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A bem da Nação

O PARTIDO DA DEMOCRACIA

 

Celebrando os 40 anos do 25 de Abril, é momento de avaliações a vários níveis.

 

Questão interessante é determinar o partido mais notável deste já longo período democrático. Temos um regime parlamentar com os partidos no núcleo central do sistema. Qual é o mais marcante?

 

A situação é ambígua. Considerando a lista dos concorrentes às eleições constituintes de 25 de Abril de 1975 surge uma surpresa: dos 12 partidos de então, só dois constam dos actuais boletins de voto: Partido Socialista e Partido Popular Monárquico. Outros dois mudaram de nome (PPD e CDS) e um concorre apenas em coligação (PCP). Os sete restantes simplesmente desapareceram (MDP, FSP, MES, UDP, FEC, PUP, LCI). Isto confirma algo óbvio: o nosso panorama político, tal como o País, mudou muito em 39 anos.

 

Outra face do mesmo vê-se nas últimas legislativas em 2011: dos 17 partidos e coligações concorrentes, cinco foram fundados já neste século (MEP, PAN, PND, PPV e PTP), com mais três na viragem do milénio (BE, PNR e PH). Desde as eleições já nasceram mais dois (MAS e L). Isso aponta para a volatilidade política como regra do nosso espectro partidário. Mas tal conclusão é ilusória. De facto, só três partidos participaram nos governos constitucionais desde 1976, e apenas dois deles os lideraram. Tal significa que existe mercado para serviços partidários fora do poder, mas também que Portugal tem uma estrutura doutrinal bastante estável. Criou-se até o conceito novo de "partidos do arco da governação" para o expressar.

 

Podemos aprofundar esta linha constatando que, uma vez no Governo, todos os partidos têm comportamento paralelo, independentemente da linha ideológica. Vivemos uma época de consenso nacional, onde as grandes opções de fundo estão feitas, restando apenas elementos de competência ou retórica para distinguir as formações. Assim, objectivamente, nestes 40 anos existiram realmente duas únicas linhas políticas coerentes, a que está no poder e a que está na oposição, com diferentes partidos desempenhando esses papéis. É muito curioso ver como o mesmo agrupamento faz para, ao sair ou entrar no Executivo, inverter a sua posição sobre os temas.

 

Pretender eleger o partido da democracia implica, portanto, defrontar estes dois obstáculos: excesso de volatilidade formal combinado com demasiada persistência efectiva. Este é o paradoxal rosto do nosso espectro partidário.

 

Tomando agora os critérios para escolher o partido mais notável, a variedade também domina. Considerando o número de militantes, o vencedor é claramente o PSD, que tem quase mais que todos os outros partidos somados. O segundo, em posição destacada, é naturalmente o PS, com cerca de 75% do primeiro. Mas se o padrão escolhido for a longevidade na chefia do executivo de novo a vitória é do PSD, mas a menor distância do PS, embora metade do seu tempo no poder fosse em coligação, sobretudo com o CDS, mas também com o PS.

 

Falando em flexibilidade ideológica, o partido centrista, embora mais pequeno, detém o recorde, pois já teve coligações com os outros dois, doutrinalmente bastante afastados. Em termos de sucesso súbito, ninguém bate o PRD, também o recordista na rapidez da extinção.

 

No entanto, o partido mais notável da nossa democracia não é nenhum destes, mas o Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses, PCTP/MRPP. Na vigência da Constituição de 1976, ele foi o único partido que concorreu sozinho em todas as 30 eleições partidárias (13 legislativas, 11 autárquicas e 6 europeias). Nunca se retirou, nunca desistiu e nunca fez alianças. Nunca elegeu para a Assembleia da República, Parlamento Europeu ou câmaras municipais, e teve derrotas presidenciais do líder Garcia Pereira em 2001 e 2006. Nos 44 anos desde a fundação, a 13 de Setembro de 1970, o que tem para mostrar são sete mandatos em assembleias municipais (um em cada eleição de 1982, 1993, 1997, 2001 e 2005 e dois em 2013) e 11 em assembleias de freguesia (três em 1979, dois em 1976, 1997 e 2013 e um em 1993 e 2001). Isto é dedicação democrática!

 

 

 JOÃO CÉSAR DAS NEVES

CRAVOS MURCHOS – 3

 

 

 

Como ia dizendo, «uma das mentiras que a propaganda propala é a relativa à guerra do Ultramar pois a verdade histórica é a de que Portugal ganhou as guerras em Angola e em Moçambique e perdeu a da Guiné. E não será por muito repetirem a mentira de que “Portugal perdeu a guerra do Ultramar” que isso passa a ser verdade. É mentira!»

 

* *

 

 

Assentei praça em Abril de 1970 na Escola Prática de Infantaria, em Mafra e para não me sentir isolado, deram-me 799 companheiros, desses a que na tropa se chama camaradas. Dentre eles, houve cerca de 150 que cumpriram o sentido etimológico do termo, «o que usa a mesma camarata». Não tive, pois, razões para me sentir anacoreta.

 

Cada Pelotão era comandado por um Aspirante tirocinante da Academia Militar. O meu Comandante de então é hoje um respeitado e medalhado Coronel de Infantaria reformado.

 

Nessa trintena de homens, muitos éramos licenciados com destaque para dois ou três médicos (é sempre bom ter dessa gente à mão de semear), dois ou três engenheiros, três ou quatro economistas, um ou dois juristas, sete ou oito contabilistas e cerca de uma dezena que não tinha concluído as respectivas formaturas. E é destes últimos que colhe referir serem eles quase todos retornados da emigração europeia com um «semblante» algo silencioso que de princípio não deu para percebermos completamente. Até que o rolar do tempo e caídas as máscaras trazidas da rua paisana, a solidariedade militar (estarmos quase sempre em contacto uns com os outros e passarmos pelas mesmas peripécias) nos fez abrir a compreensão para o que cada um era na realidade. E salvo uma ou outra excepção, todos eles orbitavam muito próximo do PCP, então clandestino. E se não eram comunistas filiados, dava para nós, os outros, lhes estranharmos os silêncios às nossas conversas sobre a necessidade de mudanças políticas, de aceleração do desenvolvimento, de abertura do Regime no sentido da democracia ocidental. Tinham medo de falar e o máximo que deixavam entrever não passava de meias palavras, hesitações, absolutamente nada que os pudesse incriminar. E o que se passava no nosso Pelotão passava-se muito provavelmente nos outros que constituíam a nossa Companhia e quiçá nos outros Pelotões das outras Companhias. Admitida a extrapolação, eis um Batalhão com uma grande parcela de retornados do exílio que por artes de berliques e berloques decidiram regressar a Portugal todos ao mesmo tempo para se integrarem no Exército e irem dar luta para onde os mandassem. Patriotismo comovente...

 

Nós, os outros, não vimos nada disso com a clareza que hoje, passados mais de 40 anos, o cenário apresenta mas dá para estranhar que a 2ª Repartição do Quartel General (a das Informações) não tenha logo na altura detectado esse tão volumoso e síncrono «voluntarismo». Estranha ineficácia para não dizer opacidade.

 

Ouvi há poucos dias num dos canais da rádio pública um reformado que recebe a pensão de General dando uma entrevista em que relatou o que se passou com ele na Guiné: tendo morrido perto de si um inimigo, ele ficou chocado e, uma vez regressado ao quartel, reuniu com os seus Quadros para debaterem a razão de ser da luta que vinham travando; a conclusão a que chegaram foi a de que eles, militares portugueses, eram os agressores de nacionalistas que estavam a dar a vida por valores superiores; decidiram a partir de então deixar de os combater.

 

Para esse grupo de gente fardada, os valores portugueses, afinal, não eram superiores.

 

Felizmente, em Angola e Moçambique havia mesmo militares e não apenas gente fardada.

 

Lisboa, Maio de 2014

 

 Henrique Salles da Fonseca

UMA LIÇÃO DE CIVISMO

 

 

Recentemente, teve lugar o funeral do ministro das Finanças do governo do Canadá, Jim Flaherty. O funeral saíu da Catedral (anglicana) de St James, a mesma onde a Raínha Isabel participa da missa quando vem a Toronto. Há pouco mais de um mês Flaherty pediu a demissão do cargo invocando razões pessoais, e soube-se agora, pelos elogios fúnebres, que desejava ter-se demitido já em 2008, não o tendo feito por imperativo de consciência: estava tão preocupado com a situação internacional que entendeu ser seu dever manter-se no posto e dar tudo por tudo para que o Canadá não sofresse de recessão nem com a crise que abalou tantos países. Conseguiu o que desejava. E assim, o político deixou o governo, em paz com a sua consciência, para se dedicar à família por inteiro. Mas Deus entendeu dar-lhe o eterno descanso.

 

 

Apesar de o governo federal, conservador, ser controverso e ter perdido o estado de graça, o povo deu provas públicas de consternação por esta morte, o que prova ter compreendido o papel positivo do antigo ministro neste período conturbado do mundo e, o que é mais importante, soube separar as águas. A Catedral de Saint James estava apinhada de membros do governo, deputados e senadores, todos eles de écharpe verde em homenagem à origem irlandesa de Flaherty. Todos eles, liberais, conservadores, socialistas e independentes, misturados uns com os outros, unidos pelo mesmo desgosto de verem partir um companheiro a quem o coração traíu. Fora do templo, multidões encheram as ruas a despedirem-se de um homem que soube cumprir.

 

Tudo isto foi possível porque no Canadá a política pratica-se sem ódio, sem faltas de respeito pelo povo e os seus direitos. Dir-me-ão que é assim por ser o Canadá um país rico. Permito-me discordar. Há países tão ou mais ricos do que o Canadá em recursos naturais: Brasil, Angola, África do Sul, China, Índia, Rússia, por exemplo. Mas os seus povos são pobres, revoltados, emigram para poderem viver com dignidade. A riqueza desses países está nas mãos de um número restrito de pessoas, sendo a diferença entre ricos e pobres absolutamente escandalosa.

 

Não é o caso do Canadá, que faz uma politica assente em valores, respeito e decência. Essa é a sua riqueza maior. O funeral de Flaherty foi uma lição de civismo. O civismo ensina-se e aprende-se: nas escolas, nas famílias. Bom seria que todos os países o praticassem.

 

 Fernanda Leitão

 

 

 

AINDA OS HÁ, MAS NÃO DESSES…

 File:Shakespeare.jpg

 

Dois anos de culto para festejar os 450 anos do nascimento - 26 de Abril de 1564 – e os 400 anos da morte - 23 de Abril de 1616– lê-se no Público de 23/4/14 – e que “arrancam dois anos de comemorações”, com indiscutível pertinência - do maior génio literário de todos os tempos – William Shakespeare – que “omnipresente”, “está em toda a parte”, e “Seja o que for que quisermos expressar, ele disse-o primeiro ou disse-o melhor”, defende aquela que é uma das mais poderosas mulheres no mundo editorial, e que fez a conferência de abertura do seminário Shakespeare - Our Contemporary?, organizado pelo British Council em Berlim, um dos primeiros eventos destas celebrações, que vão durar dois anos e que, no próximo sábado, levarão uma multidão a Stratford-upon-Avon, em Inglaterra, para participar numa festa e procissão até à igreja onde está sepultado o mais famoso poeta e dramaturgo inglês.” …. “Shakespeare é omnipresente. Quase não se pode falar inglês sem o citar. Ele acrescentou mais de 2000 palavras à língua inglesa.”

 

O artigo, de Isabel Coutinho, em Berlim, é amplo de entusiasmo, como é entusiástica a nossa leitura, mal se agarre nas suas peças – de um engenho, riqueza e profundidade de efabulação, de criação de caracteres, de expressão de conceitos, de riqueza linguística e imagística que desde sempre nos deixam “bouche béante”.

 

 

Uma das peças que sempre me seduziu, foi o “Mercador de Veneza”, não só por uma efabulação enternecedora, de amores que concluem em felicidade, ou relevo de caracteres - em que contrastam a dedicação e amizade de um tal Antonio, Mercador de Veneza, com a perfídia de um tal Shylock, judeu usurário, ganancioso, esperto e vingativo, ou a vivacidade de uma tal Portia, que, como advogado travesti, vai contribuir para solucionar o problema do sacrifício imposto a Antonio e simultaneamente contribuir para a felicidade de todos, com excepção para o Judeu, que Antonio, aliás, salvará – mas também pela destreza discursiva e a dimensão dos conceitos reveladores do profundo conhecimento shakespeariano da vida e dos homens.

 

Trata-se de uma peça em cinco actos, ao modo clássico, de diferentes espaços, o primeiro acto consistindo na Exposição do conflito – com Antonio e os seus amigos, numa primeira cena, numa Rua em Veneza, tentando justificar uma irreprimível tristeza premonitória do Mercador de Veneza, que não resulta do facto de ter os seus barcos dispersos pelo mundo com todas as suas riquezas neles embarcadas, com risco de se perderem, mas que promete arranjar o dinheiro necessário, através de empréstimo, para safar o seu amigo Bassânio uma vez mais, a quem quer como filho, numa aventura amorosa de conquista da rica Portia; numa segunda cena, o diálogo de Portia com Nérissa, no interior da casa de Portia, em Belmonte, debitando sobre as suas tristezas, aquela refém da promessa feita a seu pai, antes de este morrer, de casar com o homem que acertasse na escolha do cofre com o seu retrato – entre os três cofrezinhos com inscrições – um de ouro, um de prata e um de chumbo – e os respectivos pretendentes, alvos das suas ironias, o primeiro, um príncipe napolitano “que só fala na sua égua”, o segundo, um conde palatino “que nasceu franzindo o cenho”, um outro –“todo-o-mundo e ninguém” – detestável – que ela jura não aceitar, à excepção de um tal Bassânio que conheceu e amou; a terceira cena, numa Praça Pública em Veneza, o diálogo entre Bassânio e Shylock, (e posteriormente Antonio) com aquele pedindo o empréstimo em nome de Antonio, e que nos dá o retrato psicológico do judeu, nas suas frases repetitivas, curtas e reticentes de astúcia, falsa humildade e ódio por Antonio que o despreza como usurário, retrato que deve ter servido de modelo – mais simpático, todavia - para o judeu d’ “Os Maias “.

 

E o conflito vai prosseguindo, nos actos seguintes, entre outros casos, como o dos amores de Jessica, filha de Shylock, por Lourenço, que a rapta (II Acto), as escolhas dos cofres pelos pretendentes (II e III Actos), a informação da ruína de Antonio, com o naufrágio dos barcos (III Acto), a cena poderosa do julgamento de Antonio, no IV Acto com a insistência de Shylock em não querer outro resgate da dívida que não fosse o que ele pedira – uma libra de carne de Antonio, junto ao coração – e que o falso advogado - Portia, em travesti - depois de um interrogatório cheio de suspense, nas tentativas de apiedar o judeu - com a obstinação deste em não ceder a nenhum tipo de piedade ou de chantagem a cobrir o débito de Antonio, repetindo insistentemente o slogan do seu maquiavelismo – “je veux mon dédit”, e considerando o falso advogado um verdadeiro Daniel, por demonstrar (inicialmente) que a lei estava com ele, Shylock, – o advogado imperturbável pôs como condição indispensável, que a libra de carne requisitada do peito despido de Antonio não pudesse conter nenhuma gota de sangue, nem exceder o peso proposto, sob pena de o condenado à morte ser ele, Shylock.

 

O desenlace, no V Acto, far-se-á com o final feliz dos dois casais Portia/Bassiano, Nérissa/Gratiano, festejando com o corajoso e saudado Antonio, após terem deslindado o caso gracioso dos anéis antes oferecidos pelas donzelas aos noivos, com a promessa de nunca os tirarem dos dedos, o que não aconteceu, pois que por gratidão os ofereceram aos travestis Portia e Nérissa, que os exigiram, como paga por terem salvo Antonio, o que criará graciosos e maliciosos quiproquós nos diálogos finais. O Mercador de Veneza recuperará os seus barcos, além da vida que deveu a Portia. Uma história de amor, uma história de amizade, história de suspense, de sustos, de riscos vários e de cenas burlescas, de aversão pelo judeu mas também de defesa do ponto de vista deste com ataque aos cristãos, de conceitos de relatividade anti-segregacionista – caso do pretendente Maroc, cujo sangue é tanto ou mais vermelho que o do homem do Norte – numa linguagem sentenciosa, por vezes de sátira irónica ou burlesca, e sempre reveladora de uma extraordinária mestria, que se lê e se relê com encanto e espanto crescentes.

 

O caso de um Mercador riquíssimo em fortuna e amizade, cuja nobreza de carácter mereceu a dedicação e a luta dos seus amigos para o seu final feliz. Hoje também se encontram amigos assim. Não necessariamente nos mercadores, mas nos seus advogados de defesa, embora aqueles nem careçam ser de Veneza.

 

Leiamos as cenas dos pretendentes na escolha dos cofres, plenas de mensagem crítica:

 

Acto II: Cena VII:

 

Portia a Nérissa: Afastai a cortina para mostrar os cofres ao príncipe. Ao príncipe: Agora escolhei.

 

Maroc: O primeiro, em ouro. E tem uma inscrição: «Aquele que me escolher ganha o que muitos homens desejam.» O segundo, de prata. Com uma promessa: «O que me escolher obterá o que merece.» O terceiro, em chumbo vulgar: Com uma ameaça brutal: «Aquele que me escolher deve dar e arriscar tudo o que tem». Como saberei eu que escolhi bem?

 

Portia: O meu retrato está encerrado num dos cofrezinhos. Se o encontrar, serei sua mulher.

 

Maroc: Que Deus guie a minha escolha! “Dar e arriscar tudo o que tem?.”Dar? E contra o quê? Contra chumbo. Tudo arriscar por chumbo? Arriscamos na esperança de boas vantagens. Uma bela alma não se baixa por exteriores tão míseros. Eu não darei nem arriscarei nada por chumbo. Que diz o cofre de prata? “O que me escolher obterá tudo o que merece» O que merece! O que valho eu? Muito, se me reporto à minha fama. É bastante para obter a mão de Portia? Duvidar do meu mérito, seria duvidar de mim próprio. Mereço a minha reputação pelo nascimento, as minhas qualidades, o meu amor sobretudo. … “O que me escolher ganha o que muitos homens desejam” O mundo inteiro a deseja…. É preciso um escrínio em ouro para uma pérola tão rara. Dê-me a chave: escolho o ouro.

….

Maroc abre o cofre de ouro: Danação! O que há aqui? Uma cabeça de morto trocista, e um bilhete:

…«Nem tudo o que brilha é ouro; muitas vezes o ouviste dizer. Por isso não te deixes seduzir, só para obteres o meu exterior. Tivesses tu um coração menos fogoso e mais sensato, ou um espírito mais maduro do que o da tua idade, não receberias esta fria mensagem: Assim te recusam. Boa viagem!»

 

Acto II, Cena IX.

 

O Príncipe de Aragão:E desejo que a sorte favoreça o meu coração. Ouro, prata e chumbo vil. Não, não arriscarei nada nem darei nada por coisa tão feia. Que diz o cofre de ouro? «O que me escolher ganha o que muitos homens desejam” Eu não escolherei o que todos desejam; não me confundirei com o comum nem me colocarei ao nível da multidão bárbara que escolhe segundo as aparências. Vejamos a prata: «O que me escolher obterá o que merece.» Bem dito, palavra de honra! Porque se poderá aceder à fortuna e à honra sem o selo do mérito? Se os lugares e as dignidades se obtivessem pelo mérito em vez de se comprarem pela corrupção, mais de um obedeceria em vez de comandar e achar-se-ia muita honra perdida na sujidade do século. “Quem me escolher obtém o que merece”. Fico-me pelo mérito….

Que é isto? O retrato de um parvo que me pisca o olho e me estende um bilhete? Não mereço mais do que uma cabeça de parvo?

Lê o bilhete: “Mais de um louco não é de prata senão dum lado. Seja qual for a tua desposada, tu servirás sempre de risada.”

 

Acto III, Cena II:

 

Bassanio: É assim que os exteriores brilhantes se logram entre si. E sempre o mundo sucumbe às aparências. Em justiça, qual é a causa tão desacreditada e negra que uma voz graciosa não baste para a dissimular? Em religião, qual é a heresia danável que um ar de gravidade não baste para abençoar e que não se possa justificar com um texto da Escritura, cobrindo a grosseria com uma veste de prestígio? O vício mais abjecto reveste o rosto da virtude. O poltrão toma ares de bravura. Mesmo a beleza se mede ao peso, e, milagre da natureza, quanto mais uma mulher se carrega dela mais leviana é. O adorno não é mais que a margem pérfida dum perigoso mar, o véu prestigioso cobrindo o rosto da fealdade, os falsos pareceres de que se reveste um século enganador para fascinar o sensato. Eu recuso o ouro, como igualmente a prata, pálido e vulgar tentador dos homens. A pobreza do chumbo que ameaça mais do que promete, comove-me mais do que o artifício das belas palavras. Escolho o chumbo. (Encontra o retrato de Portia).

 

 Berta Brás

EFEMÉRIDE

 

Santa Mafalda de Portugal

 

 

O que se comemora hoje, 1º de Maio:

Eventos históricos

  • 305 - Diocleciano e Maximiano, imperadores de Roma, deixam de governar.
  • 880 - A Igreja Nova é inaugurada em Constantinopla, servindo de modelo para as posteriores igrejas ortodoxas.
  • 1328 - A Guerra da Independência Escocesa termina: Tratado de Edinburgo-Northampton - O Reino da Inglaterra reconhece o Reino da Escócia com um estado independente.
  • 1045 - Gregório VI é eleito Papa.
  • 1500 - Pedro Álvares Cabral toma posse da "Ilha de Vera Cruz" (hoje Brasil) em nome do rei de Portugal.
  • 1576 - Estêvão Báthory, Príncipe da Transilvânia, se casa com Anna Jagiellon e eles se tornam co-regentes da Comunidade Polaco-Lituana.
  • 1625 - A armada luso-espanhola da Jornada dos Vassalos reconquista Salvador na Baía aos holandeses.
  • 1707 - Entra em vigor o Tratado de União unindo o Reino da Inglaterra ao da Escócia para formar o Reino da Grã-Bretanha.
  • 1769 - Após semanas de discussão, o Conselho Privado decide manter o imposto sobre o chá nas colónias americanas.
  • 1776 - É fundada a sociedade Illuminati
  • 1785 - Kamehameh I, rei do Havaí, derrota Kalanikupule e estabelece o Reino do Havai.
  • 1786 - Estreia a ópera As Bodas de Fígaro, de Wolfgang Amadeus Mozart, em Viena.
  • 1834 - A escravatura é abolida nas colónias inglesas
  • 1851 - João Carlos de Saldanha de Oliveira e Daun, o Duque de Saldanha, substitui António Severim de Noronha como primeiro-ministro de Portugal
  • 1860 - Joaquim António de Aguiar substitui António Severim de Noronha como primeiro-ministro de Portugal
  • 1865 - O Império do Brasil, Argentina e Uruguai assinam o Tratado da Tríplice Aliança.
  • 1886 - Início da greve geral nos Estados Unidos e manifestação nas ruas de Chicago.
  • 1931 - Inauguração do Empire State Building, em Nova Iorque
  • 1945 - Os Partisans Iugoslavos libertam Trieste.
  • 1948 - A República Democrática Popular da Coreia (Coreia do Norte) é criada, com Kim Il-sung como presidente.
  • 1960 - Um avião espião norte-americano U-2 pilotado por Francis Gary Powers é abatido sobre a União Soviética, provocando uma crise diplomática.
  • 1961 - O então primeiro-ministro de Cuba, Fidel Castro, proclama o país como nação socialista e abole as eleições.
  • 1967 - Casamento de Elvis Presley com Priscilla Beaulieu.
  • 1994 - Ayrton Senna sofre acidente grave no Grande Prémio de São Marino e morre no mesmo dia.
  • 2004 - Passam a integrar a União Europeia os seguintes países: Chipre, Eslováquia, Eslovénia, Estónia, Hungria, Letónia, Lituânia, Malta, Polónia e República Checa
  • 2006
    • O presidente boliviano Evo Morales decreta a nacionalização dos hidrocarbonetos (gás natural) e petróleo, tropas do exército boliviano ocupam uma das instalações da Petrobrás.
  • 2011
    • Beatificação do Papa João Paulo II Celebrada pelo Papa Bento XVI. O Vaticano reconheceu o milagre de Irmã Marie Simon-Pierre. Pouco depois da morte do ex-pontífice, a irmã disse ter pedido a intervenção de Karol Wojtyla, durante a noite de 2 para 3 de Junho de 2005, tendo acordado sem qualquer tipo de limitação ou dor.
    • O presidente dos EUA, Barack Obama, anuncia, num pronunciamento, a morte do terrorista saudita Osama bin Laden, líder da rede Al-Qaeda.

Nascimentos

  • 1225 - Jean de Joinville, escritor francês (m. 1317).
  • 1591 - Johann Adam Schall von Bell, missionário jesuíta alemão (m. 1666).
  • 1626 - António Álvares da Cunha, Senhor de Tábua, foi um nobre político português e um dos Quarenta Conjurados (m. 1690).
  • 1750 - Francisco António de Oliveira Lopes, revolucionário da Inconfidência Mineira (m. 1794).
  • 1769   Arthur Wellesley, Duque de Wellington (m. 1852).
  • 1804 - Aleksey Khomyakov, poeta russo (m. 1860).
  • 1829 - José de Alencar, escritor e político brasileiro (m. 1877).
  • 1852 – Santiago Ramón y Cajal, cientista neurológico espanhol (m. 1934).
  • 1868 - Afonso Arinos de Melo Franco, jornalista, escritor e jurista brasileiro e membro da Academia Brasileira de Letras (m. 1916).
  • 1872 - Sidónio Pais, presidente da República Portuguesa (m. 1918).
  • 1880 - Eurípedes Barsanulfo, professor, jornalista e médium brasileiro.
  • 1881 – Pierre Teilhard de Chardin, padre, arqueólogo e filósofo francês (m. 1955).
  • 1916 - Glenn Ford, actor norte-americano (m. 2006).
  • 1917 - Danielle Darrieux, actriz e cantora francesa.
  • 1923 - Joseph Heller, escritor americano (m. 1999).
  • 1928
    • Dom Marcelo Pinto Cavalheira, bispo brasileiro,
    • Delfim Netto, político e economista brasileiro.
  • 1934 - Cuauhtémoc Cárdenas, político mexicano.
  • 1942 - Jed Graef, nadador americano, campeão olímpico.
  • 1946 - John Woo, realizador chinês.
  • 1947 - Danilo Popivoda, ex-futebolista esloveno.
  • 1949
    • Stanisław Zając, político e advogado polaco (m. 2010).
    • Jim Clench, músico canadiano (m. 2010).
  • 1951 - Geoff Lees, ex-piloto inglês de F-1.
  • 1953 - Mayumi Aoki, nadadora japonesa, campeã olímpica.
  • 1955 - Bob Lenarduzzi, ex-futebolista canadiano.
  • 1963 - Daniel Carreño, treinador e ex-futebolista uruguaio.
  • 1965
    • Debi Diamond, actriz norte-americana.
    • Tiririca, cantor, compositor, humorista e político brasileiro.
  • 1966 - Olaf Thon, ex-futebolista alemão.
  • 1968 - Oliver Bierhoff, ex-futebolista alemão.
  • 1970 - Fernanda Young, escritora e roteirista brasileira.
  • 1972 - Julie Benz, actriz norte-americana.
  • 1973 - Oliver Neuville, ex-futebolista alemão.
  • 1974 - Lornah Kiplagat, atleta queniana.
  • 1975
    • Christian Manfredini, futebolista italiano natural da Costa do Marfim.
    • Aleksey Smertin, ex-futebolista russo.
    • Marc-Vivien Foé, futebolista camaronês (m. 2003).
    • Yan, ex-futebolista brasileiro.
  • 1980
    • Isaac Okoronkwo, futebolista nigeriano.
    • Ana Claudia Talancón, atriz mexicana.
  • 1981 - Lenilson, futebolista brasileiro.
  • 1982
    • Tommy Robredo, tenista espanhol.
    • Beto Pimparel, futebolista português.
  • 1983 - Alain Bernard, nadador francês, campeão olímpico.
  • 1986
    • Cristian Benítez, futebolista equatoriano.
    • Bruno Teles, futebolista brasileiro.
    • Mamadou Samassa, futebolista francês.
    • Diego Valeri, futebolista argentino.
  • 1987
    • Shahar Pe'er, tenista israelita.
    • Leonardo Bonucci, futebolista italiano.
  • 1990
    • Caitlin Stasey, actriz australiana.
    • Diego Contento, futebolista alemão.
  • 1997 - Ariel Gade, actriz norte-americana.

Falecimentos

 

Edite da Escócia, Rainha Consorte de Inglaterra entre 1100 e 1118.

  • 1118 - Edite da Escócia, Rainha Consorte de Inglaterra entre 1100 e 1118 (n. 1080).
  • 1256 - Santa Mafalda (Beata Mafalda de Portugal), filha do rei português D. Sancho I, no antigo convento beneditino de Rio Tinto.
  • 1572 - Papa Pio V, (n. 1504)
  • 1860 - Anders Sandøe Ørsted, foi primeiro-ministro da Dinamarca (n. 1778).
  • 1873 - David Livingstone, missionário e explorador escocês (n. 1813)
  • 1883 - Qorpo Santo, dramaturgo brasileiro (n. 1829)
  • 1904 - Antonín Dvořák, compositor checo (n. 1841)
  • 1945 - Joseph Goebbels, ministro da propaganda do regime nazi (n. 1897)
  • 1977 - Antero de Oliveira, actor brasileiro, o "Soiza" do Programa Chico City (n. 1931).
  • 1978 - Aram Khachaturian, compositor arménio (n. 1903).
  • 1979 - Sérgio Paranhos Fleury, oficial brasileiro, que actuou no Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) durante o Regime Militar (n. 1933).
  • 1989 - Douglass Watson, ator norte-americano (n. 1921).
  • 1989 - Dom Francisco Borja do Amaral, terceiro bispo da Diocese de Taubaté.
  • 1993 - Pierre Bérégovoy, político francês (n. 1925)
  • 1994 - Ayrton Senna, piloto brasileiro de Fórmula 1 (n. 1960)
  • 1997 - Bo Widerberg, cineasta sueco (n. 1930)
  • 1999 - Joel Ivo Catapan, bispo brasileiro (n. 1927)
  • 2006
    • Calasans Neto, artista plástico brasileiro (n. 1932).
    • Johnny Paris, músico norte-americano (n. 1940).
  • 2008 - Paulo Amaral, técnico de futebol e preparador físico brasileiro (n. 1923).
  • 2010 - Helen Wagner, actriz norte-americana (n. 1918).
  • 2011 - Osama bin Laden, terrorista saudita e líder da organização Al-Qaeda (n. 1957)

Feriados e eventos cíclicos

  • Festa de São José Operário
  • Dia de Beltane (Mitologia Celta)
  • Dia da Literatura Brasileira.

 

FONTE: Wikipédia

SUBIR O SALÁRIO MÍNIMO?

        

 

Aumentar o salário mínimo neste momento pode agravar o desemprego, sobretudo entre as mulheres

 

Ao contrário do que muitíssimas pessoas desejavam que fosse verdade, os governos não podem determinar os salários na economia, que dependem sobretudo da produtividade.

 

No caso do salário mínimo, é preciso reconhecer que este tem um impacto assimétrico no emprego. Se for definido muito abaixo da produtividade dos trabalhadores com menor produtividade (os mais jovens, sem experiência, e aqueles que têm menores qualificações), torna-se irrelevante porque as empresas pagariam sempre salários acima do mínimo legal. Se for legislado acima daquela produtividade, proíbe a contratação dos trabalhadores em situação mais frágil, agravando o desemprego neste segmento.

 

Como os governos desprezam geralmente as leis económicas e procuram a maior popularidade, o risco de decidirem salários mínimos demasiado abaixo daquele limiar de produtividade é insignificante. Mas persiste o risco de tomarem decisões fantasiosas sobre o salário mínimo.

 

Até aqui há alguns anos, havia duas restrições muito importantes que limitavam a demagogia na fixação do salário mínimo: a necessidade de ter contas externas equilibradas e o facto de o salário mínimo ser um importante indexante de prestações públicas, com fortes implicações orçamentais. Infelizmente ambas as restrições foram destruídas entretanto, permitindo a políticos irresponsáveis perpetrarem os maiores erros neste domínio.

 

Antes da entrada no euro, as subidas do salário mínimo acima do crescimento da produtividade criavam graves problemas de competitividade, que se traduziam em défices externos elevados, cuja correcção exigia uma forte desvalorização, que diminuía os salários reais eliminando os excessos anteriores. Após a entrada no euro, por pura ignorância e irresponsabilidade dos governantes e com a indesculpável conivência do Governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio, criou-se a ilusão de que os desequilíbrios externos tinham deixado de ser importantes e destruiu-se a primeira restrição sobre os aumentos do salário mínimo. Em 2007, antes da grave crise internacional, Portugal apresentava um défice externo de 9,5% do PIB e uma dívida externa de 89% do PIB. Estes valores indicavam um gravíssimo problema de competitividade, que foi olimpicamente ignorado.

 

Em 2006, com a criação do indexante dos apoios sociais (IAS), o salário mínimo perdeu a sua importante função de indexante de um conjunto muito variado de obrigações, em particular de prestações sociais pagas pelo Estado.

 

Liberto desta segunda restrição, o governo da época pôde ser extremamente generoso com o dinheiro dos outros. Dado que uma subida do salário mínimo deixou de ter impacto nas contas públicas, isso deixou mãos livres ao executivo para decretar substanciais aumentos desta remuneração básica.

 

Sublinhe-se que a subida extraordinária plurianual do salário mínimo que foi negociada na altura aconteceu quando já havia sinais extremamente preocupantes de falta de competitividade, que desaconselhavam em absoluto esta medida.

 

Os resultados foram muito preocupantes, como não podia deixar de ser: enquanto em 2005 a percentagem de pessoas a receber o salário mínimo era de apenas 4,5%, ela foi subindo sucessivamente, encontrando-se nos 11,7% em Abril de 2013. Isto é grave porque indicia que se está a gerar desemprego, sobretudo entre as mulheres, já que nestas a percentagem a receber a retribuição mínima é superior a 15%. Há mesmo um conjunto de actividades em que mais de um quinto das trabalhadoras aufere o salário mínimo: indústria têxtil, alimentar, da madeira e em vários serviços (restauração e imobiliário).

 

É extraordinário que ainda a troika não tenha saído e já estejamos a preparar-nos para repetir todos os erros que nos forçaram a pedir auxílio externo. Parece que três quase bancarrotas em menos de 40 anos são pouco e precisamos de começar desde já a trabalhar para a próxima crise.

 

Esta ideia de subir, neste momento, o salário mínimo parece mais um claro exemplo do ditado que diz que "de boas intenções está o Inferno cheio".

 

15 de Abril de 2014

 

  Pedro Braz Teixeira

TRÍPTICO

 

Três textos de Vasco Pulido Valente sobre o tema do Estado-providência:

 

O primeiro, uma página de reflexão sobre história contemporânea, saída no Público de 11/04/2014 “Onde pára a esquerda?”, que deveria servir de lição aos que condenam as inoperâncias do estado social, na actual situação deficitária a que as generosidades doutrinárias da esquerda conduziram o país, com dinheiros emprestados, prosseguindo em promessas utópicas de uma continuidade irrisória. Dessa mesma retórica caricata e funesta outros povos foram eloquentes – a Venezuela, no caos aí criado; a França e a Itália, tendo de baixar as suas fasquias de falso poder na urgência do recurso à “Peregrinação a Merkel” para políticas de austeridade como a que Passos Coelho foi sujeito. «O Estado providência como existe deixou de ser financeiramente viável. Isto custa a engolir. Mas se não se partir deste facto simples nunca se chegará a parte nenhuma. A fantasia não paga.»:

 

Onde pára a esquerda?”

 

Dia a dia, o PS vê o seu mundo cair. A revolução de Cuba e de Fidel de Castro é hoje a farsa da revolução “bolivariana” de um demente chamado Chávez e do analfabeto e criminoso Nicolás Maduro, que levou a Venezuela à miséria e ao caos. Mitterrand era infelizmente o que era, mas conseguiu apesar de tudo conservar uma certa dignidade. Hollande nem isso; e o novo primeiro-ministro Manuel Valls, que se prepara para aplicar em França uma austeridade como a nossa, sob o velho nome de “rigor”, não gosta de ouvir falar de “socialismo”. Em Itália, Matteo Renzi tenta inventar uma nova esquerda que não seja verdadeiramente esquerda e, principalmente, que não lembre o passado. Também ele não gosta de “socialismo” ou de qualquer outra coisa que o possa lembrar.

 

Em Portugal, Seguro parece uma casca vazia e perde o seu tempo em pequenas querelas com o Governo, que não valem nada e que são justamente ignoradas pelo país. A “inteligência” repete a reles retórica do partido ou dos partidos, sempre a falar de unidade e diálogo, que ela do fundo do coração detesta, e não tenta (talvez porque não pode) perceber o que se está a passar no mundo. Na véspera de eleições para o “parlamento” europeu, seria de esperar que fizesse um esforço. Mas não faz. Não a impressiona o espectáculo de carência (ou falência) da ordem tradicional e atribui as misérias de hoje a entidades tão etéreas como a “colonização” do socialismo pelos “neocapitalistas”. Mesmo admitindo esse fenómeno estranho convinha explicar o que o provocou e permitiu, para além do acaso e das “traições” de Blair e malfeitores do género.

 

Valls e Matteo Renzi já se preparam para a inevitável peregrinação a Meca, conhecida agora pelo pseudónimo de sra. Merkel, para implorar uma “folga” na redução do défice e mais tempo para pagar a dívida. E os dois prometeram, como o nosso Passos Coelho, diminuir o peso do Estado na economia e reduzir drasticamente o funcionalismo, em nome, segundo consta, da economia. Aqui ainda não entrou na cabeça de Seguro e, em geral, da esquerda, qual é a razão essencial destas semelhanças, que um estudante médio perceberia. A saber: o Estado providência como existe deixou de ser financeiramente viável. Isto custa a engolir. Mas se não se partir deste facto simples nunca se chegará a parte nenhuma. A fantasia não paga.

 

O segundo texto, de 14/4 – «A verdadeira insustentabilidade» – assenta nos novos ritmos de vida, de exigência generalizada – justa, segundo Pulido Valente – e imoderação descontrolada, com o desenvolvimento da ciência médica que, impondo uma cada vez maior sofisticação nos meios de tratamento especializado para apoio e prolongamento da vida, oneram de forma extraordinária o Estado Social criado. O mesmo se passa ao nível do ensino – gratuito e obrigatório – com o peso financeiro trazido na solidariedade e igualdade de oportunidades que a doutrinação democrática impôs, em critério de generosidade fácil, porque não ponderada com equilíbrio, e, por consequência, utópica, de rasgão financeiro imparável, acompanhando uma sociedade liberta de preconceito, na ruptura familiar e na amplitude reivindicativa dos seus direitos. Como consequência, O Estado-providência, que persiste em crescer à mínima oportunidade, só sobrevive, e mal, pelo imposto e pela dívida, e o imposto e a dívida reduziram a Europa, não falo aqui especialmente de Portugal, a uma situação de insustentabilidade. Da verdadeira insustentabilidade.:

«A verdadeira insustentabilidade»

A esquerda não gosta nada de ouvir que o Estado-providência (ou, se quiserem, o Estado social) não pode continuar. Mas tarde ou cedo terá de ouvir.

 

Como dizia De Gaulle, as coisas são como são e não como nós gostaríamos que elas fossem. Esta semana, Sir David Nicholson, que dirigiu o Serviço de Saúde Inglês durante oito anos, declarou que ele não era “sustentável”. Não custa perceber porquê. Quando cheguei a Inglaterra, para mim, o Serviço de Saúde (já um modelo querido do Estado social) não passava do dr. Davis, um velho simpático que me receitava pílulas (sempre as mesmas), de quando em quando me auscultava e me aconselhava a deixar de fumar. Hoje, não há medida comum entre esta medicina doméstica e barata e a medicina que se pratica correntemente em qualquer hospital.

 

A invenção de milhares de novas drogas, de novos meios de diagnóstico (que naquela altura não existiam) e de tratamentos cada vez mais sofisticados tornou a assistência médica uma operação complicadíssima e terrivelmente cara. Pior: criou no público interessado a exigência, aliás justa, de nenhum recurso disponível lhe ser recusado. O dr. Davis não custava muito ao contribuinte, um hospital com o equipamento e a especialização que se considera agora indispensável custa rios de dinheiro. E, à medida que a ciência e a tecnologia se desenvolverem, como de certeza acontecerá, vai custar mais. Nem uma óptima organização e uma óptima gestão podem parar, abrandar ou reverter esta tendência. O dr. Davis morreu; em 2014, uma dezena de profissionais de vária espécie e pena envolve fatalmente um indivíduo com a sua sabedoria e os seus cuidados.

 

A saúde é o caso mais claro. Mas basta pensar no ensino obrigatório e gratuito, idealmente até à universidade, que pressupõe uma infinidade de professores, de edifícios, pelo menos, meio decentes e uma regra universal e bem definida. Para agravar a questão, o momento em que se pretendia “educar” toda a gente foi também o momento em que simultaneamente se pretendeu “libertar” toda a gente. A família, que ajudava e completava a escola, está frágil ou, para efeitos práticos, desapareceu, e a escola teve de a substituir. O peso financeiro disto aumentou de ano para ano, de dia para dia, e não se prevê que alguma vez venha a diminuir. O Estado-providência, que persiste em crescer à mínima oportunidade, só sobrevive, e mal, pelo imposto e pela dívida, e o imposto e a dívida reduziram a Europa, não falo aqui especialmente de Portugal, a uma situação de insustentabilidade. Da verdadeira insustentabilidade.

 

O terceiro texto desta magnífica trilogia clarificadora de Vasco Pulido Valente – «A regra e a excepção» - de 13/4, constitui um corolário explicativo sobre a criação do Estado social, a sua motivação e as causas do seu falhanço. Mergulhando nas ambições e cinismos das potências europeias, a partir de 1870, até ao assassinato em Sarayevo desencadeador da 1ª Guerra Mundial, segundo leitura do livro de Luigi Albertini – “Origens da Guerra de 1914-1918”- prosseguindo pelos vários movimentos condutores das políticas ávidas até ao descalabro criminoso da 2ª Guerra Mundial, refere o consequente desenvolvimento das doutrinas socialistas, desejosas de libertar o homem manietado, de providenciar num sentido de justa igualdade de direitos. Seguiu-se o empobrecimento dos povos, em que as descolonizações tiveram o seu efeito redutor, o Estado social perdeu a eficácia que fora apregoada. As condições em que o Estado social se criara e dera à Europa (ocidental) um sentimento de bem-estar, de segurança e de promoção social deixaram de existir e não há engenharia financeira que as restaure. A regra era afinal uma excepção.:

«A regra e a excepção»

Por causa do centenário, ando a ler pacientemente o clássico de Luigi Albertini, Origens da Guerra de 1914-1918, um grande livro no duplo sentido da palavra: a história meticulosa da diplomacia europeia entre 1870 até ao assassinato de Sarajevo, em 1800 páginas de letra pequena, quase sem parágrafos.

 

Para um relativo leigo naquela especial matéria, a extraordinária boa consciência com que as Potências dividiam e redividiam a Europa e o mundo é o que impressiona mais. A Alemanha, a Inglaterra, a França, a Rússia, o Império Austro-Húngaro e, por muito favor, também a Itália discutiam, intrigavam e ameaçam por um privilégio ou por uma província, da China ao Egipto e do Adriático ao mar Negro. Todos se preparavam para ficar com a melhor parte da Turquia, quando ela se desfizesse, como se esperava, e para substituir o domínio quase universal da Inglaterra.

 

O resultado disto foi a guerra entre a Áustria e a Alemanha de um lado e a Rússia, a França e a Inglaterra do outro (a Itália, que só entrou em 1915, pesou pouco). A Europa saiu desta catástrofe arrasada e frágil. Lenine tomou conta da Rússia. Hitler tomou conta da Alemanha (1933). E a América, que pela primeira vez decidira um conflito europeu, decidiu impor um arranjo para a paz, que praticamente tornava inevitável uma segunda guerra (a de 1939-1945). De qualquer maneira, no meio da sua desgraça, e tirando a hegemonia da América, a Europa, durante um tempo, ainda conseguiu salvar a sua influência e a sua autoridade em grande parte da terra. Mas, depois de 1945, os sacrifícios que a derrota de Hitler exigira (55 milhões de mortos) trouxeram ao poder várias formas de “socialismo”, que acabaram por se fundir no Estado social, como agora lhe chamam.

 

A euforia e a confiança da época – e ambição, para hoje modesta, da gente que saía de um pesadelo – permitiram que esse Estado social (em que estava implícita a garantia de pleno emprego) pouco a pouco se alargasse e fortalecesse. I

 

Infelizmente, o papel da Europa no mundo começou entretanto a diminuir. As colónias desapareceram. E o pleno emprego também, em meados de 1960. O fosso entre a despesa doméstica e o enfraquecimento externo começou a crescer e depressa se tornou um abismo. As condições em que o Estado social se criara e dera à Europa (ocidental) um sentimento de bem-estar, de segurança e de promoção social deixaram de existir e não há engenharia financeira que as restaure. A regra era afinal uma excepção.

 

Não nos sentimos infelizes nem pobres com tais leituras. Há sempre outro amanhã.

 

 Berta Brás

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