Tenho presente o jornal “Público”, de Sábado, 17 de Maio. Da primeira à última página, a erudição explode, num “Adeus, Troika”, de balanço severo, a prometer mais para o dia 18. Uma ou outra notícia positiva – “o quarto guião do Governo pode trazer boas notícias”– “estratégia de médio prazo para o desenvolvimento económico e investimento, aprovada em Conselho de Ministros” – na mesma página (p. 4) em que se apontam as estratégias do próximo governo de Seguro, que, aliás, as tem alardeado na sua campanha eleitoral, com um esplendor tão altaneiro de patranha – reposição de vencimentos e de empregos, por exemplo, para quando for primeiro ministro – que só poderá deslumbrar um povo lorpamente crédulo. Eduardo Catroga é um dos que faz o balanço dos três anos de Troika, com advertências sobre a eficácia futura numa continuidade de aperto – naturalmente - que Teixeira dos Santos igualmente vaticina: o gosto pela previsão e pelo alarde teórico, aponta cenários, após as eleições, Nuno Ribeiro assina o artigo “Um país de clientes, emigrantes e mais pobre”, apontando as fontes do seu pessimismo.
E por aí fora, outras notícias são dadas, do nosso mundo e do mundo estrangeiro, com os anúncios e as informações habituais, para concluir com os artigos de opinião – de José Pacheco Pereira, de saber emérito e severo, “As eleições que só servem para o exacto oposto daquilo para que existem”, de que transcrevo a epígrafe:«Hoje, a União Europeia é um monstro híbrido e perigoso, controlado por uma burocracia que detesta a democracia e que acha que “ela” é que sabe como se deve governar a “Europa” e cada país em particular.»
Transcrevo, de Boaventura Sousa Santos, do artigo de ironia e ingratidão - «Asaída limpa… da Europa” – a epígrafe «Portugal sai da Europa seguro pela trela curta do euro e do tratado orçamental. Não pode ir muito longe».
Finalmente, como corolário de tanta desgraça, o artigo de humor altivo sobre todo este nosso mundo de arreganho e ambição - “Intrigas” de Vasco Pulido Valente, que transcrevo na íntegra, no encantamento por um desmontar de dados e factos com o sabor epigramático de sempre.
«Intrigas»
Pode faltar dinheiro, pode faltar investimento, pode faltar emprego. Mas não faltam políticos para se candidatar a tudo, desde a Presidência da República a chefes de partido.
A semana passada António Guterres veio dizer que “há sempre uma possibilidade, mesmo que mínima”, de ele se decidir a concorrer a Belém em 2016. Bastou isto para pôr o PS numa enorme agitação. As coisas pareciam estar muito bem combinadas. Seguro continuava secretário-geral (qualquer que fosse o resultado de 25 de Maio), depois ganhava as legislativas e, no fim, ajudava a levar António Costa aos píncaros. Assim, com a possível excepção de Sócrates, ficava toda a família contente. Guterres, com uma frase, estragou este santo e suave arranjo. Agora, as “notabilidades” não sabem outra vez para que lado se hão-de virar.
Os jornais, e mais modestamente a televisão, já começam à cautela a fazer o elogio histórico de Guterres. Para quem não se lembra das crises sucessivas do governo do homem e da sua crónica indecisão, ele (mesmo sem maioria) transformou Portugal num sólido paraíso e, naquela altura, andava toda a gente felicíssima. E não, não fugiu quando as coisas se complicaram. Pelo contrário, num gesto nunca visto de abnegação, salvou, quase sozinho, a Pátria do “pântano” e partiu para alto-comissário da ONU a verter a sua imensa caridade sobre os refugiados. Melhor ainda: acabou com o “cavaquismo” e o prof. Marcelo Rebelo de Sousa tem assiduamente profetizado que ele voltará em triunfo e glória. E António Costa? António Costa que se concentre em correr com Seguro, se quer sobreviver.
À direita a intriga é mais complicada. Pedro Passos Coelho cairá em 2015, em paga dos grandes benefícios que trouxe ao país. Para o lugar que ele deixa vazio, não existe por enquanto um candidato óbvio. Mas Passos Coelho não se importará de suceder a si próprio, até como peão de brega de um governo socialista. Não se vive durante vinte anos na JSD sem aprender a dar estas cambalhotas. Por isso, tanto ele como Paulo Portas não gostam da ideia de “listas conjuntas” nas legislativas e são os dois muito mansos com Seguro, para o caso de ele não chegar à maioria em 2015 e precisar de uma muleta. O que é sem dúvida um espectáculo edificante para os portugueses que não acreditam no regime e na democracia. Quanto às presidenciais, a direita rebenta de candidatos: Marcelo Rebelo de Sousa, Rui Rio, Durão Barroso ou o “político desconhecido”, que o PSD tem sempre de reserva. Nós não conseguimos perceber o mundo em que estes senhores se mexem. Nem devemos tentar. Não é o nosso.
Mas, após todas estas leituras de escritos bem engendrados, resta-nos o sentimento de asco sobre uma comum ingratidão para com quem, tendo sido apodado de espírito cultivado na ambição de cargo governativo, sem o necessário apuramento no cadinho da intelectualidade, como todos estes escritores mostram ter sido, não tenha havido uma palavra de gratidão para quem assumiu o esforço de salvar a Pátria da desonra, não querendo aceitar os dados positivos que as sondagens apontam, rolando e rebolando-se no gozo do ataque, mas jamais se oferecendo para a luta, bem instalados nos seus escritórios, rodeados dos seus livros e dos seus jornais que lhes transmitem o seu muito saber.
Para mim, Passos Coelho é um verdadeiro “barão assinalado”, numa história não mais épica, que teve que engolir todos os sapos – talvez mesmo os da subserviência, nossa condição natural, aliás - para que os homens dos escritos pudessem comodamente continuar a cruzar as suas armas contra ele e os que corajosamente e lealmente o apoiaram, num esforço de defesa do seu país.
Durante algumas décadas clamaram que a agricultura não tinha qualquer possibilidade de existir em Portugal, por não ser competitiva, e o que ainda restava dela era para acabar. Não sei se isso era fruto duma monumental ignorância generalizada ou se era uma criminosa acção de lesa economia, em favor dos que ganhavam fortunas a importar produtos agrícolas. Nessa base, os governos e algumas entidades tudo fizeram no sentido de destruir a agricultura. O máximo dessa destruição ocorreu durante o governo socialista de Sócrates que, como mais de uma vez lembrei e convém não esquecer, devolveu a Bruxelas centos de milhões de euros destinados à agricultura portuguesa. Os prejuízos para o país foram astronómicos, no PIB, no desemprego e na balança comercial.
Com o actual governo e a ministra Cristas, cessou essa ideia errada e passaram a ouvir-se, de todos os lados, os maiores elogios sobre a importância da agricultura para a economia nacional. Com algumas medidas correctas, a produção e a exportação de produtos agrícolas aumentaram significativamente.
Durante décadas, Portugal andou a destruir toda a investigação científica pública que não fosse das universidades, algo que já causou ao país prejuízos também astronómicos, na economia e na ciência, em variados sectores, entre eles a agricultura. (Como Professor Catedrático, jubilado, sinto-me insultado por tão prejudicial prova de mediocridade e inveja). Infelizmente, com o actual governo, essa destruição não cessou e continuou com grande intensidade. O que Portugal tem hoje, em diferentes sectores, é residual, em relação ao que tinha há 40 anos.
De colaboração entre um banco e dois jornais (ambos do mesmo dono), vão realizar-se amanhã em Évora (escrevo em 13-5-2014; já deve ter ocorrido quando este texto for publicado) umas Jornadas de “Empreendedorismo Agrícola” “Cultivar o futuro”. É uma excelente iniciativa e o programa é interessante, incluindo conferências por personalidades de organismos oficiais e entidades privadas. Noto ali uma ausência que reputo grave e, dados os antecedentes que descrevi, pode fazer parte da destruição em marcha. Não está no programa nenhum orador da Estação Nacional de Melhoramento de Plantas (ENMP, hoje com outro nome), de Elvas, um prestigiado organismo de investigação agronómica do Ministério da Agricultura, que já deu à agricultura do Alentejo fortunas enormes, com as variedades ali produzidas. Como uma das formas de destruir algo é evitar a sua presença, e até que se fale dele, fico na dúvida, sem saber se a ausência nas Jornadas não teve um tal objectivo. Mas sei que, com a investigação do Ministério da Agricultura destruída, a agricultura terá o seu desenvolvimento drasticamente limitado.
Publicado no "Linhas de Elvas" de 22 de Maio de 2014
A Academia Brasileira de Letras fez um levantamento sobre a língua portuguesa e verificou que esta tem actualmente cerca de 356 mil unidades lexicais.
A grande riqueza do português provém na sua maioria do latim e do grego e das línguas das tribos ibéricas: galaicos, lusitanos (marcas de origem indo-europeia e miscigenação com os celtas, anterior às invasões romanas), etc. e dos invasores germânicos do séc. V (cerca de 600 palavras de origem germânica) e dos ocupantes mouros (berberes e árabes do séc. VIII que enriqueceram o português com cerca de 600 até mil palavras); com os Descobrimentos o português continuou-se a enriquecer integrando palavras dos novos povos no seu léxico; actualmente a preponderância da cultura anglo-saxónica favorece a integração de palavras inglesas. De notar que o português não só recebeu palavras das culturas com que contactou mas também deixou crioulos e palavras noutras línguas (O japonês também tem cerca de 600 palavras de origem portuguesa).
O galaico-português era o idioma falado nas regiões de Portugal e da Galiza, no Reino de Leão, que devido à divisão política do mesmo espaço geográfico, posteriormente começou a diversificar-se nas línguas portuguesa e galega. A partir do séc. XII a literatura apoderou-se do galaico-português de modo a o português se diferenciar no século XVI da língua galega, sua irmã gémea.
A língua portuguesa é a evolução do latim que, como língua veicular literária e cultural, se expressava de duas formas: a maneira de falar intelectual (erudita) e a popular; assim, na formação do Português, encontramos a forma clássica – a língua do Lácio falada até uma certa altura e depois mantida pelos eclesiásticos, poetas e prosadores, como veículo da cultura intelectual e por outro lado a forma do latim vulgar que era falada pelo povo e que abandonada a si mesma se ia modificando mais e mais, com um certo acompanhamento do linguajar erudito. O mesmo se dá hoje: distingue-se a maneira de expressar de uma pessoa sem grande formação e uma pessoa formada. Os próprios escritores latinos, que utilizavam a forma clássica, referem também o falar do latim vulgar do povo; os escritores romanos referem-se ao falar do povo com os termos "sermo vulgaris", "cotidianus", "plebeius", "rusticus", etc.
Estas divergências encontram-se ainda hoje nas formas populares e de escrita de qualquer língua a nível fonético, morfológico e por vezes até sintáctico. A população não consumidora de “alta cultura” usa menos palavras para se exprimir metendo por vezes numa só palavra outros sentidos ou conotações, enquanto a pessoa mais culta recorre, para tal efeito, a maior diferenciação e consequentemente a uma maior gama de palavras.
No território que hoje constitui Portugal e Espanha, já se falavam várias línguas, antes dos invasores latinos chegarem. Entre elas a mais falada era a céltica. O Vasco conseguiu resistir ao latim.
De resto, pelos fins do séc. IV a língua vulgar falada por toda a península era a forma vulgar do latim, o "romanço". Com as invasões dos alanos, suevos e godos e depois dos árabes, o romanço foi enriquecido com palavras novas dos falares dos invasores. A língua, naqueles tempos abandonada a si mesma, sem disciplina gramatical que lhe desse formato evolutivo, decaiu modificando-se segundo as regiões, pois já não havia a administração romana para lhe dar sustentabilidade nem uma regulamentação da língua, a nível
suprarregional. Entre os falares surgiu o galego-português que se modificou algo, devido à independência de Portugal alcançada por D. Afonso Henriques e à obrigação do uso do português então “arcaico” ordenado por D. Dinis para os documentos escritos em vez do latim. Assim, temos hoje o idioma português e o galego; a maior diferenciação do galego deu-se a partir do séc. XVI. Embora se possa provar a existência do galego-português no séc. VII (e o português proto-histórico – um latim bárbaro) só a partir do séc. XII surgem textos completos em português notando-se então a influência da literatura sobre ele.
Numa missão civilizadora, os trovadores que cultivavam a poesia e a música por gosto, contribuíram muito como estabilizadores e fomentadores da língua. Ao irem de castelo em castelo espalhavam também ideais e a dignidade da mulher. Os segréis faziam da arte de trovar uma profissão. Os jograis tocavam vários instrumentos e cantavam versos alheios (artistas da boémia). Muito do legado antigo encontra-se nos Cancioneiros Primitivos.
O lirismo galego-português é do mais genuíno e documenta-se como uma poesia de romaria a Santiago de Compostela e nas romarias aos santos. Segundo Celso Ferreira da Cunha deve “considerar-se como obra de síntese de diversas influências, sobretudo da poesia popular e da poesia latino-eclesiástica”. Tinha duas correntes poéticas: a cantiga de amor que denuncia influência estrangeira, e a cantiga de amigo de carácter popular tradicional. Esta é a primeira manifestação genuína do lirismo peninsular.
Um documento importante do português Arcaico é o Testamento de D. Afonso II (1214) que começa assim:” En nome de Deus. Eu rei Don Afonso, pela gracia de Deus, rei de Portugal, sendo sano e saluo, temete o dia da mia morte, a saúde de mia alma e a proe de mia molier, raina Dona Orraca, e de meus filios e de meus uasssalos…”
No português histórico temos a fase arcaica do séc. XII, XIII e XIV (as terminações arcaicas em “om” deram origem às terminações modernas em “ão” e “am”); segue-se a fase de transição do séc. XV e finalmente a fase moderna, com início no séc. XVI até hoje. No séc. XIV e XV introduziram-se na língua muitas palavras do latim erudito e do grego; o séc. XV foi muito profícuo em mestres da língua (Garcia de Resende, Fernão Lopes, Eanes de Zurara, Rui de Pina, Frei João Alves); a língua passa a ter o seu eixo já não em Santiago de Compostela mas em Lisboa; o séc. XVI produziu grandes mestres da língua como Gil Vicente, João de Barros, António Ferreira, mas o maior de todos eles, o grande mestre do português moderno foi Luís de Camões com “Os Lusíadas”. Camões é um grande entre os maiores da literatura mundial, como afirmava já o grande Friedrich von Schiller, grande poeta, filósofo e historiador alemão que trocaria a sua obra pela glória dos Lusíadas de Camões.
No séc. XVI dá-se a grande diferenciação do português em relação ao galego.
- Aqueles cuja conduta dá para troçar são sempre dos outros os primeiros a falar - Jean Baptiste Molière (1622-1673), actor e dramaturgo francês – eis a frase que encima a última página (p. 56) do «Público» de 18 de Maio, página onde, bem destacado na coluna “Opinião”, surge o artigo de Vasco Pulido Valente – Uma viagem oficial.
Não sei se é propositada a frase da epígrafe, convergindo sobre o historiador e “artista plástico” de palavras e caricaturas, em narrativa não anquilosada numa seriedade de respeito a valores sociais ou pátrios, mas flexível e flutuando em multiplicidade de facetas, ora sérias ora jocosas e mordazes, que lhe acodem ao espírito, de uma vivacidade e picardia provavelmente granjeadoras de inimizades e vingançazinhas mesquinhas, como talvez seja a tal frase atribuída a Molière, (Jean Baptiste Poquelin de seu verdadeiro nome, e não o ali citado).
Mas também pode ser que não seja, acudindo-me à memória, como comprovativo hipotético, a cantiga brasileira de outrora, referenciada na Internet, que distingue e relativiza a dualidade dos conceitos:
«Pode Ser Que Não Seja» porJorge Veiga
Refrão:
Nem tudo que reluz é ouro Oi, nem tudo que balança cai! (bis)
A moça que a gente conhece Todo dia rezando na igreja, Pode ser que ela seja uma santa Mas também pode ser que não seja!
Refrão…
Uma vez mais o artigo de Vasco Pulido Valente dá em cheio no hábito governamental de voar pelo mundo, com comitiva – que raramente acontecia nos tempos de Salazar, os seus ministros limitando-se a viajar às colónias, cujas criancinhas das escolas os iam esperar ao aeroporto, com bandeirinhas pátrias de boas vindas ordeiras e chilreantes – lembro-me de ter feito parte das meninas de vestido branco de ginástica e bandeirinhas no aeroporto Gago Coutinho de Lourenço Marques, acolhendo um desses ministros – talvez Marcelo Caetano, talvez outra entidade …
Tem razão, Vasco Pulido Valente, em insurgir-se, as deslocações estão pela hora da morte, e num país tão moribundo como este nosso, estas funcionarão como extrema unção, em promessas de céu. Ninguém convencerá ninguém da eficácia de uma dispendiosa viagem de larga comitiva, que nos mostra Cavaco Silva cumprimentando e passando revista a tropas impecáveis, ou visitando a Cidade Eterna, a sua esposa Maria brincando às professoras, num esbanjar de simpatias a encarreirar destinos e provavelmente dinheiros turísticos. Vasco Pulido Valente, que investiga bem, reduz tudo isso a um nome: Ronaldo, do reconhecimento do sr. Xi, em contraponto com o triângulo, não das Bermudas mas com um dos vértices em Portugal, outro no norte europeu, outro no mundo PALOP a sul, da sonhadora teoria cavaquista, para justificar a sua diversão viageira por conta de outrem.
Eis o texto de Vasco Pulido Valente:
Uma viagem oficial
Não se percebe o que o dr. Cavaco e a mulher do dr. Cavaco, com uma comitiva de cem empresários (de quê?) e uns tantos ministros, foram fazer à China.
É muito compreensível que a China apeteça a quem gosta de viajar: há a “cidade proibida” para ver e uma espetada de baratas para comer. Melhor ainda, numa “visita oficial” não se espera no aeroporto e um exército de senhores mesureiros abre as portas em toda a parte e sabe onde são os melhores restaurantes. O dr. Cavaco andou sempre muito bem-disposto, com os privilégios que o seu cargo lhe oferece. Mas, para consumo interno, inventou uma teoria para vender ao Presidente lá da terra e, suponho, para impressionar o indígena de cá. Nem os jornais, nem a televisão disseram que espécie de efeito tinha tido este esforço intelectual.
A teoria é de facto impressionante e com certeza ficará na história com o nome de “o ponto e o triângulo”. Convém explicar. Segundo o dr. Cavaco, a China deve fazer de Portugal o seu “ponto de entrada” na Europa e poderemos por isso esperar daqui a pouco tempo dezenas de milhões de chineses a desembarcar por essa costa com biliões de coisas para vender à Finlândia ou à Dinamarca, a pretexto de que Sines fica mais perto dos mercados do que, por exemplo, Dover ou Southampton. E Cavaco não pára nesse pequenino “ponto”, quer também que Portugal sirva de intermediário entre Pequim e os PALOPS, que andam ansiosos por arranjar quem tome conta deles, para os defender da roubalheira geral do Ocidente. Esta parte “triângulo” da teoria mostra bem a profundidade de espírito do nosso inspirado Presidente.
Só que o sr. Xi, apresentado ao ilustre representante dos nossos navegadores, e pretendendo ser amável, puxou pela cabeça e, depois de muito puxar, saiu com um único nome: Ronaldo. Não se julgue que um homem tão sério como ele planeava trocar Ronaldo pela importação imediata de 300.000 pastéis de Belém, com o intuito perverso de pôr Ronaldo a ensinar futebol a um bilião de chineses e transformar a China em campeã do Mundo e da Europa. De maneira nenhuma. Na bruma, que certamente é o resto da terra para um mandarim, o sr. Xi não se lembrou de mais nada sobre Portugal. Na sua sereníssima cabeça, Portugal é Ronaldo e foi mesmo uma trabalheira para o convencer que o próprio Cavaco, apesar da sua idade avançada, não era Ronaldo. De qualquer maneira, esta viagem serviu para afastar as nuvens que existiam entre os dois grandes países, para nos revelar o fundo do pensamento do nosso querido presidente e para ele descansar durante a campanha eleitoral.
Estranha ligação, esta, de Lutero com a Revolução Francesa, não é? O que é que o teólogo alemão que viveu entre 1483 e 1546 pode ter a ver com a tomada da Bastilha em 1789? Aparentemente, nada. Mas...
A revolta dos camponeses na Alemanha em 1524-25 não é uma consequência directa da acção de Lutero pois já antes tinha havido revoltas semelhantes em 1476, 1492, 1493, 1502, 1513 e, em especial, a de 1514 em Württemberg. Mas os alemães tinham efectivamente fortes razões para se revoltarem porque eram pouco mais que escravos ou servos da gleba, espremidos por taxas e pelo trabalho gratuito (a corveia). A descoberta da América tornou a sua situação ainda pior pois o aumento do luxo e do prazer na Europa tornaram o dinheiro escasso por causa dos impostos decretados pela nobreza e pelo Papa para sustentarem esses novos luxos e prazeres. Para além do que a terra livre para ser arroteada pelos camponeses era pouca por haver grandes áreas reservadas à prática da caça pelos Senhores, tanto leigos como clérigos.
A base teológica luterana assentava (a ainda hoje assenta) na fórmula «uma só fé, um só Cristo, uma só Bíblia» enquanto o mote do Sacro Império Romano-Germânico consistia em «um só Deus, um só Papa, uma só doutrina, um só Imperador». O mundo «evangélico» de Lutero propunha a liberdade cristã, a supremacia da Palavra à da Igreja, o sacerdócio universal de todos os baptizados (em vez do específico ministério sacerdotal católico), o direito de os cristãos escolherem os seus pastores pregadores e a autonomia evangélica de cada comunidade (em vez da subordinação a um Bispo).
A relevância do princípio de que todos os baptizados são iguais perante Deus induziu a que a coligação entre natureza social, política, de direitos e liberdades com a natureza da graça e da salvação assumisse proporções revolucionárias sendo a sublevação dos camponeses tomada como premissa da verdadeira fé evangélica transmitida por Lutero. Mas não foi Lutero que inaugurou a revolução e sim dois ex-monges extremistas de quem Lutero rapidamente se demarcou, Andreas Karlstadt (1486 – 1541) e Thomas Müntzer (1490 — 1525). E foi Müntzer que rapidamente assumiu a liderança incendiária apresentando-se como um carismático que entrava em contacto directo com Deus e, possuindo revelações divinas, pregava que o juízo final estava próximo e que, por isso, o Imperador, os Reis e os Príncipes iriam desaparecer por serem pecadores mergulhados no poder terreno. O mundo deixaria de ser uma monarquia para passar a ser uma teocracia e ele, Müntzer, passaria a fazer a ligação entre o céu e a terra. E o mais tenebroso é que os camponeses, maioritariamente analfabetos, acreditavam em tudo isto e explodiam em revoltas sucessivas que alastravam a toda a Alemanha destruindo castelos e casas menos humildes, ocupando propriedades, espoliando, roubando e expulsando os que eles consideravam culpados da sua servidão.
Até que aos espoliados, vítimas de ocupação e roubo, «chegou a mostarda ao nariz». E assim foi que – já Lutero reconhecidamente demarcado de tudo isto – no dia 14 de Maio de 1525 foram 8 mil camponeses sitiados em Frankenhausen pelos exércitos unidos do protestante Filipe de Ássia e do católico Jorge da Saxónia. Recusando-se ao diálogo, foram os revoltosos derrotados em poucos minutos sendo 5 mil chacinados de qualquer maneira e 300 decapitados após julgamento sumário. De notar que, uma semana antes, cerca de 18 mil revolucionários tinham sido passados pelas armas na Alsácia. Calculam os historiadores que em toda a Alemanha tenha havido mais de 100 mil mortos durante esta revolução.
Eis como tal banho de sangue «segurou» o statu quo político e social por mais 264 anos até que, um bocado mais para poente, outros tomaram a Bastilha. Mas desta vez a argumentação foi profana, se é que argumentação houve nesse 14 de Julho.
Sim, Lutero nada teve a ver com a Revolução Francesa mas...
Lisboa, 14 de Maio de 2014
Henrique Salles da Fonseca
BIBLIOGRAFIA:
«LUTERO, Palavra e Fé», P. Carreira das Neves, Editorial Presença, 1ª edição, Março de 2014, pág. 314 e seg.
Foi um dos bispos portugueses que acompanhou e marcou a transição para a democracia, participando na mobilização dos católicos para a reivindicação de respeito pela vontade popular
Com idade avançada, morreu o Arcebispo Emérito de Braga, D. Eurico Dias Nogueira, um dos últimos sobreviventes do Concílio Vaticano II, onde participou apenas já nas últimas sessões. Fora nomeado Bispo de Vila Cabral, em Moçambique, ainda a tempo de participar em Roma, na derradeira fase da reunião dos bispos de todo o mundo, que promoveu o aggiornamento da Igreja Católica, há precisamente 50 anos.
Em Moçambique, notabilizou-se pela inovação do diálogo com os muçulmanos que viviam na sua diocese e, sobretudo, pelas corajosas cartas pastorais em que defendeu os direitos das populações nativas e a necessidade da paz, em plena guerra colonial. Nos últimos anos do anterior regime, transitaria para a diocese angolana de Sá da Bandeira, e daí para a Arquidiocese de Braga, onde desenvolveu uma longa e marcante actividade pastoral.
Foi um dos bispos portugueses que acompanhou e marcou a transição para a democracia, participando na mobilização dos católicos para a reivindicação de respeito pela vontade popular, próximo como era de D. Manuel de Almeida Trindade, presidente da Conferência Episcopal e, como ele, oriundo do clero de Coimbra.
Na cidade da Universidade contribuiu para a formação de gerações de universitários, como assistente do Centro Académico de Democracia Cristã, por onde passaram muitas das figuras que marcaram a vida política e parlamentar posterior ao 25 de Abril.
De formação jurídica e canonista – era licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra e em Direito Canónico por uma Universidade romana – prestou especial atenção ao problema das relações entre a Igreja e o Estado e à Concordata, tendo chamado a atenção para a necessidade de restabelecer o equilíbrio perdido com a cessação do Acordo Missionário. Em 1940, a Igreja abdicara das indemnizações pelas expropriações da I República, em troca do apoio financeiro às Missões Católicas, que foi interrompido pela descolonização.
Dedicou especial atenção à Universidade Católica, a cujo Conselho Superior pertenceu, proferindo várias e importantes alocuções nos dias da Universidade na sua Arquidiocese, em defesa da liberdade de ensino, criticando o tendencial monopólio educativo do Estado, recordando a doutrina da Igreja em matéria de educação, e a consagração constitucional dessa mesma liberdade de ensino, muito pouco respeitada entre nós. Deu um importante contributo para a história da Universidade Católica, em livro em que reuniu essas suas intervenções.
Quando foi restaurado o ensino do Direito Canónico em Portugal, com a criação da licenciatura no Instituto Superior de Direito Canónico, em Lisboa, esteve presente na sessão de abertura proferindo a lição inaugural.
Era um bispo culto e erudito, que além da vasta e importante obra pastoral, deixou vários livros publicados, alguns deles de memórias, decisivos para a reconstrução da história contemporânea da Igreja em Portugal.
Pela Convenção de Berlim, Portugal, para continuar a manter as suas ligações com África, foi obrigado, como já vimos, a ocupar militar e administrativamente as regiões onde há séculos comerciava, e com quem tinha, em muitos casos, boas relações de entendimento e respeito.
A própria Metrópole atravessava um período de total descontrole, com dois partidos políticos que fingiam que eram adversários: os seus componentes passavam-se de um lado para o outro como quem troca de camisa. Como é evidente, dinheiro não havia! Portugal não conseguia sair da grave crise financeira que o acompanhava desde as invasões francesas, que se agravara até mais não durante as Lutas Liberais e que conhecera novo surto com o Ultimatum Inglês e a bancarrota do Reino.
Mas houve que mandar tropas para África, o que se verificou ser um outro desastre: em muitos casos combater aliados, ou ser por eles derrotado, e constatar que as finanças do país não suportavam essas despesas. Para mais, o controle da situação não era tão evidente quanto pensava o governo em Lisboa!
O caso da moeda no período colonial era outra bagunça. Nos territórios ultramarinos corriam moedas de todos os países, e cada um dava-lhes o câmbio que bem entendia. Faziam-se leis estabelecendo os câmbios que não entravam em execução. Enfim, uma cegueira política e económica sobre a administração colonial.
Cabo Verde, o Porto Grande do Mindelo, começava a deixar de ser o principal porto no Atlântico – para reabastecimento de carvão aos “novos” navios a vapor – o que lhe dava desafogo financeiro - perdendo para a concorrência dos portos de Dakar e das Canárias, mais modernos e melhor apetrechados.
Para se procurar arranjar dinheiro, forjavam-se leis com alguns impostos que alteravam constantemente as pautas aduaneiras, faziam-se reduções às mercadorias transportadas em navios de bandeira portuguesa, mas Portugal estava com a marinha mercante reduzida a quase nada.
Além de tudo, Portugal temia que, facilitando os direitos (por exemplo em Angola), os comerciantes poderiam aproveitar e reexportar esses bens para os territórios vizinhos, o que teria sido até um boa jogada comercial. Os interesses dos monopólios em Portugal iam falando mais alto…
O tráfico de escravos acabara. Os grandes empresários de Angola, os negociantes, os únicos que tinham tido crédito, cujas notas promissórias circulavam como dinheiro, estavam todos à beira da falência. Angola estava completamente descapitalizada.
Sonhava-se em levar colonos de Cabo Verde e das ilhas, sobretudo dos Açores, para colonizar Angola, mas chocava-se sempre no mesmo ponto: transporte e financiamento, apesar de algumas tentativas terem resultado, como por exemplo na Chibia, Huila, Angola, onde até hoje continuam a viver descendentes de açorianos.
O problema da moeda, se escasseava em Portugal, em Angola era uma parafernália.
Tudo servia de moeda e a escassez chegava a situações que obrigou a muita vez se adoptar a “moeda” africana, como os panos do Luango ou Nzimbo para pagar à tropa, e persistiam em outros tantos negócios a troca directa de bens, sobretudo alimentares.
Em 1864 foi criado o BNU, Banco Nacional Ultramarino, para ser o emissor nas colónias, rapidamente entregue a “compadres maçons” sem que tivesse havido concurso público, e que explorou, com juros exorbitantes, agricultores e comerciantes, confiscando propriedades que em vez de se terem desenvolvido, se endividaram ao banco.
(Com a lei de 25 de Fevereiro de 1869, proclamou-se a abolição da escravatura em todo o Império Português. Mas... em 1875 o BNU contrata, directamente da Libéria, 600 homens e mulheres para as suas propriedades de S. Tomé e até ao final de 1876 tinha já “importado” da Libéria, cerca de 3000 trabalhadores. A importação de mão de obra da Libéria foi a solução que o F. Chamiço encontrou como ideal para evitar a caça aos navios de escravos que era feita pelos navios de guerra ingleses sobretudo nas costas de Angola. Aliás, em 1877 o navio à vela “Ovarense” ao serviço do BNU, foi arrestado pelos ingleses e confiscada toda a sua carga, sob pretexto de que fazia comércio de escravos. Em 1877 o jornal “O Progresso” de Lisboa refere que em Luanda se encontram 240 escravos comprados pelo BNU com destino a S. Tomé, estando mais 1000 escravos em Novo Redondo, prontos para partir para a “Água Izé”, propriedade do BNU em São Tomé) É bom notar que estas roças, todas em S. Tomé, já propriedade do BNU, foram confiscadas a antigos agricultores que tiveram a infelicidade de pedir dinheiro ao banco!
Residência do Administrador da Roça Água Izê com seus funcionários em dia de pagamento
A situação nas colónias mantém-se, economicamente, um desastre, pouco mais se tendo feito, e com capitais ingleses, do que as três linhas de caminhos-de-ferro – Benguela, Malange e Lobito em Angola e Beira e Lourenço Marques em Moçambique – e criando-se companhias “magestáticas” para substituir os “prazos” de Moçambique, tudo em proveito dos investidores, portugueses e estrangeiros.
Por muito grande que tenha sido o projecto vigarista de Alves dos Reis, 1925, com o famoso Banco Angola & Metrópole (que ficou conhecido como “Engrola a Metrópole”), talvez tenha sido uma pena que não tivesse seguido em frente. Angola teria resolvido com esta jogada o seu problema financeiro que certamente a faria crescer com rapidez.
A partir dos anos 20 do século XX são as grandes companhias, que vão para Angola e Moçambique, nos mesmos moldes, como a dos diamantes, açucareiras, algodoeiras cujos beneficiados eram os capitalistas e suas fábricas em Portugal. São Tomé, um grande produtor de cacau e café, mandava para os magnates portugueses, incluindo o próprio BNU, todo o lucro das suas explorações.
É com a 2ª Guerra Mundial que o dinheiro fácil chega a Portugal, assente nas exportações de volfrâmio e de conservas de peixe para todas as partes beligerantes. E são esses excedentes em divisas que, tempos mais tarde, tornam possível o 1º Plano de Fomento e, com ele, Angola comece a crescer.
Só que Portugal tinha perdido quase totalmente a confiança dos povos nativos. E nem parece ter escutado (ou, se escutou, não entendeu) as palavras de De Gaulle aos soldados das suas colónias em África, quando lhes prometeu dar-lhes a independência pela sua contribuição na guerra, ao lado da França.
No fim da 2ª Guerra Mundial, como para a população portuguesa o solo natal lhe era adverso e pobre, Angola começa receber gente e a crescer, desta vez em inúmeros sectores, desde o agrícola, comércio, indústria e financeiro, com praticamente todos os bancos da Metrópole a se instalarem, tanto em Angola como em Moçambique.
As vozes dos intelectuais africanos, que pouco mais queriam do que ser ouvidos e sobretudo tratados em condições iguais aos europeus que chegavam e ocupavam todos os postos superiores da administração, não são ouvidas. O Governo de Salazar faz ouvidos moucos e criam-se os movimentos que Portugal chamava de “terroristas”, e o, talvez evitável se discutido desde os primeiros momentos, apareceu: a luta pela independência.
Angola dá um pulo incrível de desenvolvimento entre 1961 e 1974, mas o mal estava instalado e crescia. A Guerra Colonial podia até estar ganha em Angola. Nunca na Guiné nem em Moçambique, mas o entendimento, a confiança, haviam desaparecido.
O alardeado Império Colonial Português, não tivera nem meio século de vida.
Os 500 anos de colonialismo também não chegaram a cem (na verdade, vão da 2ª década do séc. XX até 1975)!
E assim Portugal se encontrou despido, ainda mal visto por muitos, quase obrigado a aceitar esmolas de Timor para os sinistrados de incêndios (que ao fim de muitos meses, por razões burocráticas!!!, ainda não entregou aos destinatários).
Mas continua a ter 50 ministros e secretários de estado, mais de 200 deputados, todos muito contentes com eles-próprios. Para quê?
N.- Devo ao Dr. Palhinha Machado o favor de ter feito uma revisão do texto.Mas se algo não estiver correto só tem um que errou: eu!
O Professor Catedrático em Ciências Políticas José Filipe Pinto escreveu, no Diário de Notícias de 24-4-2014, sobre os "três Dês" do 25 de Abril. Desse artigo, transcrevo:
"As eleições, agora sim, são tão livres como na livre Inglaterra”.
As eleições para o Parlamento inglês são por círculos uninominais, isto é, cada círculo eleitoral elege um deputado, que naquele país tem o nome de Member of Parliament (MP). Os candidatos (de sua iniciativa e não “nomeados” por alguém) podem pertencer a um partido político ou serem independentes. Em democracia, o poder pertence aos cidadãos eleitores e, portanto, esse é um dos direitos inerentes.
O candidato mais votado (não necessita de ter maioria absoluta) é eleito MP. A Inglaterra elege 650 MP. (A população da Inglaterra é de 53 milhões de pessoas, mais de cinco vezes a de Portugal, que elege 230 deputados).
Em Portugal os círculos eleitorais coincidem com os distritos. Alguns círculos elegem dezenas de deputados, outros um número muito menor. Enquanto o círculo de Lisboa elege 47 deputados e o do Porto 39, o de Portalegre elege 2 e os de Évora, Beja e Bragança elegem 3 cada um.
Os eleitores não se podem candidatar a deputados, uma liberdade que os ingleses têm. (Na outra ditadura podiam. Mas os entraves postos à sua eleição eram tais que só conseguia ser eleita a lista apresentada pela União Nacional, o partido único). Em Portugal, os candidatos a deputados são exclusivamente apresentados pelos partidos e em listas com ordem fixa. Um tal sistema é muito “conveniente” para garantir que alguns candidatos (muitos, nos distritos que elegem muitos deputados), os primeiros da lista, estejam eleitos à partida, algo que não existe em democracia, excepto nos casos de candidato único. As listas são elaboradas por quem manda nos partidos e de forma tão ditatorial como as da antiga União Nacional. Há anos, numas eleições gerais, os dirigentes locais de um partido (PS) declararam não querer um candidato que era cronicamente eleito por esse partido. Mas o Secretário-Geral decidiu, ditatorialmente, que esse candidato seria o cabeça-de-lista e foi mesmo eleito. Noutro caso, também há bastantes anos, vi e ouvi, na televisão, o chefe de uma distrital dum partido (PSD) declarar que quem nomeava os candidatos da sua distrital era ele. Como o sistema é o mesmo para todos, isto podia suceder com qualquer partido.
Os eleitores têm toda a “liberdade” de escolher uma de meia dúzia (ou mais) de listas de candidatos que, repito, têm ordem fixa e imutável.
Será que alguém pode dizer que, em Portugal, "As eleições, agora sim, são tão livres como na livre Inglaterra”?
De Maria Eduarda Fagundes, médica ginecologista em Minas Gerais, naturalizada brasileira mas portuguesa nascida no Faial, publica várias vezes o Dr. Salles, no seu blog “A Bem da Nação”, pequenos textos caracterizados por fluência e elegância de escrita, sentido de humor, sentido crítico, na suavidade de um discurso ora de evocação da sua terra, ora dos costumes brasileiros, ora de crítica serena aos condicionalismos da política brasileira, como o deste texto – «EDUCAÇÃO EM BAIXA» – que transcrevo, pela pertinência de uma argumentação aplicável ao caso brasileiro mas não exclusiva dele. Com efeito, a lógica dos seus dizeres está de tal forma implícita numa norma de sensatez conceptual, que parece que não há outra via de encarar a questão do ensino senão a que implica esforço e prática e que inclui a consulta do dicionário. E isso faz-se, os manuais escolares impõem um trabalho orientado, com questionários acompanhantes das matérias que vão transmitindo, que, a serem criteriosamente seguidos, deveriam obter melhores resultados no ensino. Creio que depende em grande parte das famílias, que deverão acompanhar os filhos, nos primeiros anos da sua formação, até estes criarem a sua própria autonomia.
Mas julgo que o que habitualmente se aponta sobre a ignorância juvenil, resulta do excesso de matérias que cada disciplina impõe e que não permite a memorização que outrora se fazia, em sabatinas para fixação, quer de tabuadas quer de verbos ou de advérbios, ou de dados históricos, como ponto de partida para o desenvolvimento da percepção. Desde que a memorização foi condenada pelas pedagogias com altivo desprezo, e o ensino se encaminhou por inteligentes charadas de cruzinhas em exercícios de resposta múltipla, o aluno não precisou mais de escrever, chegando aos anos finais mal sabendo ler e escrever, como provam os falhanços nos exames e os erros na vida pública.
Desviei-me da questão que é focada no artigo de Maria Eduarda Fagundes, sobre o projecto brasileiro de expansão livresca pela recriação dos textos de autores consagrados através da adulteração dos mesmos, no facilitismo da sua compreensão. É justo o apelo da escritora, justos os dizeres da sua condenação. Numa sociedade a crescer desenfreadamente, ao pretender nivelar-se todos pelo mesmo ensino, a massificação não permite que seja o mais elevado a impor o estatuto. Daí que a tendência seja para o nivelamento por baixo…
O texto de Marias Eduarda Fagundes que aqui não se repete.
Existe um indicador simples que se devia usar nas nossas conversas: quanto mais alguém fala da ruína nacional, tanto mais essa pessoa trabalha precisamente para isso. Todas as desgraças nacionais foram causadas por movimentos que pretendiam salvar Portugal da desgraça. Isto, que foi claro em toda a história, é bem evidente hoje.
Ninguém duvida que um dos maiores problemas actuais é um Estado obeso que com o seu despesismo estrangula a actividade nacional e cria uma dívida enorme, que nos assombrará durante muito tempo. Qualquer um entende que uma das nossas tarefas essenciais é reduzir a despesa pública a um nível que o País consiga suportar, sem ser mais oprimido por impostos. É evidente que isso não é impossível, ou sequer difícil, pois ainda há poucos anos vivíamos razoavelmente com muito menos gastos, que nunca deixam de crescer. Não se diga portanto que os cortes fazem perigar a vida, liberdade, direitos ou dignidade pessoal. A única coisa que nos pode arruinar é a teimosia em insistir numa via ruinosa de despesismo.
Estas são ideias de uma simplicidade e clareza manifestas, que qualquer pessoa honesta entende e admite. É pois espantoso que largas camadas da nossa elite, de todos os quadrantes políticos, não só nunca digam isto, mas estejam activamente empenhadas em lutar precisamente contra esses cortes indispensáveis. Fazem-no dizendo defender o País da terrível ruína a que alegados neo-liberais, economicistas, corruptos e traidores o estão a condenar, simplesmente por pretenderem acertar as contas.
O problema é complexo pois muitos dos que dizem isto são pessoas honestas, inteligentes e razoáveis. Não há dúvida que boa parte dos que se opõem às indispensáveis reformas são oportunistas, mercenários e parasitas, pretendendo apenas defender as suas benesses, enquanto outros são agitadores, desordeiros e subversivos, em busca de uma boa insurreição. Mas não podemos ignorar os inúmeros cidadãos sérios e serenos, tanto ou mais revoltados que os outros. Como podem esses, que dizem falar em nome da salvação nacional, constituir o principal obstáculo ao único caminho que nos salvará da ruína?
O buraco é tão grande que o Governo tem de cortar coisas boas: pensões e salários, apoios e subsídios, centros escolares e hospitalares, câmaras e juntas de freguesia, carreiras de transportes e múltiplos outros serviços. Faz isso, não por ser incompetente, maldoso, fascista ou traidor. Tem de cortar porque não há dinheiro para o pagar. Não se consegue cobrar mais impostos e ninguém nos empresta indefinidamente. Isto é óbvio, como também é óbvio que as coisas a cortar são boas. Mas têm de ser cortadas. E quanto mais tarde se cortarem, como piora a situação financeira, mais teremos de cortar.
Devíamos ter começado a cortar a sério em 2008, quando começou a crise; em 2011 quando chegou a troika; ou em 2014 quando ela vai embora. No entanto, a verdade é que pouco foi cortado a sério, além de alguns salários e pensões, que são fáceis de repor. Não foi por falta de esforço e vontade, pois a troika bem forçou o Governo. Foi porque, cada vez que se identificou algo para cortar, surgiu imediatamente uma enorme multidão de cidadãos sérios e serenos, inteligentes e razoáveis, completamente revoltados a falar em ruína do País. Sem perceberem que o seu bloqueio é que realmente arruína o país.
Todos sabem que somos europeus, e por isso temos direito a um estilo de vida e qualidade de serviço de nível europeu. Apesar de não produzirmos como a maior parte dos outros países europeus. Exigimos coisas que os nossos pais nunca viram, mas que hoje dizemos serem condições indispensáveis à vida civilizada. Sem elas declaramos não ser possível dignidade e liberdade. Apesar de os nossos pais terem sido dignos e livres sem essas coisas que inventámos nos últimos 20 anos com dinheiro alheio; apesar de produzirmos pouco mais do que eles. Aumentámos exigências, não possibilidades. Esta é a atitude que nos impede de sermos europeus. A atitude que arruína o País.