Mandou-me este email o meu filho Ricardo: «A Grande Guerra que Portugal quis esquecer». Guardo-o no meu blog por devoção, por amor à verdade, e porque nessa história participou, em acção e relatos, o avô do Ricardo, (e da Paula e do João), Gavicho de Lacerda.
Penso que a busca da verdade procurada pelo Público, e atestada na internet - htt://www.publico.pt/culturaipsilon.noticia/a-grande-guerra-que-Portugal-quis-esquecer-1664212 é oportuna porque repõe uma história de que só se conheciam os elementos de glória - simbolizados na estátua de Mouzinho de Albuquerque, contendo os baixos relevos laterais sobre a submissão de Gungunhana em Chaimite, e colocada em frente à Câmara Municipal de Lourenço Marques, com a catedral a um dos lados da bela praça – (estátua que, naturalmente, seria retirada, com a descolonização).
Ao descrever os sofrimentos dos milhares de soldados portugueses enviados para as colónias cobiçadas pelos alemães, em terras inóspitas e nas condições mais míseras pelo abandono e desinteresse dos governos centrais, pretende denunciar o dolo na ocultação dessa verdade que uma vez mais nos aponta como um povo de inércia e desrespeito pelo ser humano, na pelintrice de uma governação de abandono e incúria, numa guerra de África inglória, votada ao esquecimento porque nos envergonhava.
Fez bem o Público em enviar o repórter Manuel Carvalho (Palma, Norte de Moçambique) e o fotógrafo Manuel Roberto para a reportagem. A busca da verdade é imprescindível. Mas esta vem contaminada com a ambição de denegrir, de ridicularizar as acções do Governo – neste caso de Passos Coelho – na prestação, por este, da homenagem aos mortos da Primeira Grande Guerra, na sua “festa” de centenário – ignorando os mortos em maior quantidade nas terras de África, que ficaram para sempre votados ao esquecimento.
Condenam-se todos os governos do nosso miserabilismo e da nossa vaidade de defensores do passado heróico, denunciam-se as nossas crueldades e avidez de exploradores colonialistas. Com requinte. Para denegrir, defendendo esse princípio fraterno – e de autodefesa - das descolonizações.
Os povos europeus que mataram com as armas poderosas da sua inteligência e da sua aptidão para o trabalho, são ignorados na reportagem. Ainda não se havia chegado às câmaras de gás. Desprezo por nós, que não inventámos as câmaras de gás, Fernões Mendes Pintos da sobrevivência pelintra, cruel ou humilde, do nosso trajecto pelo mundo, condenados a morrer ignorados, tais como outrora os desaparecidos nos naufrágios ou dizimados pela doença ou pela luta. Mas estes não importam, naturalmente. O relevo vai todo para os que durante a primeira Grande Guerra, não morreram nas trincheiras da batalha de La Lys, mas sim numa África de condições ignominiosas. Foram ambos igualmente desconhecidos na morte, mas os primeiros tiveram direito aos túmulos e estátuas de soldados desconhecidos, nos vários países, glorificados nas comemorações. Para os das fronteiras e territórios coloniais portugueses, apenas o silêncio da vergonha. Salvo hoje, em que a reportagem do Público os vem lembrar, com o afinco da autodefesa, que essa nunca nos envergonhará, Fernões Mendes Pinto de todas as sobrevivências.
«A Grande Guerra que Portugal quis esquecer»
Manuel Carvalho (Palma, Norte de Moçambique) e Manuel Roberto
«1914 - 2014 - I Grande Guerra»
«Há 100 Anos»
Na Grande Guerra de 1914-18, o exército português sofreu a sua maior derrota em África desde Alcácer Quibir. No Norte de Moçambique morreram mais soldados portugueses do que na Flandres. Não tanto pela razia das balas alemãs. Mais pela fome, pela sede, pela doença e pela incúria. Minada pela vergonha, a I Guerra em Moçambique acabou votada ao esquecimento. Não tinha lugar numa nação que até 1974 sonhava com um império ultramarino. Numa viagem de mais de 2500 quilómetros, o PÚBLICO foi à procura dessa guerra sem rosto. Os cemitérios dos soldados foram profanados ou são lixeiras, mas o milagre da tradição oral conservou as suas memórias até hoje.
No dia 26 de Junho o primeiro-ministro de Portugal foi ao cemitério militar de Richebourg, no Norte da França, “prestar a nossa homenagem colectiva” aos soldados que morreram na Primeira Guerra Mundial. Se em vez de ter escolhido o palco europeu da guerra e optasse pelo cemitério de Palma ou o ossário de Mocímboa da Praia, no Norte de Moçambique, dificilmente Passos Coelho teria condições para manifestar o "respeito e sentimento de enorme orgulho" que o país supostamente "tem por todos aqueles que se sacrificaram ao serviço da nação". Porque nesses lugares remotos não encontraria cemitérios com cruzes brancas, alinhadas e conservadas, a recortarem o verde da paisagem. Descobriria sim lápides a emergirem entre o lixo que alimenta galinhas e cabras, tumbas engolidas pelo avanço da selva, túmulos profanados com os restos dos esqueletos dos combatentes expostos ao ar, campas onde só com esforço se consegue ler o nome dos que morreram em Quionga, em Negomano ou no território dos Macondes, nas margens do rio Rovum.
O historiador Marco Arrifes escreveu que “o soldado desconhecido de África é bem mais desconhecido que o da Flandres” e desde os dias da guerra até hoje não faltam argumentos para comprovar a sua tese. Em África combatia-se, de acordo com a ideologia e o direito da era colonial, pela defesa do território nacional. Em África, principalmente no norte de Moçambique, morreram mais soldados portugueses do que nas trincheiras da Flandres, não tanto pelo efeito das balas mas mais por causa da impreparação, da incúria, da fome e da sede, da loucura das febres, do paludismo e da disenteria. Mas nem isso bastou para que a Grande Guerra em África tivesse merecido a atenção que os historiadores, os políticos e a generalidade da opinião pública devotaram ao Corpo Expedicionário Português na Europa. Até hoje, as campanhas em África permanecem envolvidas numa relativa aura de esquecimento colectivo. Só muito recentemente uma nova geração de historiadores decidiu desenterrar o tabu e verificar a dimensão da tragédia que aconteceu em Angola e, principalmente, em Moçambique.
Numa viagem de mais de 2500 quilómetros pelas zonas remotas da província de Cabo Delgado, na linha de fronteira do Rovuma ou já no outro lado do planalto dos macondes, em território da Tanzânia, o PÚBLICO foi à procura do que resta dessa guerra. Partimos de Pemba, a Porto Amélia dos tempos coloniais, subimos a Mocímboa da Praia e a Palma, as bases das principais expedições das tropas nacionais entre 1916 e 1917; visitámos Quionga que fora ocupada pelos alemães em 1894 e reconquistada sem um tiro em 10 de Abril de 1916; subimos a Namoto, na margem do Rovuma; fomos a Mueda, símbolo do orgulho dos macondes e lugar simbólico do início da Guerra Colonial, atravessámos a estrada de quase 200 quilómetros de terra batida, em plena selva, que a liga a Negomano, onde as tropas portuguesas sofreram uma pesada derrota em 25 de Novembro de 1917; cruzámos a fronteira através de uma ponte moderna, absurda, que liga duas picadas entre o nada e lugar nenhum e subimos ao planalto dos macondes do lado da Tanzânia para visitar o velho forte alemão de Nevala, que os portugueses ocuparam durante um mês; passámos em Mahuta onde uma emboscada a 4 de Outubro de 1916 tirou a vida a 32 soldados e regressámos a Moçambique via Kilambo e Namoto.
Ainda hoje as memórias da Grande Guerra permanecem guardadas nessas localidades pela tradição oral. Amisse Juma, 76 anos, sabe identificar o lugar onde se instalou o quartel-geral da quarta expedição, em Mocímboa da Praia. Martins Ibrahim Musse, 65 anos, sabe relatar as histórias dos soldados cujos restos mortais permanecem no cemitério de Palma e lembra-se do dia em que muitos foram desenterrados e transportados para Portugal. O mzê (senhor de idade) Assani Abdel Remani Kimombo desconhece ao certo a sua idade mas consegue detectar entre o mato as trincheiras que em 1916 as tropas portuguesas cavaram em Namoto para se defenderem das investidas alemãs que partiam do outro lado do Rovuma; Abdel Carlos John é capaz de abrir caminho entre a selva com uma catana para, a alguns quilómetros da aldeia, nos levar ao túmulo de um soldado alemão cuja cúpula, garante, foi derrubada por um elefante. E em Negomano, na fronteira entre o Cabo Delgado e o Niassa, Santos Salimo Mundogwan, 61 anos, conserva as memórias que o seu avô, o régulo Malunda, lhe transmitiu do terrível combate que em 25 de Novembro de 1917 opôs portugueses e alemães numa das orlas da sua aldeia, no preciso lugar onde o Lugenda se funde com o Rovuma. Santos Salimo Mundogwan recorda-se até do nome do major Teixeira Pinto, o comandante das tropas nacionais em Negomano que perdeu a vida com os primeiros tiros do cerco alemão.
O regresso a esses lugares e a recuperação dessas memórias ajuda a perceber o destino das expedições. Obrigadas a defender uma fronteira com 720 quilómetros, tendo de cruzar um território muito maior do que Portugal, num clima abrasador onde, no Verão, a chuva potencia níveis de humidade acima dos 90%, numa região sem estradas que obrigavam as colunas a ter de abrir caminho entre a selva, sujeitos a permanentes ataques de feras e de enxames de mosquitos, os soldados portugueses foram sujeitos a uma missão impossível. Sem treino específico, sem equipamento ajustado aos rigores do mato africano, sem linhas de abastecimento que garantissem comida e água, sem medicamentos nem hábitos de higiene, tornaram-se presas fáceis de um exército alemão com menos homens mas liderado por um génio militar, Paul Emil von Lettow-Vorbeck, cujas tácticas de guerrilha em movimento inspirariam todo o curso da guerra não-convencional do século XX, de Che Guevara a Nguyen Giap, de Amílcar Cabral a Samora Machel.
A zona do conflito, entre os rios Lúrio e o Rovuma, era visitada pelos portugueses desde os princípios da expansão, mas a sua posse efectiva só se consumaria em Fevereiro de 1887, quando o coronel Palma Velho, governador de Cabo Delgado, conquista a baía de Tungue ao sultão de Zanzibar. De face voltada para a Índia, mas culturalmente próxima da esfera do Islão, a costa era nessa época, como hoje, um mosaico de povos que viviam da pesca e da agricultura familiar. Mais para o interior dominavam os macuas, a sul do Lúrio, e os macondes e, já nos limites do Lago Niassa, os ajauas. Para os soldados portugueses, na sua esmagadora maioria provenientes das aldeias do interior, o Norte de Moçambique aparecia-lhes como uma terra inóspita, maldita, povoada de leões que entravam noite dentro nos acampamentos e devoravam carregadores indígenas ou doentes dos hospitais de campanha, de formigas carnívoras, de gente que comia ratos dos arrozais e dançava em trejeitos hedonistas noite fora em batucadas
Toda a área de conflito tinha sido concessionada à exploração da Companhia do Niassa, em 1890, mas a obra colonizadora desta entidade tinha sido nula. Os seus métodos “eram tudo o que havia de mais simples: nem escolas, nem missões, nem hospitais, nem estradas. A sua actividade cifrava-se na cobrança dos direitos da alfândega e no m’soco”, o imposto de palhota, constatou o médico Américo Pires de Lima na sua memória Na Costa de África. Poder-se-ia pensar que a experiência militar dos portugueses em África, coroada com missões do tenente Valadim no Niassa, onde morreu em combate em Janeiro de 1890, com a estratégia baseada na violência dos “Centuriões” comandados por António Enes, ou as façanhas de Mouzinho de Albuquerque na batalha de Marracuene, de Chaimite, ou com a prisão de Gungunhana, em 1895, colocaria as tropas portuguesas numa situação de vantagem face à curta vivência dos alemães em África, que se tinham estabelecido na região dos Grandes Lagos apenas em 1885. Puro engano.
Quando a primeira expedição comandada pelo coronel Pedro Francisco Massano de Amorim, director militar das Colónias, chega a Porto Amélia e desembarca do Durhan Castle, no dia 1 de Novembro de 1914, com 50 oficiais, 77 sargentos, 1400 soldados e 322 solípedes era já possível perceber a dimensão do improviso. A falta de objectivos, a ausência de preparação militar ou a carência de bens cruciais como medicamentos iriam comprometer o esforço das tropas expedicionárias. Massano de Amorim lamentaria mais tarde no seu relatório de campanha o seu destino: “Sem caminho-de-ferro, que aqui é considerado um bluff, sem linhas telegráficas, sem estradas, sem força militar… com ratoneiros e bandidos em vez de polícias e sipaios, sem protecção de espécie alguma aos indígenas… não é para admirar que à data de chegada da expedição do meu comando aos territórios da Companhia do Niassa os postos administrativos fossem uma vergonha, os militares uma irrisão, a ocupação uma mistificação, a cobrança de impostos uma violência, a subordinação do gentio uma utopia e a viação um esforço grosseiro”.
A expedição, baseada na actual Pemba, capital da província de Cabo Delgado, passaria um ano em Moçambique dedicada a tentar suprir as carências de mobilidade que comprometiam a acção de um exército moderno, sujeito a deslocações de centenas de quilómetros com toneladas de víveres e equipamentos. O seu legado para a expedição que se lhe seguiu consistiu na instalação de uma linha telegráfica e na construção de uma estrada que ligaria Porto Amélia a Mocímboa do Rovuma, com uns 450 km de extensão. Mas mesmo a permanência na belíssima baía de Pemba, num ecossistema e num clima apesar de tudo mais favorável que os de Palma ou de Mocímboa da Praia, não evitaram que, de acordo com o historiador António José Telo, a expedição tenha sofrido “21% de baixas por doença nos primeiros seis meses, sem entrar em combate e mesmo sem sair de Porto Amélia”.
Nem esses dados alarmantes serviram de lição. Nada mudou na preparação das expedições seguintes, que depois de Março de 1916 tinham de viver em estado de guerra declarada com os alemães. Pelo contrário, a segunda e terceira expedições, com mais de seis mil soldados da metrópole, acentuariam os erros da primeira. Numa das sessões secretas da Câmara de Deputados e do Senado da República destinadas a discutir a situação da guerra, que decorreram entre 11 e 31 de Julho de 1917, o líder do Partido Unionista, Brito Camacho, daria conta da lassidão e negligência com que as missões eram preparadas: “Não é segredo para ninguém que se têm mandado tropas para a África como se não mandam reses para o matadouro”.
1. A few years ago robbers entered a bank in a small town. One of them shouted: "Don't move! The money belongs to the bank. Your lives belong to you.”
Immediately all the people in the bank laid on the floor quietly and without panic.
This is an example of how the correct wording of a sentence can make everyone change their view of the world.
2. One woman lay on the floor in a provocative manner. The robber approached her saying, "Ma'am, this is a robbery not a rape. Please behave accordingly."
This is an example of how to behave professionally, and focus on the goal.
3. While running from the bank the youngest robber (who had a college degree) said to the oldest robber (who had barely finished elementary school): "Hey, maybe we should count how much we stole.?"
The older man replied: "Don’t be stupid. It's a lot of money so let's wait for the news on TV to find out how much money was taken from the bank."
This is an example of how life experience is more important than a degree.
4. After the robbery, the manager of the bank said to his accountant: "Let's call the cops and tell them how much has been stolen."
"Wait”, said the Accountant, "before we do that, let's add the 800,000 dollars we took for ourselves a few months ago and just say that it was stolen as part of today’s robbery."
This is an example of taking advantage of an opportunity.
5. The following day it was reported in the news that the bank was robbed of 3 million dollars. The robbers counted the money, but they found only 1 million dollars so they started to grumble.
"We risked our lives for 1 million dollars, while the bank's management robbed two million dollars without blinking? Maybe its better to learn how to work the system, instead of being a simple robber."
This is an example of how knowledge can be more useful than power.
Moral: Give a person a gun, and he can rob a bank. Give a person a bank, and he can rob everyone.
O Alentejo tem cromeleques, o Alentejo tem antas, o Alentejo tem menires, o Alentejo tem o vaso campaniforme. A cada dia que passa são encontrados mais vestígios de povoados remotos. Tem, até, grutas habitadas há mais de 50 mil anos... O Alentejo é muito antigo.
O Dilúvio é muito mais moderno; no entanto as suas águas nunca o alagaram. Mas, as lendas mais antigas a que podemos aceder falam-nos da chegada de sobreviventes desse cataclismo. A Bíblia data o Dilúvio de cerca de 5000 a. C., mas a ciência coloca a hipótese de ele corresponder ao final da última glaciação, cerca de 16 000 a. C.
Na divisão territorial pós-diluviana, calhou a Túbal — filho de Jápeto e neto de Noé — vir navegando pelo Mediterrâneo até ao Atlântico, com as suas gentes, os Tubales, como lhes chamaram, com a finalidade de repovoar esta parte da Terra. Hoje é sabido que a faixa costeira da Península Ibérica nunca deixou de ser habitada desde as mais primitivas espécies humanas, mas lenda é lenda. Assim, Túbal desembarcou num local aprazível, na foz de um grande rio, dando origem à primeira povoação peninsular depois do Dilúvio: Cet Túbal, «acampamento de Túbal», isto é, Setúbal.
Esses Tubales, internaram-se no Alentejo e passaram a ser conhecidos como Galos, que, ao que parece, na linguagem da época significava «os alagados» ou «salvos das águas». Em breve, segundo alguns, toda a região tomou o nome de Gália, embora outros a designem por Tubália. Mais tarde, houve quem lhes chamasse Túrdulos Antigos e os venerasse como sábios. Deles se dizia que possuíam riquíssima literatura, história e direito, em verso. A sua forma escrita terá resistido até ao advento dos Romanos, que tudo destruíram.
Mas a lenda pós-diluviana não fica por aqui: um primo, um irmão ou um familiar de Túbal, chamado Elbur, nessa ida pelo Alentejo adiante, terá fundado a cidade de Évora.
Ora, Elbur era hermafrodita. Assim, como homem casou e teve uma filha, à qual chamou Évora. Morrendo-lhe a mulher, tomou ele a forma feminina e, chamando-se então Elbura, voltou a casar. Ao dar à luz um filho, que nomeou Evorinho, morreu.
Évora e Evorinho cresceram na torre que Elbur/Elbura construíra, e que ainda lá está. Começaram a governar a cidade em conjunto, mas cada uma das facções que apoiava um e o outro desejava o poder exclusivo. Assim, os dois irmãos acabaram por se zangar e separar. Ora, um dia, Evorinho propôs a paz à irmã, aconselhado pelos seus sectários que o induziram a uma traição. Montou-se um grande banquete para celebrar as pazes, na torre de Elbur/Elbura, banquete esse em que estavam presentes todos os habitantes da cidade. A certa altura, Evorinho atraiu a irmã ao alto da torre, a pretexto de recordar os pais, mas com a finalidade de a matar, empurrando-a cá para baixo. Évora, apercebendo-se da intenção do irmão, no momento em que ele ia empurrá-la, resistiu, lutou e... acabaram por cair, morrendo agarrados um ao outro. São as suas cabeças que as armas da cidade perpetuam.
Esta lenda da fundação de Évora é singular no conjunto lendário português, por ser a única história até agora encontrada com um ser hermafrodita. É provável que este fundo lendário demonstre a junção de dois povos diferentes na região de Évora.
Mas, as antiquíssimas lendas de fundação, referentes ao Alentejo, não se ficam por aqui. Muitas são as histórias que referem a saída de gente desta região, para fundar cidades e nações. Uma delas, a da mulher, Roma, que fundou a cidade do mesmo nome; outra, a de Tera, filha do rei da Grande Planície, que foi fundar Tara, na Irlanda.
Mais moderna, e vinda directamente de Inglaterra, chega-nos a história da fundação de York. Conta a lenda que, quando os Romanos aqui chegaram, uma parte da população de Évora recusou-se a aceitar o jugo do intruso. Assim, meteu pés ao caminho e, depois de muito andar, instalou-se numa zona do Sul de Inglaterra, fundando uma localidade à qual deu o nome da sua pátria longínqua: Eboracum. Com o tempo, a palavra foi evoluindo e transformou-se na actual York, passando a designar também toda a região envolvente. Chamava-se Ebraucus o primeiro rei de York. Acrescenta a lenda que construiu um templo a Diana, onde foi sepultado.
Este nome de Diana é, como se sabe, o que foi dado pelos Romanos à velha deusa-mãe peninsular, Ana, que acaba por passar à história, ironicamente, com a designação que lhe foi dada pelos Invasores.
Estas são as lendas!
Mas a verdade é que as novas teorias, baseadas nas investigações linguísticas, arqueológicas e genéticas, vieram dar-lhes razão, afirmando inclusivamente, que este é, afinal, o primitivo povo celta, que nunca para cá veio pela simples razão de que já cá estava há milhares de anos, atravessando o período do megalitismo e o tempo do vaso campaniforme. Dizem os especialistas que os Celtas se deslocaram de Ocidente para Oriente e não o contrário. E, ainda, que levaram daqui a língua, os seus objectos do quotidiano e o seu ADN.
Foi Bocage um daqueles boémios que não escapou às malhas da Justiça - ou talvez antes injustiça inquisitorial e de costumes - e por isso, ou porque viveu em tempos de mudança (a compostura clássica do arcadismo arejada pelas rajadas libertárias das revoluções que sentimentalmente se pretendiam dignificadoras), ele próprio fez sonetos explosivos à Liberdade - contrariamente ao seu “modelo” Camões, que racionalmente se fixou - na questão das movimentações temporais - na constatação sobre o carácter paradoxal da “Mudança”, que sintetizou magistralmente no terceto conclusivo: «E afora este mudar-se cada dia, / Outra mudança faz de mor espanto, / Que não se muda já como soía.»
Eis o soneto - pré-romântico - de Bocage à “Liberdade”, bem adaptável aos anseios convulsos do nosso paralelismo histórico transfigurador:
«Liberdade, onde estás? Quem te demora?»
Liberdade, onde estás? Quem te demora? Quem faz que o teu influxo em nós não caia? Porque (triste de mim!) porque não raia Já na esfera de Lísia a tua aurora?
Da santa redenção é vinda a hora A esta parte do mundo que desmaia. Oh! Venha... Oh! Venha, e trémulo descaia Despotismo feroz que nos devora!
Eia! Acode ao mortal que, frio e mudo, Oculta o pátrio amor, torce a vontade, E em fingir, por temor, empenha estudo.
Movam nossos grilhões tua piedade; Nosso númen tu és, e glória, e tudo, Mãe do génio e prazer, oh Liberdade!
Vem a referência a propósito dos artigos de Vasco Pulido Valente, saídos no Público, com bastante sanha e sabedoria como é seu hábito – o primeiro, “Merecidos Vexames”, de 26/7 , o segundo “O escândalo em Portugal”, de 27/7.
Reza o primeiro sobre o assunto que ainda há pouco esteve na berra – e vai permanecendo, embora soterrado já pela sobreposição do escândalo seguinte, no imparável “ver se te avias” da nossa progressão em matéria de humilhações e escândalos – o da farsa da inclusão da Guiné Equatorial no grupo da CPLP e a humilhação que isso tem valido ao Governo, obrigado mesmo a suportar justas injúrias saídas no Jornal de Angola sobre outras indignidades lusas, como as que concernem o Acordo Ortográfico da nossa destituição de seres civilizados e racionais, em troca de mais valias económicas, para podermos continuar sobrevivendo e alimentando esses dos BES do enriquecimento à socapa, que vão nadando no prazer das suas gulas egoístas, de enriquecimento pela extorsão criminosa – tema do segundo texto, com recuo ao século XIX dos vários escândalos da nossa constância na desvergonha política:
1º Texto: «Merecidos vexames»
Não interessa evidentemente comentar o comportamento da diplomacia indígena no caso da CPLP. Como sempre, foi miserável. Nem interessa dizer muito sobre o dr. Cavaco, que ninguém espera que defenda a dignidade da República ou se porte bem numa situação apertada. Mesmo com o dr. Passos Coelho não se pode contar, se lhe acenam com uns negócios para o seu empobrecido Portugal. O petróleo da Guiné Equatorial e a vontade de Angola pesam mais do que qualquer outra consideração presente ou futura. A nós que por aqui andamos a contar tostões não nos faz mal o vexame público do país, que é uma tradição histórica e, pior ainda, um hábito de vida.
Embora obedecer ao Império Britânico seja em princípio menos comprometedor do que obedecer a um bando de cleptocratas.
Sobretudo quando esse bando de cleptocratas tem razão. O Jornal de Angola escreveu sobre o assunto um editorial, em prosa duvidosa, mas no essencial cheio de razão. Depois de injuriar meticulosamente a opinião de cá (“preconceituosa”, “incoerente” e “estrábica”), o preopinante continua: “Os Media em Portugal praticam diariamente atentados contra a Língua Portuguesa. Nos jornais já se escrevem mais palavras em inglês do que em português. Nas rádios e televisões a situação é (…) pior. Escrever e falar português contaminado de anglicismos e galicismos é uma traição a todos os que falam a língua que uniu os países da CPLP”. Descontando a hipérbole e um certo desconhecimento do que de facto acontece em Portugal, o Jornal de Angola não se engana.
Desde 1976 nenhum Governo se ocupou seriamente da defesa da língua. O Dicionário da Academia de Ciências não passa de uma triste imitação do Oxford Shorter, não há uma gramática decente e acessível ao leigo ou um Thesaurus ou sequer, com as confusões do Acordo, um prontuário ortográfico decente e fiável. Também não há uma edição completa e crítica dos “clássicos” reconhecidos, nem a investigação universitária redescobriu a literatura do século XVI ao século XIX, que merecia outra sorte. Em matéria de língua, os Governos ficaram entre a ignorância e o desdém. Ou seja, abandonaram o principal interesse de Portugal e um dos seus melhores meios de influência. Nunca o Jornal de Angola escreveria o que escreveu se nós lhe pudéssemos responder com uma política e uma obra. Mas não podemos.
2º Texto: «O escândalo em Portugal»
Portugal tem finalmente um escândalo apesar de ser um país pouco dado a escândalos. Para quem não se lembra, houve até uma série de governos que mereceram o nome genérico de “Devoristas” pela maneira como venderam os bens da Coroa e da Igreja aos notáveis do liberalismo. Como houve também um ministro que deitou fogo ao ministério das Finanças, para se livrar dos “papéis” da dívida pública e privada. Ninguém se atribulou excessivamente com estas ligeiras irregularidades e os culpados, ou presumíveis culpados, viveram o resto da sua vida gozando da consideração da Pátria e dos seus pares. Alguns morreram mesmo generosamente condecorados e homenageados por um luto nacional a que a rainha, a corte e o parlamento se associaram com toda a sinceridade.
Quando o ódio político se misturava ao escândalo, por mesquinho que fosse, as coisas não corriam tão bem. O radicalismo perseguiu afincadamente Costa Cabral por causa de uma caleche, consta que de má qualidade, oferecida (ou não) por um negociante chamado Frescata, a troco de um hábito de Cristo ou de qualquer outra honra similar. Saldanha passou por um mau bocado no parlamento, acusado de pagar um retrato da sua magnífica pessoa com dinheiros do orçamento. “Roubámos todos”, disse na altura Costa Cabral e isso bastou para acalmar a excitação das massas. Mas veio logo o sexo substituir a ganância. Corria que o ditador dormira com D. Maria e que organizava orgias, com a ajuda de um francês, na Cova da Moura, em que participavam bailarinas. A intimidade com a rainha ainda sobressaltou alguns familiares da Corte, as bailarinas da Cova da Moura não provocaram o mais leve incidente.
No meio disto, a Infanta D. Maria de Jesus fugiu com o marquês de Loulé, que a megalomania indígena considerava “o mais belo homem da Europa”. Infelizmente a Infanta não aturou tanta beleza durante muito tempo e Loulé acabou por estabelecer uma casa à parte com uma cocote da moda. O que não o impediu de governar Portugal perenemente, como ministro e mais tarde como presidente do Conselho. O sexo aqui definitivamente não pegava. E as falcatruas do liberalismo a partir de 1851 duraram até à República, transformadas numa rotina, que se tomava por inevitável e, às vezes, até por necessária. Agora anda por aí um escândalo financeiro, que entusiasma o jornalismo e os peritos. Mas, num país sem ossos como Portugal, não parece que resista à nossa atávica complacência.
Textos suficientemente explícitos de análise e repúdio de factos que mergulham longe a sua actualidade.
Limito-me a parafrasear Bocage, como comentário lírico, que líricos são todos os que se empenham em virar o curso dos rios para limpar os estábulos fedorentos dos Augias do poder:
Dignidade, onde estás? Quem te demora?
Dignidade, onde estás? Quem te demora? Quem faz que o teu influxo em nós não caia? Porque (tristes de nós! ) porque não raia Na amada Lísia jamais a tua aurora?
Da santa redenção é vinda a hora A esta parte do mundo que desmaia. Oh! Venha... Oh! Venha, e trémulo descaia Banditismo feroz, que nos devora!
Eia! Castiga o mortal, que, frio e mudo, Oculta o seu intento, torce a verdade, E em furtar, sem temor, empenha estudo.
Movam nossos grilhões tua piedade; Nosso númen deverás ser, contra isso tudo, Mãe do orgulho e da paz, oh Dignidade!
v E não é que a saga do BES/GES chegou ao fim, com uma rapidez inusitada por estas bandas?
v E julgava eu que BdP, CMVM, Governo e tutti quanti nada tinham aprendido com os escândalos do BPN, do BPP, do BCP, etc., etc., etc. Que injustiça!
v Com a prata da casa, ou graças aos sábios conselhos sussurrados por “gente de fora”, lá surgiu uma “engenharia financeira” que separa o trigo do joio e não vai ao bolso dos contribuintes. Diz quem sabe.
v O diabo são os detalhes. Atentemos neles.
v Novo Banco para um lado, velho BES para o outro - é, certamente, uma operação de cisão que se prepara. E digo “prepara” porque uma cisão não se faz de um dia para o outro: há que apurar com rigor activos e passivos; há que valorizar uns e outros com critérios indisputáveis; há que assinalar cuidadosamente o que fica e o que vai; há que elaborar Demonstrações Financeiras reportadas à data da cisão; há que auditá-las; há que constituir o novo Banco; há que fazer a escritura da cisão.
v Há muito a fazer, ainda. Como se pode dizer, então, com ar convicto e sem corar, que hoje é um novo dia, com um novo Banco?
v É que se a cisão não for feita by the book, pode ser facilmente impugnada por quem se sentir directamente prejudicado - e, se assim for, limitámo-nos a juntar a uma crise sistémica um imbroglio judicial que se vai estender por décadas.
v Uma cisão prudente, nas actuais circunstâncias, recomendará que o património líquido que transita para o novo Banco seja nulo. Caso contrário:
(i) ou é positivo - e o velho BES terá de ser indemnizado (saindo a indemnização da entrada de capital que o novo Banco irá receber);
(ii) ou é negativo - e o novo Banco vai ter de abater ao capital social realizado os prejuízos que lhe vão caber por herança - dado que o velho BES não terá por onde pagar.
v Como o Leitor já deve ter suspeitado, formar um património líquido que seja exactamente nulo (para não dar lugar a trocos) é um quebra-cabeças e tanto - até porque accionistas e credores do velho BES vão ter uma palavra (e talvez mais que uma…) a dizer.
v Muito me enganarei se o GES, à frente das hostes de accionistas e credores do velho BES, não contra-atacar lá para o Outono, depois de ver em que param as modas. Se o Governo está a pensar que pode evitar o combate (jurídico e judicial, está bem de ver) com a promessa de deixar cair os processos (cíveis e penais) que venham a ser instaurados - desengane-se.
v Só vai comprar a passividade de um ou outro accionista de referência - e de peixe miúdo. As hostes continuarão praticamente intactas, e não faltará muito até surgirem novos condottieri para as comandar.
v Mas vamos ser optimistas! Vamos imaginar que o património a transferir para o novo Banco é identificado num ápice e sem que se ouçam vozes discordantes. Pode o contribuinte ir de férias descansado? Pode. Se fechar os olhos à realidade que o espera, pode.
v Mas será mais avisado se se preparar psicologicamente para o que aí vem. E o que aí vem tem a ver com a desejada venda do novo Banco e, também, com o último aumento de capital do velho BES.
v Começando pela esperança na recuperação dos € 4.9 mil Milhões através da venda da totalidade do capital social do novo Banco. O capital social só será preservado se a nova gestão conseguir inverter a série de resultados negativos que o velho BES vinha registando de há 2/3 anos a esta parte, mesmo pondo de lado a sombra do GES.
v Tudo vai em saber se o novo Banco, daqui a uns tempos, vale esses € 4.9 mil Milhões. Tanto mais que, goste-se ou não, uma boa parte da rentabilidade do velho BES, a partir da privatização, foi obtida com a prestimosa colaboração do GES (e a amável desatenção de supervisores, auditores, Conselho Fiscal e accionistas qualificados).
v Duvido que valha. E duvido, não porque não acredite na competência da sua administração, mas porque não creio que o potencial do mercado bancário português justifique valorizações tamanhas.
v O que me parece mais provável é que o Governo, mais dia, menos dia, venha a encontrar interessados numa posição de controlo da ordem dos 20%-30% - e continue accionista do novo Banco, ad perpetuum, com a paciência de um yogi.
v E chegamos à complicação maior. BdP, CMVM deram luz verde à emissão de capital que o velho BES levou a efeito no final do ano passado, quando eles já sabiam que algo não ia nada bem pela Av. da Liberdade, 195.
v O problema não é as coisas já andarem mal em casa do velho BES, à data da emissão. Nem sequer é o facto de ser já do conheimento das Autoridades de Supervisão muito do que por lá se passava. O verdadeiro problema é elas, mesmo assim, terem autorizado a emissão e aprovado o respectivo prospecto - o qual omitia, pudicamente, as más notícias.
v BdP e CMVM são passíveis de responsabilidade extra-contratual - e não tardará muito até que apareça alguém a recordar-lhes isso mesmo.
v E láterá o contribuinte de restituir o dinheiro aos investidores que foram levados ao engano - com a conivência dos nossos inefáveis
Nasceu em Santa Isabel no dia de Santo Hilário. Foi baptizado no dia de Santa Catarina e frequentou a escola de Santa Filomena.
Morava no Campo de Sant'Ana, deu uma queda em Santa Bárbara e foi socorrido no Hospital da Ordem Terceira de São Francisco.
Foi preso e julgado no Tribunal de Santa Clara, pelo juiz Santiago.
Esteve internado sob prisão no Hospital de Santa Maria, de onde fugiu no dia de Todos os Santos.
Assaltou o paquete Santa Maria, ao qual deu o nome de Santa Liberdade.
Passou pela Ilha de Santa Lúcia, a caminho de terras de Santa Cruz, fixando residência em São Paulo, na Rua de Santa Teresinha, onde viveu exilado, por causa de um "Santo" António que vivia em São Bento e era natural de Santa Comba.
Herdeira de enorme fortuna, a Senhora vivia habitualmente no seu palácio à beira Tejo, antigo convento templário, um pouco abaixo do Castelo de Almourol.
Rodeada pela família, era o centro a que todos se referiam e o apurado sentido de humor que cultivava incutia um ambiente tão agradável à vida dentro do palácio que era sempre com prazer que lá se entrava e com pena que de lá se saía.
Nós, as visitas, sentíamo-nos “em casa” e a maior parte das vezes as refeições eram servidas na casa de jantar anexa às «cozinhas dos frades», no piso térreo, pois era mais prático para a organização do serviço e havia uma enorme lareira que no Inverno aconchegava o ambiente. A sala de jantar nobre era no primeiro andar, tinha frescos nas paredes e no tecto emoldurados de talha dourada, era fria como gelo pois não tinha lareira e o serviço era feito por um elevador de pratos cuja base era longe da cozinha. Ou seja, não dava jeito nenhum e só era usada em ocasiões muito raras e de grande cerimónia.
Uma dessas raras ocasiões aconteceu durante a guerra civil espanhola em que lá apareceu um General nacionalista que tinha vindo a Portugal negociar qualquer coisa com o Doutor Salazar.
Recordemos que as comunicações quase não existiam nessas épocas e a viajem entre Madrid e Lisboa era feita por estradas tortuosas, sem estruturas de apoio aos viajantes e em tempo de guerra dá para imaginar o que seria a segurança... Assim foi que um membro do Governo português pediu ao Doutor, casado com a Senhora do palácio, que dessem guarida ao General e respectiva comitiva no regresso a Espanha.
O General fazia-se acompanhar de um Capitão, seu Ajudante-de-Campo e por dois soldados sendo um deles o motorista e o outro o trintanário.
Logo à chegada o General comportou-se como se os donos da casa estivessem a cumprir uma obrigação e não a fazer um favor. Tratando os companheiros com autêntico desdém, nunca fez a mais pequena tentativa para ser simpático com os anfitriões mas, mesmo assim, foi recebido com toda a deferência devida a quem vinha a pedido do Governo Português. Para além da recepção que lhe foi dada no salão nobre da casa, o jantar foi servido com todas as honras no tal aposento bonito mas incómodo e ao serão houve música de câmara para entreter um pouco Sua Excelência.
Os soldados foram servidos na cozinha, acompanhados pelo pessoal de serviço e foi-lhes destinado um quarto com as acomodações convenientes. Ao Capitão foi destinado um quarto ao lado de uma casa de banho e ao General coube uma «suite» no piso nobre equipada com as maiores comodidades existentes à época.
Mesmo assim, a arrogância, antipatia e sisudismo de Sua Excelência não desarmaram pelo que os donos da casa lá iam ensaiando conversas de conveniência de modo a amenizarem o ambiente e entreterem o tempo.
Da história não consta a ementa do jantar mas, sendo ali todos muito gulosos, apenas se sabe que à sobremesa foi servido um bolo de chocolate bem cremoso, quase mousse.
Chegado o jantar ao fim, passaram os cavalheiros ao salão nobre onde deveriam esperar pelas Senhoras que tinham ido “retocar a maquilhagem” antes que a música começasse.
Vai daí, o General acende um puro sem querer saber se se podia ou não fumar. Apesar de se tratar de família militantemente não fumadora, logo apareceu um recipiente para improvisadamente servir de cinzeiro e tudo seguiu como se nada de anormal estivesse a acontecer.
A demora das Senhoras não foi especialmente notada mas veio a saber-se no dia seguinte que tinham sorrateiramente ido ao quarto do General, aberto a cama e colocado uma grande pasta de bolo de chocolate entre o colchão e o lençol de baixo na zona sub-lombar de quem se deitasse. O frio fez com que o bolo não derretesse a não ser com o calor do corpo do General pelo que este deve ter tido um ataque de mau feitio quando se sentiu todo empapado numa mistela que mais parecia outra coisa que não chocolate, típica de quem não tivesse aguentado alguma brusquidão dos movimentos peristálticos.
Na manhã seguinte bem andaram todos os da casa à procura dos espanhóis, desde soldados a General, mas como rasto deles só havia uma horrível papa castanha na cama do General.
Nos anos todos que se seguiram até à morte de Franco nunca mais se ouviu falar daquele General pelo que se presume que também o Movimiento não simpatizaria assim tanto com ele.
“O Viúvo – Memórias do fim do império” é um livro de Fernando Dacosta, um livro de prémios, ao gosto intelectual da camada contrária aos imperialismos, livro de uma escrita pontilhada de anotações, de retomas, de evocações, de falsas isenções, de personagens-símbolo quase inominadas, referências que marcaram a memória de quem tem os olhos fixos nos mundos em que vive e viveu e algures as leu ou seguiu nos meios mediáticos da vivência moderna. Livro de poesia, de simbologia, de magia, de pintura de universos em transformação, salpicados de influência dos vividos em “Cem anos de solidão” de Gabriel Garcia Marques, sem, naturalmente, a força épica e satírica que escorre das páginas deste, arrancadas a um solo duro e exótico, pujante de violência, destemor, primitivismo, avidez. Contrariamente a esse, o solo e figuras deste, estas mais ou menos abstractas de personagens-símbolo ou tipo (tanto as mais antigas como as da democracia recente, desinibida e actuante), num espaço agora limitado ao rectângulo de outrora, acrescidos de uns arquipélagos escapados à fúria libertadora das armas floridas.
Um livro, “O Viúvo”, que conta de costumes, de épocas, de superstições, laivos de história passada desde a Primeira República, sem omitir a referência às aparições de Fátima, para se fixar naturalmente na ditadura, mostrando as mudanças posteriores, de abertura para a liberdade sonhada, casando o mistério com o realismo descritivo, o sagrado com o profano, as tradições do primitivismo e da crendice com a modernidade desinibida. As personagens são bem fantoches numa técnica pontilhista, naturalmente expressiva de elegância discursiva, num recontar de placidez e cansaço, como se o ódio antigo pelas ditaduras que o neo-realismo expressara, na sua manipulação das personagens e dos eventos já não significasse mais do que simples curiosidade, ultrapassada pelos novos tempos, que se revelaram generosos nas tentativas de abertura à modernização de meios e costumes.
Um livro de memórias do fim do Império, cujos capítulos são assinalados pelas letras simbólicas da palavra LUSITÂNIA – simultaneamente aplicadas à personagem central – Cismas, podador-enxertador de profissão – e ao país em causa, numa estrutura circular, que se inicia com a proximidade da morte daquele e acaba igualmente aí, no estertor da morte solitária, anunciada em tempos com o mal do cancro pela vidente e curandeira Almotolia cuja figura de enforcada numa figueira lhe vai aparecendo em espírito.
Eis uma página retirada do último capítulo, síntese final contendo as figuras que lhe povoaram a existência e que se confundem, na sua imaginação febril, com a realidade vivida:
A chuva desabou subitamente sobre o monte. Os interiores da terra, e seus, fundiam-se em cataclismos libertadores. Almotolia retirava a corda do pescoço e reentrava em casa. Helicópteros chegavam com jovens que traziam embrulhos, comida quente, roupa seca, flores, músicas, o seu filho vinha entre eles, e o professor, e o Tio Cantoneiro, e o Mestre escritor, o avô de boné e óculos pilotava o aparelho da frente e berrava: a verdadeira revolução é a nossa, sem armas, sem exploração; ficou a vê-los. Se os mortos estavam vivos é porque ele tinha morrido, mas o reino dos céus, era igual ao da Terra.
E o último parágrafo:
Barulhos cavos soltaram-se de si, rolaram em eco, uma esfera desprendeu-se das entranhas, a opressão do ventre pulverizou-se, o corpo saía-lhe do corpo feito energia, flutuava no quarto rente ao tecto, reconstituía-o noutra essência. Um bem-estar inimaginável tomou-o, então tudo foi ficando leve, distante, infinito… infinito.
Da contracapa deste livro transcrevo:
Emblemático na sua obra, o romance «O Viúvo» (fascinante metáfora sobre a perda, por Portugal, das colónias) assume simbologias irrecusáveis na ficção produzida pela nossa língua.
Na verdade, muitos são os seus “nacos” de uma prosa de elegância e beleza expressiva. Mas a morte de “Cismas”, despedaçado de sofrimentos indizíveis, embora de passagem para os mundos inefáveis da imaterialidade e da bem-aventurança (qual gigante “São Cristóvão” de Eça, ou “Saint Julien l’Hospitalier”, de Flaubert, levados por Cristo), sendo aquele simbólico de uma LUSITÂNIA que como aquele viveu e tanto sofreu e se agitou, deixa uma dúvida num espírito mais atento e amante da sua pátria:
É esse o fim maligno que o doce Fernando Dacosta prevê para este rectângulo encolhido à beira do breve oceano, donde outrora partiram as caravelas e as naus “por mares nunca dantes navegados”?
Pobre escritor tão galardoado! Pobre pequeno país que tanto o galardoa – talvez à sua própria imagem e semelhança de miniatura!
Não, não deve aquele sofrer ante a perspectiva do cancro nauseabundo esfacelando o seu país, presa de um qualquer outro destino há muito perpetrado por tantos dos seus pares.
Apesar de gostar de guardar muito do que me vem à mão e acho interessante ou útil, desde pregos a medalhas, parafusos a cápsulas e sementes de plantas exóticas, como por exemplo aquilo a que se chama Coco de Sapucaia - castanha-sapucaia, uma lecythidaceae, Lecythis usitata (como pouca gente, rara gente conhece, vou abster-me de explicar, porque resultaria no mesmo do que explicar o paladar de um abiu - fruto de uma Sapotaceae, Pouteria caimito - a alguém que nunca o tenha visto nem provado) não sou colecionador de coisa alguma, talvez porque para se ser colecionador é necessário ter tido desde sempre, ou quase, residência estável e não mudar de casa mais de vinte vezes pela vida fora só depois de casado! De vez em quando aparecem coisas curiosas que vou guardando.
Por muito complexo que tenha havido, e ainda haja, por parte dos brasileiros, contra os portugas, a verdade é que a nível oficial sempre o entendimento foi bom. Quase. Lá bem no fundo dos bastidores é natural que de vez em quando surjam alguns pontos de atrito, mas Portugal sempre fez o que lhe foi possível para manter o Brasil como seu aliado, irmão. Que é.
Bem sei que o miserável contencioso dos dentistas brasileiros ainda navega em turvas águas, mas é das tais coisas: nem tudo pode ser perfeito.
Apesar da política ultramarina portuguesa ter ficado totalmente fora de moda, depois que a França e Inglaterra se viram forçadas a largar as suas colónias, o Brasil tinha que fatalmente estar ao lado das idéias democráticas, apoiando, pelo menos intelectualmente, a independência de todos os países que o pretendessem. Ele mesmo havia lutado por isso!
Portugal, habilidosamente, comandado pelo esperto e inteligente caipira chamado Salazar, ia mantendo o irmão Brasil como aliado, ou no máximo como abstencionista, cada vez que havia votação internacional que procurasse condenar a sua intransigente e incoerente atitude para com as colónias.
Entre as muitas manobras diplomáticas para manter os dois países unidos, e tentar mostrar ao mundo que o Brasil apoiava o governo português, este, teimoso, conseguiu um dia, em 1967, levar a Angola uma esquadra de navios de guerra brasileiros, contra toda a lógica política do Brasil, que não se queria envolver no erro colonial português.
Não sei se seria uma esquadra, apesar de ser a Força Tarefa número 11, composta de dois navios da Marinha de Guerra Brasileira, o cruzador “C Barroso” e outro o contra torpedeiro “Paraná”.
1967
Entre os dias 23 de janeiro e 27 de fevereiro, participou da comissão ASPIRANTEX 67, integrando um Grupo-Tarefa, sob o comando do ComemCh Almirante-de-Esquadra Murillo Vasco do Valle e Silva, formado também pelos C Barroso e Tamandaré e pelo CT Pernambuco. O GT visitou os portos de Recife (PE) e Luanda (Angola). Além dos oficiais instrutores e do Corpo de Alunos da Escola Naval participaram Cadetes da Escola de Aeronáutica e da Academia Militar das Agulhas Negras. As longas travessias nos trechos Rio-Recife, Recife-Luanda, Luanda-Recife e Recife-Rio proporcionaram um bom período de adaptação a longos cruzeiros a todos os alunos participantes.
Cruzador «C - Barroso»
Contra-torpedeiro «Paraná»
Recebidos com grande pompa e circunstância chegou a Luanda talvez um milhar e meio de marinheiros brasileiros, grande parte deles mestiços ou negros, que por obra e graça de uma capciosa manobra política portuguesa, lhes proporcionou a rara e feliz oportunidade de visitar a terra de grande parte dos seus antepassados. Nem todos teriam ascendentes angolanos ou sequer africanos, mas estavam em África, de uma forma geral terra de todos eles. Das suas raízes. Das raízes de todo um povo.
Luanda, cidade relativamente pequena, foi invadida pelos brasileiros, que ali estiveram quatro ou cinco dias. A cidade, sobretudo a zona dos musseques onde vivia a quase totalidade da população nativa, não dormiu durante todo esse tempo. Ressoavam os ngomas noite e dia, a toda a hora viam-se marinheiros entrarem e saírem dos navios, uns, cara de longa farra, outros ansiosos por tomarem em terra o lugar daqueles, todos sempre em larga companhia de angolanos. Descobriram-se parentes, aprofundaram-se raízes e conhecimentos, e num instante era muito mais do que isso, que não há palavras para descrever. Foi um espetáculo maravilhoso assistir ao encontro de dois povos irmãos, e foi uma das maiores festas generalizadas que aconteceram naquela terra! Nem carnaval alguma vez se lhe comparou pela espontaneidade, emoção e alegria verdadeira.
O zarpar dos navios foi difícil. O cais apinhado com a multidão, compacta, vestida com os panos mais garridos. Velhos e novos. A despedida, entre batuque e lágrimas não terminava, e o horário previsto teve que ser esticado. Também não havia porque, numa rara ocasião como aquela, o comandante se preocupar com a pontualidade britânica. A brasileira era melhor do que ótima!
Foi bonito, esse encontro.
Ao mundo foi dito que os navios não só não eram de guerra, como estavam em manobras no Atlântico Sul, e um deles com problemas técnicos fora obrigado a arribar a Luanda! Ninguém deve ter engolido aquela explicação um tanto esfarrapada, mas não parece ter trazido qualquer problema para o Brasil, até porque os movimentos de luta pela independência de Angola estavam muito longe de dar ao mundo um exemplo de maturidade, não se entendiam entre si, e deixavam prever uma precária luta quase interminável, não fosse o esgotamento da política interna portuguesa. O exemplo dos mesmos partidos, em Angola, ainda hoje, no ano 2000, deixa muito, mutissimo, a desejar. Pobre Angola. Aliás pobres angolanos.
A explicação do Brasil foi mais uma graça da sua diplomacia, aliás sempre hábil. As autoridades portuguesas ficaram muito contentes com aquela prova de confiança e o Brasil livrou-se de ter que, a outros possíveis pedidos menos simpáticos, dizer “não”!
Quem mais gostou de tudo isto foi a população de Luanda!
Os brasileiros, saudosos, seguiram naqueles cascos cinza, atravessando devagar, com preguiça e saudade, a bonita e acolhedora baía de
Luanda, rumo às suas manobras.
A bordo, peles de todas as tonalidades, almas coloridas, olhos saudosos vendo formar-se à popa um turbulento rasto na água que parecia querer voltar a ligar os dois povos, separados um dia, à força, na desumana brutalidade da escravatura.
Em 1972 Portugal tinha quase conseguido outra pequena vitória política, com a organização dos V Jogos Desportivos Luso-Brasileiros, jogos estes a realizar em Luanda, o que pressupunha o reconhecimento, por parte do Brasil de ser Angola um território indiscutivelmente português!
Projeto interessante o comemorar-se em Luanda o sesquicentenário da independência do país formado com o sangue de tantos angolanos, o quarto centenário da publicação dos Lusíadas quando a metrópole deixou quase outros tantos séculos as colónias sem a conveniente instrução e a travessia aérea do Atlântico Sul, onde por acaso Angola se encontra sem nada ter a ver com isso. Importante era o ano da Dupla Nacionalidade a que Angola hoje devia ter direito, não fosse por outra razão seria pela sua paternidade a milhares e milhares de homens que ajudaram a formar o Brasil.
Não sei quem terá buzinado nos ouvidos do Presidente Médici que as condições para amparar a política portuguesa não era a mesma de 1967, e não era, a verdade é que, estando tudo pronto, de repente se desaprontou, e os tais V Jogos e todas as outras comemorações simplesmente não aconteceram.
Pouca gente disso teve conhecimento.
Belas medalhas comemorativas estavam cunhadas. Não foram distribuídas. Talvez destruídas.
Todas não, porque uma, não sei já como, está comigo, a inscrição numa das faces envolvendo a Cruz de Cristo, e na outra, quatro figuras de atletas fazendo jogo com a mesma Cruz.
Hoje esta medalha será uma raridade.
Mas que foi uma boa tentativa do Salazar... foi!
Do meu livro “Se as Minhas Imbambas falassem”, 2000, com ligeira correcção.