Nasceu em Calatayu Juanita , assim se chama sabe dança de salão Latino-Americana; usa saia de balão é carocha e é Mexicana e até diz que ainda é prima da tal Chiquita Bacana.
Tem pele e luzidia e um andar rebolado Juanita la Cucaracha ensina sapateado.
E ensina também, à hora toda a dança Afro-Cubana diz-se boa professora é carocha e é Mexicana!...
Os festejos do 25 de Abril, tal como o Carnaval carioca, começam cada vez mais cedo. Mas este ano passa o quadragésimo aniversário do evento que a todos democratizou e cá estamos nós a agarrá-lo mais à Grândola, e a pedir pão e paz e a repisar naqueles dados da liberdade, incluindo nesses os que se orgulham de terem zarpado lá da guerra do Ultramar que o tonto do Salazar persistia em proteger, antes de cair da tripeça, coisa que a todos sucede algum dia, mesmo sem a tomada de consciência autocrítica do Clamence do Camus no romance “A Queda”. Houve até alguém lá do Governo, creio que uma mulher, que quis fazer as festas com os dinheiros dos ricos, atida ao slogan “os ricos que paguem a crise”, prova de que a gradual tomada de consciência entre nós não tem cabimento, o que queremos todos é borga, e todos os anos chupamos com as mesmas explosões esganiçadas, sobretudo quando atiram cá para fora as vozes desencontradas dos populares exibindo a sua Grândola.
Ninguém melhor do que Vasco Pulido Valente para uma síntese de mestria do carnaval em que temos vivido, há quarenta anos, muitos já esquecidos da Grândola, virados de preferência para a “safra do apanhar”, depois de esborratarem as normas do equilíbrio e da Justiça que, mal ou bem, se ia protegendo no anteriormente, sem tanto desespero, e sobretudo sem a desesperança que é apanágio hoje de uma juventude sem perspectivas de vida decente.
O desespero escorre das nossas almas, no terror do mundo que destruímos para os nossos filhos. E o mundo dos povos que trabalham e constroem também não é melhor, com as consequências ruinosas do progresso sobre o espaço terreal em que nos movemos. Cabem nestas lucubrações uns versinhos que me foram pedidos (pela Chiado Editora) sobre o tema “Entre o sono e o sonho”, a que respondi com o rigor da angústia de um medo sem disfarces decorativos:
Buscando… nada
Visão a ferro e fogo escandecida,
Visão de inferno, de temor, de inquietação,
É esta Terra a deslizar, perdida,
A despenhar-se num espaço sem travão.
Dificilmente o sonho é de magia,
O que se constrói redunda em perdição,
Cada invento comporta dor e alegria,
Num progresso que atrai destruição.
Sonhar não é mais felicidade
Neste universo de irrealidade
Aquele que vivemos cada dia.
O amanhã não se nos afigura belo
A esperança no futuro é bem sombria
O sono diário, puro pesadelo.
Mas Vasco Pulido Valente também não é de truques nem disfarces como comentarista idóneo de um mundo que criámos, na futilidade de ideais de democracia e liberdade sem o necessário espelho da autocrítica, por carência de dados de seriedade e de ponderação:
As raposas não guardam o galinheiro,por Vasco Pulido Valente,Público de29/03/2014
Os relatórios do INE sobre a pobreza e o crescimento da economia serviram, como sempre, para uma pequena balbúrdia política, sem lógica, nem consequência, e que desde o princípio os partidos transformaram numa reles campanha eleitoral.
Mas nenhuma das personagens que se envolveu nessa querela se esqueceu de manifestar o seu amor à democracia ou a sua inquietação pela sobrevivência da democracia, mesmo os que nasceram depois da Ditadura ou os que a viveram sem se incomodar. Por mim, já era adulto no “25 de Abril” e a libertação de 74 chegou a tempo para me salvar de uma inevitável mutilação pessoal e profissional.
Infelizmente, as coisas começaram mal. O PREC mostrou outro Portugal, que ninguém conhecia e que não se limitou a ser uma simples desordem política, foi também o sintoma de uma profunda corrupção intelectual e moral.
O Portugal equilibrado e estável, com alguma liberdade e alguma justiça, que a maioria dos portugueses nunca deixara de esperar, inaugurou o período constitucional com governos de ocasião e com uma irresponsabilidade que não merece comentário. Em parte a tutela militar e em parte a incompetência impediram que se fizessem as reformas que o país pedia. Excepto pelo Serviço Nacional de Saúde, ainda incipiente, continuámos no deserto com duas crises financeiras pelo meio. A entrada para a CEE e duas revisões constitucionais trouxeram uma nova esperança, que o dr. Cavaco durante um tempo encarnou: uma falsa esperança. Cavaco conservou os velhos vícios da sociedade portuguesa, contribuiu decisivamente para a emergência do Estado “monstruoso”, de que mais tarde se viria a queixar, e desapareceu de cena deixando Portugal tão desorganizado e frágil como o encontrara.
Não vale a pena falar do longo consulado socialista, que no fundo só se aplicou a levantar expectativas, que não podia – e sabia que não podia – satisfazer. Entretanto, a corrupção aumentava, e os partidos pouco a pouco acabavam por se tornar nas seitas facciosas que se ocupavam quase exclusivamente em espalhar a intriga interna e a confusão externa. A tragédia em que estamos não é para eles mais do que uma oportunidade para se atacarem e contra-atacarem com argumentos primários, repetidos à saciedade, como se os sofrimentos do país não fossem mais do que munições para uma guerra privada que ninguém percebe. As personagens da República, que em público se angustiam com o futuro da democracia, precisavam de olhar longamente para elas próprias, porque são elas o maior agente da dissolução de uma vida política limpa, dura e séria. As raposas não guardam o galinheiro.
Será que já não há ratos em Portugal? Ou será que estão tão gordos que já nem parecem ratos?
Os contactos entre portugueses e japoneses ao longo dos séculos apresentam dos aspectos mais coloridos nas histórias das duas nações.
É verdade que houve longos períodos em branco, de ignorância mútua. Mas também existiram períodos a verde, cheios de esperanças e expectativas.
Viveram-se épocas douradas e cor-de-rosa, de comércio e cultura. Sofreram-se episódios tingidos a vermelho, de escaramuças armadas e martírios. E passaram-se ocorrências negras. Ou roxas, se o roxo for a cor da vergonha.
Em 1903, Murakami Naojiro (1868-1966) descobriu no Lyceu Passos Manuel, em Lisboa, uma Doctrina Christan. Este livro, raríssimo, tinha sido impresso em Amakusa em 1592. Culturalmente era um volume valiosíssimo: era a primeira tradução existente de uma obra numa língua europeia para o japonês, um dos primeiros livros escritos em japonês com letras latinas e também um dos primeiros a ser impresso, no Japão, com tipos móveis. Este volume tinha sido oferecido por Alessandro Valignano (1539-1606), um dos responsáveis pela missão jesuíta no Extremo Oriente, a D. Theotónio de Bragança (1530-1602), que por sua vez o tinha doado a um convento de cartuxos. Os bons frades zelaram pela sua integridade durante dois séculos. O eles não saberem japonês terá contribuído para o seu parco uso e boa conservação. A seguir à revolução liberal, no séc. XIX, o Estado expropriou-lhes tudo o que tinham e palmou-lhes o livro, que passou para o Lyceu Nacional, criado por decreto do ministro Passos Manuel (1801-1862) em 1836.
Alertado pela descoberta de Murakami, Jordão de Freitas (1866-1950) inspeccionou a obra uns tempos depois. Em 1910 o Lyceu foi transferido para as belas e imponentes instalações actuais, e inaugurado com muita pompa e circunstância a 9 de Janeiro de 1911. Não era caso para menos, atendendo a ser a primeira grande obra pública feita pelo novo regime. Quando, passados alguns meses, Freitas visita as novas instalações e pede para ver o livro, foi-lhe laconicamente dito por um funcionário cinzento: "Já não o temos, os ratos comeram-no."
Esta Doctrina Christan reapareceu em 1913, no catálogo de um livreiro madrileno. Foi vendida a um americano anónimo e, em 1915, é oferecida para venda no catálogo de Martinus Nijhoff, famoso livreiro na Haia. Em 1917 foi comprada pelo barão Iwasaki Hisaya (1865-1955), um magnata ligado ao grupo Mitsubishi, que o passou ao Toyo Bunko, uma biblioteca, por ele fundada, em Tóquio – onde ainda hoje se encontra, em bom estado de conservação.
Será que já não há ratos em Portugal? Ou será que estão tão gordos que já nem parecem ratos?
“Ao longo de muitos anos – a última vez no “Público” de 5-2-2014 (“A Ciência como investimento”) - tenho chamado a atenção, com os escassos elementos de que dispomos, para o fabuloso investimento que é o dinheiro “gasto” em investigação agronómica. Quando trabalhei em Elvas, como Chefe do Laboratório de Citogenética da Estação de Melhoramento de Plantas, propus, num Colóquio e num escrito entregue ao Director e ao Subsecretário de Estado da Agricultura, a criação dum pequeno Gabinete de Estudos Económicos. A sua função seria medir, ano a ano, o que a agricultura e, portanto, a economia, tinham ganho a mais com o cultivo das variedades de cereais e forragens criadas na Estação.
Nada se concretizou. Mas em 1967, nas comemorações do 25º aniversário da Estação, o Secretário de Estado da Agricultura declarou que, por escassas dezenas de milhar de contos despendidos ao longo desses 25 anos, a lavoura tinha colhido, a mais, um valor estimado em um milhão de contos.
Há mais de 15 anos, um cientista do Instituto Internacional de Investigação do Arroz (IRRI, das iniciais em inglês), nas Filipinas, fez na Estação Agronómica Nacional uma conferência sobre os trabalhos realizados na sua instituição. No final, e depois de algumas perguntas de carácter técnico, perguntei-lhe qual era o orçamento anual do Instituto. A resposta foi “35 milhões de dólares”. Perguntei-lhe, então, se tinha informação sobre o aumento de ganhos, para os agricultores, como consequência do trabalho ali realizado. Respondeu-me que não tinham números exactos mas que era certamente de vários biliões (que aqui chamam “milhares de milhões”).
É bem evidente que o dinheiro investido em investigação agronómica rende juros absolutamente fabulosos. Juros que os nossos economistas não sabem que existem e por isso têm sistematicamente destruído quase tudo o que havia e era menos do que o país necessitava. A não ser que o tenham feito deliberadamente, para destruir Portugal.
Publicado no "Linhas de Elvas" de 27 de Março de 2014
Nunca me adaptei ao status que em Coimbra impunha o uso da capa preta sobre o tailleur preto das raparigas, ou sobre a batina dos rapazes, já por indiferença pelo trajar, já por ser rebarbativa a uma convenção que distinguia as formações superiores pelo aparato do vestuário implicativo de distinção interpelativa irrisória entre o doutor e o leigo, já por achar que uma capa seria um estorvo a transportar. Aceitava, todavia, de boamente e até com a ternura admirativa das populações provincianas, o espectáculo de uma Coimbra trajada de festiva capa sombria, que, aliás, também eu própria usava para as fotografias. Emprestada.
Como pessoa pouco propensa a alienações, passei por Coimbra sentindo-lhe o encanto que eu própria fui construindo para mim, nas amizades, na admiração pelas suas belezas naturais e de fabricação humana, no mundo de liberdade de algumas opções de estudo inusitadas – como o hebraico – e sobretudo nas bibliotecas, especialmente a do Instituto Francês da Faculdade de Letras, a par da formação que aí fui adquirindo. As praxes passaram-me ao lado, naturalmente discordando delas, porque sempre as vi como formas de humilhação inútil e idiota, embora as veja definidas hoje, nos meios mediáticos, pelos saudosistas, como escola de solidariedade para adaptação a uma nova forma de vivência para os iniciados, longe das suas famílias, os pobrezinhos.
O artigo do advogado Domingos Lopes, saído no Público em 9/3, «Que fazer a esta praxe?», revela bem a preocupação por um fenómeno social, que tendo ultrapassado as fronteiras da velha cidade das tricanas, alastrou por outras onde as universidades foram surgindo, na onda de uma prosperidade de empréstimo, mas duma forma tão pouco comedida de violência e libertinagem que acabou descambando em sevícias do foro criminal. É assustador, e Domingos Lopes revela a sua preocupação, a par de uma análise bem expressiva do fenómeno nacional, que a nossa saloiice democrática não se atreve a dissolver, na mesma linha de inferioridade que não se dispõe a lançar um Acordo Ortográfico às urtigas:
Não deixa de ser curioso constatar que a cidade onde a praxe nasceu e se desenvolveu, Coimbra, à sombra da vetusta Universidade, tenha sido a cidade a dar-lhe uma machadada tão grande que a fez desaparecer em 1969 com o desencadear da crise académica que levou os estudantes a fazerem greve às aulas e aos exames. Ironia das ironias: foi já no período da revolução de Abril que a praxe ressuscitou em Coimbra.
Nos anos sessenta o Conselho das Republicas utilizava a praxe para se movimentar melhor na luta por eleições livres na AAC e pelos direitos essenciais que a ditadura negava, reprimindo-os.
Diga-se para mostrar as contradições dos tempos que os estudantes e os dirigentes estudantis de Lisboa, com um certo preconceito, não encaravam bem o uso da capa e batina pelos colegas de Coimbra, sobretudo em reuniões do movimento associativo. Olhavam a capa e a batina como símbolo de um certo provincianismo.
Porém, quer no processo eleitoral para AAC em 1968, dominada pela Comissão Administrativa imposta pelo governo, quer na crise de 1969 a capa valia como um símbolo de união contra a ditadura. Quem não se lembra das capas e batinas na final da Taça de Portugal entre a Académica e o Benfica?
A vida, porém, prega partidas mesmo aos mais afoitos nos fenómenos de perscrutar o futuro.
Por Lisboa entre as nossas ruas e avenidas há uns anos bons que todos começámos a dar conta da existência de um movimento de capas e batinas que crescia como cogumelos.
E à medida que crescia víamo-lo arregimentado estudantes, caloiros, em atitudes e comportamentos absolutamente degradantes.
Junto aos semáforos, em torno da cidade Universitária os “veterano” e os que não eram caloiros como que tinham adquirido um “direito de punição” sobre os caloiros que constituía uma afronta grosseira aos direitos de qualquer cidadão.
Esta praxe renascida com uma viragem civilizacional para o individualismo e a feroz concorrência mundial é uma amostra da alienação tarada que varre hoje uma parte da juventude, em que a praxe se confunde com violência extrema.
A praxe ressuscitou em Coimbra e noutras cidades sob a forma de uma cópia grosseira do passado com maiores ou menores abencerragens.
Pode hoje dizer-se perante o sucedido no Meco que a Academia de Lisboa e os estudantes são falados sobretudo devido a essas mortes que a todos chocaram.
Que ouvimos sobre a Reforma do Ensino? Nada! Que ouvimos sobre a emigração da juventude, incluindo a licenciada? Nada! Que ouvimos sobre atividades culturais? Nada! Que ouvimos sobre os destinos dos pais? Nada!
Circulam vídeos com rituais de praxe que são, para além de violência gratuita, absolutamente estupidificantes, sem o menor sinal de uma identidade de liberdade e responsabilidade juvenil.
Um certo provincianismo Coimbrão, tão a gosto dos Cerejeiras, Bissaias Barretos e Salazar, deu origem a uma encarnação de capas e batinas daquela cidade do centro para a capital do país.
Os sinais desta praxe de violências são múltiplos. Uns mais violentos que outros.
Mas todos eles assentam na humilhação brutal por parte de uns tantos sobre os res nulius, os caloiros, que são de quem os apanhar, como era a caça depois da Revolução francesa.
Claro que os que hoje são humilhados muito provavelmente amanhã humilharão.
O Código Penal bastaria se não houvesse o pavor de enfrentar o poder académico de que está por detrás da praxe e que é uma verdadeira alienação.
O que os diversos responsáveis têm de fazer é criar todas as condições para que os estudantes do primeiro ano, os caloiros, possam ser livres e rejeitar o que quiserem rejeitar sem medo de represálias.
Alguém disponível para violentar alguém é sempre um ser humano que contém dentro de si um lado monstruoso. Esse lado da praxe pode levar ao seu fim.