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A bem da Nação

PORTUGAL É AINDA SÍMBOLO DE ACESSO AO MAR NAS FLORES, INDONÉSIA

 

 

Portugal ainda é um símbolo de acesso ao mar nalgumas comunidades piscatórias da ilha das Flores, Indonésia, com portos ancestrais construídos por portugueses e outros agora reconstruídos com o apoio da cooperação internacional de Lisboa.

 

Em 2007, "o apoio português para construir o cais ajudou-os muito. Antes, só podíamos ir directamente para o mar a partir da praia e era muito difícil”, diz Paulus Kedang, cujo barco transporta diariamente “entre 100 a 250” pessoas.

 

Em Larantuca, o Estado português financiou, em 2007, à recuperação dos equipamentos portuários, atingidos nalguns casos pelo maremoto de 2004, um símbolo positivo da cooperação portuguesa que deverá ser agora de novo discutido pelas autoridades dos dois países no encontro de segunda-feira entre os ministros do Negócios Estrangeiros, Rui Machete e Marty Natalegawa.

 

 

Na regência das Flores Oriental, foram gastos 235 mil euros na construção do cais em Tanah Merah, na ilha de Adonara, inaugurado em 2009, e na extensão do cais existente em Lohayong, na ilha de Solor, uma obra finalizada em 2010.

 

No leste da ilha, na província de Sica, as obras em dois cais (Sica e Waturia) são menos consensuais, devido à sua má concepção e falta de qualidade.

 

Na aldeia de Sica, cujo turismo assenta sobretudo na herança portuguesa ali deixada, em especial pelos missionários católicos, são visíveis vários barcos estacionados junto à praia, ao lado dos destroços daquilo que foi o cais inaugurado em 2008.

 

O cais nunca teve utilidade, porque “antes de o utilizarem, já estava partido”, refere Gregorius Tamela Carvallo, habitante da aldeia de Sica, onde cerca de metade da população vive da pesca tradicional.

 

“Depois de o construírem, tornou-se numa área perigosa, porque fizeram-no muito perto” da costa, disse o aldeão que lamenta a opção do antigo Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento (actual Instituto Camões) de dar o apoio às autoridades locais em vez de implantar o projecto através de uma ONG.

 

“Eles apoiaram o governo local a nível económico, mas estes mudaram o dinheiro para a mão deles, porque é melhor proteger as suas casas do que fazer a obra” em condições, acusa, por sua vez, Daeng Colli, que vende peixe junto à estrada principal de Waturia.

 

Rudy Salam, pescador e líder da comunidade de Waturia, recorda uma reunião onde foi decidido que o cais deveria ficar a 200 metros da praia e lamenta que no final o mesmo tenho sido construído a apenas 36 metros, o que faz com que as ondas sejam maiores e dificulte a chegada dos barcos.

 

A força das ondas ao chocar com o cais provocou não só a destruição de parte da obra, inaugurada em 2010, mas também danos em cinco casas.

 

Por isso, entretanto, a comunidade decidiu destinar fundos para comprar barcos de pesca que recebeu do governo indonésio para construir uma barreira de pedras que facilita a atracagem dos barcos e protege as casas.

 

O regente de Sica, Yoseph Ansar Rera, que representa o poder central, também reconhece que “as condições não são boas” e promete reconstruir o cais, embora sem avançar uma data para tal.

 

Mas em Larantuca, a satisfação é evidente. O barco de Paulus Kedang viaja da aldeia de Palo, em Larantuca, até a Tanah Merah “mais de sete vezes” por dia, sendo que antes da construção do cais apenas fazia duas a três viagens diárias devido às dificuldades de acostagem.

 

Para Nurdin Syukur, proprietário de um barco com dois andares que faz a viagem entre o porto de Larantuca e o cais de Lohayong, na ilha de Solor, transportando cerca de 100 pessoas em duas viagens diárias, a extensão do cais foi positiva, “porque antes era muito difícil para as pessoas entrarem no barco”.

 

“O cais realmente ajudou muito o povo local”, disse à Lusa o líder da aldeia muçulmana de Loyahong, Abdullah Imran. O projecto trouxe ainda melhorias no “sector económico”, dado que várias “actividades diárias começam no cais”.

 

No entanto, o responsável da aldeia lamenta que o cais não tenha mais um metro de altura dado que o nível do mar por vezes dificulta a entrada e a saída dos passageiros.

 

O regente das Flores Oriental, Joseph Lagadoni Herin, mostra-se grato pelo investimento feito por Portugal, que foi “muito importante para a população local” e inspirou a regência a construir obras do género.

 

In O MIRANTEhttp://www.omirante.pt/

CO-ADOPÇÃO


 

O que se está a passar em Portugal com o debate sobre a co-adopção revela a anomia cívica da nossa sociedade e, sobretudo, a degradação a que chegou o nosso regime democrático.

 

Um sector ultra minoritário da sociedade, que age como uma seita, impõe arrogantemente as suas certezas e insulta e escarnece dos que exprimem opiniões diferentes.

 

O fanatismo heterofóbico dos seus prosélitos leva-os a apelidar de "ignorantes", "trogloditas" ou "homens das cavernas" todos os que ousam pôr em causa as suas certezas.

 

O que se viu no programa Prós e Contras da RTP, na semana passada, foi a actuação de um grupo bem organizado de pessoas lideradas por um fanático que, no intervalo do programa, subiu ao palco e se dirigiu a mim para me dizer que eu estava a usar no debate os mesmos métodos que os nazis tinham usado contra os judeus (!!!).

 

Esse delírio injurioso foi depois retomado em alguns órgãos de comunicação social, blogues e redes sociais, por outras pessoas imbuídas do mesmo fanatismo e da mesma desonestidade intelectual.

 

Já, em tempos, uma das próceres da seita, a Dra. Isabel Moreira, me chamara PIDE, para assim "vingar" a actual ministra da Justiça das críticas certeiras que eu lhe dirigia.

 

Afinal, parece que é nazi dizer que o movimento LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transexuais) actua como um lobby que influencia os centros de decisão política devido à preponderância que muitos dos seus elementos têm no Governo, no Parlamento, na Comunicação Social, nas empresas e nos partidos políticos.

 

Sublinhe-se que os partidos de Esquerda aprovaram a lei sobre a co-adopção exactamente no momento em que o povo mais preocupado (distraído) está com a austeridade que lhe é imposta pelo Governo e pelo presidente da República.

 

Foi, portanto, assim, à sorrelfa, com a ajuda cirúrgica da Direita, que se aprovou uma lei que ofende a consciência da esmagadora maioria da população.

 

O que se viu naquele programa da RTP foram exercícios de manipulação, de intolerância e de vitimização por parte dos defensores dessa lei e quem manifestou opiniões contrárias foi sumariamente apelidado de "ignorante" ou então brindado com estridentes risadas de escárnio.

 

Eu próprio fui, no final do programa, veementemente apelidado de ignorante pelo líder da seita e por algumas histéricas seguidoras que o rodeavam.

 

O casal de lésbicas que ali foi exibir triunfantemente a gravidez de uma delas e proclamar o seu orgulho por a futura criança ser órfão de pai é bem o exemplo da heterofobia que domina a seita.

 

Que direito tem uma mulher de gerar, deliberadamente, por fanatismo heterofóbico, uma criança duplamente órfã de pai (sem pai e sem nunca poderem vir a saber sequer a identidade dele)?

 

Com que fundamento o Estado se prepara para entregar a essas pessoas crianças que, por tragédias familiares, perderam os seus verdadeiros pais?

 

É para que sejam destruídas (ou impedidas de nascer), no imaginário dessas crianças, todas as representações que elas têm (ou possam fazer) do pai ou da mãe que perderam?

 

Esse fanatismo mostra bem o que essas pessoas são capazes de fazer em matéria de manipulação genética com fins reprodutivos – como, aliás, uma das lésbicas deixou subtilmente anunciado no Prós e Contras.

 

Mas isso será mais tarde.

 

Para já o que importa é garantir que, em nome da felicidade onanística de alguns adultos, se possam entregar crianças a "casais" em que o lugar e o papel da mãe são desempenhados por um homem e os do pai por uma mulher.

 

Seguidamente, para não discriminar os gays e as lésbicas, substituir-se-ão nos documentos oficiais as palavras "mãe" e "pai" pelo termo "progenitores", tal como já se substituíram as palavras "paternidade" e "maternidade" pela neutra "parentalidade".

E quando estiver concluído o processo de "engenharia social" em curso, então passar-se-á à engenharia reprodutiva com vista a permitir que duas mulheres possam gerar filhos sem o repugnante contributo de um homem ou então que dois homens o possam fazer também sem a horrorosa participação de uma mulher.

 

Estarão, então, finalmente, corrigidos dois "erros grosseiros" da evolução: o de ter dividido os seres humanos em dois géneros e o de exigir o contributo de ambos para a fecundação e para a criação dos seus filhos.

 

 Marinho Pinto

MEMÓRIA E RECORDAÇÃO

 

O FACTOR DE IDENTIDADE E O FACTOR DE IDENTIFICAÇÃO

 

Da Maneira como se trata a nossa Memória colectiva

 

Memória é uma capacidade, um centro de registo, de armazenamento e de recuperação/recordação. Recordar quer dizer, ir ao tombo da memória, trazer ao coração. Recordação é o facto, o conteúdo que é chamado à tona da memória.

 

Cada pessoa, cada grupo ou partido, cada país, tem no seu registo determinados acontecimentos e pessoas que gosta, mais ou menos, de recordar, numa preocupação de identificação e de criar identidade. Assim, nas comemorações do Estado cada regime político procura empolgar as recordações/personalidades que mais confirmam a própria posição/identificação.

 

Comemorações: Recordação contra a Memória colectiva?

 

Não é o mesmo, comemorar um 10 de Junho (dia de Portugal, Camões), uma revolução dos cravos (25 de Abril), um 5 de Outubro (República), uma restauração da independência, etc. Por trás de cada chamada de um acontecimento à memória, esconde-se uma intenção política específica. Se se comemora a monarquia carpem os republicanos, se se comemora a república choram os monárquicos.

 

Com uma sociedade rica, tão polivalente e diferenciada, não se torna fácil satisfazer alguém; a verdade é que das lágrimas e contentamentos de uns e outros se constrói o que somos. Por isso, e para termos uma nação de todos e completa, há que integrar tudo (aspectos positivos e negativos de cada regime e de toda a vida portuguesa) na memória colectiva, não a reduzindo a uma ou outra lembrança que se vai oportunamente buscar ao fundo da memória. Assim, há que fomentar a preservação da memória toda, no sentido de uma consciência portuguesa responsável.

 

Trata-se de fomentar uma memória colectiva do povo, que transcenda personalidades e regimes, como adverte o sociólogo e filósofo Maurice Halbwachs diria: que não se limite a comemorações e monumentos.

 

Na memória colectiva portuguesa estão latentes, entre outros: os descobrimentos, a ocupação espanhola, o desastre de Tanger, o terramoto de Lisboa, o mapa cor-de-rosa, o Estado Novo e o 25 de Abril.

 

Fernando Pessoa recorda-nos: “Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.” Trata-se aqui de fazermos a travessia sem perdermos a identidade, tendo de recorrer para isso às pontes da memória colectiva, na consciência de que pontes são para ligar e unir.

 

O memorial da consciência colectiva e do inconsciente colectivo deverá ter em conta o intuito de uma convergência em que seja reconhecida a aura holística de um povo em marcha. Um povo que integra na sua memória o positivo e o negativo de todos os contraentes no serviço ao bem-comum e não apenas os marcos das lutas interinas pelo poder desviador de energias. Quer-se uma evolução e transformação construída já não com base na interdependência de egos e grupos mas numa relação interpessoal e intergrupal ao serviço do nós. O processo da recordação dos tempos sombrios e dos sustos da História já não se processará no sentido de branquear ou denegrir acontecimentos mas no de reconciliar um povo e ajudar a cicatrizar as feridas das diferentes facções.

 

O nosso futuro ditado por outros

 

A sociedade portuguesa condicionada por uma política a viver do dia-a-dia e dos ventos vindos de fora não tem tempo para se auto-analisar nem auto-renovar; por isso sente o progresso, sobretudo, como um imperativo de negação do passado. Vive na dependência do ruminar rápido de ideias novas importadas e, consequentemente, no recalcamento do próprio passado. Na impossibilidade de elaborar uma própria filosofia congruente com a sua identidade de povo, esgota-se numa memória comunicativa ad hoc e funcionalista para uso de casa, sem se preocupar com a memória colectiva cultural, aquela que assegura a sustentabilidade do desenvolvimento. Dá demasiada importância às lembranças comemorativas (folclore) em detrimento da memória colectiva cultural. Segue na Europa o modelo de destino de outros povos, seguindo muito embora, de olhar ressentido, os acontecimentos ditados por potências como USA, Rússia e China. Neste sentido, o Norte com a Alemanha, que tem recursos suficientes de análise sinóptica, continuará a ditar o destino de povos mais ou menos satélites porque incapazes de parar para poderem programar futuro. É preciso repensar Portugal e renovar as suas instituições em função dele como biótopo cultural de um grande biossistema. (A diminuta Suíça é um bom exemplo de autonomia e determinação do que seria muito mais possível num país como Portugal).

 

A memória colectiva compartilhada estabelece a ponte entre o passado e o presente no serviço de sustentabilidade e identidade. Não aponta para as águas sujas do vizinho que correm debaixo da ponte à maneira da afirmação do adolescente rebelde em oposição ao passado, contra os pais. A energia de identificação assemelha-se à metamorfose do casulo para a larva e da larva para a borboleta.

 

Cada um tem um ponto de referência da sua memória que dá consistência à sua relação diacrónica identitária. Uma memória honesta não revitaliza um ou outro aspecto do passado para afirmar o seu ponto de vista mas deixa sim o passado ser passado, na sua cor local para poder, através dele, compreender o presente que com base nesta atitude se torna crítico e inovador.

 

Uma Alemanha continua a ter grande pujança na história actual porque cultiva intensamente a memória colectiva (mediante uma cultura da recordação activa) como caminho da formação da própria autoconsciência (Schelling fala da recordação como interioridade) que permite a mudança na continuidade (Identidade adulta ao contrário de identidade adolescente). Isto pressupõe uma lógica policontextural em que se considera a história como vivência algo maternal em contínua gravidez. Isto pressupõe uma visão antropológica e sociológica de convergência que vive da contextualização e da recontextualização em direcção a um mundo feito de experiência e memória e de observação e fantasia.

 

A nova ordem será inclusiva

 

O desafio do presente é de tal ordem que torna ridícula a velha estratégia partidária divisionista; todas as forças unidas são poucas. O enquadramento da política em termos de esquerda ou direita tornou-se antiquado, numa altura em que as mundivisões políticas e económicas se sobrepõem e em que a consciência jovem procura integrar os pólos, numa orientação holística de concepções e visões e numa estratégia de respeito valorativo de todas as perspectivas para uma praxis do ser e fazer.

 

A história terá que se compreender numa crítica de sobreposições de épocas no reconhecimento do ser (identidade) da cultura e do homem. Não pode contrapor-se sistematicamente a uma época ou a qualquer das suas expressões ideológicas. Uma identidade cultural é dinâmica e interactiva não se processando aos saltos. Não nos podemos divorciar do passado considerando-o como encerrado; a sua memória é fonte permanente de discussão e interpretação criativa. Dá oportunidade de sustentabilidade às várias forças ideológicas de modo a submeterem-se a uma autorreflexão e contextualização que possibilita continuidade num dinâmico de aferimento aos sinais dos tempos. Também o contraste ideológico-partidário não pode continuar a ser apresentado apenas de forma descritiva, dado também ele dever ser concebido de forma integrativa e não pela exclusividade de ideologias antagónicas e reducionistas numa concepção estreita e curta da História concebida em termos de posse e não de processo que é. Numa estratégia de tentativa e erro inerente a cada grupo, ideologia ou política.

 

No diálogo a criar e memorizar a palavra mágica será inclusão. Trata-se não só da inclusão das várias forças e dos sujeitos na comunidade mas da sua participação consciente no fazer público. A inclusão do passado na elaboração do presente implica intencionalidade e empenho no espírito de pertença, com o substrato de uma filosofia do nós. Urge criar uma intencionalidade do nós como teoria da percepção estética. Isto implicaria uma socialização do pensamento e a disposição de se sair do corredor de ideias feitas.

 

Na memória colectiva também se documenta o oculto e o segredo, aquela parte onde se pode ver, ler e ouvir a reflexão do que não é interpretação.

 

A capacidade de transferência a nível de épocas e de cultura serve a percepção da mudança histórica numa diferenciação local garantidora de pluralidade.

 

 António da Cunha Duarte Justo

SE

 

 

Se és capaz de conservar o teu bom senso e a calma,
Quando os outros os perdem, e te acusam disso,

Se és capaz de confiar em ti, quando de ti duvidam
E, no entanto, perdoares que duvidem,

Se és capaz de esperar, sem perderes a esperança
E não caluniares os que te caluniam,

Se és capaz de sonhar, sem que o sonho te domine,
E pensar, sem reduzir o pensamento a vício,

Se és capaz de enfrentar o Triunfo e o Desastre,
Sem fazer distinção entre estes dois impostores,

Se és capaz de ouvir a verdade que disseste,
Transformada por canalhas em armadilhas aos tolos,

Se és capaz de ver destruído o ideal da vida inteira
E construi-lo outra vez com ferramentas gastas,

 

Se és capaz de arriscar todos os teus haveres
Num lance corajoso, alheio ao resultado,

E perder e começar de novo o teu caminho,
Sem que ouça um suspiro quem seguir ao teu lado,

 

Se és capaz de forçar os teus músculos e nervos
E fazê-los servir se já quase não servem,

Sustentando-te a ti, quando nada em ti resta,
A não ser a vontade que diz: Enfrenta!

Se és capaz de falar ao povo e ficar digno
Ou de passear com reis conservando-te o mesmo,

Se não pode abalar-te amigo ou inimigo
E não sofrem decepção os que contam contigo,

Se podes preencher todo minuto que passa
Com sessenta segundos de tarefa acertada,

Se assim fores, meu filho, a Terra será tua,
Será teu tudo que nela existe

E não receies que te o tomem,

Mas (ainda melhor que tudo isto)
Se assim fores, serás um HOMEM.


 Rudyard Kipling (1865-1936)

Poeta britânico, prémio Nobel

 

 

«A FELICIDADE, SE EU QUISER»

 

 Hedonismo - Sandro Botticelli

 

A sociedade pós-moralista designa a época em que o dever é edulcorado e anémiado, em que a ideia de sacrifício de si próprio está socialmente deslegitimada, em que a moral já não exige que cada um de nós se dedique a um fim superior a si mesmo, em que os direitos subjectivos dominam os mandamentos imperativos, onde as lições de moral são ultrapassadas pelos «spots» do viver melhor, do Sol e das férias, do divertimento mediático. Na sociedade do pós-dever, o mal é espectacularizado, o ideal pouco exaltado; se a vergonha dos vícios se mantém, o heroísmo do Bem é átono. Os valores que reconhecemos são mais negativos (não fazer) do que positivos («tu deves»): por detrás da revitalização ética, é uma moral indolor que triunfa, último estádio da cultura individualista democrática, a partir de agora livre na sua lógica profunda, tanto no moralismo como no anti-moralismo.

 

(...)

 

A civilização do bem-estar consumista constituiu o grande coveiro histórico da ideologia gloriosa do dever. Ao longo da segunda metade do século [XX], a lógica do consumo de massas dissolveu o universo das homilias moralizadoras, erradicou os imperativos rigoristas e engendrou uma cultura onde a felicidade se impõe ao mandamento moral, os prazeres ao proibido, a sedução à obrigação. Através da publicidade, do crédito, da inflação dos objectos e das ociosidades, o capitalismo das necessidades renunciou à santificação dos ideais em benefício dos prazeres renovados e dos sonhos de felicidade privada. Uma nova civilização foi edificada, a qual já não se propõe estrangular o desejo, mas que o exacerba e o desculpabiliza: o usufruto do presente, o templo do eu, do corpo e do conforto, tornaram-se a nova Jerusalém dos tempos pós-moralistas.

 

 Gilles Lipovetsky

 

InO Crepúsculo do Dever – a ética indolor dos novos tempos democráticos”, ed. Dom Quixote, 4ª edição, Maio de 2010, pág. 57 e seg.

 

MAS NÃO HOUVE CAÇADOR

 

Quando um dia se fizer a história deste país abjectamente curvado, nas vascas da sua agonia, aos pés do país onde outrora expandiu a sua língua, e onde agora expande o servilismo de a querer imitar graficamente para seu próprio uso, retirando-lhe a dignidade da sua formação com a mesma facilidade com que retira a estabilidade económica dos seus cidadãos, sobressairão sempre, julgo eu, as vozes e os escritos – mais estes do que aquelas – de quem quis lutar e perdeu, para comprazimento dos governantes nas suas tramoias rocambolescas de angariar projecção, pontapeando a língua como trapo sujo para a sarjeta das coisas desprezíveis.

O último artigo que leio é de uma das entidades marcantes da nossa intelectualidade nacional, e resume bem a problemática em torno de uma medida vilipendiosa, imaginando - (e isso nos conforta, em expectativa positiva) - que o seu “peso intelectual” poderá ter algum peso desviante de um acto consumado e que nenhum governante, por muito que se afirme amante da sua pátria, se propõe desfazer. Para isso, José Pacheco Pereira – que é dele o texto, do “Público” de 18/1 - deveria ter acordado mais cedo, antes da adopção por dicionaristas e gramáticos e mais literatura, do Acordo decretado. Mas o certo é que outros opositores ao A.O. o fizeram desde o início, e o resultado para evitar o desfecho – mesmo que outros países da lusofonia não tenham assinado o A.O. - não foi nenhum. Não somos povo para respeitar os cidadãos, a pátria, a língua. Dos cidadãos só pretendemos o voto, da pátria, o solo para habitar e curtir o seu sol, da língua, o suficiente para gritar anseios, sem exigência ortográfica.

Não, o caçador não virá salvar a Menina do Capuchinho Vermelho nem a sua Avozinha, da boca do Lobo Feroz. As recuperações com que o “caçador” está entretido absorvem-lhe, na totalidade, o sentido da decência, apesar de, antes do seu cargo governativo, ter afirmado a sua contestação ao dito acordo, logo esquecido dessa repugnância pré-eleitoral, após a ocupação do cargo – o que, de resto, jamais mereceu a atenção nem da assembleia nem dos partidos seus componentes, assunto virado definitivamente tabu, longe das preocupações reivindicativas dos assistentes parlamentares, porta-vozes do seu público exclusivamente insatisfeito com o desaforo económico recaído sobre as suas anteriores prerrogativas. «O mais espantoso é que muitos dos que atacaram o “eduquês” imponham este português pidgin, infantil e rudimentar, mais próximo da linguagem dos sms, e que nem sequer serve para aquilo que as línguas de contacto servem, comunicar.», afirmouJosé Pacheco Pereiracujo texto é grande e definitivo no teor da análise:

«ACORDO ORTOGRÁFICO: acabar já com este erro antes que fique muito caro»:

A única força que joga a favor do acordo é a inércia que mantém as coisas como estão e que implica custos para o nosso défice educativo e cultural.

O acordo ortográfico é uma decisão política. Não é uma decisão técnica sobre a melhor forma de escrever português, não é uma adaptação da língua escrita à língua falada, não é uma melhoria que alguém exigisse do português escrito, não é um instrumento de cultura e criação.

É um acto político falhado na área da política externa, cujas consequências serão gravosas principalmente para Portugal e para a sua identidade, como casa-mãe da língua portuguesa. Porque o que mostra a história das vicissitudes de um acordo que ninguém deseja, fora os governantes portugueses, é que vamos ficar sozinhos a arcar com as consequências dele.

O acordo vai a par do crescimento facilitista da ignorância, da destruição da memória e da história, de que a ortografia é um elemento fundamental, a que assistimos todos os dias. E como os nossos governantes, salvo raras excepções, pensam em inglês “economês”, detestam as humanidades, e gostam de modas simples e de modernices, estão bem como estão e deixam as coisas andar, sem saber nem convicção.

O mais espantoso é que muitos dos que atacaram o “eduquês” imponham este português pidgin, infantil e rudimentar, mais próximo da linguagem dos sms, e que nem sequer serve para aquilo que as línguas de contacto servem, comunicar. Ninguém que saiba escrever em português o quer usar, e é por isso que quase todos os escritores de relevo da língua portuguesa, sejam nacionais, brasileiros, angolanos ou moçambicanos, e muitas das principais personalidades que têm intervenção pública por via da escrita, se recusam a usá-lo. As notas de pé de página de jornais explicando que, “por vontade do autor” não se aplicam ao seu texto as regras da nova ortografia, são um bom atestado de como a escrita “viva” se recusa a usar o acordo. E escritores, pensadores, cronistas jornalistas e outros recusam-no, com uma veemência na negação que devia obrigar a pensar e reconsiderar.

Se voltarmos ao lugar comum em que se tornou a frase pessoana de que a “minha pátria é a língua portuguesa”, o acordo é um acto antipatriótico, de consequências nulas no melhor dos casos para as boas intenções dos seus proponentes, e de consequências negativas para a nossa cultura antiga, um dos poucos esteios a que nos podemos agarrar no meio desta rasoira do saber, do pensar, do falar e do escrever, que é o nosso quotidiano.

Aos políticos que decidiram implementá-lo à força e “obrigar” tudo e todos ao acordo, de Santana Lopes a Cavaco Silva, de Sócrates a Passos Coelho, e aos linguistas e professores que os assessoraram, comportando-se como tecnocratas – algo que também se pode ter do lado das humanidades, normalmente com uma militância mais agressiva até porque menos “técnicas” são as decisões – há que lembrar a frase de Weber que sempre defendi como devendo ser inscrita a fogo nas cabeças de todos os políticos: a maioria das suas acções tem o resultado exactamente oposto às intenções. O acordo ortográfico é um excelente exemplo, morto pelo ruído do mundo. O acordo ortográfico nas suas intenções proclamadas de servir para criar uma norma do português escrito, de Brasília a Díli, passando por Lisboa pelo caminho, acabou por se tornar irritante nas relações com a lusofonia. Suscitou uma reacção ao paternalismo de querer obrigar a escrita desses países a uma norma decidida por alguns linguistas e professores de Lisboa e Coimbra. O problema é que sobra para nós, os aplicantes solitários da ortografia do acordo. O acordo, cuja validade na ordem jurídica nacional é contestável, que nenhum outro país aprovou e vários explicitamente rejeitaram, só à força vai poder ser aplicado. A notícia recente de que nas provas – que acabaram por não se realizar – para os professores contratados, um dos elementos de avaliação era não cometerem erros de ortografia segundo a norma do acordo mostra como ele só pode ser imposto por Diktat, como suprema prova de uma engenharia política que só o facto de não se querer dar o braço a torcer explica não ser mudado.

Porém, começa a haver um outro problema: os custos de insistirem no acordo. A inércia é cara, e no caso do acordo todos os dias fica mais cara. A ideia dos seus defensores é criar um facto consumado o mais depressa possível. É esta a única força que joga a favor do acordo, a inércia que mantém as coisas como estão e que implica custos para o nosso défice educativo e cultural.

É o caso dos nossos editores de livros escolares que começaram a produzir manuais conforme o acordo e que naturalmente querem ser ressarcidos dos seus gastos. Mas ainda não é um problema insuperável e, acima de tudo, não é um argumento. Passado um período de transição, pode voltar-se rapidamente à norma ortográfica vigente e colocar o acordo na gaveta das asneiras do Estado, junto com as PPP e os contratos swaps, e muita da “má despesa”. Porque será isso que o acordo será, se não se atalhar de imediato os seus estragos no domínio cultural.

O erro, insisto, foi no domínio da nossa política externa com os países de língua portuguesa, e esse erro é hoje mais do que evidente; os brasileiros, em nome de cuja norma ortográfica foram introduzidas muitas das alterações no português escrito em Portugal, nunca mostraram qualquer entusiasmo com o acordo e hoje encontram todos os pretextos para adiar a sua aplicação. No Brasil já houve vozes suficientes e autorizadas para negar qualquer validade a tal acordo e qualquer utilidade na sua aplicação. Os brasileiros, que têm um português dinâmico, capaz de absorver estrangeirismos e gerar neologismos com pernas para andar muito depressa, sabem que o seu “português” será o mais falado, mas têm a sensatez de não o considerar a norma.

Nós aqui seguimos a luta perdida dos franceses para a sua língua falada e escrita, também uma antiga língua imperial hoje em decadência. Querem, usando o poder político e o Estado, manter uma norma rígida para a sua língua para lhe dar uma dimensão mundial que já teve e hoje não tem. Num combate insensato contra o facto de o inglês se ter tornado a língua franca universal, legislam tudo e mais alguma coisa, no limite do autoritarismo cultural, não só para protegerem as suas “indústrias” culturais, como para “defender” o francês do Canadá ao Taiti. Mas como duvido que alguém que queira obter resultados procure no Google por “logiciel”, em fez de “software”, ou “ordinateur” em vez de “computer”, este é um combate perdido.

Está na hora de acabar com o acordo ortográfico de vez e voltarmos a nossa atenção e escassos recursos para outros lados onde melhor se defende o português, como por exemplo, não deixar fechar cursos sobre cursos de Português nalgumas das mais prestigiadas universidades do mundo, ter disponível um corpo de literatura portuguesa em livro, incentivar a criatividade em português ou de portugueses e promover a língua pela qualidade dos seus falantes e das suas obras. Tenho dificuldade em conceber que quem escreve aspeto – o quê? – em vez de aspecto, em português de Portugal, o possa fazer.

Como Pessoa, (mau grado a falta de convicção), insistamos, em apoio a Pacheco Pereira e a todos os que se indignaram no mesmo sentido que ele relativamente ao A.O.: «É a Hora!»

 Berta Brás

AMOR É AMOR…


Amor é Amor
não tem explicação

não tem cor de pele
nem religião!

Renega lonjura
renega maldade
é beleza pura
e não tem idade…

é com alegria
que ele diz “Irmão”
e grande a magia
do seu coração…

amor é partilha
amor é abraço
só o bem perfilha
e esquece o cansaço

amor é amor
diverso e igual
quer seja em Goa
ou em Portugal…

porque amor é amor
não tem explicação
não tem cor de pele
nem religião!

17/Setembro/2013

 

 Maria Mamede

AS “PRIMAVERAS” DO MUNDO

 

 

Começaram há pouco as “primaveras” no mundo árabe e em vez do desabrochar duma vida nova, mais decente e livre para aqueles povos, só ontem a Tunísia deu, com grande sufoco, o primeiro passo. E foi um passo enorme. Que Alá os proteja.

 

Sobre a Líbia paira o espectro da continuação de guerra civil, o Egipto parece que vai demorar mais tempo a estabilizar-se do que as pirâmides a desmoronarem e, na Síria, de entrada o mundo aplaudiu os revoltosos e esconjurou o Bashar que agora pensa até em apoiá-lo, sabendo que o Al-Qaeda já tomou conta da parte mais rica do país, o norte, onde estão os poços de petróleo, obrigando o tal Bashar a negociar com eles!

 

E com a aproximação dos EUA ao Irão, o mundo sunita tremeu de medo, decidiu formar um exército unificado e continua a sair dinheiro para as mais estranhas e opostas situações: por um lado os sauditas, de onde saiu a Al-Qaeda, simplesmente odeiam o estado monárquico, e para não caírem do cavalo, os “nobres” enchem de dinheiro os oposicionistas que aguardam o momento para transformar a Arábia em mais um Estado teocrático, e entretanto vão espalhando madraças pelo mundo todo, incentivando as “irmandades muçulmanas” e a “Jihad”. Ao mesmo tempo financiam os generais egípcios, ferozes adversários dos tais “irmãos”, sem deixar de mandar dinheiro também para estes.

 

O chamado equilíbrio desequilibrado cujo tombo parece prever-se, mas não se imagina quando.

 

Outra primavera infernal atinge agora a Ucrânia, encravada e sob a pata dos sovietes (os mesmos que foram da KGB), a quem está a ser negada a sua liberdade.

 

País, povo sofrido, que só se tornou uma “república”, satélite da URSS, em 1922, para, teoricamente adquirir independência em 1991, após o colapso (?) bolchevique.

 

 Kiev, Janeiro de 2014 - manifestantes barricados e acampados

 

Mais um país com fronteiras feitas a martelo, diferentes línguas, ucraniana e russa, uma região industrial que desenvolvida pela URSS e a área agrícola, onde os mesmos bolcheviques praticaram o que deve ser sido o maior genocídio de toda a história da humanidade, conhecido pelo genocídio de Holodomor.

 

Nem Mao, nem Hitler conseguiram dizimar tanta gente!

 

Não faz muito tempo. Foi no início dos anos trinta do século passado e o povo, o que sobrou, não esqueceu, nem jamais pode esquecer, o assassinato consentido, determinado, de muitos milhões de ucranianos por ordem do soviete supremo, na altura sob a ferocidade do famigerado Iossif Vissarionovitch Djugashvili, o Stalin de triste, tristíssima, asquerosa, memória.

 

Depois de lhes nacionalizarem as terras, roubado gado e máquinas, deixaram-nos morrer ou de fome porque lhes confiscaram até 90% dos alimentos que produziram, ou assassinados, fuzilados, enviados para a Sibéria, etc., não se sabe ao certo quantos, mas os historiadores calculam que tenham sido entre 4 a10 ou mais milhões. Além das duas ondas de expurgos (1929-1934 e 1936-1938) que resultaram na eliminação de quatro-quintos da elite cultural da Ucrânia.

 

Como é de se esperar, esta parte do povo ucraniano, e os ucranianos natos são 78% da população, não “engole” a Rússia, nem jamais vai aceitar de bom grado, uma vez mais, a pata do urso nas suas cabeças. Ao mesmo tempo há a população da parte oriental, de língua russa, sendo ucraniana – os russos são 17% da população total – que vive da indústria, da exploração de carvão, etc., e aceita a tutela. Um país dividido, onde jamais o bom entendimento vai acontecer.

 

Além de mais, a Rússia não largará mão das suas bases navais no Mar Negro.

 

E como complicador – ? – final, a principal igreja da Ucrânia é a Ortodoxa Ucraniana vinculada ao Patriarcado de Moscovo, com 7.540 paróquias, mas só com 27% dos cristãos e a segunda, Igreja Ortodoxa Ucraniana do Patriarcado de Kiev, com 1.977 paróquias congregando 55% dos cristãos.

UCRÂNIA

 

E todos sabem que quando a religião entra nestes problemas de cidadania, independência, etc., o seu peso é grande, porque a fé do povo tem muita força.

 

Assunto a acompanhar e, quem sabe, ver surgir mais um país na Europa.

 

Pergunta final: como é possível que ainda haja idiotas que se dizem, ou são, comunistas? Tais como as donas madamas e os donos do Brasil que financiam – pagam, pagam mesmo, não é empréstimo, e com dinheiro do povo brasileiro – um porto de mar em Cuba, vão lá para o inaugurar e beijar a mão ao fidelíssimo!

 

Doença mortal e incurável.

 

29/01/2014

 

 Francisco Gomes de Amorim

HERESIAS - XV

DE COMO A IDADE DA PEDRA SOBREVIVE AINDA NA TEORIA ECONÓMICA

 Jean Baptiste Say (1767-1832)

v        Não há economista que se preze que não encha a boca com as palavras “poupança” e “investimento”, dois dos conceitos que fazem da dismal science o que ela hoje é.

v        Ainda e sempre a célebre “Lei de Say”, segundo a qual “a poupança gera o investimento que lhe dá sentido” (e, vice-versa, “o investimento induz a poupança que o financia”). Isto, apesar de vários modelos teóricos (desde logo, os modelos Keynesianos) os porem, aqui e ali, em causa ou, mesmo, os ignorarem de todo (por exemplo, o modelo de R. Lucas).

 

v        A questão de fundo é, porém, outra, e bem mais prosaica: “poupança”, “investimento”, não é fácil identificá-los ex ante - muito menos observá-los no dia a dia, para melhor os quantificar.

 

 

v        Começando pelo “investimento”. A nível “macro”, investimento é toda a despesa que tenha por efeito directo aumentar (versão forte), ou manter (versão fraca) o produto potencial. É, pois, um conceito eminentemente ex post. Ex ante, não há “investimento” – há, sim, “despesas” feitas com tal intenção, mas que podem muito bem não dar em nada (os estádios de 2004, e tanto “elefante branco” por aí, são disto bom exemplo).

 

v        Era “investimento” que Karl Marx tinha em mente quando escreveu sobre a “reprodução simples” e a “reprodução alargada” dos meios de produção. Aquela primeira a manter a capacidade produtiva (outro modo de ver o produto potencial); esta última, ampliando-a.

 

v        Alguns seguidores de Marx (entre eles, C. Bettelheim) deram um passo mais e introduziram o conceito de “excedente económico” como resultado observável, logo ex post, da “reprodução alargada”. Conceito valioso que o epicentro do pensamento económico localizado nos EUA tem ignorado com sobranceria, talvez por emanar de frog leg eaters.

 

v        Mas já Condillac (séc. XVIII) se tinha apercebido de que ao “excedente económico” se poderia dar fins muito diversos: do ponto de vista da reprodução dos meios de produção (“simples” ou “alargada”, aqui tanto faz), destinar um prado para pasto de vacas leiteiras não é exactamente o mesmo que ter por lá uns cavalos de corrida tosando erva.

 

v        E a nível “micro” nem sequer é assim. Desembolsos que qualquer um faça com o propósito de aumentar o seu rendimento disponível no futuro são vistos, a priori, como investimentos - ainda que, chegado o momento (isto é, ex post), tal não se concretize. E que dizer dos desembolsos  que modificam a distribuição de rendimentos futuros (sejam eles quais forem), mas não o nível global desses rendimentos (como acontece com os “investimentos de carteira”, por exemplo)?

 

v        O conceito de “poupança” é ainda mais intrigante. Quando a vida se resumia à esfera real da economia (actividades de subsistência com alguma troca directa), a “poupança” era, de facto, uma privação de consumo que, se bem aplicada, garantiria a produção futura. Tudo se resumia, então, a não consumir hoje para poder consumir amanhã (distribuição dos consumos no tempo).

 

v        Só que nem essa “poupança”, nem os “investimentos” em que era aplicada, tinham expressão monetária (isto é, não davam origem a trocas monetárias) – apesar de assegurarem a continuidade das condições materiais que iam sustentando essas populações. E não tendo expressão monetária, não havia uma unidade de medida comum que facilitasse o seu registo e o seu tratamento estatístico.

 

v        Somos assim remetidos para a “poupança” que tem expressão monetária. Mesmo aqui, porém, as coisas estão longe de ser simples. Desde logo, porque a “poupança monetária” é um conceito que pertence à esfera nominal da economia - e nada garante que lhe corresponda um excedente na esfera real da economia (condição necessária, mas não suficiente para ampliar o produto potencial).

 

v        Esta “poupança” pode significar, apenas, uma redução temporária na liquidez em circulação (o que os clássicos designavam por “entesouramento”) – e, se mobilizada para adquirir bens patrimoniais pre-existentes (ou instrumentos financeiros em mercado secundário), provocará, apenas, uma redistribuição pontual da liquidez sem qualquer efeito no produto potencial.

 

v        A nível “macro”, há, pois, que jogar com três conceitos:

(i) um, o de “excedente económico” (esfera real da economia);

(ii) outro, o de “variação das Disponibilidades Líquidas sobre o Exterior” (esfera nominal da economia);

(iii) outro ainda, o do “endividamento” dos agentes económicos que integram essa economia (de novo, a esfera nominal da economia).

E são, justamente, os efeitos da esfera nominal da economia projectados na esfera real (dito de outro modo, a actividade dos Bancos) que baralham o contexto onde faz algum sentido falar de “poupança”.

 

v        A economia como um todo, se poupar, poupa internamente (quando a despesa interna é inferior ao rendimento disponível) e/ou poupa relativamente ao exterior (quando apura um excedente na Balança de Transacções Correntes). Mas a essa “poupança” podem ser dados muitos outros destinos que não aumentar o produto potencial.

 

v        Para as Famílias, “poupança” (ou aforro), num dado período, é sinónimo de não despender em bens e serviços a totalidade do rendimento nominal disponível. Mas o excedente de liquidez (não confundir com “excedente económico”) que daí resultar pode ser:

-            Ou encaminhado para servir (reembolso do capital e/ou pagamento dos juros) dívidas passadas;

-            Ou usado para aumentar o património familiar através da aquisição, já de bens preexistentes, já de instrumentos financeiros em mercado secundário (os tais “investimentos de carteira”);

-            Ou não passar de um dinheirinho guardado na gaveta (entesouramento);

-            Ou, enfim, ser colocado à disposição de um terceiro, já através da subscrição de instrumentos financeiros que este emitir, já mediante um depósito bancário (que também é um instrumento financeiro, diga-se de passagem).

No três primeiros casos, deixará intacto o produto potencial. No último caso, poderá (sublinho poderá) aumentar o produto potencial, mas não por iniciativa do aforrador.

 

v        Para as Empresas não Financeiras, à primeira vista, falar de “poupança” seria o mesmo que falar de lucro retido, por analogia com as Famílias. O problema está no risco que corroi os proveitos já contabilizados, mas ainda por cobrar - e que, mais tarde, pode reduzir esse lucro a nada.

 

v        A alternativa seria ver no saldo da Tesouraria não Financeira Corrente (ou Tesouraria Operacional) a medida da “poupança”. Mas este saldo pode ter origem, unicamente, na diferença entre prazo de cobrança e prazo de pagamento - o que, reconheça-se, nada tem a ver com o conceito teórico de “poupança”.

 

v        A solução tem sido olhar para a variação, se positiva, do saldo de Tesouraria (Liquidez Livre) como aproximação ao conceito não observável de “poupança”, transferindo-o do ex ante para o ex post - e, com isso, roubando-lhe grande parte do poder explicativo sobre as decisões empresariais. De alguma maneira é como se as Empresas não Financeiras fossem vistas, não como “origens de poupança”, mas como “veículos de investimento”. Isto é, como entidades financiadas e, não, como financiadoras.

 

v        No Estado (aqui visto como o aparelho do Estado), a questão parece à partida de meridiana clareza: aí, a poupança toma a forma de superavits do Orçamento Corrente (quando nem todo o dinheiro captado através da tributação é restituido à economia pela despesa pública corrente, incluindo as transferências sociais, e pelos juros pagos). Aforro que os contribuintes, todos eles, são forçados a fazer, mas sobre o qual não têm poder de decisão.

 

v        Pode acontecer, porém, que a política de transferências sociais aumente o rendimento disponível de umas quantas Famílias, permitindo-lhes poupar mais ou, quem sabe?, poupar pela primeira vez. Trata-se, então, de um processo redistributivo do rendimento:

(i) dentro do mesmo exercício, se o Orçamento permanecer, apesar de tudo, equilibrado;

(ii) intertemporal, se o desequilíbrio orçamental fizer aumentar a Dívida Pública. Isto significa que a intermediação fiscal pode ser fonte de “poupança”.

 

v        Poupança directa que:

(i) ou vai financiar despesas públicas de investimento (que logo se verá se aumentam, ou não, o produto potencial);

(ii) ou permanece na esfera nominal da economia por motivo de reserva e precaução.

 

v        Poupança indirecta se, independentemente do saldo do Orçamento Corrente, a redistribuição do rendimento levada a cabo pelas transferências sociais, aumentar a poupança de Famílias ou a liquidez das Empresas não Financeiras.

 

v        A actuação do Estado leva, assim, a desdobrar o conceito de “poupança” segundo duas vertentes:

(i) poupança voluntária versus poupança forçada;

(ii) poupança não subsidiada versus poupança subsidiada.

 

v        Restam os Bancos Comerciais – o que torna esta história bem mais animada (cont.)

 A. Palhinha Machado

Janeiro de 2014

GERINDO A IRA DIVINA – 5

 

 

 

FINAL DO TEXTO ANTERIOR:

 

Regressamos aos primórdios da história da humanidade nos constantes esforços de distinção entre o bem e o mal.

E foi necessária tanta conversa para, afinal, voltarmos ao início de tudo? E agora?

Agora vem lá o futuro, esse que nos cumpre construir.

 

*  *  *

 

 

O bem e o mal, o correcto e o incorrecto, a hierarquização de valores, a justificação das opções, eis o sentido ético a inculcar nos jovens, os cidadãos do futuro. Como e quem o deverá fazer?

 

Temos as famílias como as células estaminais da sociedade mas agora, com tantos casos patológicos resultantes de alcoolismo, tóxico-dependência, violência doméstica e tendo também aquelas que, apesar de formal e canonicamente estruturadas, padecem de ambientes inóspitos resultantes de desenquadramento na «selva urbana» e as que têm evidentes insuficiências culturais, cumpre-nos rever muitos dos conceitos em que tradicionalmente pensávamos quando tentávamos sugerir vias de progresso social. E mais recentemente temo-las também com estruturas oficialmente reconhecidas mas menos tradicionais... Que valores transmitirão às novas gerações estas famílias sofredoras de patologias várias ou estruturadas de modos menos ortodoxos?

 

 

Perante a evolução (vilipendiação) da instituição familiar, a Escola não se pode mais eximir à função educativa quando muitos de nós pugnávamos pela educação em família e a instrução em ambiente escolar. Como se a Escola já tivesse pouco que fazer no âmbito da sua missão fundamental, a da instrução, tem agora que se substituir a quem não dá mais garantias de transmissão de valores não fracturantes.

 

O relativismo que actualmente se vive no mundo ocidental abre profundas lacunas na educação para valores como a verdade, a justiça, a solidariedade e a liberdade por antinomia a conceitos hoje tão vulgares como a interpretação de conveniência, a apologia do mais forte, o egocentrismo, a libertinagem.

 

E, contudo, todos queremos crer que o homem actual é tão bom ou tão mau como o de todos os tempos. O que difere abruptamente é o enquadramento tecnológico e alguns prolegómenos que carecem de constatação para que se lhes atalhem desvairados propósitos. Refiro-me ao hedonismo como deturpação do natural desejo de conforto, ao egocentrismo como deturpação da valorização da personalidade, à inveja como deturpação da competitividade.

 

O caminho a seguir deve assentar em todos os instrumentos que se revelem eficazes. Para além da formação e educação a nível escolar, há que aperfeiçoar os códigos de ética empresarial e profissional, o quadro jurídico democrático, discutir todos os eventuais conflitos ético-científicos, sempre reafirmando a primazia do respeito pelo homem em consonância com as actuais exigências de eficácia. E sejamos sobretudo lestos na correcção das indignidades em que tropecemos.  

 

E por que não retomar a obrigatoriedade de serviço cívico que a juventude dos dois sexos prestaria durante um ano sob disciplina militar?

 

Tudo, porque temo os que não temem a ira divina.

 

Janeiro de 2014

 

 Henrique Salles da Fonseca

 

 

BIBLIOGRAFIA:

 

OS VALORES NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA – Maria Rosa Afonso e Maria de Lourdes Magalhães Oliveira, in BROTÉRIA, ed. Dezembro de 2013, pág. 479 e seg.

 

O CREPÚSCULO DO DEVER – A ética indolor dos novos tempos democráticos, Gilles Lipovetsky, ed. D. QUIXOTE, 4ª edição, Maio de 2010

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