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A bem da Nação

DEUS NÃO PERMITA

 

Parece que se decide hoje. Para preocupação de quem se preocupa, entre os quais Vasco Pulido Valente e Alberto Gonçalves. De António José Seguro não se espera mais do que aquilo que ele repete inalteravelmente e que Pulido Valente tão bem retrata: um mundo de realização plena, caso ele seja eleito, porque o que é preciso é erguer a economia e subir o emprego. Com o auxílio de uma fada-madrinha, já que a literatura por que se ficou Seguro não extrapolou do universo infantil, com certeza, pois não alterou uma vírgula nos seus discursos de apelo e luta pela vida, de promessas de realização mágica. António Costa, no fundo, diz o mesmo: o que é preciso é o desenvolvimento da economia e a diminuição do desemprego, o que nem Vasco Pulido Valente nem ninguém põe em dúvida. Mas a demagogia de António Costa parece – e a Alberto Gonçalves também – mais perigosa, no artifício das palavras roncantes mas que escondem zelos de alianças a uma esquerda arrogante, cada vez mais prestes a lançar o comando das suas “elites” gritantes e acéfalas sobre os destinos de uma nação a braços com dificuldades gritantes, mas cujo Governo trabalha por as ultrapassar.

 

Põe-se, além disso, a questão da diminuição de deputados proposta por Seguro, recusada por Costa, contra as opiniões de Alberto Gonçalves e de Pulido Valente, este no costumado desdém pelas camarilhas.

 

São três artigos que retenho pela sua inteligência e preocupação críticas, desejando que a eleição de António Costa – que não ponho em dúvida - não resulte na catástrofe prevista por Alberto Gonçalves:

 

O socialismo em 2014

 

Vasco Pulido Valente, Público, 13/09/2014

 

Dois candidatos andam por aí melancolicamente a explicar ao “povo socialista” o que fariam com o poder, no largo do Rato ou em Portugal inteiro. A parte mais curiosa deste peculiar exercício é a concordância final de Seguro e Costa para nos tirar da miséria em que vivemos. Tanto um como outro acham que o segredo da felicidade está no “crescimento” da economia. Se a economia “crescesse”, eles mudariam a Pátria de alto abaixo. Seguro quer mesmo mais. Quer “re-industrializar” um país que nunca foi industrializado, uma avaria quase metafísica. Mas, no meio disto tudo, fica uma pergunta perturbadora: onde pára, no “pensamento” destes próceres, o “povo” que o capitalismo, de propósito ou por acidente, empurrou pouco a pouco para a pobreza e o desespero?

 

Presumindo que nem Costa nem Seguro tencionam ressuscitar a URSS e o dr. Álvaro Cunhal para reconstruir a próspera sociedade que existia no leste da Europa, só se pode concluir que eles querem uma sociedade de mercado, com o Estado reduzido a algumas tarefas de inspecção e regulamentação e com um pequeno banco (o novo Banco de Fomento) para ajudar de quando em quando meia dúzia de empresas perto da falência. Em 1970, o nome que se dava a esta actividade dos socialistas era “gerir com fidelidade o capitalismo”. Agora ninguém acha estranho e muita gente pede aos Céus que lhe tragam um segundo Cavaco, na pele de Seguro ou Costa, e um bando de meninos, saídos de fresco da Universidade Católica ou da Universidade Nova, para tratar dos pormenores.

 

Insistindo no “crescimento”, nenhum dos dois mágicos do PS percebe que fica submetido às regras do mercado. O dinheiro vem de fora (porque não há cá dentro) e com certeza imporá as suas condições: nas finanças, na justiça, nas leis do trabalho e por aí fora até à política pura e dura. O Estado Social passará a ser uma preocupação secundária e a margem de lucro a preocupação principal. Ora o dr. Costa e o dr. Seguro, empregados públicos desde pequenos, não sabem o que é uma empresa, como ela funciona e o que precisa para funcionar. O risco para qualquer um deles de cair na asneira sistemática à portuguesa é enorme e provavelmente inevitável. Olhem bem para eles, ouçam as conversas pedantes que eles dia a dia nos fornecem e, depois, tentem imaginar um desses abencerragens a dirigir uma economia. Não se concebe, pois não?

 

A vacina

 

ALBERTO GONÇALVES, DN, 17 de Setembro , 2014

 

Numa típica cartada populista, António José Seguro defende a redução do número de deputados. António Costa opõe-se com veemência e o argumento, razoável, de que a proposta é uma "declaração de guerra" aos partidos mais à esquerda. Entre o populismo e a razoabilidade, neste caso o meu coração não balança e prefere o primeiro.

 

Por um lado, porque é evidente que 49 parlamentares a menos, conforme pretende o Dr. Seguro, não afectariam em nada o já esplendoroso desempenho da Assembleia da República (aliás, o acto de levantar e sentar de acordo com as ordens partidárias seria realizado com vantagens por meia dúzia de marionetas). Por outro lado, porque a paixão do Dr. Costa pela representatividade democrática esconde, sem esconder, o interesse estratégico do homem nos eventuais apoios da extrema-esquerda, seja esta o PCP, o BE ou os incontáveis grupúsculos que diariamente abandonam o Bloco com o ecuménico de namorar o PS.

 

Sonhar acordado é fácil. Os pesadelos é que doem. E infelizmente não é disparatado imaginar que o dr. Costa vence as "primárias" do PS, chega a secretário-geral da seita e, em "legislativas" marcadas pela penúria real e abundância prometida, alcança o Governo. Sendo previsível que a alucinação colectiva não vá ao ponto de lhe oferecer a maioria absoluta, é aceitável supor que, para efeitos de "governabilidade", o Dr. Costa cozinhe as alianças que nunca rejeitou em público nem, desconfio, em privado.

 

Em suma, é legítimo presumir que daqui a um ano o País é bem capaz de cair, parcial e literalmente, nas mãos de comunistas. Após quarenta anos, Portugal arrisca tornar-se a proverbial "Cuba da Europa", ou a "vacina" de Kissinger. Curiosamente, a doença foi entretanto erradicada da civilização e de Cuba, no sentido atribuído, sobra pouco. Sobramos nós, embora o processo de emigração em curso não passe de uma brincadeira se comparado com o que aí virá. No máximo, ficam os deputados.

 

Um produto do cérebro de Seguro

 

Vasco Pulido Valente, 19/09/2014, Público

 

Segundo parece, a Assembleia irá ser reduzida a 181 deputados, o que beneficia a direita e prejudica a esquerda radical, sobretudo o BE e o PS. Mas, tirando esse terrível problema de saber quem ganha o quê, António Seguro tem razão: a esmagadora maioria dos nossos representantes é paga para não fazer rigorosamente nada, excepto votar quando e como a direcção do partido lhe manda.

 

O exemplar típico assina o ponto e, a seguir, vai trabalhar numa empresa ou num escritório de advogados. Uma dezena deles passeia pelos corredores, lê os jornais, bebe um café e, às cinco, volta para casa. As gritarias, de resto raras, cá em baixo no anfiteatro não comovem ninguém, nem o público que ninguém sabe o nome dos figurões, nem o país que os despreza do fundo do coração.

 

Têm sido feitas propostas para acabar com esta vergonha, que os partidos rejeitam sempre. Porquê? Porque os chefes precisam de sinecuras para premiar os seus fiéis, principalmente quando eles vêm da província; e porque os batalhões que chegam, bem disciplinados por uma vida de subserviência, nunca lhes desobedecem. De resto, não se compreende por que razão os “reformadores” do Parlamento e da lei de eleições preferem invariavelmente o círculo uninominal e variantes. Seguro fala, se não me engano, em “visibilidade”, em “transparência” e nos chavões do costume; e também no facto miraculoso de cada português ficar, depois de 2015, com o seu próprio deputado. Claro que esta “ideia” é uma salada de ideias trazidas do estrangeiro, que não nos servem e já se demonstrou que não nos servem.

 

O círculo uninominal não impede que a intriga fervilhe, como fervilha agora, embora com novos beneficiários. O voto do patrão da pequena ou da grande empresa (rural, industrial ou de serviços) e dos grandes funcionários do Estado passará a valer mais do que um voto e daí se escorregará depressa para um comércio de voto generalizado. Votar no A ou votar no B exige um minucioso tráfego de influência e uma larga troca de favores. Em vez das clientelas dos partidos, mesmo assim relativamente poucos e com um chefe conhecido à frente, virão os “donos disto tudo”, sem nome e sem cara, que puxam pelos cordões na sombra. O sufrágio uninominal seria o fim da democracia, até da escassa democracia que os portugueses por enquanto gozam. Só Seguro não percebe.

 

 Berta Brás

O NOVO FREI LUIS DE SOUSA

 

 

Quando voltou Francisco de Villa-Lobos percebeu que lhe tinham vendido todos os seus bens

 

Quando Francisco do Carmo Laboreiro de Villa-Lobos regressou da Grande Guerra já ninguém o esperava. Tinham passado meses desde o Armistício e, em Lisboa, o sentimento entre quem lhe guardava os bens era o de que Francisco teria sido mais uma das vítimas mortais do Corpo Expedicionário Português, em França. Por isso, quando o lisboeta desembarcou na capital portuguesa, a 15 de Abril de 1919, descobriu que todos os seus bens tinham sido vendidos.

 

Durante uns dias, a sua única posse foi a farda que trazia vestida, e até esta sofreu as consequências do perda dos bens de Francisco – como era proibido usar uniforme militar nas ruas, após o final da guerra, o soldado português teve de substituir os botões e arrancar as divisas da Arma de Infantaria.

 

Francisco do Carmo Laboreiro de Villa-Lobos nasceu em Lisboa, a 5 de Fevereiro de 1899. Oriundo de uma família aristocrata com raízes no Alentejano, percebeu cedo que o estatuto familiar não era sinónimo de felicidade, quando, com apenas 10 anos, ficou órfão. O resto da infância passou-a na casa da avó paterna, com o irmão e as duas irmãs, e, com apenas 16 anos, alistou-se no Exército.

 

A Grande Guerra já tinha começado e, em breve, os portugueses haveriam de ser chamados a participar activamente em combate. Francisco embarcou para França a 8 de Agosto de 1917, como soldado da 3.ª Companhia do Batalhão de Infantaria n.º 2. A sua placa de identidade ostentava o número 61239.

 

O lisboeta haveria de sobreviver à Batalha de La Lys, a 9 de Abril de 1918, que roubou a vida a tantos portugueses, e antes do final da guerra ainda foi transferido para a 2.ª Companhia do 2.º Batalhão da 5.ª Brigada de Infantaria e, mais tarde, para a 2.ª Companhia do 3.º Batalhão da Brigada do Minho. Após a assinatura do Armistício, a 11 de Novembro de 1918, nos bosques que rodeiam a cidade francesa de Compiègne, Francisco passou para a 2.ª Companhia do Batalhão de Infantaria n.º 14. A Grande Guerra tinha terminado, mas os seus efeitos estavam muito longe do fim.

 

Para Francisco, as provações da guerra incluíram a inalação de gás mostarda, nas trincheiras da Flandres, o que acabaria por lhe afectar a saúde para sempre. A 11 de Abril de 1911, o soldado embarcou no S.S. Nenominée, da Star Lines, rumo a Lisboa. A chegada à capital foi brindada com a surpresa de que já falámos, mas nada que Francisco Villa-Lobos não ultrapassasse.

 

De regresso a casa, Francisco casou com a namorada, Sara, e teve três filhos. Segundo o neto, também de nome Francisco, em memória do avô – e que contou a sua história à investigadora Fátima Mariano, do Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa -, a inalação de gás mostarda, na Flandres, acabaria por ditar a morte prematura do soldado português. Com apenas 34 anos, em 1933, Francisco do Carmo Laboreiro de Villa-Lobos acabaria por morrer. Está sepultado na cripta do talhão dos Combatentes da Grande Guerra do Cemitério do Alto de São João, em Lisboa.

19/08/2014

 

  Patrícia Carvalho

 

HISTÓRIAS A CONTAR AOS NETOS

 

 

Lourenço Marques, hoje Maputo, 1971

 

Quando fui para Moçambique, trabalhar na “Mac-Mahon” – cervejas e refrigerantes – a desorganização na companhia era um desastre. Aliás tinha um administrador, mandado de Lisboa, uma das mais “raras avis” de arrogância e incompetência que se me depararam durante a vida. Um cretino.

 

Os carros da companhia todos machucados, mal pintados, avariavam a toda a hora, etc.

 

Tudo isto exposto aos olhos dos consumidores davam ideia da qualidade dos produtos. Entre essa sucatada, que me apressei a reformar, a “2M” tinha uns quantos carros de serviço que andavam completamente a cair da tripeça, impróprios para circularem nas ruas, horrivelmente pintados e com o logotipo da companhia.

 

Eram pelo menos três Variant, Volkswagen, podres. De chaparia, mecânica, pneus, tudo. Foi decidido vender-se para a sucata, quando me lembrei de dizer que devíamos fazer primeiro um leilão entre os empregados. Tudo bem.

 

Para que o leilão não demorasse muito, também se estabeleceu que se faria ao contrário, isto é, partindo-se de um preço, alto, absurdo, e vinha-se baixando até que alguém se manifestasse e fechasse a compra. Como se faz com algumas lotas de peixe em Portugal onde num instante se despacha todo o peixe apanhado.

 

Começou-se por quatro contos. Uma loucura. Quatro, três e novecentos, três e oitocentos, etc.... foi baixando até que, ao chegar aos quinhentos mireis eu, que não estava nada interessado em sucata, acabei comprando o primeiro.

 

Nessa altura o pessoal ficou com inveja! Tinham perdido um carro, velho e tudo, mas por somente por quinhentos paus! Começa a venda do segundo. O mesmo início, e lá vai o preço caindo até que ao chegar aos mil, eu voltei a fechar. Já estava dono de dois trastes velhos. E os outros circunstantes com mais inveja.

 

Começou a venda do terceiro e alguém fechou ao chegar a mil e quinhentos.

 

Quando tudo terminou perguntei-me para que queria eu aquela sucata toda? Vendi ali mesmo um deles pelo preço que me custou e reboquei o outro para casa, para espanto dos filhos que também não entendiam a vantagem ao comprar um lixeirol daqueles.

 

Deixei-o ficar, e enquanto transferia o carro para meu nome, fui mentalizando todos os que sabiam do negócio, inclusive os filhos, que tinha feito um acordo com uma oficina, que ia pôr aquele carro novinho em folha. E por um preço bem camarada, incluindo a troca dos estofos, todos rasgados. Oficina fora da cidade. E fomos falando nisso.

 

Um dia, depois de me ter precavido com uma corrente e boa corda, para reboque, avisei em casa que ia levar o carro para a tal oficina. O trabalho deveria demorar umas três semanas. O mecânico e pintor, etc., era ótimo e estava com pouco trabalho.

 

Saímos de manhã cedo de Lourenço Marques a caminho da Namaacha. Estradas sem subidas, a decrépita Variant lá se mexia mas só enquanto a estrada era plana! Atrás, a minha mulher, mãe da turma, no nosso Jaguar lindão, um Mk-X prateado de 1965, dando apoio, levava as cordas e a corrente. Perto da fronteira com a Suazilândia e África do Sul aparecem os morros. As cordas entraram em acção, rebocaram a velharia até que chegámos ao alto, procurando não atrair muito as atenções de passantes, muito menos da polícia. Dali para a frente era fácil. Já tinha sido previamente explorado, e sabia até para onde ir, sempre a descer, até um pequeno posto de venda de gasolina, com uma espécie de oficina e sucataria, território suazi.

 

Chegou. Era a descer, foi moleza. O dono do posto, um africano, meia idade, forte, tranquilo, que via ali passar um carro quando o rei fazia anos, aproximou-se.

 

- Good morning.

- Good morning to you too.

 

Depois desta simples troca de galhardetes, propus o negócio ao homem:

 

- Eu ofereço-lhe este carro, e você me deixa levar somente as placas de matrícula e os documentos.

 

Ele olhou-me de alto a baixo, meio desconfiado, e respondeu:

 

- Se não me contar a história completa não vai deixar aqui o carro. Please go ahead and tell me ALL the story.

-Well. Não precisa ficar preocupado. Não tem polícia, roubo, crime algum envolvido. Eu vou deixar o carro aqui, você desmancha, vende peças, faz o que quiser, e eu com os documentos e as placas vou comprar um outro, em bom estado, em Johannesburg e levo de volta para Moçambique!

 

O homem mostrou os dentes. Satisfeito. Riu. Gostou da ideia. Não só ficou com o carro como me convidou para bebermos um copo em sua casa.

 

A mãe, passado pouco chegava com o nosso carraço. Seguimos por outra estrada, para não chamar a atenção das alfândegas portuguesas, e voltámos a Moçambique, saindo por Koomati Poort e entrando por Ressano Garcia.

 

A Variant tinha ficado na oficina!

 

Cerca de três semanas depois tive que ir a Johannesburg, em serviço. O que já naquela época não faltavam eram lojas de venda de carros usados, e Variants, fabricadas naquele país, havia de montão, em óptimo estado, baratas. Escolhi uma, impecável, paguei e meti-me de volta a casa. Como os documentos tinham sido carimbados na saída para a Suazilândia, foi por lá que regressei, e no meio do caminho, num pequeno e meio escondido canto da estrada, troquei as placas.

 

A Suazilândia é um país muito simpático. Bonito, pequeno, no meio de montanhas, um belo casino, um pequeno mas muito bem cuidado parque de caça para visitantes, gente afável, óptimo clima.

 

O meu objectivo não era o casino nem o parque de caça, mas chegar a casa com a Variant recondicionada! Lindona. Da mesma cor – bege – mas com uma pintura que parecia, quase, nova!

 

 

Já noite, decidi pernoitar numa pequena localidade, Siteki, a uns escassos quilómetros da fronteira com Moçambique. O hotel de africanos, pequeno, extremamente confortável, com um único hóspede: eu! Jantei no restaurante do hotel onde me serviram uma sopa óptima. Mais do que isso, com uma colher de sopa, enorme, como eu gosto, porque não tolero comer sopa com aquelas colheres que mais se parecem com uma espátula e não levam nada. Colher daquelas que eu gosto. Uma maravilha.

 

Como seria complicado pedir a alguém para me vender ou oferecer uma colher, decidi pelo mais difícil: roubar! O pior é que não havia mais hóspedes no hotel, nem no restaurante! Era difícil receber um prato de sopa, comê-la toda, e no fim não aparecer a colher usada! Mais difícil ainda porque quem servia tinha tirado todos os outros talheres de cima da minha mesa, e certamente ia dar por falta daquele!

 

No fim do jantar – muito bom – quando me apanhei só, levantei-me furtivamente da mesa, tirei uma colher de outra mesa, escondia-a dentro das calças e fiquei apavorado com medo que me descobrissem o roubo!

 

 

Cá vai a colher! A de cima é uma colher... vulgar, inox (ótima, porque a tenho desde que casei!).

A de baixo é a “famosa sequestrada” na Suazilândia. Muito maior, de uma liga “STAINLESS NICKEL SILVER” e com a marca BLADE.

Uma delícia!!! A “colher do vovô”!

 

Imaginem um branco a roubar talheres num hotel de africanos, no seu próprio país. Sofri. Lá que é verdade, é sim senhor. Só me senti tranquilo quando no dia seguinte pela manhã, depois de ter tomado o café, sem roubar mais nada, paguei a conta, dei uma razoável gratificação como descargo de consciência e meti-me novamente à estrada!

 

O carro fez um tremendo sucesso. Todos os meus amigos queriam saber onde ficava essa oficina que trabalhava tão bem, tão depressa e tão barato, segundo eu afirmava. Nunca levava comigo o apontamento com o telefone do mecânico, até que a coisa foi esquecendo!

Este carro foi depois connosco de retorno a Angola, vendido a um amigo, e por lá deve ter acabado os seus dias.

 

Um contrabando...zinho, inofensivo, e um furto, tudo quase no mesmo dia.

 

A esperança, agora, é que os crimes já tenham prescrito! Ainda penso que os azares que volta e meia me assaltam são os remorsos desses actos!

 

Mas a verdade é que a magnífica colher de sopa é, até hoje, a colher do, agora vôvô. Não como a sopa com outra.

 

Escrito em 2001, e revisto em 17/09/2014

 

 Francisco Gomes de Amorim

ENQUANTO AINDA POSSO, SEM TAXA

 

Quando ouvi falar em taxação da cópia privada, pensei que tivesse a ver comigo que ultimamente dei em copiar para o meu blog textos que me caem no goto e que desejo que também caiam no goto das pessoas arrebatadas por idênticos pareceres, eventualmente debruçadas sobre ele - o meu blog, não o meu goto - em comunhão de afectos opinativos. Felizmente não se tratava de mim, nem podia ser, pois nesse caso teriam que taxar toda a Internet que nos dá vasta gama de produções – poéticas, romanescas, dramáticas, prosísticas, musicais, escultóricas, picturais, arquitecturais, filológicas, etc., e até nos transmite o significado das palavras, permitindo que comodamente vivamos instalados no cadeiral que enfrenta o computador a ver o mundo e a banda a passar. Foi por isso que ainda ouvi alguma coisa do que se disse no tal Prós e Contras, mas tudo me passou ao largo, adormecendo embalada pela voz do Vitorino, sem perceber por que cantava Vitorino, embora compreendesse a necessidade do garganteio para amenizar o paleio. Alberto Gonçalves, que é jovem e arguto, chamou “A arte de roubar” a mais este arranjinho governativo para angariar fundos, e assim o transcrevo, pois parece que com isso não serei taxada ainda. É de 21 de Setembro, do DN, em Dias Contados, e provavelmente é parente em breve escala daquela outra Arte de Furtar do nosso século XVII, mas também pode ir no rasto de Vieira ou mesmo de Camões, ali nas trapalhadas do embargo da partida de Vasco da Gama da Índia, no Canto VIII d’Os Lusíadas, graças às hostilidades dos árabes, que já nessa altura usavam de má fé em questão de comércios. Diz Camões a respeito do dinheiro:

 

 VIII, 96

….Veja agora o juízo curioso
Quanto no rico, assi como no pobre,
Pode o vil interesse e sede imiga
Do dinheiro, que a tudo nos obriga.

 

98

Este rende munidas fortalezas;
Faz traidores e falsos os amigos;
Este a mais nobres faz fazer vilezas,
E entrega Capitães aos inimigos;
Este corrompe virginais purezas,
Sem temer de honra ou fama alguns perigos;
Este deprava às vezes as ciências,
Os juízos cegando e as consciências.

 

99

Este interpreta mais que subtilmente
Os textos; este faz e desfaz leis;
Este causa os perjúrios entre a gente
E mil vezes tiranos torna os Reis.
Até os que só a Deus omnipotente
Se dedicam, mil vezes ouvireis
Que corrompe este encantador, e ilude;
Mas não sem cor, contudo, de virtude!

 

Agora mesmo andamos nós às voltas com uma das irregularidades cometidas em tempos pelo Primeiro Ministro, saracoteando-nos em largas exigências de esclarecimento a respeito de dinheiros que ele não declarou ao fisco e que desejamos que declare agora, interessados sobretudo na mixórdia, desleixando os êxitos de uma governação forçosamente custosa, e ignorando todos os que comeram e comem ainda de proventos ilícitos… Mas esta questão de furto tem, de facto, feito sempre parte do nosso status, e não é demais relembrar o Sermão de Santo António aos Peixes, em páginas de imortal relevo do nosso Vieira, Cap. IV:

 

 Morreu algum deles, vereis logo tantos sobre o miserável a despedaçá-lo e a comê-lo. Comem-no os herdeiros, comem-no os testamenteiros, comem-no os legatários, comem-no os credores: comem-no os oficiais dos órfãos e os dos defuntos; come-o o médico que o curou ou ajudou a morrer; come-o o sangrador que lhe tirou o sangue; come-o a mesma mulher, que de má vontade lhe dá para a mortalha o lençol mais velho da casa; come-o o que lhe abre a cova, o que lhe tange os sinos, e os que, cantando, o levam a enterrar; enfim, ainda o pobre defunto o não comeu a terra, e já o tem comido toda a terra. ….

 

Vede um homem desses que andam perseguidos de pleitos ou acusados de crimes, e olhai quantos o estão comendo. Come-o o meirinho, come-o o carcereiro, come-o o advogado, come-o o inquiridor, come-o a testemunha, come-o o julgador, e ainda não está sentenciado e já está comido. São piores os homens que os corvos. O triste que foi à forca, não o comem os corvos senão depois de executado e morto; e o que anda em juízo, ainda não está executado nem sentenciado e já está comido.

 

E antes que transcreva o texto de Alberto Gonçalves sobre a taxação das “geringonças electrónicas” guardadoras de coisas da arte – felizmente os blogs por enquanto não contam – transcrevo um breve passo da “Arte de Furtar” – largo Tratado de autor anónimo do século XVII, também já atribuído a Vieira e hoje atribuído ao Padre Manuel da Costa, do Concelho do Mourão, educado por Jesuítas, possuidor de grande energia e talento - que justifica, no início do Capítulo I - «Como para furtar há arte, que é ciência verdadeira» - o porquê, pois, da designação do Furto como Arte e nos faz concluir, finalmente, sobre a escola em que fomos verdadeiramente educados ao longo da nossa história de penúria de Ciência, mas não de Arte:

 

As artes dizem seus autores que são emulações da natureza; e dizem pouco, porque a experiência mostra que também lhe acrescentam perfeições. Deu a natureza ao homem cabelo e barba, para autoridade e ornato; e se a arte não compuser tudo, em quatro dias se fará um monstro. Com arte repara uma mulher as ruínas que lhe causou a idade, restituindo-se de cores, dentes e cabelo, com que a natureza no melhor lhe faltou. Com arte faz o escultor do tronco inútil uma imagem tão perfeita que parece viva. Com arte tiram os cobiçosos, das entranhas da terra e centro do mar, a pedraria e metais preciosos, que a natureza produziu em tosco e, aperfeiçoando tudo, lhe dão outro valor. E não só sobre coisas boas têm as artes jurisdição, para as diminuir em proveito de quem as exercita, ou para as acrescentar em dano de outrem, como se vê nas máquinas da guerra, partos de arte militar, que todas vão dirigidas a assolações e incêndios, com que uns se defendem e outros são destruídos.

 

Não perde a arte seu ser por fazer mal, quando faz bem e a propósito esse mesmo papel que professa, para tirar dele, para outrem, algum bem, ainda que seja ilícito. E tal é a arte de furtar, que toda se ocupa em despir uns para vestir outros. E se é famosa a arte que, do centro da terra, desentranha o oiro, que se defende com montes de dificuldades, não é menos admirável a do ladrão que das entranhas de um escritório – que fechado a sete chaves, se resguarda com mil artifícios – desencova com outros maiores o tesouro com que melhora de fortuna. Nem perde seu ser a arte pelo mal que causa, quando obra com ciladas segundo suas regras, que todas se fundem em estratagemas e enganos, como as da milícia; e essa é a arte, e é o que dizia um grande mestre desta profissão: «Con arte e com engano vivo la mitad del año; com engano y arte vivo la outra parte.

 

É assim que chegamos às governações, vivendo do empréstimo e do imposto, na magnífica síntese de Eça, segundo a expressão de autoridade do banqueiro Cohen: Os empréstimos em Portugal constituíam hoje uma das fontes de receita, tão regular, tão indispensável, tão sabida como o imposto. A única ocupação mesmo dos ministérios era esta - cobrar o imposto e fazer o empréstimo. E assim se havia de continuar...

 

Pois assim continuamos, com a magnífica rebeldia de alguns artistas da palavra, entre os quais Alberto Gonçalves, que aborda o cruel tema da vida artística da nossa praça, sem mercado capaz e à cata de subsídio, e presente no “Prós e Contras” da semana, convictos os cantores de que a pirataria dos iphones os prejudica, concordantes, pois com um imposto que, “Graças à lei aprovada pela maioria na sexta-feira custa-nos uns euros em numerário e uma fortuna em vergonha.”:

 

A arte de roubar

 

  Alberto Gonçalves, 21/9/14, “DN”

 

Não era necessária, mas a prova definitiva de que o Governo é tudo, tudo, tudo excepto liberal foi transmitida em horário nobre pela RTP, durante as duas horas do último Prós e Contras. O tema era a Lei da Cópia Privada, que taxa, a pretexto dos direitos de autor, as geringonças electrónicas capazes de guardar música, filmes ou livros mesmo que os compradores das geringonças não guardem lá música, filmes ou livros nenhuns.

 

Jorge Barreto Xavier, Secretário de Estado da Cultura, começou logo por avisar que o assunto "não é de fácil compreensão para o grande público", por azar o exacto público que vai pagar o imposto que, segundo o professor Xavier, não é um imposto. Ao lado do professor Xavier, um senhor da SPA explicou que os autores é que são os verdadeiros aliados dos consumidores, os tais que pagam o imposto que não é imposto. De facto, isto não se compreende à primeira.

 

Para complicar, a plateia estava repleta de "artistas" e afins. Entre os afins, o filho de David Mourão-Ferreira, colérico, informou a ralé que o imposto visa punir um "roubo". Esqueceu-se de dizer que se trata de um roubo presumido. A ideia da lei em causa é justamente a presunção de que o comprador de um iPhone se prepara para piratear obras avulsas. E o apogeu cómico é presumir que as obras são a dos "artistas" presentes no Prós e Contras: Carlos Alberto Moniz, Tozé Brito, Paulo de Carvalho, o rapaz dos Delfins, dois Vitorinos (o alentejano e o maestro da bengala), etc. A certa altura do debate, uma opositora da lei, Maria João Nogueira, perguntou porque é que os autores não taxavam os produtos que vendem. O intérprete de Dai-li, Dai--li-dou não soube responder. Mas toda a gente sabe: porque não vendem nada, ou quase nada.

 

E aqui reside o problema dos "artistas", sobretudo musicais, cuja arte é a de extorquir o que ninguém patrocinaria de livre vontade. O processo normal é o do financiamento estatal. Dado que agora as autarquias encomendam menos farras, conforme de resto foi lembrado no programa, a alternativa ao subsídio de redundâncias passa por cair em cima da "indústria". O bom povo, com fama de ladrão e proveito de roubado, lixa-se sempre.

 

Quanto aos "artistas" e aos burocratas redundantes que gerem os direitos dos "artistas", não podem, por motivos que escapam ao mortal comum, lixar-se. Custe o que custar. Graças à lei aprovada pela maioria na sexta-feira custa-nos uns euros em numerário e uma fortuna em vergonha. No final do “Prós e Contras”, Vitorino cantou a cappella e o secretário da Cultura viu-se assaz aplaudido. Em Portugal, taxar o liberalismo renderia zero.

 

Mas todo esse sentimento de carência impotente, perante o desinteresse pátrio pela cultura e seus cultores, já o nosso Camões o revelara, dando origem à proliferação dos incompreendidos numa pátria adversa. Por isso achamos que Alberto Gonçalves deve ser mais compreensivo:

 

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E ainda, Ninfas minhas, não bastava
Que tamanhas misérias me cercassem,
Senão que aqueles que eu cantando andava
Tal prémio de meus versos me tornassem:
A troco dos descansos que esperava,
Das capelas de louro que me honrassem,
Trabalhos nunca usados me inventaram,
Com que em tão duro estado me deitaram.

 

82

 

Vede, Ninfas, que engenhos de senhores
O vosso Tejo cria valerosos,
Que assi sabem prezar, com tais favores,
A quem os faz, cantando, gloriosos!
Que exemplos a futuros escritores,
Pera espertar engenhos curiosos,
Pera porem as cousas em memória
Que merecerem ter eterna glória!
- Lusíadas, C. VII

 

 Berta Brás

OS POETAS E OS OUTROS...

 

 

 

Há um poeta francês que distingue «les gens d’un certain âge et les gens d’un âge certain». Só um poeta consegue distinguir que os engenheiros têm sempre «un âge certain» mas só os namoradeiros chegam a ter «un certain âge».

 

 

Só, pois, os que hoje têm «un certain âge» se podem lembrar das charlas que Vinícius de Moraes fazia na televisão portuguesa e que nós, os não engenheiros, ouvíamos com algum espanto. Palco do Teatro Villaret apenas com uma cadeira e um microfone. Entrava Vinícius com o seu violão e uma garrafa de whisky cheia que poisava junto da cadeira. E o improviso começava com uns sons dedilhados sem grande nexo, daqueles que só servem para acompanhar tudo o que nas redondezas apareça a precisar de companhia. Passado meio século, pergunto-me hoje se eram os sons do violão que acompanhavam as palavras do poeta ou se eram as palavras que acompanhavam o dedilhado... Mas de uma coisa eu tenho a certeza: havia uma total concordância entre os sons violados e as palavras whiskadas, tudo sem grande nexo. É que a erudição etilizada faz um género que muitos apreciam e o programa da RTP – por certo que à falta de alternativa – alcançava elevados níveis de audiência.

 

E o que me ficou dessas charlas? Pouco. Ficou-me a convicção de que a própria Censura se deixaria embalar pela toada de grande vacuidade substantiva e que a única mensagem que Vinícius então nos trouxe foi a de que havia mundo para além do formalismo sorumbático ou do humor formal que o Regime nos ditava.

 

Eis por que, na memória daquela poética circunstância televisiva, eu hoje me posso considerar «quelq’un d’un certain âge» que se lembra de que até meia garrafa, a poesia de Vinícius era boa e que a partir de meio era gira.

 

Ficou-me ainda o desinteresse pela leitura dos seus poemas que, afinal, só poderão ser devidamente apreciados quando bem whiskados, o que não farei pois o whisky faz-me caspa.

 

Mas, para não sairmos daqui sem um cheirinho da sua obra tão aplaudida, procurei algo que me pareceu escrito antes do meio da garrafa:

Não Comerei da Alface a Verde Pétala

Não comerei da alface a verde pétala
Nem da cenoura as hóstias desbotadas
Deixarei as pastagens às manadas
E a quem maior aprouver fazer dieta.

 

Cajus hei-de chupar, mangas-espadas
Talvez pouco elegantes para um poeta
Mas peras e maçãs, deixo-as ao esteta
Que acredita no cromo das saladas.

 

Não nasci ruminante como os bois
Nem como os coelhos, roedor; nasci
Omnívoro: dêem-me feijão com arroz

 

E um bife e um queijo forte, e parati
E eu morrerei feliz, do coração
De ter vivido sem comer em vão.

 

Sóbrio, este é para quem tenha «un âge certain».

 

Mas nem todos os poetas se inspiram nos greens da Escócia ou nos voos do Famous Grouse...

 

 

Mário Quintana, o poeta da bondade, não precisa de prosas explicativas.

Os poemas

Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde

e pousam no livro que lês.

Quando fechas o livro,

eles alçam voo como de um alçapão.
Eles não têm pouso nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem.

E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti…

Outras, de que gosto especialmente:

Relógio

O mais feroz dos animais domésticos
é o relógio de parede:
conheço um que já devorou
três gerações da minha família.

Poeminho do contra

Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão…
Eu passarinho!

 

Inscrição para um portão de cemitério

 

Na mesma pedra se encontram,
Conforme o povo traduz,
Quando se nasce – uma estrela,
Quando se morre – uma cruz.
Mas quantos que aqui repousam
Hão-de emendar-nos assim:
"Ponham-me a cruz no princípio...
E a luz da estrela no fim!"

 

Uma conversa prosaica para acabar:

 

Simultaneidade

 

 – Eu amo o mundo! Eu detesto o mundo! Eu creio em Deus! Deus é um absurdo! Eu vou me matar! Eu quero viver!
 – Você é louco?
 – Não, sou poeta.

 

Mas esta prosa de Verão já vai longa e o que aqui falta fica para o Outono...

 

Setembro de 2014

 

 Henrique Salles da Fonseca

“SACHA E O POETA”

 

Quando o poeta aparece,
Sacha levanta os olhos claros,
Onde a surpresa é o sol que vai nascer.

O poeta a seguir diz coisas incríveis,
Desce ao fogo central da Terra,
Sobe na ponta mais alta das nuvens,
Faz gurugutu pif paf,
Dança do velho,
Vira Exu.
Sacha sorri como o primeiro arco-íris.

O poeta estende os braços, Sacha vem com ele.

A serenidade voltou de muito longe.
Que se passou do outro lado?
Sacha mediunizada
 – Ah-papapá-papá-
Transmite em Morse ao poeta
A última mensagem dos Anjos.

Resultado de imagem para manuel bandeira Manuel Bandeira

1931

 

 

“ANATOMIA DE UM POEMA”

 

Sob o título acima publicou o Sr. Marino Falcão no Diário do Povo, de Campinas, uma exegese dos meus versos “Sacha e o poeta”, pedindo-me depois, em carta muito amável, que lhe dissesse se a sua interpretação coincidia com o meu pensamento.

 

Antes de responder, vou transcrever aqui o poema e fá-lo-ei em composição corrida para poupança de espaço:

 

(o que eu não faço, pela mesma razão – HSF)

 

Para Marino Falcão esse poema é o relato metafórico de uma sedução, Sacha uma jovem ingénua, inexperiente, deslumbrada “com os ademanes e manigâncias” do poeta, os quais “desencadeiam nela o processo do viciamento da vontade”. E como Marino Falcão, sobre ser homem de letras, é promotor público na nobre cidade de Campinas, capitula a aventura como “crime definido em lei e previsto no art. 217 do Código Penal”. Bem entendido, se Sacha era menor de dezoito anos.

 

Marino Falcão acertou em parte. De facto, o poema é o relato de uma sedução. Só que a finalidade de todas as manigâncias do poeta era obter tão-somente um sorriso de Sacha. E como está contado nos versos, obteve-o. Obteve mais, coisa inefável, a última mensagem dos anjos, sob a forma de um vocalize muito semelhante às linhas e pontos do alfabeto morse.

 

Marino errou também no que concerne à idade de Sacha. Era menor de dezoito anos, sim, tinha, ao tempo da sedução, apenas uns seis meses de idade, só falava em alfabeto morse. Louríssima, alvíssima, sereníssima. Eu tinha que conquistar-lhe um sorriso, usei de todos os recursos referidos. E o sorriso veio. Como deve ter luzido sobre o mundo o primeiro arco-íris.

 

Vou mandar esta crónica a Sacha. Ela vive hoje em Estocolmo, casada com um rapagão sueco, mãe de duas suequinhas maravilhosas – Ann-Marie e Ingrid, três anos e um ano – portanto, ambas já mais idosas do que Sacha quando inspirou o poema tão interessantemente anatomizado por Marino Falcão. Não lhe doa a este o que há de errado na sua interpretação. Valéry não disse que não existe verdadeiro sentido de um texto? Não vale a autoridade do autor: Quoiqu’il ait voulu dire, il a écrit ce qu’il a écrit.

 

In «Andorinha, andorinha»

 

InManuel Bandeira – Selecta em prosa e verso”, organização Emanuel de Moraes, ed. JOSÉ OLYMPO EDITORA, Rio de Janeiro, 6^edição, Agosto de 2007, pág. 52 e seg.

 

FOI O RICARDO QUEM TEVE A CULPA

 

Há mais de doze anos – perdi-lhe a conta e o cartão identificador - ainda a minha Mãe era uma mulher válida, que subia as escadas para o seu quarto, no primeiro andar, como os outros, e podia tomar conta da casa, caso eu precisasse de sair por algum tempo, embora comedidamente, que a minha Mãe sempre foi soberana e cobrava em exigência de docilidade posterior. Mas tratava-se de uma catarata, a do meu olho esquerdo, e o meu marido sempre me acompanhara nessas tardes a Lisboa, no comboio e metro, aos serviços da CGD, e até no dia da operação não arredou pé, facto que nunca esqueci, nem o gesto do João que nos levou nesse dia, e ali esteve, dia de terror que toda a gente afirmava que se fazia com uma perna às costas, do que sempre discordei. Por isso levei doze ou mais anos a ignorar a catarata do olho direito, até que a minha “qualidade de vida” definitivamente impôs o inevitável, a minha Paula encarregando-se do caso, ali no Hospital onde treinavam e muitas vezes apresentavam o seu coral “Vox Maris”. A minha Mãe já não estava, mas está o Fox a impedir a camaradagem do meu marido, pretexto hábil de recusa do anterior companheirismo, que me fez sentir-me só e abandonada no deserto da vida, disposta a tudo conseguir sozinha, entregue “à bicharada”, sem dar parte de fraca, mas com muita compaixão de mim. Por isso, quando o Ricardo me telefonou nessa manhã, a voz embargou-se-me e confessei que estava apavorada, mas ele não se comoveu e para me fazer rir, ditou que depois eu faria um artigo sobre o caso. E assim fiquei, pois, com o meu ego, lembrando a “Lágrima” da nossa Amália, a desejar um xaile para me deitar no chão e só acordar no dia seguinte, reduzida ao “Não sou nada. Nunca serei nada” de autopiedade, do Álvaro de Campos, mas ficando-me por aí, sem mais dimensão com que ele continuou essa sua “Tabacaria” universal.

 

É claro que a minha irmã não me abandonou e também não arredou pé, nessa tarde, levando-me ao Hospital e esperando comigo, no confortável quarto onde eu iria pernoitar. Mas quando os enfermeiros me vieram buscar, soçobrei em lágrimas sem poesia, o que não facilitou as coisas. As enfermeiras eram simpáticas, e quando uma delas me assegurou, sorridente, que o medo era próprio das pessoas inteligentes, embora assim fortalecida na auto-estima que contrariava as convicções expressas no poema “Tabacaria” com que me enovelara há muito tempo já, na previsão do acto, apertei as mãos a suster-me, para cumprir com valentia, esvaziando na força destas as energias que suavizariam o caminho da operação entregue ao oftalmologista excelente. A verdade é que o médico ainda teve umas exclamações de impaciência, porque me mexi, apesar da força das minhas mãos a aparar o choque à distância. Tortura. Eu só desejava uma anestesia geral, num xaile que fosse, para acordar no dia seguinte, tudo isso passado. Mal passado, todavia. Na operação anterior não tomei tantos remédios, como os que estou a tomar, nem nada que se parecesse com a variedade de gotas para o olho e os comprimidos para acelerar a cura. E quando regressei ao quarto, a minha irmã continuava firme, na companhia da minha neta Catarina que me viera ver no seu dia de folga, e pouco depois a Paula, que me meteu nesta, e que estivera a ensaiar no seu coral, com que preenche os breves espaços das aulas. Inútil a pieguice do orgulho, na contenção egocêntrica das nossas tragédias que o não são, afinal, e bom é sempre o carinho que nos cerca, mesmo que seja só para chorarmos por nós ou de nós rirmos.

 

Silêncio em Outubro

 

Entretanto, trouxera, para acabar de ler, antes da operação, o extraordinário romance do escritor dinamarquês Jens Crhristian Grøndahl «Silêncio em Outubro”, que tenho lido ao deitar, uma obra de uma intriga aparentemente igual à de tanta gente, mas transformada pela magia da palavra, como arca de tesouros mais ricos que os descobertos por Ali Babá na caverna dos ladrões, por um estilo transparente e simultaneamente de uma riqueza verbal e de conceito que transfiguram os mais simples gestos ou acções e apetece fixar, como fixamos os versos ou frases dos escritores clássicos, de que este é exemplo, mesmo em tradução.

 

Uma história de amor, talvez de adultério ou apenas algum desgaste que resultam em fuga da mulher – Astrid – e na reconstituição da vida própria do narrador – crítico de arte, também motorista de táxi quando a conhecera, ainda jovem – e ao longo da narrativa vai incluindo factos que, percorrem essa vida, em analepses frequentes, de instantes sempre iluminados por clarões incisivos que a cada passo nos deslumbram quer no realismo dos traços, quer na seriedade da crítica, quer na visão satírica de uma sociedade burguesa, intelectual, ou mais jovem, quer no colorido que tudo envolve: uma infância um tanto desamparada, por uma mãe vaidosa e ausente e um pai ocupado e fraco, uma vida pessoal de rapaz habituado a gerir o seu destino, passando as suas camisas, cozinhando a sua comida, vivendo as suas aventuras. Finalmente o conhecimento de Astrid e do seu filho Simon, fugindo do presunçoso realizador de cinema com quem vivia, apanhando o táxi, em voltas sem rumo, até que ele os hospeda em sua casa. E depois de um casamento de dezoito anos, com uma filha comum, Rosa, um dia Astrid parte, no inesperado de um comportamento orgulhoso e fechado, que o deixa inerte e ansioso, sem, contudo querer dar parte de fraco. Seguindo-lhe, porém, as voltas, segundo as pistas deixadas pelo extracto de contas comum, imaginando os seus passos, reconstituindo panorâmicas já vividas, a própria filha, cúmplice da mãe, deixando na indefinição o paradeiro desta, conhecendo embora o amor que unia os pais e cujo orgulho os isolava na respectiva concha, deixando antever uma hipótese de viragem.

 

Uma história de gente comedida e orgulhosa, que prefere o silêncio à justificação, a fuga e o olhar enigmático de Astrid antes de voltar costas e desaparecer, como penetrando silenciosamente no íntimo do marido, para sempre em dúvidas e em suposições dos motivos impulsionadores da sua decisão.

 

Toda a intriga é um repescar de memórias, de explicações hipotéticas, de divagações que vão confluindo em uma consciência da impossibilidade do definitivo. Toda a obra é de um extraordinário interesse, quer no desenho dos caracteres, quer na elegância dos conceitos e sobretudo no fulgor de um descritivo sensorial e imagístico de extraordinário efeito.

 

Foi um livro oferecido pelo Ricardo, Binha e Ana, em 2002. Só agora o li, soterrado que fora na vida dispersa que sempre vivi. Nele o Ricardo escreveu: “Um título sugestivo… não te esqueças que faço anos em Outubro!... Feliz aniversário»

 

Um título sugestivo, sim, este de “Silêncio em Outubro”. Mas eu não me importaria de lhe dar por título “Sinfonia em Outubro”: pela expressão sensorial em que a cor domina, pela argúcia na descrição de personagens, de eventos ziguezagueando ao sabor das recordações, na busca incessante ditada pelo amor e a comunhão, na consciência dos gestos da mulher, mesmo na distância dos espaços e dos tempos. Como escritor de arte, o narrador deslocava-se frequentemente aos Estados Unidos, em pesquisas, que possibilitaram relações de adultério e a consciência pesada.

 

Já em tempos transcrevi a introdução do livro, iniciada em Lisboa. Não resisto à tentação de fechar estas páginas com a transcrição do seu final, também em Lisboa, com pena de não o fazer a tantos outros descritivos desta Arca de esplendorosa magia, o mistério fazendo dela parte, num desenlace não decidido, de narrativa aberta:

Peguei no monte de cartas na mesinha da entrada e levei-as para o meu quarto de trabalho. Li repetidamente os extractos de banco de cima abaixo com as datas e os sítios onde a Astrid usara o seu Master-Card, uma narrativa lacónica de nomes e números sobre os seus movimentos. Deixara este rasto para me levar de novo a Lisboa, pela nossa rota de outrora. E ali me deixava agora, entregue às minhas recordações. Enquanto me sento, ainda de casaco, frente à minha vista sobre os Søerne, acaba talvez de acordar no hotel da rua da Senhora do Monte. Talvez se sente um pouco na borda da cama, repousando o olhar na parte da cidade e do rio que por acaso é o seu panorama. Talvez espere ainda um bocadinho antes de se vestir e de sair do quarto. Imagino-a recostada numa nesga de sol, olhando nua para os telhados de Lisboa, para o rio amplo e para a outra margem, onde os pára-brisas de carros invisíveis numa fracção de segundo captam o sol, cujos reflexos atravessam o rio para a sombra desse quarto como rápidos e desconexos sinais de Morse. Talvez se admire de tudo ter dado nisto, como se não pudesse ter sido doutra forma e nada estivesse no entanto decidido. Quando me recordo da Astrid em Lisboa há sete anos atrás, ela anda só, não me vejo com ela em parte nenhuma. Sozinha, de olhos semicerrados contra o sol claro de Outono que faz brilhar os trilhos dos eléctricos nas ruas íngremes à sua frente. Estava sol na manhã seguinte, e demos uma volta pela Graça, pelo mercado onde já desmontavam as tendas. Fomos indo sem saber bem aonde, descendo simplesmente rumo ao rio azul que estava sempre a aparecer entre os telhados. Não estou em nenhuma das fotografias de Lisboa, é só a Astrid, como se eu nem lá tivesse estado. Sentada na esplanada de um café do Rossio, perto do qual os eléctricos guincham, ao dar a curva e o sol bate no fumo leve dos vendedores de castanhas, enquanto ela inclina a cabeça olhando para a chávena de café à sua frente, alheia num pensamento. De costas para mim, numa vereda do Jardim Botânico erguendo a cara de perfil num olhar atento às asas de um pássaro que esvoaça contra a folhagem densa das plantas sob a abóboda das árvores que coam o sol cujas manchas amarelas pejam o saibro e o seu casaco claro. Na amurada do pequeno cacilheiro que nos levou à outra margem, de óculos escuros e alvo sorriso frente à cidade branca. Tirou-me apenas uma fotografia, nas ruínas do Convento do Carmo. Sem telhado, os pardais voam ao ar livre entre os muros nus e cheios de musgo. Estou de pé, na relva, sob as ogivas que se desenham contra o céu como costelas descarnadas. Sorrio ao fotógrafo invisível, mas o disparo demorou e o sorriso parou. Já não é de facto sorriso nenhum, apenas um esgar forçado e idiota ao encontro do meu próprio olhar, como se me visse por seu intermédio. Como se, ao encarar-me a mim próprio, abrisse um vazio onde ela já desaparecera.

Obrigada Ricardo, pela vossa oferta longínqua deste livro que só agora leio, neste Setembro do meu silêncio conciso, de incompreensão também. Prometo que não silenciarei nos teus anos deste próximo Outubro. Não acreditas que isso fosse alguma vez possível. Espero que gostes do meu artigo, que me receitaste como terapia do medo. Este, irracionalmente avassalador quando toca a nossa integridade física. Parente de uma tristeza desesperançada, quando encara a progressiva destruição que nos vai projectando no sentido de um “Medo de existir” do filósofo José Gil, embora este confinado ao caso político português.

 Berta Brás

A NECESSIDADE DE UM CRESCIMENTO ROBUSTO PARA O POST TROIKA

 

 

1. Terminou há poucas semanas o Programa de Ajustamento a que o País foi sujeito na sequência da rotura eminente de pagamentos do Estado português.

 

O programa, negociado pelo Partido Socialista, foi executado pelo actual governo, num ambiente de hostilidade permanente contra a necessidade evidente de mudanças profundas e mais do que urgentes, hostilidade apostada em demagogicamente defender que as mudanças nem eram necessárias, nem eram positivas para o nosso futuro.

 

Todos evitaram que houvesse um ambiente de reflexão sereno, quer sobre os enormes desequilíbrios financeiros e a forma de os solucionar, quer sobre a indispensável reforma da nossa economia.

 

As dúvidas presidenciais sobre alguns dos cortes orçamentais e a leitura da Constituição feita pelo Tribunal Constitucional, ignorando que Portugal não dispõe de políticas monetária e cambial próprias, que tem obrigações de política orçamental decorrentes da sua participação na União Económica e Monetária e, sobretudo, que não tinha crédito, introduziram factores adicionais de incerteza, que se somaram à instável situação da zona euro.

 

A única realidade certa ao longo desse período é que não era possível continuar a gastar como se não houvesse limites. E que a irresponsabilidade financeira não podia continuar.

 

Mas continuamos sem saber como do jogo político entre todos os intervenientes sairá uma solução construtiva que é indispensável e inadiável.

 

2. Ninguém deverá ter dúvidas que um País em que o somatório das dívidas do Estado, das famílias e das empresas era o mais elevado da zona euro, quiçá do mundo, e que não crescia desde finais dos anos 90, com uma balança corrente a atingir desequilíbrios anuais de 10% do PIB, tinha que se ajustar violentamente e em muito mais do que três anos. O que em muitos aspectos não foi feito.

 

A Troika pode ter saído, mas a necessidade de ajustamento não saiu do nosso horizonte.

 

O ajustamento foi insuficiente mas – o que é pior, não foi sequer iniciado em áreas importantes. Refiro-me à estrutura autárquica, às empresas municipais, ao sector dos transportes públicos e, sobretudo, à dimensão, funções e eficiência da administração central.

 

Por outro lado, mesmo que todos dissessem que o problema do endividamento não se resolve sem crescimento, é forçoso reconhecer que não se discutiram, a não ser em função dos interesses próprios e de curto-prazo de cada grupo ou corporação, estratégias de crescimento e de reposicionamento do País na actividade internacional. E que, no geral, os interesses dos mais velhos resistiram melhor ao ajustamento, à custa dos mais novos e de melhores perspectivas para o futuro.

 

3. O problema do endividamento e da política orçamental necessária está no essencial por resolver. As limitações impostas ao Governo pelas diversas oposições acima referidas e a degradação da actividade económica europeia fizeram com que a dívida externa não tivesse ainda entrado numa trajectória descendente.

 

Impõe-se, por isso, um acordo entre os partidos do arco da governação para estabelecer reformas que equilibrem as contas públicas, reformem o Estado e assegurem a existência de condições para um crescimento robusto. Sem um acordo para pelo menos duas legislaturas que assegurem a estabilidade das condições macro-económicas e institucionais indispensáveis ao investimento bem orientado, não haverá crescimento e emprego.

 

O acordo deverá incidir sobre os seguintes objectivos estratégicos:

  • Colocar o crescimento e o emprego como primeiro objectivo da governação;
  • Reforçar a importância da competitividade externa como critério de avaliação de políticas públicas;
  • Fixação de um quadro de referência para os cidadãos e empresas;
  • Estabilidade da política macro-económica;
  • Selecção de grandes medidas que exigem para a sua concretização consensos alargados e períodos longos de execução;
  • Credibilização do País perante o exterior, quer em relação aos credores actuais e fornecedores de capitais para investimento, quer principalmente como factor de atracção para a localização de actividades produtivas sustentáveis a longo prazo;
  • Fixação de objectivos que responsabilizem os governantes;
  • Promover a avaliação da governação em relação aos parâmetros decisivos para o futuro;
  • Reduzir os custos políticos de tomar decisões, pela existência de objectivos de longo prazo e de estudos fundamentados;
  • Reduzir as constantes alterações de prioridade e políticas, ao sabor de remodelações.

 

4. Apesar de todas as dificuldades acima referidas, e a situação europeia não é a menor, houve progressos assinaláveis.

 

A melhoria da balança comercial e da balança corrente, o aumento do emprego e do volume de negócios no sector dos bens transaccionáveis e as reformas realizadas em prol da competitividade das empresas, com reflexo na subida de 15 lugares no índice de competitividade do World Economic Forum, têm contribuído para a melhoria da imagem externa do País.

 

Gostaria de referir alguns dados que contrariam a opinião publicada, sempre em termos genéricos, de que as políticas acordadas com a Troika foram erradas e o ajustamento falhou.

 

Analisando os dados sobre o pessoal ao serviço nas sociedades não financeiras exportadoras de bens e serviços – com exportações superiores a 50% do volume de negócios ou superiores a 10% do volume de negócios desde que superiores a 150 mil euros – verificamos que no período 2010-2012 o volume de emprego em sociedades exportadoras (cujo número também aumentou) teve uma variação positiva de cerca de 40 mil pessoas (-280 mil nas n/exportadoras).

 

Em 2012 as sociedades exportadoras representavam 5.5% do total das sociedades contra somente 4.5% em 2010 e 20.7% do emprego (17.6% em 2010) e 33.5% do volume de negócios (25.2% em 2010). De notar que o volume de negócios entre 2010 e 2012 diminuiu 26 mil milhões de euros (+18 mM nas sociedades exportadoras; -44 mM nas n/expts).

 

No período 2010/2013 o emprego na indústria transformadora diminuiu 6.5% mas o volume de negócios aumentou 5.2% (-10.1% no mercado nacional; +25.1% no mercado externo). A variação do emprego a nível sectorial é bastante diferenciada.

 

Os sectores com aumento de emprego são essencialmente exportadores (vestuário, calçado, automóveis) ou com crescimentos elevados na exportação (produtos farmacêuticos).

 

Um caso curioso e interessante é o do mobiliário. No período 2010/2013 regista uma diminuição de emprego de cerca de -15%. O volume de negócios no mesmo período aumenta 2% (-37% no mercado nacional e +55% no mercado externo), devido a uma mudança de “produto” de mobiliário tradicional para “industrial” (tipo IKEA) com intensidades de trabalho diferentes.

 

Muitos dos dados mostram uma evolução fácil de entender:

  • A inversão para a destruição de emprego inicia-se no 3º trimestre de 2008;
  • Há uma evolução positiva do emprego a partir do 3º trimestre de 2013
  • Há aumento homólogo do emprego a partir do 4º trimestre 2013, continuado no 1º e 2º trimestres de 2014;
  • A redução de emprego no período 2011/2013 verifica-se sobretudo na faixa jovem (25 aos 34 anos) – cerca de 14%; é muito menos acentuada nas classes seguintes (35 aos 44 e 45 aos 64). Será o reflexo do custo das indemnizações para os mais velhos. E também da legislação;
  • A redução, no mesmo período, verifica-se apenas na classe de ensino “Até ao básico”; nas classes “Secundário / Post Secundário e Superior” há aumento de emprego;
  • Na evolução por sectores (2009/2011) a redução de emprego foi a seguinte:

- Construção (- 32%)

- Actividades Financeiras e de Seguros (- 16%)

- Energia/ Água (- 15%)

- Indústrias transformadoras (- 10%)

- Agricultura, pecuária, pescas, floresta (- 6,5%).

 

Confirma-se que a quebra na indústria foi superior à média (6,6%) e que a menor quebra foi nos “Serviços“ – apenas 2%. Na restauração e alojamento há mesmo um pequeno crescimento de 2500 empregos.

 

5. Está portanto em curso um movimento importante. O emprego qualificado aumentou e as empresas estão cada vez mais voltadas para o exterior. Os resultados que referi, comparando 2010 com 2013, reflectem o que já está a dar frutos mas ainda não a reorientação que está em curso e que precisará de mais anos para se evidenciar.

 

O esforço feito e os resultados obtidos resultam mais de acções individuais das empresas do que da cooperação empresarial onde destacaria o óptimo trabalho da APPICAPS.

 

Estes resultados podem e devem ser amplificados por um esforço organizado estrategicamente. É para isso que organizámos este seminário.

 

Não vemos qualquer futuro com base no mercado interno. Foi, é e será sempre tão pequeno que não é base senão para emprego de subsistência, pouco qualificado e sem perspectivas ou para actividades que sobrevivem protegidas da concorrência pelo Estado e explorando os sectores dinâmicos.

 

E estamos profundamente convencidos que é realista apostar num crescimento apoiado num sector exportador moderno, eficiente, rentável, que integre novas competências que hoje já existem – embora não tanto como se diz, e que sustente emprego crescente e melhor remunerado.

 

Lisboa, 23 de Setembro de 2014

 

      Pedro Ferraz da Costa

Presidente do Forum para a Competitividade

 

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