Assisti há dias a uma conversa entre amigos que não se viam há muito tempo, que registo. Egídio Madariaga hoje residente nos EUA, onde tem família, tem por hábito e salutar prática visitar o velho Portugal, de tempos a tempos. Este meu amigo deixou Portugal em 1953, tinha ele – e eu também – 26 anos. A nossa amizade vinha do Colégio Militar que ambos cursámos entre 1939/45. Egídio formou-se no IST de Lisboa, e decidiu continuar os seus estudos nos EUA. Então, para surpresa sua, o seu pedido de passaporte não teve resposta. Passou uma semana, outra e nada. Renovou o pedido e obteve o mesmo resultado – silêncio. Como o manda-chuva dos passaportes no tempo, coronel de Artilharia Monteiro Libório, personagem de perfil prussiano então muito visto nas fotos de eventos oficiais, era camarada de armas de seu pai, meteu o pai no assunto e este lá lhe arranjou uma entrevista (audiência, como então respeitosamente se dizia). Libório explicou-lhe que o país não se podia dar ao luxo de deixar sair licenciados para continuarem estudos no estrangeiro, onde provavelmente se radicariam. O Estado português tinha investido largamente na educação deles e esperava que eles viessem a reforçar e melhorar o nível da força de trabalho nacional. Egídio contra-argumentou como pôde e por fim conseguiu dobrar a esquina mediante promessa solene de que voltaria ao país terminados os seus estudos na América. "Isso obrigou-me a estudar toda a vida", diz ele ironicamente.
Todos riram e alguém comentou:
- Pois, mas há que reconhecer que o Libório tinha razão.
Surpreendido Egídio indaga:
- Porquê? Por causa do dinheiro que a minha educação custou ao Estado?
- Não, respondeu o interlocutor. Isso são ninharias de contabilista. Onde ele tinha razão foi quando te lembrou que o país precisa de cada um de nós e nós precisamos do país.
- Eu não! Exclama Egídio. Para chegar onde cheguei só precisei de mim.
- Pois, mas os solitários atingem um ponto em que ficam ilhados, ainda que, por vezes, confortavelmente ilhados. Sozinhos não podem prosseguir.
***
Curiosamente à hora em que esta conversa se passava – e segundo a imprensa –, a milhares de milhas de distância, em Maputo, Christine Lagarde, dirigindo-se aos governantes moçambicanos lembrou-lhes "se queres ir depressa vai sozinho; se queres ir longe junta-ta aos demais".
RÚSSIA E CHINA – O EIXO DA POLÍTICA DO SÉC. XXI?, texto de António da Cunha Duarte Justo é denunciador de um futuro de pesadelo, com novas estratégias de domínio universal verdadeiramente risíveis, de povos de ambição desmedida, que pretendem ser donos do mundo, sem sequer pararem para pensar nos Alexandres Magnos da História, movidos por iguais interesses de domínio, e que uma qualquer Justiça – talvez a divina - se encarregou de punir.
Ouçamos Luís Góis, nos pequeninos gestos de felicidade que tão bem canta, e assim arredemos o receio de tais previsões sobre os novos monstros em formação, destruidores da paz no mundo:
O PS teve mais 3,7 pontos percentuais — repito, 3,7 pontos percentuais — do que os dois partidos que estão no Governo. É uma diferença de pouco mais de 100 mil votos, ou seja, 1% da população portuguesa. António José Seguro é o maior derrotado da história dos vencedores de eleições em Portugal.
Toda a gente sabia que o PSD ia perder — ninguém esperava que o PS tivesse um resultado tão mau. A coligação que está no Governo está há três anos a impor a mais terrível austeridade desde o 25 de Abril; está a impor essa austeridade sob supervisão da Europa (e estas eram eleições europeias); está a impô-la de uma forma — extorquindo a classe média em vez de reformar o país — que aliena parte significativa do seu eleitorado.
Mesmo assim, o PS, com Francisco Assis como cabeça de lista — o melhor candidato possível —, ficou nos 31,5%, com a Aliança Portugal a rondar os 28%.
É uma diferença ridícula, que permite que PSD e CDS-PP sonhem, contra todas as probabilidades, com a vitória nas próximas eleições legislativas.
Há escassos oito meses, o PS teve 36,3% dos votos nas autárquicas, o que significa que os presidentes de câmara socialistas valem mais do que António José Seguro.
O líder do PS disse que o "actual Governo chegou ao fim". Mas com este miserável resultado, o que deveria chegar ao fim era o seu consulado. Nas autárquicas, António Costa enfrentou a coligação PSD/CDS-PP em Lisboa. Obteve 50,9% dos votos. PSD e CDS-PP ficaram a mais de 28 pontos de distância. É só comparar.
Já em tempos fizera uma apreciação ao livro «À sombra dos dias” do mesmo autor (em “Anuário – Memórias Soltas”, 1999). A curiosidade me levou a ler este, uma boa encadernação do Círculo de Leitores (1998). Costumava ler as poesias que Guilherme de Melo ia publicando na “Página da Mulher” do Notícias de Lourenço Marques e lembro-me de que gostava mais dele como poeta do que do autor das prosas que escrevia no Notícias. Mas esta narrativa sobre uma figura de mulher feia e apagada, que passa na vida de forma baça, no retraimento e seriedade de um destino condenado à partida, interessou-me, como complemento céptico de uma temporalidade que vivemos sem esperança, mas que em nada favorece a mudança para um estado de espírito mais optimista.
Uma progressão narrativa cronológica, iniciada com a referência à personagem central que dá o nome à obra – Elisa Antunes – e estruturada em duas partes subentendidas – a primeira, mais curta (60 páginas), que poderíamos sublinhar como origens, percorrendo seis capítulos pontuados com um nome – o nome dos seres justificativos da sua existência terrena e figura física e psicológica; a segunda parte (115 páginas), centrada na figura de Elisa e dos comparsas da sua vivência como ser que a vida a cada passo frustrou.
Temos, pois, a trisavó Margaretha, judia holandesa fugida com a filha Erika à monstruosa insânia nazi. Dela herdou o nariz que, juntamente com os olhos “piscos” das muitas dioptrias e a fealdade herdada do avô paterno, Mateus Antunes, desde a escola, lhe valeram a humilhante alcunha de Maria Cegonha. Casara aquele com Erika, por manigâncias interesseiras da mãe desta, sabendo aproveitar-se do enamoramento deslumbrado do beirão Mateus, profissional cumpridor num banco em Lisboa, que vivia em casa dos padrinhos. Falhado o casamento, por conveniência da astuciosa Margaretha – que irá prosseguir com a filha a sua existência como donas de uma casa de passe - para escândalo do pobre Mateus - é André, o filho abandonado por Erika e Margaretha, educado na província, pelos avós paternos e sobretudo pela bisavó Domingas – Maria Lua – velha “sibila” com conhecimentos primitivos, que se regia pelo “relógio da Lua”, nos seus hábitos toscos que maravilhavam o bisneto. Feito o liceu na província, segue André para Lisboa, para junto do pai, frequenta o curso de Românicas, que não acaba, sonhador inveterado, procurando junto dos colegas de estúrdia e de tendências demolidoras do salazarismo, os complementos dos seus interesses e ausência de responsabilidade. Casa com a colega da Faculdade, Laura, é mobilizado para Bissau, quando regressa, a filha Elisa já tem três meses, mas Laura morre num novo parto gorado, aos três anos da filha, e com grande dor do pai. Elisa é criada pelo pai, e por uma namorada simpática deste – Helena – com grande escândalo do avô Mateus. André morre de cancro, o avô recolhe a neta, que tem quinze anos.
Inicia-se, com o capítulo “Elisa”, a segunda parte da novela, com a descrição do espaço habitacional que se transcreve, na curiosidade de um discurso cujo realismo tem tanto de elegante como de colorido e despojado de condescendência disfarçadora, como, de resto, se caracteriza o estilo sereno e frontal de Guilherme de Melo, em que o sentido crítico raramente usa de ironia, optando pela caracterização directa, da observação objectiva, não isenta do calão ou do termo mais próprio da oralidade grosseira, e em que o adjectivo e o verbo são elementos estruturais do seu processo narrativo, bem longe da luminosidade do modo impressionista, característica formal do estilo queirosiano:
A rua era larga e sossegada. Não uma daquelas vias de passagem, iguais entre si em todas as grandes cidades, por onde o trânsito flui no decurso do dia como um rio constante no seu caudal. Ali, os carros eram os carros de quem nela morava. Ou de quem lá ia com um objectivo definido.
Certinhos, alinhados ao longo dos passeios, os prédios não ultrapassavam o terceiro andar e quase todos tinham águas furtadas. Num ou noutro, havia vasos com flores aligeirando as fachadas austeras. Sem serem prédios de estilo moderno, tinham, porém, um ar limpo e cuidado. Alguns ostentavam mesmo um revestimento em azulejos de tons esbatidos que lhes imprimia uma certa dignidade.
Mas era Lisboa e, naturalmente, na modorra das janelas que deitavam para a rua, havia estendais onde as toalhas e os lençóis, as saias, as cuecas, as calças de ganga e os aventais de cozinha secavam ao sol como pendões de romaria drapejando ao vento. E havia também as gaiolas dos canários e dos periquitos dependuradas de grandes pregos cravados junto às sacadas. Nelas, as aves chilreavam, sonhando com o azul que avistavam para lá das grades.
Por detrás dos vidros dormitavam gatos gordos e castrados, enquanto aqui e ali as portas se entreabriam, pela manhã e ao cair da tarde, a deixar passar os cães para virem defecar ao passeio. Nos beirais, bandos de pombos aguardavam a hora exacta em que as velhas do costume assomassem à varanda para lhes lançar as carcaças da véspera desfeitas em água e uma ou duas mancheias de milho.
A rua era, como tantas outras ruas de Lisboa mais desviada do bulício, um pedaço de aldeia esquecido no coração da cidade. Com o talho do senhor Custódio logo ao voltar da esquina, a leitaria da dona Rosa com a meia dúzia de mesinhas habituais e as empadas, os folhados e os queques na vitrina do balcão, e a mercearia do senhor Nunes e da mulher, a dona Leocádia, com as alfaces, os tomates, as laranjas e as clementinas colorindo a manhã nos escaparates que ladeavam a entrada.
Este o pequeno mundo, feito de cheiros e de sons familiares, olhos espiando por detrás das vidraças e pombos descendo em revoada dos telhados, onde Elisa Antunes iria entrar, pela mão do avô Mateus, com a timidez e a cautela características dos seres que aprenderam a crescer sem vontade própria e desde sempre se deixaram conduzir pela vontade dos outros. Mas também com a insegurança da adolescente que começa a tornar-se mulher e que desde criança procurou, em vão, referências femininas num mundo estruturalmente masculino, como foi aquele em que aprendeu a movimentar-se.
A história, pois, de uma “pobre rapariga feia” tímida e recalcada e receosa do mundo, embora possuindo bens herdados do avô, e competente no seu trabalho, tal como fora boa estudante, forma de se elevar perante si e os outros, e que tendo sofrido a desilusão da falsa paixão e grosseria de um colega sabido e interesseiro – Filipe - se enamora por um jovem de uma fotografia encontrada por acaso e para esse – a quem chamará Ricardo - constrói o seu romance, que a transfigura. O encontro ocasional com o rapaz da foto, que reconhece - João, como se apresenta, sob a farda de polícia - causará a sua morte por atropelamento, tal o alvoroço sentido.
Um funeral concorrido, ao descobrir-se, em sua casa, roupas masculinas, a dedicatória do rapaz à sua amada, outros traços de ternura, causando o escândalo entre a vizinhança, para quem fora a Elisinha, e cuja família há muito deixara de existir.
E a lição final ocorre no diálogo entre dois colegas de regresso do funeral:
E, com solenidade:
- Ao fim e ao cabo, quantas vidas terá cada um de nós? A que na realidade vivemos? A que fantasiamos para nós mesmos? A que outros imaginam que é, de facto, a nossa vida? Hum… E qual é a verdadeira, já pensaste nisso, Justino?
O colega soltou uma gargalhada:
- Ó Saraiva, poupa-me!
E apressaram o passo, direitos ao carro. É que, de repente, a chuva voltara a cair.
O paralelo desta com a cena final dos dois amigos Carlos e Ega, correndo para apanhar o americano enquanto iam filosofando sobre a vacuidade dos desígnios humanos que os não faria alargar o passo para nada – teoria logo desfeita para o jantar com os amigos no Bragança que os forçava a correr, é evidente, retirado o efeito cómico do contraste entre desígnio e acção n’Os Maias, que se transforma nesta novela em banal teoria finalizadora sobre a existência humana, encarada sob vários ângulos.
Faz sentido deixarmos de existir? Não. A prova evidente é que também não parece fazer grande sentido existirmos e... aqui estamos! Chegados do nada.
Em vários momentos da sua vida, cada pessoa dá-se conta da realidade da própria morte... o confronto com a ideia desta verdade pode mudar quase tudo. Deixam de se sentir os dias e as noites da mesma forma, porque se pressente o próprio apocalipse e, em função dele, reordena-se a vida. Claro, há quem nem seja capaz de perceber o básico e continue como se a morte fosse algo que apenas acontece aos outros.
Há um instinto primário em todos os seres vivos que os leva a lutarem pela sobrevivência. O homem será o único que tem consciência plena da inevitabilidade do seu fim temporal, lutando assim, mais do que pela sua vida, pela sua imortalidade, buscando garantir que a sua vida passa para além da própria morte.
A morte não tem de ser a frustração definitiva do desejo de felicidade.
Devemos agir sempre de acordo com o futuro que julgamos melhor, mas sempre sem grandes pressas nem perdas de tempo. Com toda a intensidade possível, mas com critério e sem exageros.
Será o medo da morte uma forma de amor incondicional à vida? De onde chega ao amor a garantia de que a morte não lhe impede a realização plena?
As perguntas pertinentes sem resposta não significam que haja falta de sentido ou verdade, mas tão só que vivemos um mistério... onde o nada aparente não tem de significar vazio, podendo mesmo ser o sinal de uma imensidão sublime.
Faz sentido deixarmos de existir? Não. A prova evidente é que também não parece fazer grande sentido existirmos e... aqui estamos! Chegados do nada. Nós, o leitor e eu, nós mesmos, não quaisquer outros em nosso lugar... outros filhos dos nossos pais ou de outros pais... não... Nós mesmos. Não somos seres insignificantes e dispensáveis. Cada um de nós faz sentido e faz parte do sentido da vida. Ainda que não saibamos como, porquê ou para quê...
Num cemitério estão, lado a lado, os restos dos corpos dos que deixaram saudades e dos que não as semearam. Cada um de nós escolhe a sua vida, embora ninguém possa assumir-se como causa principal de si mesmo. Existimos, mas por um sentido que nos ultrapassa. Maior que a nossa compreensão. O que não somos é migalhas de uma explosão do acaso. Isso é que não faz sentido nenhum.
Temos pouco tempo, mas não parece. Basta que analisemos o quanto desperdiçamos em actividades supérfluas... Talvez a vida seja muito longa para alguns. Quando a esperança de vida aumenta, dilata-se-lhes a velhice e não a juventude... não sabem o que fazer com a vida.
Aproveitar o tempo não é fazer muitas coisas … é fazer o que é bom não só para esta fase da nossa vida, mas também para a sua totalidade, ser autor apenas do que em sentido de eternidade tem valor. Tudo o mais, por mais importante que possa parecer, é caduco.
A certeza da morte devia despertar-nos para o valor do tempo. A perspetiva de uma morte próxima faz com que se descubram as inúmeras belezas que há nas coisas mais simples. Mas estas perfeições estão sempre lá... por que razão não as sentimos e usufruímos sem ter de ser a morte a abrir-nos os olhos?
O silêncio com que sorrio e choro não é o mesmo. Mas será sempre uma mesma verdade que jaz no fundo do que sou. A certeza de que a minha história começou muitos anos antes de eu ter nascido. Uma eternidade antes.
Só vive a solidão da vida e da morte quem escolhe viver sem amor.
Há quem anseie pela vida eterna, mas desespere com a vertigem de uma tarde livre de domingo... que castigo será a imortalidade para quem não sabe amar! Afinal, a eternidade não é um tempo sem fim, mas a ausência do tempo... num amor infinito!
É pouco o nosso tempo aqui. Tratemos de garantir que depois da morte teremos saudades do que fizemos neste mundo, procurando a vida que há em cada dia, vivendo-a como um dom que merecemos e... levando-a dentro do coração.
A Ucrânia, tal comos a região dos Balcãs, na primeira grande guerra mundial, dá ocasião ao surgir de uma nova configuração política das potências determinadoras do futuro no séc. XXI.
A Rússia, ao ser contrariada pelos interesses da EU/NATO na Ucrânia, demonstra ostensivamente a sua reivindicação ao direito de ser reconhecida como potência mundial; para tal vira-se para a China e para a América Latina em oposição à política dos países da NATO. Utiliza uma estratégia própria na combinação oportuna de “ vendas de armas, instalações militares e grandes projectos económicos, de infra-estrutura e de energia”. A nova estratégia de parceria com a China pode mudar o eixo axial da política no séc. XXI. O negócio entre a Rússia e a China da construção da conduta para fornecimento de gás à China e a construção de um canal transoceânico da Nicarágua como alternativa ao canal do Panamá, são passos que indicam determinação no sentido de as duas potências se unirem num projecto comum.
Ao avanço da presença do Ocidente ao longo das fronteiras da Rússia e na Ucrânia, a Rússia contrapõe a sua presença, como potência mundial, na América Latina.
A presença política arrasta consigo o negócio. Então, países como a Alemanha aceitarão o desenrolar natural dos acontecimentos e orientar-se-ão pelo brilho do negócio. Esta ofensiva económico-estratégica revela-se tão desesperada que pode determinar a divisão da Ucrânia.
Piora o clima entre as potências mundiais logo surgem centros ciclónicos devastadores das mais belas paisagens e dos mais belos biótopos culturais. Por trás das ventanias que arrasam florestas e destroem a bonomia do clima entre amigos e familiares, encontram-se interesses políticos, económicos e estratégicos. Quem aspira a mais organiza-se em grupos de interesse porque sabe que no governo ou na oposição sempre se recebe mais do que no seio do povo.
Os grupos da Ucrânia, agora divididos e guiados pelas forças de ventos invisíveis, a modo das árvores no vendaval, batem-se uns contra os outros à mercê dos centros ciclónicos do poder. Os que se querem orientar pela Europa e os que preferem seguir a Rússia. Em nome da soberania popular dá-se a redistribuição de poderes e influências.
A Ucrânia, o maior país da Europa, tem 44,6 milhões de habitantes sendo 77,8% de etnia ucraniana e 17%, de russos e romenos está em perigo de ser dividida. O povo ucraniano já foi vítima do genocídio provocado por Estaline que vitimou milhões de ucranianos e da ocupação nazi que matou muitos milhões de pessoas, sofre as consequências de se encontrar como fronteira de dois imperialismos: o russo e o ocidental.
Quem pensa em termos humanos e de povo é contra a intromissão estrangeira; quem pensa em termos estratégicos e de poder compreende a luta das potências: uns a favor dos russos, outros a favor do ocidente.
Um país soberano deveria ter a possibilidade à autodeterminação.
Uma Alemanha interessada em acordos de comércio com o leste, uma UE interessada num acordo de associação, e uma federação russa amedrontada, não são indícios de bons resultados para a Ucrânia; a Rússia sente-se ameaçada economicamente pela UE, militarmente pela Nato e socialmente pelos valores ocidentais de liberdade e democracia. A UE defende os seus interesses económicos e estratégicos na Ucrânia argumentado hipocritamente de pretender a salvaguarda dos direitos humanos e de um Estado de Direito. Infelizmente não usou da diplomacia para saber antepor-se aos combates armados entre a população ucraniana nem teve em conta uma Rússia traumatizada pela queda da União Soviética. A Rússia tem os mesmos interesses na Crimeia e nas zonas orientais da Ucrânia como os ingleses no Gibraltar e nas ilhas Malvinas…
Uma Ucrânia endividada até à garganta com a dívida do gás e quase na bancarrota. Deve à Rússia 2,6 mil milhões de Euros pelo que Putin tenciona, a partir de Junho, só fornecer gás à Ucrânia a pronto pagamento. Até à ocupação da Crimeia vendia o gás à Ucrânia 30% mais barato, devido à Ucrânia permitir lá a base russa.
A Ucrânia, depois das eleições de 25 de Maio, irá ter de compreender amargamente a frase de Bismark: “Estados não têm amigos, apenas têm interesses”.
As missões de observação eleitoral da OSZE julgarão sobre o decorrer das eleições. Depois delas surgirá a discussão sobre quem as reconhece e quem não. As eleições não conseguirão o problema da Ucrânia que nela resume o conflito entre a Rússia e o Ocidente e entre população pró-Rússia e pró-UE.
A Rússia é o maior país do mundo mas nas suas infraestruturas, é de facto, em grande parte, um país de terceiro mundo.
O futuro irá aproximar ainda mais a Rússia e a China até por razões de afinidade na defesa da integridade territorial e devido à sua extensão e aos povos separatistas.
No séc. XIX combatiam-se os estados, no séc. XX as ideologias e no século XXI combater-se-ão as culturas. Com a queda da União Soviética (1998) acaba-se o mundo bipolar para se iniciar a multipolaridade. Das guerras passar-se-á às guerrilhas; na formação de novas constelações, a guerrilha muçulmana tem-se mostrado a única arma estratégica eficiente contra a prepotência da guerra económica. Livre-nos Deus desta perspectiva real para o futuro.
Estávamos então nas teocracias, tal como as demo, com variantes curiosas. Vamos ver:
- Teocracias monárquicas: que podemos dividir em duas categorias.
As que têm um rei, ou são monarquias absolutas ou constitucionais, o que significa absolutas!
O rei e a família real detém todo o poder, todos os cargos do governo e ainda se permitem deter o poder espiritual, isto é, em nome de Alá, mandam matar, esfolar ou triturar, não permitem bebidas alcoólicas nem pornografia, muito menos prostituição, mas toda a gente sabe que os Grandes dessas terras tão ética e moralmente correctas, vivem num deboche pseudo-escondido, cheio de mulheres oferecidas, whisky e champanhe em banheiras de ouro, e outros detalhes de indigentes. Os exemplos mais caricatos são os sauditas e os bareinitas, que os EUA muito protegem porque dependem do petróleo deles. No Bahrein com 70% da população xiita a família real é sunita, o que é, no mínimo estranho. No Kuwait o emir, o rei, não tem constitucionalmente o poder total, mas controla totalmente, tudo e todos.
- Teocracias shariistas democráticas: as que não têm rei, fazem o povo votar para brincar de democracia, mas os supremos chefes religiosos, como reis, só que não hereditários, estão-se bem lixando para as eleições e continuam a deter o poder total, de vida e morte sobre qualquer cidadão.
A seguir há uns países com tipo de governo, no mínimo estranho. Chamam-se a si próprios teocracias, mas através das divisões internas entre 80% de sunitas e 20% de xiitas, o desentendimento é perigoso e ainda exibem parlamentos para também brincarem de democratas.
Todas estas teocracias sobrevivem há mais de mil e quinhentos anos com base numa lei simplíssima: o terror.
Ninguém, no seu normal estado de juízo se atreve a criticar ou discordar dum chefe civil, pior ainda religioso, se bem que os chefes civis sejam todos chefes religiosos, porque o mínimo que lhe pode acontecer é perder, ipsis verbis, a cabeça. Muito menos um não muçulmano porque, perante a lei corânica a palavra dum não muçulmano, sobretudo se for dum cristão, não tem qualquer valor em tribunais contra a de um muçulmano.
Onde a lei permite o sequestro e venda de mulheres para serem prostitutas dos compradores, sem direito a reclamar coisa alguma, nem a terem no mínimo um tratamento de gente. Há uma mulher no Kuwait, deputada, Salwa al-Mutairi, que está querendo legalizar a escravatura e venda de mulheres não muçulmanas para finalidades sexuais, chegando a afirmar: Na guerra da Chechenia seguramente há mulheres prisioneiras. É só ir lá comprá-las, e vendê-las aqui no Kuwait; melhor do que ver os nossos homens envolvidos em relações sexuais proibidas. Não vejo nenhum problema nisso.” E a dita deputeda ainda mais justifica a instituição da escravidão sexual pela invocação do califa Harun al-Rashid (século VIII) — que é conhecido no Ocidente pelas Noites Árabes (As Mil e Uma Noites) como um califa divertido, mulherengo, mas que era na realidade piedoso o suficiente para destruir igrejas e perseguir cristãos! E o maior exemplo que temos é, quando ele morreu Harun al-Rashid, tinha 2.000 escravas do sexo. Então está tudo bem, nada de errado com isso.
Como devem lembrar-se – os que se lembram – as Mil e Uma Noites contam a história de um califa que um dia sentiu que uma das suas muitas mulheres tinha “indesejados” encontros com outro homem, e para evitar que muitos cornos se lhe juntassem na testa passou a dormir cada dia com uma mulher diferente, que de manhã mandava decapitar. Depois, apareceu Sheherazade... etc.
Manuscrito de “As Mil e Uma Noites” do séc. XIV
Pois bem, esta الفرخ – Salwa – merecia que se lhe enviasse um presente que, certamente a satisfaria muito: meia dúzia desses mais robustos lutadores de UFC, de pelo menos 100 quilos cada, para, diariamente, todos, lhe darem umas aulas de... prostituição!
Outro aspecto simpático desta “lei” – do terror – prevê que as mulheres só podem herdar metade do que herdarem os homens!
Autoridades muçulmanas também ficam sempre ao lado de muçulmanos abusadores em julgamentos de instâncias de meninas cristãs que foram raptadas, estupradas e forçadas a converter-se ao islamismo e casar-se com seus sequestradores islâmicos. Nessas raras ocasiões, quando tal fuga de vítimas de estupro para suas famílias destruídas e apavoradas, a polícia muitas vezes obriga-as a devolvê-las aos seus “maridos” estupradores, onde, particularmente no Paquistão, cenas como esta são de grande frequência.
Cumplicidade legal em violência muçulmana contra os cristãos pode ser rastreada na doutrina islâmica da lealdade e inimizade, que induz os muçulmanos sempre para o lado dos colegas muçulmanos contra não-muçulmanos. Esta doutrina é construída em cima deste versículo do Alcorão, como a surata 5:51, que adverte os fiéis contra os judeus e cristãos amigos e aliados, porque quem entre vós os tomar para amigos e aliados, será certamente um deles, ou seja, qualquer amigo dos cristãos torna-se um infiel.
De acordo com o clássico e abalizado exegeta (os que sabem tudo!) al-Tabari, Alcorão 5:51, significa que o muçulmano aliado com não-muçulmanos aceita-os contra os crentes, assim ele mesmo passa a ser um membro de sua fé e comunidade, um infiel. "Combatei-os até terminar a perseguição e prevalecer a religião de Alá. Porém, se desistirem, não haverá mais hostilidades, senão contra os preversos." Alcorão, Surata 2,193.
A loucura atinge pontos estratoesféricos, ultrapassando o ridículo, não podendo comparar-se ao mais louco dos loucos que os psiquiatras conheçam: os talibãs, por entenderem que uma estátua de Buda, com 2.000 anos infringia a lei corânica, explodiram-na! O Grande Mufti da Arábia, Abdul Aziz Al ash-Sheikh, (O Grand Mufti da Arábia Saudita é o mais importante e o mais influente muçulmano religioso sunita e a suprema autoridade jurídica na Arábia Saudita. O titular da posição é nomeado pelo rei. O Grande Mufti é o chefe do Comité permanente de investigação islâmica e quem emite pareceres jurídicos.) já declarou que é “necessário destruir todas as igrejas” que ainda existam na Arábia Saudita (parece que já não há nem uma!) o que a midia do mundo ocidental – teoricamente cristão – ignorou.
Depois que Muhamad Morsi foi eleito líder dos Irmãos Muçulmanos no Egipto (e já caíu!) foi crescente a quantidade de clérigos muçulmanos a clamarem pela destruição das pirâmides!* Parece piada, mas não é. Entretanto os salafistas têm-se entretido a destruir massivamente artefactos do antigo Egipto para purgar o Egipto da idolatria.
Tá tudo louco, pior está tudo acobardado face à bestialidade dos extremistas, como o palhaço Goodluck que se intitule presidenta da Nigéria e tem medo de visitar a região sob o controle de outro mais louco, a seita do Boko Haram, que tem morto quantos e quando quer, e só agora, depois da comunidade internacional ter gritado (tarde, aliás) é que uns poucos se mobilizam para lhe ir em cima!
Terror! Uma palavra que enxovalhou a França, a Alemanha de Hitler, o Camboja de Pol Pott, Castela de Torquemada, e dezenas de outros – Sudão, Biafra, Kénia, Ruanda, etc. – e agora o mundo se borra de medo com o avanço do Islão insano, cujo maior mal está fazendo a si próprio desacreditando aqueles que, de boa fé, aceitaram a palavra do Profeta.
Loucura.
Que continuará enquanto o Bezerro de Ouro tapar a consciência dos mais insanos!
O que é difícil, quando não, impossível.
Uma das maiores desgraças dos homens de bem é serem cobardes (Voltaire).
18/05/2014
Francisco Gomes de Amorim
* New York Times, July ,23 2012;Huffington Post, July 17. 2012
... REVELAM O RESSURGIR DOS NACIONALISMOS EUROPEUS
Fobias de extremos de Direita e de Esquerda como estabilizadores do Sistema
Tudo fala do problema das novas forças de direita e esquerda que irão desestabilizar a União Europeia (UE) quando grande parte dos problemas virá do eixo Alemanha-França. A verdadeira ameaça da UE encontra-se nos problemas não resolvidos entre Alemanha, França e Inglaterra e na debilidade de países do sul.
Os egoísmos nacionais manifestam-se no rejuvenescer do nacionalismo que uma opinião pública controlada tenta vender como catástrofe de extremismos de Direita ou de Esquerda. Até às eleições a opinião pública via o risco da UE nos países de economia fraca; agora querem-no ver nas forças anti UE de esquerda e de direita. O que vem à tona é a desestabilização de uma Europa com a crescente fragmentação partidária e consequente insegurança dos tradicionais partidos do poder que se têm de orientar de novo para se manterem no poder. A sua má política provocou o descontentamento geral e manifestou-se nos eleitores contestadores.
Seria natural que o fenómeno do nacionalismo acontecesse no sul, em países com forte crise económica. Mas o maior indicador do problema europeu revela-se no facto de o nacionalismo se acentuar mais ainda nos países de economias fortes. O nacionalismo cresce nos países de economia fraca (Portugal honrosa excepção) porque se vêm expostos à exploração internacional e também aumenta nos países fortes porque as populações querem manter o seu alto nível de vida jogando à defesa e à custa dos mais fracos.
As eleições francesas questionam o eixo da UE: Alemanha-França
O Problema da UE é de cabeça e estômago. Se tivermos em conta o liberalismo económico adoptado pela UE na sequência da ideologia globalista, a Alemanha adaptou a sua política ao globalismo enquanto a política francesa, embora seja a segunda economia da Europa, não se adaptou às novas leis que determinam o mercado.
Na Alemanha o mercado e a política afirmam-se como dois parceiros em pé de igualdade, na França a política é mais dirigista reservando para ela o poder de dominar o mercado e a produção. A dicotomia que se observa na França entre economia e política repete-se entre política e sindicatos; a política tem medo dos sindicatos, não reagindo adequadamente à economia globalista. Daí a grande crise económica e estrutural da França.
Na França como nos países do sul continua a acreditar-se na independência e no poder todo-poderoso da política esquecendo que se esta não for bem controlada, as forças económicas facilmente compram os políticos passando a viver descansadamente com políticos e sem o incómodo de terem de estar atentos a políticas económicas nacionais.
A Alemanha é o melhor exemplo dos piores defeitos e das melhores virtudes de governação
O historiador Ralf Jaksch, afirma no HNA que a economia francesa é marcadamente mercantilista e como tal precisa da legitimação política o que a torna mais constante mas a incapacita de reagir tão atempadamente às forças do mercado. A economia francesa é uma influência duradoura mercantilista.
A política e os sindicatos alemães, mais flexíveis à competição económica, prepararam-se para a batalha da globalização, já nos finais dos anos 90, princípios de 2000; neste sentido uniu-se governo, oposição, sindicatos e patronato para organizarem compromissos a nível nacional para fazerem as necessárias reformas relativas ao mercado de trabalho e poderem manter-se na primeira liga da exportação. Deste modo, a Alemanha reagiu como povo e não só os grupos de interesse dentro dela, como acontece principalmente nas nações do sul. Assim a Alemanha tornou-se ainda mais competitiva e com produtos tecnológicos de maior qualidade, podendo assim manter preços estáveis de exportação porque não tem a concorrência de outros países, a esse nível. Devido a esta política alemã os seus custos unitários de trabalho só subiram 10% enquanto na França subiram 30%. Isto é muito relevante em termos de preços competitivos de exportação. A mercadoria mercantilista francesa não se adaptou à política económica liberal determinada pela UE e por isso o eleitorado castiga os partidos estabelecidos de maneira catastrófica. A França do Euro não pode recorrer à desvalorização da moeda como fazia antes com o Franco para regular a concorrência no mercado dos produtos. Mais ainda, um euro forte torna-se, num impedimento para economias europeias mais fracas que se encontram mais expostas à concorrência de mercados e produtos de fora da Europa. A arma da capacidade de concorrência através da desvalorização da moeda só poderia ser compensada com a desvalorização do euro o que implicaria uma guerra mais declarada entre as economias fortes e menos à custa das economias menos concorrentes. A guerra que antigamente se dava nos campos de batalha acontece agora nos bancos centrais e nas bolsas.
Os defensores da globalização apresentam como meio de solução, para os problemas económicos da França e dos países do Sul, a flexibilidade do mercado de trabalho e a diminuição das cobranças e dos encargos das empresas. Isto implicaria menos dinheiro na bolsa do trabalhador e do que vive da assistência social. Esta estratégia apenas empurra os custos da concorrência estrangeira para as camadas sociais mais carenciadas e transpõe a guerra dos preços dos produtos, entre as empresas fortes, para a concorrência entre as camadas carentes das nações fora da Europa e as da Europa.
As Eleições para o PE da UE ainda vão fazer correr muita tinta.
Foi a propósito do caso de Maria de Lurdes Rodrigues, chamada a Tribunal para justificar a “contratação de João Pedroso, irmão do ex-ministro socialista Paulo Pedroso para determinada equipa de trabalho, sem concurso público.” Achei que estavam a ser muito exigentes, pois, se bem me lembrava, os concursos públicos tinham deixado de existir, desde os idos de 75 ou 76, o meu marido tinha sido um dos que entrou na C.G.D. em 75, em avalanche de concorrentes e pouco mais se ouvira falar de concursos públicos, que deram lugar a escolhas por entrevistas e outros processos, como este de que se servira Maria de Lurdes Rodrigues, que escolhera pessoas da sua cor política, como todos fazem, afinal, neste nosso mundo de solidariedade e amizade. Lembrei mesmo o concurso que fizera meu pai, para Fiel de Armazém, tinha eu os meus catorze anos ou quinze, e recordo-o a fixar nomes ou a expender noções, logo pela manhã, de um lado para o outro, na varanda da nossa casa, depois de ter regado as sardinheiras, hábitos de um viver tranquilo mas consciente nas ambições e responsabilidades. E a minha mãe podia repetir com orgulho, que o meu pai ficara em primeiro lugar, com 14,3 valores, num concurso em que entrara um concorrente com um curso superior, que ficara em segundo lugar. Quase trinta anos depois, foi a vez do meu marido, cá, quando o Estado Português abriu janelas aos retornados – depois de lhes ter fechado as portas – onde alcançou o 152º lugar entre mais de 20.000 concorrentes. Outros concursos públicos haveria, mas tão raros são, que justificam outros critérios para obter colaboradores na máquina estatal, em que tudo se faz de esconso, como tantas vezes se tem apontado, neste nosso país da Injustiça.
E foi então que recordei o “Laboratório” que o rico Carlos da Maia decidira instalar em Lisboa, onde pensava executar um papel útil como cidadão de uma pátria necessitando gente de trabalho e perseverança. Mas Carlos da Maia era um homem rico que vivia de rendimentos, não precisava de trabalhar, o mestre-de-obras do laboratório que ele contava instalar tinha sonhos políticos, os homens contratados para erguer o laboratório faziam-no nos vagares de uma costumeira inércia, ao sabor langoroso do fado, o laboratório estava condenado à partida:
Entrava-se por um grande pátio, onde uma bela sombra cobria um poço, e uma trepadeira se mirrava nos ganchos de ferro que prendiam ao muro. Carlos já decidira transformar aquele espaço em fresco jardinete inglês, e a porta do casarão encantava-o, o ogival e nobre, resto de fachada de ermida, fazendo um acesso venerável para o seu santuário de ciência. Mas dentro os trabalhos arrastavam-se sem fim; sempre um vago martelar preguiçoso numa poeira alvadia; sempre as mesmas coifas de ferramentas jazendo nas mesmas camadas de aparas! Um carpinteiro esgrouviado e triste parecia estar ali desde séculos, aplainando uma tábua eterna com uma fadiga langorosa; e no telhado os trabalhadores, que andavam alargando a clarabóia, não cessavam de assobiar, no Sol de Inverno, alguma lamúria de fado.
Carlos queixava-se ao Sr. Vicente, o mestre-de-obras, que lhe asseverava invariavelmente “como daí a dois dias havia de Sua Excelência ver a diferença”. Era um homem de meia-idade, risonho, de falar doce, muito barbeado, muito lavado, que morava ao pé do Ramalhete e tinha no bairro fama de republicano. Carlos, por simpatia, como vizinho, apertava-lhe sempre a mão: e o Sr. Vicente, considerando-o por isso um “avançado”, um democrata, confiava-lhe as suas esperanças. O que ele desejava primeiro que tudo era um 93, como em França…
- O quê, sangue? – dizia Carlos, olhando a fresca, honrada e roliça face do demagogo.
- Não senhor, um navio, um simples navio…
- Um navio?
-Sim, senhor, um navio fretado à custa da nação, em que se mandasse pela barra fora o rei, a família real, a “cambada” dos ministros, dos políticos, dos deputados, dos intrigantes, etc. e etc.
Carlos sorria, às vezes argumentava com ele.
-Mas está o Sr. Vicente bem certo que apenas a “cambada”, como tão exactamente diz, desaparecesse pela barra fora, ficavam resolvidas todas as coisas e tudo atolado em felicidade?
Não o sr. Vicente não era tão “burro” que assim pensasse. Mas suprimida a cambada, não via sua Excelência? Ficava o país desatravancado; e podiam então começar a governar os homens de saber e de progresso…
- Sabe Vossa Excelência qual é o nosso mal? Não é má vontade dessa gente; é muita soma de ignorância. Não sabem. Não sabem nada. Eles não são maus, mas são umas cavalgaduras..
-Bem, então essas obras, amigo Vicente – dizia-lhe Carlos, tirando o relógio e despedindo-se dele com um valente shake-hands – veja se me andam. Não lho peço como proprietário, é como correligionário.
- Daqui a dois dias há-de Vossa Excelência ver a diferença – respondia o mestre-de-obras, desbarretando-se. («OS MAIAS», Eça de Queirós)
O «Laboratório” estava condenado à partida. Só não o está o “laboratório” dos partidos concorrenciais ao PE, para efeitos de um lugar ao sol europeu, vergonhosa demonstração da nossa penúria, não susceptível de correcção, mas a merecer cacete. Uma vez mais, é Vasco Pulido Valente que, no Público de 23 de Maio, o descreve em “Exibicionistas”:
«Exibicionistas»
Percebo quase toda gente nesta próxima eleição: os candidatos dos cinco grandes partidos, que aspiram a passar umas férias na “Europa”, sem responsabilidades, nem trabalho; o cidadão comum que por motivos misteriosos vai votar e o que não vai votar; e até o voluntário que faz de povo para os candidatos não andarem sozinhos por essas ruas.
Mas não percebo as criaturas que inventaram um partido ou se penduraram num partido desconhecido, pelo prazer de comunicar à pátria uma qualquer absurda maneira de a salvar. A sua própria presença prova que não sabem o que é uma sociedade e o que é a política. Ideias não têm. Fica a obrigação de se levantarem cedo, apertar a mão a pseudo populares e beberem café ou comerem petiscos por esse desgraçado país de Deus.
Nenhum deles parece compreender que um partido é uma necessidade profunda de uma determinada época histórica e que não se inventa porque o sr. Presidente da República resolveu escolher uma data particular para eleições: no caso, o dia 25 de Maio de 2014. Houve liberais como houve miguelistas, porque um lado e outro defendiam uma versão incompatível de organizar Portugal, que ia desde o regime da propriedade, à posição da Igreja e aos direitos do indivíduo. E houve depois progressistas e regeneradores, porque os progressistas queriam um poder mais forte e firme do que a Carta Constitucional lhes dava ou que os regeneradores se dispunham a partilhar. E houve um único verdadeiro partido na República, o Partido Democrático de Afonso Costa, porque nenhum dos que apareceram a seguir tinha força para sustentar o regime.
Umslogancomo “justiça” ou “unidade de esquerda” ou, mais correntemente, “renegociar a dívida” não chega para pedir, ou esperar, o voto do próximo. O próximo, por muito estúpido que o julgue, ouve estas coisas como quem ouve um curandeiro de má nota e nem por um momento o leva a sério. Por delicadeza, fala com ele, mas, no fundo, pensa que se trata de um extravagante, com meia dúzia de panfletos na mão e uma câmara de televisão atrás, inútil para resolver o mais pequeno problema da sua vida e com pouca vergonha de se exibir em público. Fora o raro caso de uma ambição perversa, o exibicionismo é, de resto, a força principal que empurra para o país dúzias de obscuros portugueses à procura de uma imagem ou de umsoundbyte. Tal qual como quem entra num concurso de televisão: com esforço e com despesa, para ser vexado.
As críticas são muitas, contraditórias, mas sempre concordes na severa censura: a Europa corre mal. Todos vivemos na Europa e da Europa, e muito do que somos e temos dela recebemos. Apesar disso, a gratidão é pouca e é grave o que lhe reprovamos.
Os socialistas consideram-na capitalista e os liberais, dirigista.
Cada oposto vê-a do lado oposto.
Os membros do Sul acusam-na de injustiça e opressão e os do Norte de esbanjadora e parasita.
Os americanos desprezam-na como decadente e preguiçosa, os africanos acham-na colonialista e pedante.
No concerto das nações surge como caduca, enfatuada, sempre em discussão consigo e perdida em ideais.
Todas as críticas são verdadeiras e justas.
A consequência é que, dentro ou fora, a Europa não tem defensores ou partidários, quanto mais amigos. Pior, os próprios cidadãos realmente ignoram-na.
Nas eleições de Domingo, manifestação suprema do espírito europeu, a esmagadora maioria dos eleitores vai simplesmente abster-se por puro desinteresse. Os poucos que a tomam a sério irão votar, não com a cabeça, nem sequer com o coração, mas com as tripas. Por isso o Parlamento Europeu, órgão já com poderes consideráveis que realmente afectam fortemente a nossa vida, tem, face aos parlamentos nacionais, uma percentagem elevadíssima de extremistas, idealistas ou patetas. Essa é uma das razões para as críticas referidas que os comentadores nunca atribuem ao próprio descuido mas assacam aos governantes sem notar que a escolha deles é nossa.
O mais surpreendente é que a generalidade dos observadores não considere a extraordinária realidade da União Europeia, projecto único nos anais da humanidade que há mais de 60 anos tenta e avança num desígnio histórico incomparável.
Que países vizinhos, inimigos seculares, chacinando-se em permanentes conflitos se unam num magno esforço de partilha de soberania, é uma ideia que desafia toda a lógica social e política. Que esse projecto tão ambicioso tenha gerado uma prosperidade, liberdade e progresso dos mais elevados de sempre, recuperando rapidamente do maior dos desastres bélicos, ainda mais o distingue. A maior coroa de glória é que, além disso, os seus membros não tenham medo de abrir a experiência a outros, passando, dos seis iniciais, para os actuais 28. E que o façam confiando plenos direitos aos recém-chegados, sem privilégios para os fundadores. Poucas organizações humanas alguma vez tentaram reger-se por princípios tão dignos e magníficos. Tudo isto está simplesmente omisso na maior parte das discussões sobre a União.
A única hipótese de compreender a grandeza do projecto europeu, além das liturgias oficiais comunitárias a que ninguém dá atenção fora dos círculos diplomáticos, está na involuntária homenagem que os países externos lhe prestam.
A verdade é que a grande maioria dos vizinhos gostaria de aderir e os países longínquos pretendem copiar.
O mundo está cheio de multilateralismos, cooperações internacionais, comunidades de Estados e organizações intergovernamentais. A tentativa de imitação é, em si mesma, um tributo inconsciente. Mas as enormes dificuldades que essas outras experiências têm sofrido revelam em contraluz o espantoso sucesso europeu. A União é, apesar dos seus inúmeros defeitos, o único verdadeiro sucesso de cedência e partilha de soberania e colaboração profunda entre Estados independentes. A Europa das últimas décadas, qualquer que seja o ponto de vista, constitui realmente um enorme êxito político, económico e social. Claro que tem todos os defeitos das suas virtudes e, como todas as realizações humanas, incontáveis falhas, zangas, enganos e misérias.
O projecto tem estado, desde o seu início, sempre à beira do colapso e as crises definitivas foram bastantes mais do que as décadas que já conseguiu acumular.
Mas é precisamente no número inesperado dessas décadas que surge o seu principal título de honra. A Europa é, e não era suposto ser. E é apenas por ser que se pode dizer mal dela.