisposição do Presidente da República respeitaram ou em Coimbra onde pensando (não é o forte deles convenhamos...) estarem a afrontar o PM e o Governo apenas estavam a faltar ao respeito aos mortos da Grande Guerra que estavam a ser homenageados na cerimónia.
E quem nem os mortos respeita como há-de respeitar os vivos?
Desta vez as "vitimas" foram as crianças, alunas do centro escolar inaugurado por Passos Coelho, que viram o pequeno número musical que tinham preparado para receber o primeiro-ministro permanentemente perturbado pelas buzinas dos 50 figurantes mandados com esse objectivo.
Que depois da entrada da comitiva na escola se foram embora.
A missão estava cumprida.
À noite as televisões lá bolsaram a noticia que "interessava":
"Passos Coelho vaiado por manifestantes".
Esquecendo-se de dizer que eram 50.
E que enquanto cá fora eram 50 a vaiar lá dentro eram mais de 200 a aplaudir e ás vezes com entusiasmo. E nesses 200 estavam pais e professores.
Mas isso não é notícia.
Pode-se lá bem noticiar a mínima, que seja, manifestação de aplauso ao Governo...
Dois artigos de Vasco Pulido Valente que não quero perder: «A III Guerra Mundial» de 21/9/2014 e “Presidentes”? de 5/10/14, para os arrumar no meu blog, que outras prioridades me fizeram abandonar temporariamente, mas que publico finalmente, por representarem pontos de vista de um equilíbrio e saber que admiro.
O primeiro, sobre as tentativas do Ocidente de conter o avanço das guerrilhas islâmicas, que as intervenções de Bush mais intensificaram, ao invés de as eliminar, e o Ocidente vê-se a braços com as provocações dos criminosos terroristas islâmicos, espalhados na multidão que ninguém mais conseguirá eliminar, sem o sacrifício dos inocentes. E Vasco Pulido Valente, nas suas ironias ferozes, não acredita na tal III Guerra Mundial, preconizada pelo próprio Papa Francisco e receada por todos os que se interrogam sobre a solução para os fanatismos hediondos alastrando pelo mundo, como vagas lamacentas de um tsunami que tudo arrasa na Terra. É o fim do Ocidente, explica Vasco Pulido Valente. Esperemos que não seja. Mas que esses fanáticos merecem a decapitação, não tenho dúvidas.
O texto de Vasco Pulido Valente, do Público de 21/9/14:
A III Guerra Mundial
O Ocidente, desde a América a Portugal (que descobriu um “suspeito” no Algarve), passando pela Austrália e pela França resolveu liquidar, ou pelo menos conter, a guerrilha do Estado Islâmico. Como? Com aviões, drones, helicópteros, satélites de alta resolução; e com a ajuda humanitária e diplomática disponível, incluindo a de países muçulmanos. No meio disto, o que toda a gente se recusa a fazer é usar forças no terreno, como se diz, “de botas no chão”. Mais milhares de mortos em guerras que Bush provocou já não são toleráveis para ninguém, excepto para um Hollande em vias de extinção que resolveu agora fabricar uma popularidade napoleónica. Infelizmente, neste aperto, Obama resolveu seguir o exemplo de Kennedy no Vietname: não mandará “soldados com missões de combate”, longe dele, mas mandará “conselheiros” para treinar o indigenato local.
Claro que este esforço americano e europeu tem três defeitos sem remédio. Em primeiro lugar, não há uma língua comum de comando. Em segundo lugar, os “conselheiros” não tardarão a pedir reforços. E, em terceiro lugar, a barbaridade das seitas da região impedirá ainda por muito tempo que se chegue a uma situação estável e consolidada. Os xiitas nunca deixarão que se reconstitua o Iraque e os sunitas nunca viverão em paz sob os xiitas. Nem as dezenas de seitas das várias persuasões do sítio aceitarão o governo de qualquer dos lados. Em pouco tempo, a América estará envolvida no caos que Bush criou, lutando com amigos, protegendo inimigos, misturada em conflitos de tribos e de religiões, de que só um exército a sério a poderá extrair.
Mesmo na América o público não consegue perceber o que está a acontecer. O EI decapita jornalistas na internet e na televisão e parece que um caça-bombardeiro trataria expeditivamente do assunto. Nada mais falso. Com boas fotografias de satélite, um caça-bombardeiro é capaz de arrasar uma coluna em marcha durante o dia, mas não é capaz de eliminar uma guerrilha de milhares de homens que não se distinguem da população e que muitas vezes, como na Síria, se refugiam entre cidades, que mudam de mão de hora para hora. O Papa Francisco disse que isto talvez fosse o princípio da III Guerra Mundial. Não acredito. Acredito, com mais frieza, que isto talvez seja o princípio do fim do Ocidente. Portugal, entregue às suas pequenas vaidades, nem sabe que o EI existe.
Quanto ao texto «Presidentes?» sobre a exposição dos bustos de duvidoso valor artístico, na opinião de V.P.V., é um texto histórico que percorre os presidentes de uma República tripartida, que alguém pretendeu homenagear com bustos do nosso pseudo patriotismo ternurento e glorificador, o que, naturalmente o monárquico Vasco Pulido Valente condena, como mais um caso da nossa banalidade tosca de quem, não tendo mais que fazer, faz alarde pomposo de exaltações patrióticas vãs. Mas recolhamos o texto de VPV, que esse, sim, é peça de arte:
«Presidentes?»
«Em 1911, a Assembleia Constituinte da República resolveu que iria passar a ser a primeira assembleia legislativa do regime. Nada a autorizava a isso, mas ninguém se importou. Afonso Costa não tinha ainda tomado conta do partido “histórico”, que fizera o 5 de Outubro, e meia dúzia de facções andavam em guerra para eleger – no Parlamento e no Senado – o seu Presidente.
Escolheram Arriaga, um velho meio senil e pouco esperto, supondo que ele não incomodaria ninguém. Coisa em que, de resto, se enganaram. Antes de se demitir, à força claro, andou aos trambolhões de uma ilegalidade para a outra e acabou por estabelecer uma ditadura militar, depressa varrida pela Carbonária e pelos bombistas de Afonso Costa. Bernardino Machado substituiu Arriaga, com a duvidosa legitimidade dessa zaragata.
Depois de Bernardino, veio Sidónio Paes (em 1917) também trazido por uma insurreição da tropa. Sidónio revogou a constituição de 1911, inventou outra mais conveniente à sua situação e à sua política, e convocou eleições directas para a Presidência da República. Ganhou por à volta de 500 000 votos, num clima que roçava o terror. Não lhe serviu de muito. Em 1918 foi morto na estação do Rossio por um admirador de Afonso Costa. Por uns tempos, durante a guerra civil de 1919, Canto e Castro, um monárquico convicto, designado pelo governo, conseguiu manter a ficção de que a República existia. Mas quando se restaurou um mínimo de ordem, e prudentemente mudada a constituição, o Parlamento e o Senado alçaram António José de Almeida, um demagogo de feira, à Presidência para acalmar a balbúrdia e conciliar a direita. O “António José”, como lhe chamavam, assistiu à tortura e ao assassinato do seu primeiro-ministro e cumpriu o seu mandato até ao fim, uma façanha de que se gabou muito.
Para substituir esta personagem, o estado-maior do partido Democrático (palavra de honra!) chamou Manuel Teixeira Gomes, pedófilo, diplomata e escritor, que não aguentou os sobressaltos de Lisboa e se refugiou nos costumes mais brandos da Argélia francesa. No lugar dele, reapareceu o indestrutível Bernardino, de que o 28 de Maio em definitivo livrou a Pátria. Os sucessivos chefes da Ditadura não tinham nem de facto, nem de direito a menor semelhança com um presidente da República. Como a não tiveram os protegidos de Salazar (Carmona, Craveiro Lopes, Tomás). Só Eanes, Soares, Sampaio e Cavaco merecem o nome. E, a propósito, não se percebe o que sucedeu à nossa tresloucada Assembleia da República para lhe sair do crânio a ideia eminentemente imbecil de uma exposição de bustos (dizem que horríveis) dos nossos “Presidentes”. Inconsciência? Ignorância? Ou simples prazer de gastar o dinheiro do Estado?