GOA
A esta hora, em Goa
o dia esmorece
e as palmeiras da orla do mar
inclinam suas copas
a saudar a partida do Sol.
A esta hora, em Goa…
fecho os olhos
e passeio pelas ruas
e espreito às janelas
da saudade
os reflexos da infância.
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A esta hora, em Goa
o dia esmorece
e as palmeiras da orla do mar
inclinam suas copas
a saudar a partida do Sol.
A esta hora, em Goa…
fecho os olhos
e passeio pelas ruas
e espreito às janelas
da saudade
os reflexos da infância.
São vários os temas focados por Alberto Gonçalves no seu “Dias Contados” do DN de 27 de Julho:
Reza o primeiro sobre a exaltação que costumamos despender na nossa Feira das Vaidades e Despiques a respeito da expansão linguística portuguesa no espaço terreal, com Cavaco Silva em viagem por Timor explicando que a da CPLP é veículo de defesa dos direitos humanos, o que consiste numa grandessíssima atoarda, tanto no que se refere à recém-filiada Guiné Equatorial, (quer no que toca à expressão portuguesa, quer no que toca aos tais direitos), como até no que se refere a outros territórios africanos da CPLP que também dificilmente os defendem, sobretudo os de maior potencial económico e territorial. Por outro lado, estas vergonhas que passamos, com um AO feito de rebaixamento e permissividade de indignas flutuações ortográficas, revelam o ridículo de toda esta farfalheira exaltadora, no confronto com a dignidade de outras línguas que não precisam de ser exibicionistas para de facto se imporem.
Eis, pois, o primeiro artigo da “Dias Contados” que toma o abrangente título de “Língua Geográfica”, ao que parece uma moléstia física não muito grave, caso das alfinetadas deste inteligente crítico que, infelizmente, não penetram no córtex encefálico de quem o deveria ler para nisso meditar e alterar segundo os critérios nelas subentendidos.
Língua geográfica
Em Díli, Cavaco Silva garantiu que a CPLP se define através da língua e dos direitos humanos. Nem de propósito, a CPLP estendeu-se à Guiné Equatorial, onde a democracia é conceito discutível e onde se fala castelhano e dialectos. Mesmo no site do Governo local o anúncio da adesão foi feito apenas em espanhol, inglês e francês. Parece que o petróleo - e as pressões de Brasil e Angola - pesou nesta história. É a economia, estúpidos? Se calhar é, o que significa que pela primeira vez após anos de lirismo em redor das descobertas a CPLP descobriu uma razão de existir: a conversa da "projecção do português" era muito linda para juntar em cimeiras sujeitos que gostam de se juntar em cimeiras. Mas só.
Por pueril que soe dizê-lo em 2014, nem uma língua se "projecta" nem o seu peso depende de decisões políticas. O inglês não se tornou a língua franca dos nossos dias por decreto, e sim por causa da televisão e do cinema americanos, da música popular anglo-saxónica e da concentração das grandes empresas de informática na costa oeste dos EUA, que levam um fedelho a fazer search, download e convert antes de aprender a escrever "o popó da titi". Adicione-se, para os eruditos, o domínio do cânone literário contemporâneo, de Dickens ao "assimilado" Nabokov, de Fitzgerald a Bellow, e tem-se tudo aquilo que o português não tem e não terá. A pertinência dos escritores não aumenta ao enfiá-los no Panteão.
É grave? É assim. Os alemães, que em certo sentido (e apenas em certo sentido) possuem uma língua mais "restrita" do que a nossa, não se queixam. Os escandinavos, que comunicam em código cifrado, também não. E, coitados, vão vivendo, ao contrário dos guardiões oficiosos do português, que sofrem brutalmente com a respectiva insignificância. Em Setembro decorrerá em Brasília o Simpósio Linguístico-Ortográfico da Língua. O presidente da Academia de Letras lá do sítio publicou há dias um texto alusivo. O texto está repleto de locuções de sacristia e de erros primários, que ainda ninguém corrigiu. Em lugar de "projectar" o português, talvez fosse preferível escondê-lo.
O 2º texto, de 23 de Julho - Juventude inquieta – é suficientemente explícito sobre a escassez mental de escrevinhadores que têm, todavia, o seu público, e que não estarão isentos de vir a ser consagrados com os prémios literários que a sua pujança criativa (aliada, possivelmente à sua pujança partidária, merecerá. (Mas trata-se esta observação de pura opinião pessoal. Alberto Gonçalves limitou-se a condenar, com q.b. de iracúndia):
Juventude inquieta
Com a excitação motivada pelos erros ortográficos de uma deputada socialista num texto do Facebook, ninguém reparou na publicação, já lá vão uns tempos, do novo romance de outra deputada socialista. Ninguém, ou quase ninguém, que o atento blogue Malomil fez há dias a indispensável recensão crítica de Apátrida, a obra com que Isabel Moreira demonstra aos escassos cépticos restantes que um assento parlamentar não só não é incompatível com o QI de Forest Gump como tal QI parece ser critério de admissão.
Sobre o conteúdo de Apátrida, encaminho os curiosos para o blogue citado, acrescentando apenas que não consumo produtos alegadamente literários que incluam pérolas como: "unilateralidade sem dolo", "esmurra o vomitado nas casas de banho" e "fumei três ganzas e bebi uma garrafa de vinho tinto", embora a combinação de estupefacientes com o álcool justifique plenamente que se escreva assim. A mera frase "deus a mijar-se de medo pelas pernas abaixo" (limito as citações às transcritas no Malomil) resume a essência da coisa: uma adolescente com corpo de adulta e cérebro de criança convence-se de que, se enfileirar muitas letrinhas num ecrã de computador, obtém algo similar a um pequeno livro. Se encher o livro com o tipo de patetices usadas pelos petizes para maçar os parentes, consagra-se junto de 12 semianalfabetos como autora "irreverente". Há imensos irreverentes do género por aí, com sorte enclausurados nas EB 2/3. Com azar, habitam os auditórios das Fnac e o Parlamento. Antes de escrever livros, a Dra. Isabel devia experimentar ler pelo menos um.
Em “Vícios”, (25/7), trata o articulista do cinismo tenebroso de membros parlamentares e outros membros ainda mais cimeiros, na condenação e simultaneamente no aproveitamento dos lucros dos jogos de azar para benefício social:
Vícios
Muito depois de Francisco Louçã condenar a economia de casino, outro beato, Ribeiro e Castro, aparece a condenar os casinos na economia. Parece que o homem está preocupado com uma proposta de lei da secretaria de Estado do Turismo, a qual pelos vistos desviaria parte das receitas actuais do jogo online das políticas ditas sociais para onde hoje convergem.
Já é engraçado o deputado do CDS aceitar sem problemas o recurso ao dinheiro de um vício que abomina. É mais engraçado ainda o Dr. Ribeiro e Castro não reparar, ou fingir não reparar, que a aplicação "social" desse dinheiro pode servir precisamente para ajudar as vítimas do próprio vício. E é engraçadíssimo que, à semelhança de tantos outros colegas de classe, o Dr. Ribeiro e Castro se julgue conhecedor dos comportamentos recomendáveis aos cidadãos.
Notam o paradoxo? De uma penada, o Dr. Ribeiro e Castro resume a velha hesitação do Estado entre padronizar a vida alheia e lucrar com os desvios ao padrão. Na dúvida, opta por tentar ambas as proezas - e com frequência realiza-as, o que é um feito. Feitos estamos nós.
Igualmente o artigo sobre o escândalo do BES e a impunidade que tem apoiado os Robertos Salgados no nosso país. Um texto violento e justo, de alguém que não necessita de trocadilhos para condenar a corrupção:
O poder e o povo
Há meses, um americano nascido na Grécia explicava-me o que distingue o país de origem do país de destino: no primeiro, os poderosos cometem crimes impunemente; no segundo há poderosos na cadeia. Embora populista, simplória e pouco original, a tese possuía certa pertinência. Além disso, era uma oportunidade para praticar um dos poucos desportos a que me dedico: dar a conhecer lá fora o meu querido Portugal e admitir, com aquela peculiar mistura de vergonha e de gozo, que em matéria de descaramento somos muito mais parecidos com os gregos do que com os americanos.
Quantos sujeitos com poder ou influência estão presos por aqui? Contas bem feitas, nenhum. Salvo pelo ocasional autarca, o indígena bem colocado é livre de estraçalhar as contas públicas, alinhar em evidentes esquemas de corrupção ou surripiar milhões ao próximo sem que daí lhe advenha qualquer mal.
Nisso, esta semana foi atípica, já que um banqueiro de renome se viu detido. Ou foi uma semana normalíssima, já que o banqueiro deixara o cargo recentemente e a detenção ficou-se pelo estatuto de arguido. A minha opinião? Não tenho uma, ainda que o facto seja susceptível de embaraçar um opinador profissional e ainda que dezenas de leitores me invectivem regularmente nos comentários do DN online a pronunciar-me sobre Ricardo Salgado e o escândalo do BES.
Os leitores julgam tocar numa questão que me é incómoda. Julgam mal. Sucede apenas que não conheço o indivíduo de lado algum, não integro os quadros da Judiciária e não consigo interessar-me pelas aventuras, lícitas ou ilícitas, da alta finança. Os senhores da banca parecem-me as criaturas menos fascinantes da Terra, logo depois de constitucionalistas, activistas e sindicalistas. Para desilusão das massas, limito-me a esperar - sem histeria ou grande esperança, é verdade - que se cumpra a lei e que o Sr. Salgado pague pelos seus alegados crimes.
De resto, não estou com as massas nem na condenação imediata dos poderosos caídos em desgraça nem no inevitável reverso: a adulação dos poderosos em estado, com ou sem maiúscula, de graça. Em circunstâncias diversas, vi demasiadas pessoas insultar pelas costas governantes ou administradores para, cinco minutos decorridos, arranjarem uma hérnia enquanto lhes osculavam a mãozinha. Não adianta resmungar contra quem manda se se aprecia ser mandado e mandar. Nas democracias, a impunidade não cai do céu (ou, no caso grego, do Olimpo). Mas há democracias a cair por causa da impunidade.
Finalmente, um curto texto corajoso sobre um Israel alvo de ataques pelos cínicos defensores dos fracos que não desistem, e lembrando os tempos em que os Israelitas foram perseguidos e lamentados quando eram selvaticamente perseguidos.
Bons tempos
Se bem percebo as notícias indignadas que chegam do Médio Oriente, o direito de Israel à defesa do seu território termina
no momento em que morre a primeira mulher ou criança em Gaza. Matar mulheres e crianças, árabes ou israelitas, é uma prerrogativa que apenas assiste aos árabes no desempenho das limpezas de honra locais e do terrorismo libertário. Além disso, o potencial bélico de Israel é muito superior ao do Hamas, o que torna a guerra injusta, como injustos serão todos os conflitos em que o "povo judaico" não saia a perder. A História recorda-nos alguns cujo resultado foi o inverso, e aí sim, a guerra dava gosto e não indignava ninguém. Quanta saudade.
Farpas – aftas, em «língua geográfica» - de uma mente esclarecida e séria. Um prazer de leitura.
Minhas Amigas, Olá!
Estou vivo mas falo-vos do outro mundo… Sim, de um mundo que já não existe mas que bem conhecemos e que todos adorámos. E em que vos adorei, claro! É evidente que não espero que me respondam dizendo que a adoração foi recíproca. Não percam tempo com isso. Nem faria sentido, passados que são já mais de 40 anos, não estando todos nós e cada um disponíveis para escrever a história de novo. Até porque muitos que connosco por ali deambularam já estão mesmo naquele mundo dos espíritos de que só alguns dão sinal. E não interessa se algum de nós era o alvo da adoração dos outros. Não! Nós eramos os adoradores daquele mundo adorável que não pudemos segurar depois de o termos tido nas nossas mãos durante uns tempos e que outros nos arrancaram com os cravos que tinham metido nos canos das espingardas.
Não preciso de citar o seu nome para saber que Você se lembra perfeitamente daquele casal de pássaros que ao fim do dia vinha lá da floresta para dormir nalguma árvore na cidade. E nós íamos à varanda esperar por eles e sabíamos que aqueles eram momentos que haveríamos de lembrar para sempre…
Não preciso de citar o nome daquela nossa amiga que, atravessando a floresta donde vinham os pássaros, comia peras de caju directamente da árvore e chegava junto de nós um pouco alegre e com muita vontade de dançar. E nós dançávamos todos com ela como se fosse «a cappella» imaginando uma melodia que até hoje ninguém tocou. E já vamos tarde para tocar a música da dança pois há muito que procuro essa nossa amiga e não a encontro. Temo que a guerra a tenha levado para o tal mundo de que só alguns espíritos dão sinal. Sei que Você se lembra de tudo isto e não dá aqueles tempos por perdidos. Eu dou-os por ganhos. Sim, foi neles que a conheci a si, que vi os pássaros que à tardinha vinham da floresta, que dancei «a cappella» com a nossa amiga.
Não preciso de citar o teu nome para saber que te lembras daquele penedio donde olhámos para a barragem lá no fundo e me disseste que naquela penumbra das encostas do lado de lá só faltava aparecer o Peter Pan com a sua varinha de condão e fizesse aquele momento continuar por aqui fora, tempos aquém… Foi nesse dia que me levaste àquela descida em que o carro destravado e em ponto morto recuava a subir. Sim, também esses foram tempos de magia que não pudemos segurar.
Não preciso de citar o teu nome para saber que te lembras daqueles passeios a quatro no grande carro americano do nosso amigo que já lá está no mundo de que só alguns espíritos dão sinal e do casamento deles a que já não fui porque as voltas da vida assim o disseram. E tu, foste ao casamento deles? Não respondas. Deixa-me ficar na penumbra das coisas mais ou menos lembradas e mais ou menos esquecidas. E lembras-te da viagem de barco? É claro que lembras! Mas não digas nada… fica só assim.
Não preciso de citar nomes porque o mundo em que então vivemos já não existe. É um outro mundo. Se alguma de Vocês lhe tocar, não deixe de lembrar. Eu lembro!
Continuemos…
Julho de 2014
Terá sido em Tete, ou ainda em Vila Cabral?, que soubemos da forma apoteótica como foram acolhidos os militares que, em missão de esclarecimento psicológico, cruzava trilhos, picadas, caminhos e povoações sob aplausos e um sem fim de risos e batucadas a coroarem os discursos de propaganda e a recepção dos panfletos com bonitas ilustrações onde se via o grande irmão branco, fardado e graduado, com a sua comitiva, a acolher e libertar o chefe irmão negro e suas gentes da perversidade dos bandoleiros da guerrilha a soldo de potências comunistas e imperialistas.
O que se veio a descobrir, por fim, é que os tradutores traduziam os apelos da pátria remota - que a esmagadora maioria dos africanos nem conhecia – em insultos declarados à presença portuguesa e sua derrota iminente. Ora, sendo estes impropérios supostamente proferidos pelo oficial que empunhava o megafone, aos olhos das populações a acção em si resultava deveras hilariante. Daí os gritos e as manifestações de regozijo com que o cortejo estava a ser recepcionado.
In «Moçambique – Para a mãe se lembrar como foi», Bertrand Editora, 1ª edição, Junho de 2014, pág. 202
Texto de Vasco Pulido Valente , Público, 25/7/14:
«Um velho erro»
As dezenas de milhares de emigrantes “qualificados” de hoje são o equivalente aos meninos de 1870.
Desde quase há dois séculos que vários Governos decretaram a educação gratuita e universal e, às vezes mesmo, também obrigatória. Este preceito piedoso nunca se chegou a cumprir. Por uma razão muito simples: saber ler, escrever e contar não ajudava a população rural; e a escola diminuía ou anulava o valor económico dos filhos, que sempre serviam para guardar o gado ou malhar o trigo.
De resto, como é notório, na Europa nenhum país se esforçou por alfabetizar os seus súbditos (tirando a França, só existiam monarquias), pensando no que hoje se chama “crescimento”. Os protestantes queriam que as criancinhas conhecessem a Bíblia; os jacobinos queriam combater a “superstição” católica; e todos queriam reforçar a unidade da nação e o nacionalismo, no clima de conflito em que se vivia.
Por aqui, as coisas foram bem diferentes. Uma parte, embora pequena, da “inteligência” e do Estado, que o iluminismo e, a seguir, o liberalismo influenciou, achava que a educação iria salvar Portugal de um “atraso” insuportável e ridículo. Além disso, a escola e os professores não custavam caro e, gastando dinheiro em tanta obra inútil ou nociva, os Governos, por uma questão de prestígio, não se importavam de fazer aqui o que se fazia lá fora. Não admira que no fim do século XIX o positivismo (na versão corrigida de Littré) se tornasse a ideologia preferida do “progressismo” dinástico e, depois, da República: bastava, segundo essa receita, que os portugueses passassem da fase “metafísica” para a fase “positiva”, para que chovessem sobre eles prosperidades sem número, para espanto e reverência do mundo inteiro.
Ainda anteontem, na televisão, o professor Marçal Grilo, antigo ministro, mostrou como o erro pode perdurar, com a frescura de uma ideia nova. Marçal Grilo, como de resto o esclarecido António Costa, veio pela enésima vez comunicar aos papalvos que o maior recurso de Portugal são as pessoas. Evidentemente com a condição de que o Estado as “forme” ou “eduque”. Esta escola de pensamento não conseguiu até agora perceber (e nunca perceberá) que as dezenas de milhares de emigrantes “qualificados” de hoje são o equivalente aos meninos de 1870, que os pais sensatamente guardavam em casa. Uma espécie de beato como Marçal Grilo não se rala com certeza com o capital, a justiça, a fiscalidade e a reorganização do Estado de que a educação precisa para ser de alguma utilidade aos portugueses. Mas que António Costa partilhe com amor esse velho erro não o recomenda a ninguém.
Dele retiramos a seguinte frase: «Para ser de alguma utilidade aos portugueses, a educação precisa de capital, de justiça, de fiscalidade e da reorganização do Estado.»
Vasco Pulido Valente o afirmou, pois, em percurso histórico pelas normas educativas que orientaram outros povos de longa data, os quais não se limitaram a “alfabetizar”, mas criaram regras de responsabilidades e orientação para a cidadania, em termos de “crescimento cultural”, uns, em função inicial do conhecimento bíblico, outros para combater o carácter supersticioso de uma educação de tipo religioso e dogmático. Certamente que lhes não faltaria o complemento de uma gradual abertura em estudos que distinguiriam competências e interesses e preparavam melhor para uma vida de progresso gradual, de acordo com o desenvolvimento científico, humanístico e económico, levando os povos a estabelecerem critérios de obediência a valores imprescindíveis na formação humana, e em função da coesão nacional.
Não assim em Portugal, em que o ensino, feito inicialmente nos mosteiros, excluía do povo a participação na formação educativa, destinada ao clero e à nobreza, a percentagem de analfabetismo sendo elevadíssima ainda no século passado, apesar de graduais reformas feitas já desde Pombal e sobretudo a partir da época liberal, o Estado passando a responsabilizar-se sobre o ensino e, nos novos tempos, tornando-o obrigatório, (obrigatoriedade fixada actualmente em doze anos de escolaridade), e retirando-lhe a obrigatoriedade da orientação religiosa (Não esquecer a pecha de um ensino de moldagem jesuítica e inquisitorial, fechado à descoberta científica, mau grado os estudos e as realizações científicas que os Descobrimentos possibilitaram e que alguns nomes bastante dignificaram).
Vasco Pulido Valente revela, todavia, o quanto é irrisória a qualificação e desprotegidos os qualificados, desde que ao espaço agrícola, feito outrora com a ajuda da mão de obra filial, os estudos excluíram a participação laboral daquela. (Também não protegem hoje, suficientemente, as múltiplas formações académicas em termos de eficácia e racionalidade formativas, observado o aparato explosivo de tantas formações inúteis e perversas nas escolas, após o 25 de Abril, as quais multiplicaram o preenchimento de banalidades nos horários escolares, com cursos de técnicas precárias, muito distantes dos objectivos de formação cultural, que deveria ser ponto assente em termos de “iluminismo” formativo. Uma escola de “eduquês” surgiu assim, floreada e retórica no palavreado justificativo da avaliação discente e da auto-avaliação docente, inútil e pouco séria num convencionalismo de pseudo-rigor objectivo, na realidade impeditiva de uma formação cultural de respeito e de seriedade. Porque, repetimos, como afirma Vasco Pulido Valente,.«Para ser de alguma utilidade aos portugueses, a educação precisa de capital, de justiça, de fiscalidade e da reorganização do Estado.»
Não é esse o nosso panorama educacional, pesem embora as afirmações de alguns políticos, feitas, provavelmente, como chamariz de votos, de que “o maior recurso em Portugal são as pessoas”.
Vem a propósito citar o artigo de João César das Neves, publicado no DN de hoje (28/7) com as suas achegas analíticas, de cunho menos pessimista, mas áspero na crítica:
«A charuteira»
Será Portugal um país desenvolvido, rico, civilizado? Os recentes episódios que revelam a teia de poder à volta do Grupo Espírito Santo (GES) justificam que se pergunte se estaremos no Terceiro Mundo.
A resposta da elite é clássica, e descrita genialmente por João da Ega: "Isto é uma choldra torpe. Onde pus eu a charuteira?" (Eça de Queirós, 1888, Os Maias, c. IV). Os nossos intelectuais sempre desprezaram pedantemente o País e sentem prazer em humilhá-lo. Daí poderíamos até concluir que, com uma elite destas, é impossível Portugal ser civilizado. Mas dizer isso seria tomar a mesma atitude dela, contra ela.
Temos bons argumentos para nos considerar desenvolvidos. Podemos invocar a nossa história, cultura e projecção mundial, que nos mostra como entidade indiscutivelmente sólida, relevante e digna. Mas isso não basta como prova. Países com património e herança semelhantes mostram falhas fatais de funcionamento, como a Grécia ou a Argentina. Carácter, presença e longevidade são condições necessárias, não suficientes para a civilização.
O teste decisivo do nível de um povo está nas crises. É nos momentos difíceis que se sente a fibra colectiva. A blitz de Londres mostrou o Reino Unido sumamente civilizado, e foi sob ocupação que países como a França, a Polónia e depois a Alemanha revelaram a sua eminência.
As crises socioeconómicas têm pontuado as fases do nosso progresso comunitário. Após o 25 de Abril, os programas de ajustamento de 1978-79 e 1983-85 marcaram a nossa estabilização como sociedade livre, admitida ao clube dos parceiros europeus. O crescimento subsequente fez-nos um país rico, como provou a recessão de 1993, a primeira na CEE, com comportamento claramente diferente de instituições, empresas e consumidores. Assim, pelo menos desde meados dos anos 1990 o País participa naturalmente e de pleno direito do concerto das nações civilizadas.
Será então possível saber se passámos no teste? Existem sinais negativos mas inofensivos. Política e orçamento correram mal, como em todo o lado. Também não se devem confundir crimes e erros com falta de civilização. O caso BPN é paralelo a Madoff, enquanto BPP, Banif e BCP são menores do que o Lehman Brothers. Problemas assim, mesmo degradantes, são comuns em comunidades sofisticadas. Olhando para os dados objectivos, dos níveis de rendimento aos da saúde, passando por comportamentos sociais e culturais, Portugal é sem dúvida um país civilizado. O único problema está nas elites, que frequentemente nos arrastam para o Terceiro Mundo.
A primeira prova é mediática. Perante esta austeridade, intelectuais, jornais, dirigentes e até juízes, mesmo sem charuteira, não tiveram pejo em dizer os maiores disparates. Com a arrogância habitual, a elite omitiu, distorceu, barafustou infantilmente e propôs soluções tolas. Mas isso não é o pior.
Na última década respira-se em Portugal um clima de compadrio, maquinação e cabala ao mais alto nível, que cresceu silenciosa mas inexoravelmente. Os anos Sócrates manifestaram-no a vários níveis; nos referidos escândalos bancários, por exemplo, além de irregularidades financeiras, sentiram-se intrigas palacianas vastas, profundas e complexas, sobretudo no BCP, que são alheias a uma sociedade equilibrada.
A recente explosão do GES, com todas as suas ramificações, constitui a flagrante confirmação pública da podridão latente nos níveis altos do nosso poder político-económico. O pior não está na dimensão da dívida ou nos efeitos económicos, mas no grau de conspiração e decadência que revela. Fenómenos destes são característicos de sociedades atrasadas, regimes corruptos, sistemas perversos. A sua ausência é condição indispensável da civilização.
Corrupção há em todo o lado. Os países cultos são, não imunes à doença, mas aqueles onde tradições, regras e instituições dominam essas tendências. Portugal é um país civilizado. Mas alguma elite mostra traços do Terceiro Mundo, da choldra torpe de Eça. A forma como limparmos o caso GES mostrará se passámos o teste para país desenvolvido.
Mas, retomando o tema “escola”, como mentora indispensável das populações, a nossa escola, estapafúrdia de indisciplina e reivindicação, é espelho de um povo indisciplinado e reivindicativo, que as mais das vezes não racionaliza os protestos, limitando-os à afirmação balofa de liberdades e direitos, sem o apoio esclarecedor de leituras, no sintetismo triunfal e lírico dos slogans ou das canções emblemáticas. Mas somos bonzinhos, coitadinhos, permitimos que a outra choldra as pregue, pela calada.
Com este título, "A saga das avaliações", publiquei em 2005 um artigo em que descrevi o que se tinha passado com duas avaliações, com um intervalo de dez anos, feitas à mesma instituição de investigação científica. A questão das avaliações voltou agora, agravada e, como as outras, com intuitos que diríamos inconfessáveis.
Do artigo citado, transcrevo:
Em 1986, com um governo PSD, foi mandado avaliar um desses laboratórios. O relatório foi arrasador e identificou uma série de males, praticamente todos da responsabilidade do mais alto nível, nomeadamente o governo. Nada foi corrigido e vários males agravados.
Dez anos depois, em 1996, com um governo PS, foi o mesmo laboratório avaliado e da comissão avaliadora faziam parte alguns elementos da anterior, um deles estrangeiro. O relatório foi novamente arrasador, encontrando agravados muitos dos males elementares já anteriormente denunciados, da responsabilidade do governo, assim colocando em muito má posição os governantes responsáveis. E com isto se gastou dinheiro, que não deve ter sido pouco e que bem podia ser usado para colmatar as deficiências que tanto entravam o trabalho.
*
Qualquer avaliação, para ser correcta, não pode ignorar os meios de trabalho (normalmente verbas...) postos à disposição dos investigadores. Já em tempos propus a criação de um “coeficiente” de forma que, ao avaliar uma instituição, um departamento ou um investigador, se entre em linha de conta com o dinheiro de que ele pôde dispor. É óbvio que, se ao longo de cinco, dez ou vinte anos pôde dispor de abundantes meios de trabalho, tem obrigação de ter produzido muito mais do que aqueles que viveram com imensas limitações. Claro que ter cientistas, que já deram provas de serem capazes de produzir boa ciência, a trabalhar em condições de penúria é um dos mais elementares erros de gestão de ciência. E esses casos abundam no nosso Pais.
São erros tão primários que é ridículo mandar “avaliar” e, particularmente, por estrangeiros. Provavelmente irão para os seus países dizer quão primitivos são os governantes que precisam de pedir a estrangeiros para lá irem avaliar esses casos, que eles não são capazes de detectar e corrigir. E digo os dirigentes porque, nos seus contactos com os cientistas portugueses, eles bem se aperceberam que, a par de uns quantos incapazes, por vezes em posições de mando, encontraram cientistas perfeitamente qualificados que só não produziam mais ciência pelas deficientes condições em que eram obrigados a trabalhar.
No caso mais recente, os maus objectivos parecem ser descaradamente evidentes. Se, em 1986 e 1996 se procurou saber o que estava mal, agora tudo indica que apenas se desejou saber "se estava mal " para, esquecendo as suas obrigações e responsabilidades, apresentar isso como um excelente – na realidade, falso – motivo para lhe reduzir mais as já diminutas verbas, em muitos casos a causa da baixa produção de ciência.
Lembro que, quando algum organismo estatal não funciona bem, o ministro da pasta (agora é costume dizer "da tutela") é responsável e cabe-lhe a tarefa de o pôr a funcionar bem, pois essa é a sua função. Também é responsável o primeiro-ministro, como chefe de todo o Governo.
O que qualquer cidadão pode concluir do que se passou é que o governo não manda fazer estas avaliações para corrigir o que está mal, mas apenas para ter um pretexto para cortar mais em serviços públicos – e certamente não nas reais "gorduras" do Estado, como já neste jornal assinalei – não cumprindo as funções que são a razão da sua existência. Um governo que ignora que, sem investigação científica, um país está condenado a estagnar, é um Governo que não serve.
Publicado no Público de 28 de Julho de 2014
Miguel Mota
Quando uma Nação perde o seu espírito militar, a carreira das armas deixa imediatamente de ser respeitada, os militares caem até ao nível mais baixo dentre os funcionários públicos e deixam de ser estimados ou mesmo compreendidos. Os cidadãos mais proeminentes deixam de ir para o Exército e apenas os menos importantes o passam a fazer.
A elite das nações evita então a carreira militar porque ela não é mantida com honra e isso acontece também porque a elite da Nação não a perfilha. Portanto, não existe motivo para surpresas se Exércitos não elitistas são inquietos... O soldado sente que está numa posição de inferioridade e o seu orgulho ferido dá-lhe apetite para a guerra que o tornará necessário; ou ainda um gosto pela revolução no curso da qual ele espera ganhar pela força das armas a influência política e a consideração pessoal que já não lhe eram reconhecidas.
Alexis de Tocqueville (1805 - 1859)
In “Democracy in América”
Vou aproveitar e contar a “aventura” de uma cadeira, que envolve um bocado bom de história.
O rei D. Fernando II, marido da D. Maria, também III para não destoar, filha de D. Pedro I e IV (a razão de ser 1º no Brasil e 4º em Portugal tem por base a diferença dos fusos horários entre os dois países, nas épocas do ano em que, oficialmente, no Brasil, o Sol nasce três horas depois de Portugal ou de Greenwich), quando o grande poeta Almeida Garrett morreu, terá adquirido a cadeira onde este se sentava para escrever, e querendo homenagear o meu bisavô, o poeta, dramaturgo e o grande biógrafo do Garrett, Francisco Gomes de Amorim (1827-1891) ofereceu-lhe essa cadeira de presente.
E em casa do meu avô tinha lugar de destaque, sempre referida como “a cadeira do Garrett”.
Um dia essa cadeira veio para as minhas mãos, conservado o nome de “batismo” e estimada como sendo verdadeiramente a cadeira do Garrett. Uma cadeira trabalhada, de espaldar, com assento, costas e encostos dos braços estofados, que nos acompanhou para Angola. O estofo, velhinho, entretanto foi-se acabando. Em finais de 1960 comprámos uma bonita seda chinesa, que deveria ter emprestado à dita um ar quase museólogo, e mandámo-la para o estofador.
De repente a Cuca decidiu que eu ia para a Europa fazer diversos cursos e estágios, e a cadeira ficou no estofador e marceneiro, que não a aprontou antes de sairmos de Luanda.
Enquanto estávamos na Europa, em Março de 1961, começou o chamado terrorismo, que no primeiro embate afectou profundamente todas as estruturas, tranquilas, estabelecidas em Angola, e o estofador, comigo ausente, sem sequer saber se eu regressaria a Luanda, como aconteceu com muita gente, pendurou a cadeira no vigamento do telhado da marcenaria à espera de...
Logo após o meu regresso, em Julho, a cadeira que padeceu uns quantos meses ali pendurada, perto das telhas, com o calor e humidade do clima, um dia despencou lá do alto, as peças descoladas, pernas para um lado, braços para outro, encosto... etc., e assim foi deixada pelo confuso e desarrumado chão da tal marcenaria. Com a preocupação do salve-se quem puder que era a lei em Luanda naqueles tempos confusos, meia dúzia de paus do que tinha sido uma cadeira, foram totalmente ignorados. Quando fui saber dela, o homem olhou para o telhado, ar de idiota e diz-me:
- Estava ali!
- E agora?
- Tudo quanto conseguimos salvar foram estes pés.
Corremos a marcenaria toda, mas nada mais apareceu. Confesso que tive um desgosto grande com isso.
Mas como não há bem que sempre dure nem mal que não acabe, acabámos esquecendo a dita cadeira.
Há pouco tempo, entre os papéis do espólio do bisavô que só muitos anos depois do desastre cadeirífero me foram entregues, encontrei a descrição pormenorizada da dita cadeira, e como o D. Fernando lha tinha oferecido.
Analisei e rememorei com cuidado a defunta, e conclui que a descrição não coincidia, porque faltavam algumas características importantes, como os braços terminarem em cabeças de leão, quando a nossa tinha os braços simplesmente torneados.
Moral da história: a cadeira que morreu no estofador de Luanda não era a cadeira do Garrett!
Onde andaria? Não sei que sumiço terá levado, muitos, muitos anos antes, até porque nos apontamentos do meu avô, não o bisavô poeta (isto é um tanto confuso porque era tudo Francisco G. de A.), não consta qualquer móvel que tivesse pertencido a Garrett.
Depois de mais pesquisar acabei descobrindo nos mesmos apontamentos do avô, que ele tinha um cadeirão de braços, a que chamava cadeira Farrobo, por ele comprada em Abril de 1912 por 5.690 reis! Terá sido do Conde de Farrobo, o homem que criou o Jardim Zoológico, e que um dia, como acontece a todos... morreu? Os animais do zoológico ficaram entregues a ninguém, o palácio abandonado e as mobílias devem ter-se vendido. Seria esta cadeira dali? Qui lo sai?
Que a tal cadeira tinha mais cara de Conde de Farrobo do que de Visconde de Almeida Garrett, lá isso tinha!
Foi minorado o desgosto histórico, tranquilizou-se-me o espírito que se sentia comprometido perante o nosso bisavô, mas ficámos na mesma sem uma cadeira. Bonita e com razoável presença, que se estivesse hoje no meu escritório me emprestaria um ar mais austero, quem sabe se até romântico do século já repassado!
Desse romantismo o único detalhe que me resta é a barba que já tenho há mais de quarenta anos!
Nota.- Salvou-se a seda, linda, que ainda hoje jaz, impecável, numa gaveta... sem qualquer serventia! Mas que é bonita, lá isso é.
Rio, 25/09/00
Conta-se que à hora da extrema-unção, D. João II terá dito ao sacerdote que ainda não era chegado o momento da partida mas que era altura de aceitar que…
Fui mui mau e ninguém me acenou co a mão que não lha mordesse
Conta-se e diz-se tanta coisa que alguma há-de ser verdade.
Lisboa, Abril de 2008
Aqui está uma de Esopo
Que me deu no goto:
«A porca e a cadela (rivalizando em fecundidade)»
Uma porca e uma cadela
Disputavam entre si,
Com certa simplicidade,
O prémio da fecundidade.
A cadela afirmava que a camisola amarela
Na questão da maternidade
Devia ser para ela
Já que entre os quadrúpedes conhecidos dela
Nenhum, como ela,
Tinha tão rápidas ninhadas.
Em grandes risadas
A porca lhe replicou:
“Isso podes dizê-lo, minha bela,
Mas não te esqueças de acrescentar,
Se verdadeira quiseres parecer,
Que os teus filhotes nascem cegos
Sejam eles brancos ou negros
Ou mesmo furta-cores!”
A fábula mostra que os actos, as acções
Não se julgam, segundo gerais conceitos,
Pela velocidade no seu andamento,
Mas pelo seu grau de acabamento.
Isto contou Esopo
Sem nenhum logro,
Que ele tinha entendimentos especiais
Com os animais,
E sabia que em questão de fecundidade,
Há os que se podem gabar mais
Em relação aos acabamentos,
Até porque aprenderam a conquistar boas posições,
E assim considerem todos os mais, ceguinhos,
Só porque não seguem os mesmos caminhos.
Com efeito, o mundo é uma manta de retalhos
Em questão de posições e opiniões,
Os mais fecundos, espertalhões,
Os menos fecundos, mais iracundos
Contando tostões.
Não sejamos, porém, tão pessimistas
No que toca, pelo menos, à velocidade.
Citemos o nosso Carlos Lopes,
Rosa Mota e outros mais
Campeões da nossa e outras nações,
Provando que a velocidade
É uma forma de andamento
Que gera bons galardões,
E o nosso espanto.
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