"O macaco é um animal demasiado simpático para que o homem descenda dele"
Friedrich Nietzsche
O mesmo Friedrich Nietzsche afirma-nos que "não há outro critério da verdade senão o crescimento do sentimento de poder."
Isto vem a propósito da aproximação das autárquicas, onde os critérios da verdade são vários e fluidíssimos. A variedade e fluidez desses critérios aproximam-se mais do embuste e das tentativas a todo o custo de caçar uns míseros votos. Nada de prestigiante.
A acreditar na Comunicação Social, um autarca que está preso vai candidatar-se a um lugar nas listas para as próximas autárquicas.
Penso que alguém estará a brincar com o sistema e a tentar demonstrar que a impunidade não é palavra vã. É verdade que foi condenado por um crime que é prática de alguns cidadãos deste país: o crime de evasão fiscal, mas, também, é verdade que são poucos os que até agora foram condenados, porém, a presença deste autarca preso, em listas eleitorais, significará uma afronta ao sistema judicial e à seriedade de que estes actos devem revestir-se. Não sei se isto é brincadeira ou verdade. Mas, sei o que, certamente, irá fazer o Juiz de Círculo a quem for distribuída a apreciação das referidas listas.
Mas, a ser verdade, isto só significa que estamos numa república de bananas.
Depois vem a questão das candidaturas por todo o país de candidatos a presidentes de câmaras que já concluíram 3 anos numa autarquia e querem perpetuar-se no poder como Oliveira Salazar, alguns políticos já cá estão há 39 anos, Só que há uma diferença entre perpetuar-se no poder, em ditadura e, perpetuar-se no poder em Democracia. Em Democracia tudo é possível. Até abusar da Liberdade e da paciência dos eleitores, onde cada vez ganha mais espaço a indiferença, em prejuízo da verdade das escolhas e em benefício dos sempre os mesmos.
A Lei foi feita de maneira a ser confusa e a gerar dúvidas para pôr os Tribunais a trabalhar. Como os Senhores Juízes não têm mais nada que fazer, dedicam-se a apreciar recursos que brilhantes juristas apresentam e para o qual serão bem pagos. Bom para os juristas.
Querem ver como esta trapalhada acabava?
"Lei do regime das Autarquias.
Artigo Primeiro – Nenhum autarca pode candidatar-se por mais de três anos consecutivos aos vários lugares das autarquias em todo o território nacional, podendo voltar a recandidatar-se passados dois anos.
Artigo Segundo – As candidaturas a qualquer autarquia só podem efectuar-se por eleitores que residam há mais de três anos no Concelho dessa autarquia."
Simples! Ficava claro. Desafio os partidos a alterar a lei actual que gera tanta polémica. O pior é o resto… Sabem, os tais interesses…
Depois vêm as obras de melhoramentos. Em três terços e meio do tempo da administração cessante se faz nada e depois na metade do último terço, vêm as obras caça-votos para encher o olho do votante.
Sempre é melhor obras do que andar a oferecer electrodomésticos.
E os jantares de despedida daqueles que foram atingidos pela Lei Relvas e já não têm freguesias para presidir?
Contaram-me um caso que me disseram que até veio nos jornais e que num jantar que apontava cerca de duzentas pessoas a homenagear um autarca que se despedia da freguesia da sua eleição e o outro ia ficar com as duas freguesias aglomeradas relvaticamente.
Estiveram presentes as figuras mais gradas da política local, segundo o jornal, presididas pela autoridade máxima do concelho que, entretanto, não tendo feito nada de relevante neste, ia candidatar-se a outro para continuar fazer coisa nenhuma, além de ter viatura do Estado com motorista, para uso total.
Como a todos os recursantes, foi-lhe reconhecido que podia candidatar-se depois de ter recursado em vários patamares da hierarquia dos Tribunais, sob condição. Isto deve ser alguma figura jurídica que desconheço ou é notícia à portuguesa.
Esse meu Amigo acrescentou ainda: "Mas, sabes pá! Os duzentos e tal homenageantes eram sessenta velhotes de um Lar existente na freguesia retirada do mapa administrativo, mais cem de outro Lar da freguesia que escapou incólume à razia, com a engraçadíssima vantagem para os velhotes a quem pagaram a refeição. Bem bom para eles. Topas? Os homenageados pagaram o jantar aos homenageantes. Isto não te faz lembrar as práticas da União Nacional? Resta saber se a tal homenagem foi paga pelas antiga e a nova junta, ou seja, paga por todos nós, ou se foi dos bolsos dos homenageados." Claro que tudo isto só pode ser ficção da Comunicação Social.
Tal como se pode concluir da citação de Friedrich Nietzsche do início do texto nós é que imitamos os macacos e mal, digo eu.
Mas que grandes macacadas, as habilidades destes políticos!...
Não esqueci a denúncia de alguns incumprimentos de documentos assinados por funcionários públicos que optaram pela mobilidade especial voluntária e o Estado, em que o Estado, unilateralmente, renunciou sem olhar a quem; situação de que falei no Postal anterior.
Só estou à espera de mais umas informações para concretizar a denúncia, aproveitando este espaço de Liberdade para pôr a nu mais uma das arbitrariedades cometidas por quem entende que leais servidores do Estado, incluindo alguns, já com muitos anos de serviço prestado honradamente, são os principais culpados do despesismo praticado e, portanto, podem ser tratados de qualquer maneira e com despotismo, incluindo nisso, a denúncia unilateral dos documentos que assinaram de boa-fé, em cumprimento da Lei e na confiança de que o Estado é uma pessoa de bem.
Parece que a alta toxicidade dos swaps vai poluindo o currículo de membros deste Governo, um a um, e já lá vão dois…
Os tártaros (mongóis) eram nómadas. Dividiam-se em grandes tribos que tinham por chefes os khans. Estes guerreavam-se uns aos outros por causa dos tributos e das pastagens.
Como um furacão, lançava Ginghis-khan a sua cavalaria contra os inimigos. As paredes de madeira das fortalezas, Genghis-khan incendiava com as granadas de argila e nafta; as de pedra ele derrubava-as com grandes máquinas. Nada o fazia parar.
Tendo conquistado a China do Norte, Ginghis-khan, moveu os seus exércitos para a Ásia Central e devastou-a. Da Ásia Central, contornando a margem sul do Mar Cáspio, os exércitos de Ginghis-khan passaram para o Cáucaso e devastaram a Arménia e a Geórgia.
Em 1223, no rio Kalka*, o exército mongol derrotou as forças unidas dos príncipes eslavos e dos pólovtzy.
Dentro de trinta anos, no Volga de novo apareceram os tártaros. No seu comando não estava já Ginghis-khan, já desaparecido, mas seu neto o khan Batyi. Desta vez os tártaros atacaram os russos de leste. Em particular, moveram-se para o principado de Riazan.
Os príncipes começaram por pedir socorro ao seu vizinho, o príncipe Vladímir. Mas o príncipe Vladímir respondeu: - Os inimigos atacaram a vossa terra e vós defendei-vos.
Riazan foi destruída e queimada, os seus habitantes expulsos e levados em cativeiro. Tendo devastado Riazan, os tártaros atacaram Vladímir . O exército do príncipe de Vladímir foi derrotado e na batalha morreu o próprio príncipe. Em 1240 os tártaros tomaram Kíev e entraram na Europa Ocidental.
Repelido pelos checos, Batyi voltou atrás e fundou no baixo Volga o seu estado -- a Horda Dourada, com capital em Saray. O khan da Horda Dourada tornou-se o soberano dos povos por ele subjugados. Os príncipes permaneceram nos seus locais e eram sujeitos ao khan. Para a colheita dos tributos foram colocados nas cidades representantes do khan com destacamentos militares.
Por ocasião da colheita dos tributos, ninguém era poupado:
A quem não tem dinheiro, leva-se-lhe um filho;
A quem não tem um filho, leva-se-lhe a mulher;
A quem não tem mulher, leva-se-lhe a cabeça.
(isto é, leva-se para o cativeiro e vende-se como escravo). Assim se dizia no canto popular.
Assim, contra os tártaros - sempre a colectar impostos - havia constantes revoltas, de modo que os khans da Horda Dourada passaram a recolher os tributos através dos próprios príncipes russos.
Em Kíev, capital da Ucrânia e primeira capital oficial da Rússia (então Russ'), há 1125 anos, teve lugar por estes dias a cerimónia religiosa (Acção de Graças, ou Te Deum,) celebrada pelo metropolita Kirill de Moscovo e de todas as Rússias, para comemoração do 1125º aniversário do baptismo dos Russos na Fé Cristã Ortodoxa.
Vejamos o que nos diz o historiador Platonov a respeito desse baptismo, relatando a a lenda que nos foi transmitida através dos pergaminhos medievais.
Vimos anteriormente que o príncipe Vladímir, filho de Ígor e neto de Oleg e bisneto do escandinavo Riurik, tomou o poder em Kíev em 978. Em 988 ameaçou os césares de Constantinopla, exigindo que eles lhe dessem a mão de sua irmã Anna. Os bassileus, porém, responderam com negativa, alegando que não podiam dar a mão de sua irmã a um pagão. Vladimir retorquiu quen estava pronto a fazer-se cristão...
Voltando a Kíev, Vladímir deu ordem para derrubar os ídolos ou atirá-los para o Dniepre. "Depois - escreve o cronista - Vladímir mandou anunciar por toda a cidade: "Se alguém não vier amanhã ao rio - seja rico ou seja pobre, ou pedinte ou escravo - esse será meu inimigo". Ouvindo isto, com alegria lá foi o povo. E no dia seguinte, saiu Vladímir com os popes para o Dniepre e lá se reunia um número sem conta de pessoas, ficando lá umas com água até ao pescoço e outras com ela até ao peito... Os popes rezavam. E havia alegria no céu e na terra, pela razão de tantas almas salvas." A memória de Vladímir conservou-se nas "bylinas" (cantos populares épicos), onde frequentemente se recordam os seus festins:
Na gloriosa cidade
Em Kíev, com o carinhoso
Príncipe com Vladímir,
Como havia festanças...
Nota: O príncipe Vladímir é considerado Santo pela hagiologia ortodoxa russa
No tempo do príncipe Ígor já existia a Igreja cristã de Santo Elias. O príncipe Ígor morreu em 945. A sua viúva, a princesa Olga, recebeu a fé cristã, mas o filho Sviatoslav recusou-se a ser baptisado: "Como só a mim mudar de fé? A drujina começaria a rir-se de mim", dizia ele.
O filho dele Vladímir começou a reinar em Kíev em 978, seis anos após a morte do pai. Nesse tempo ainda havia ídolos em Kíev, aos quais às vezes sacrificavam seres humanos.
O historiador Platonov transmite-nos da seguinte forma a tradicional lenda do baptismo da Russ'
Chegaram a Vladímir (986), a princípio, os búlgaros do Volga, louvando o seu maometanismo, depois, os estrangeiros do papa de Roma, depois, os ebreus khazares, e por fim, um filósofo grego com a sabedoria ortodoxa.
Todos eles queriam atrair Vladímir para a sua fé. Ele ouviu a todos e a todos mandou embora, com excepção do grego. Com o grego ele conversou muito, mas não se baptisou por enquanto.
No ano seguinte (987), Vladímir convocou os seus conselheiros e contou-lhes que o que mais lhe impressionara foram as informações do filósofo grego sobre o credo ortodoxo. Os conselheiros deram ao príncipe a ideia de enviar embaixadores aos diferentes países para apreciarem : "Quem e como se serve a Deus?"
Indo ao ocidente e ao oriente, os enviados estiveram na cidade dos Césares (Constantinopla) e ficaram lá muito impressionados pela indescritível magnificência do serviço divino. Isto decidiu o príncipe.
Em 988 Vladímir foi com o seu exército a Korsun - a principal cidade grega na Crimeia - e sitiou-a. A cidade resistiu tenazmente. Vladímir prometeu que se baptisaria, se tomasse a cidade, e efectivamente conquistou-a.
Ainda sem se baptisar, enviou embaixador a Constantinopla, aos césares-irmãos, Vassílio e Constantino, ameaçando que iria até eles, exigindo que lhe fosse dada em casamento Anna, a irmã deles.
Os Césares responderam-lhe, que não podiam dar-lhe a irmã em casamento, porque ele era pagão e ateu.
Vladímir replicou que estava pronto a se baptisar. Então mandaram a Korsun a sua irmã e com ela os sacerdotes que baptisaram o príncipe russo e o casaram com a czarevna.
[Este ano, a TV moscovita lembrou o 1125 º aniversário do baptismo dos russos. Parece que os Russos têm melhor memória histórica do que nós Portugueses...]
Os partidos andam muito atarefados a tentar encontrar os seus “candidatos” para as Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia.
Acontece que, para as autarquias já se abriu aquilo a que chamei “uma pequena janela democrática”. Já podem, também – devia ser exclusivamente – apresentar-se candidatos apenas apoiados por um certo número de eleitores do seu círculo.
Desde que há essa pequena janela democrática já foram vários os casos em que estes candidatos autenticamente independentes derrotaram os dos partidos. Lembro que os “independentes” apresentados em qualquer lista partidária só lá estão porque o partido espera que eles façam o que o partido deseja.
Um outro aspecto que está a ser considerado muito importante é quem “ganha” as eleições autárquicas, naturalmente, em termos de partidocracia. A não ser pela presidência da Associação de Municípios, não sei que reflexos possa ter nas eleições gerais um partido ter a presidência de mais uma Câmara Municipal do que outro.
Temos provas de que os eleitores, quando podem votar livremente – infelizmente para a Assembleia da República não podem – escolhem pessoas e não partidos. Antes de se abrir a “pequena janela democrática” já tínhamos uma prova desse facto. O Presidente da Câmara Municipal de Ribeira de Pena, que tinha sido eleito pelo CDS, ia, nas eleições seguintes, ser eleito pelo PS, então no governo. Na sua ingenuidade, o candidato declarou, creio que a uma rádio e em jeito de justificação, que “quem está com o poder come; quem não está cheira”. O PS não gostou e decidiu que ele não seria o seu candidato. Mas os eleitores gostaram da sua acção como Presidente e desejavam reelegê-lo. Como nessa altura a ditadura partidocrática ainda era total – como se mantem para a Assembleia da República – e ele não podia concorrer como independente, concorreu pelo PPM e ganhou! Como escrevi em 1997:
“Com a habitual miopia partidocrática, o PS resolveu "castigar" esse seu autarca. E, dentro do sistema ditatorial-partidocrático em que vivemos, resolveu que ele não seria o candidato do PS a essa câmara. Custou caro, ao PS, a miopia!
O ex-PS concorreu na lista doutro partido, no caso o Partido Popular Monárquico (PPM). Podia ter sido qualquer outro! Como a população considerou que esse autarca era bom ou, pelo menos, melhor do que os outros candidatos, votou maioritariamente PPM!
Porque deu subitamente um desejo de monarquia nesses eleitores? Obviamente que não. Queriam lá saber disso! O que queriam era o seu antigo autarca e, se a maneira de o ter era votar "monárquico", votava-se monárquico!
E o PS ficou a chuchar no dedo!
Como prova da desgraça do sistema que nos impuseram, com uma Constituição que também nos impuseram, sem ser plebiscitada, não se pode ter melhor.”
Em tempos mais recentes, nas últimas eleições autárquicas, temos um exemplo ainda mais flagrante de que os eleitores não querem saber de partidos mas sim de pessoas. Como escrevi em 2009:
“A demonstração do que afirmei no início foi dada pelas eleições autárquicas de Faro e Tavira. Na grande maioria dos casos os Presidentes das Câmaras Municipais foram reeleitos e é bem evidente que se Macário Correia quisesse continuar a presidir à Câmara Municipal de Tavira também seria reeleito. Confiado na sua boa capacidade como autarca, resolveu candidatar-se a Faro, a capital do distrito e, portanto, com mais alargadas responsabilidades. Era uma candidatura arriscada porque, dentro da regra da reeleição dos Presidentes, teria de ganhar a José Apolinário e até lutar contra a imensa propaganda socialista, ajudada por uma boa parte da comunicação social. Macário Correia (PSD) ganhou a José Apolinário (PS). Porque os farenses resolveram preferir a Social Democracia ao Socialismo, se os nomes dos partidos tivessem alguma validade? Certamente que não. Apenas consideraram que Macário lhes dá mais esperanças de fazer melhor que Apolinário.
Em Tavira - onde certamente Macário (PSD) seria eleito se se tivesse candidatado - foi eleito Jorge Botelho (PS). Porque os tavirenses decidiram preferir o Socialismo à Social Democracia? Certamente que não. A razão óbvia é que, não podendo ter Macário, o candidato que lhes pareceu melhor foi Jorge Botelho que, por acaso, até era dum partido diferente.”
O meu conselho aos portugueses é que, para as próximas eleições autárquicas, sempre que tenham um candidato que considerem melhor do que qualquer dos propostos pelos partidos, não fiquem apáticos, aproveitem a tal pequena janela democrática, e tratem de chamar para ele a atenção dos eleitores, como já sucedeu nalguns casos, como referi. Quando – ou se - em Portugal houver eleições livres – o essencial duma democracia – , os partidos deixarem de ser órgãos de poder (neste país são órgãos de poder ditatorial) e os cidadãos puderem escolher livremente os seus deputados, é isto que vai acontecer nas eleições para a Assembleia da República. Então, sim, serão os “nossos” deputados, aqueles em quem livremente delegamos um poder que, em democracia, totalmente nos pertence.
Se a Literatura filia em correntes filosóficas, não é menos importante o contributo da Música para a compreensão do fenómeno literário, através dos recursos ligados à exploração do significante, especialmente a poesia que o Simbolismo identificará mesmo com a própria música, pela criação de uma arte de sugestão de estados de alma, mais do que expressão articulada de um pensamento coerente, através de um discurso essencialmente aliterativo, de repetição de sons.
De resto, tal como as demais Artes, também a Música sofre evolução concordante com os valores ideológicos dos períodos literários sucessivos, desde a música instrumental da Idade Média, intimamente ligada com a poesia quer profana quer religiosa, à música polifónica renascentista, à espectaculosidade da ópera e do ballet da época barroca, ao aperfeiçoamento da música instrumental e formação da orquestral com a criação sinfonia, do concerto, da música de câmara no século XVIII, em que se salientaram tantos virtuoses, à música liberta das regras clássicas e expressão de sentimentos da época romântica, à música verista concomitante com a escola realista, às variedades musicais do século xx, onde não faltam experiências no campo da música atonal, com a música concreta e a electrónica, analógicas da poesia concretista, que associa signo e forma, numa tentativa de recriar uma realidade mais próxima e mais ampla de ambiguidade.
Por esse facto, parece-nos necessária uma reestruturação pedagógica, no sentido da inclusão dessa disciplina ao longo do curriculum escolar, com vista a uma complementaridade cultural, indispensável na formação humanista do aluno, além de que é óbvio também, como nas demais disciplinas, o contributo linguístico do campo musical, com expressões como “pôr a tónica”, “pôr o acento” ”sonante”, “tonalidade”, “timbre”, “contraponto”, ou a própria exploração imagística de que é exemplo típico, o soneto barroco “Ao cavalo do conde de Sabugal que fazia grandes curvetas”, de autor anónimo:
Galhardo bruto, teu bizarro alento Musica é nova com que aos olhos cantas, Pois na harmonia de cadências tantas É clave o freio, é solfa o movimento.
Ao compasso da rédea, ao instrumento Do chão que tocas, quando a vista encantas, Já baixas grave, e agudo já levantas, Onde o pisar é som e o andar concento.
Cantam teus pés, e teu meneio pronto, Nas fugas, não nas cláusulas medido, Mil consonâncias forma em cada ponto.
Pois em solfas airosas suspendido, Ergues em cada quadro um contraponto, Fazes em cada passo um sustenido.
Também o Desenho, as Artes Plásticas, são complementares do ensino da Literatura, quer através do conhecimento dos valores técnicos das escolas de pintura, escultura ou arquitectura, quer pela importância que o visualismo toma em determinadas escolas literárias, mais especificamente na realista e na escola parnasiana, com o seu vocabulário de cor, próprio da criação sensorialista, ou mesmo a identificação com a pintura, como exprime frequentemente Cesário Verde:
Pinto quadros por letras, por sinais
Tão luminosos como os do Levante.
Como não reconhecer a necessidade de um estudo paralelo entre a Arte e a Literatura, quer no sentido de religiosidade do estilo gótico, ou no equilíbrio harmónico das linhas renascentistas, ou no dinamismo e angústia do transcendente dos excessos ornamentais barrocos, ou no transbordar de emoções da arte romântica, ou na luminosidade e realismo dos quadros impressionistas?
Se estas escolas dão relevo à forma, as escolas modernistas, como por exemplo o Cubismo, pretenderão recriar a ilusão do movimento e do fragmentário, tão expressivo neste século XX, pela multiplicidade de planos e ângulos nos quais as realidades dos mundos exterior e interior estão imbricados Terão adeptos na Literatura, nomeadamente no Sensacionismo e Interseccionismo dos poetas da Orpheu, al como o mundo dos sonhos ou do subconsciente da escola surrealista terá reflexos na pintura do mesmo nome, ou o Expressionismo se aparentará intimamente com a literatura de intervenção e revolta neo-realista. Por outro lado, também a língua se enriqueceu com o contributo das Artes Plásticas através de termos como “perfil” “caricatura”, “projecção”, “aguarela”, “escultural”, usados conotativamente.
Identidade com a Literatura e a Educação Física, vemo-la na expressão rítmica dos gestos e no desenvolvimento harmónico do corpo, dentro do conceito clássico do “corpus sanus”, além de que o estudo evolutivo das escolas de dança traria achegas valiosas ao estudo literário.
E a Matemática, e a Geometria, e a Física, com a sua terminologia de tão vasta aplicação linguística, como por exemplo “linear”, “linearidade”, “pontual”, “símbolo”, “operacional”, “hipérbole”, “limite”, “técnica circular”, “dinâmica”, “óptica”…., sem esquecer o uso poético que delas faz, por exemplo, Cesário Verde, ao definir os seus versos como “desenho de compasso e esquadro”, dado o seu carácter geométrico, rigoroso, exacto de observação e técnica analítica.
E a Geografia de Crónicas e relatos de viagens e aventuras exóticas, caso da “Peregrinação” de Fernão Mendes Pinto, e a Biologia, a Astronomia, etc., que inspiraram poetas como Gedeão, no uso de uma terminologia especializada de não pequeno valor poético, apesar da especificidade do termo denotativo. Aliás, tal especificidade encontramo-la ao longo da história literária, no concretismo das imagens, desde a “Fénix Renascida” a Tolentino, Cesário, Pessoa, Álvaro de Campos, Miguel Torga…
Também a História, não só transmite conhecimentos de épocas passadas, em íntima relação com os movimentos culturais, mas proporciona a identificação de mitos, contribuindo ainda para a formação de narrativas históricas com valor literário e para a criação da epopeia, onde não só a história mas um grande número de ciências perpassa.
Escusado será falarmos no contributo das línguas vivas, com o estudo comparativo no campo gramatical, linguístico e literário, ou das línguas clássicas, para o estudo aprofundado e etimológico da língua pátria, além de mergulhar no conhecimento literário dos clássicos, de tão extrema importância para a formação humanista.
Pressionados por horários inflexíveis e tarefas pesadas de realização e correcção de testes e outras actividades colaterais, isolamo-nos no nosso mundo de trabalho e premências, sem nos darmos conta de que uma interacção entre colegas de grupos diferentes poderia em parte enriquecer-nos mutuamente, suprindo dúvidas e respondendo a carências que procuramos as mais das vezes resolver isoladamente, com mais ou menos aplicação, maior ou menor interesse de actualização. Essa interacção. Resultaria, sem dúvida, em benefício do ensino relativamente à formação do estudante.
Este pequeno trabalho pretende apelar para uma junção de esforços num sentido, não só de enriquecimento mútuo pelo apontar de informações e soluções, como no objectivo de criar uma harmonia e unidade num ensino naturalmente diversificado pela especialização de matérias, mas que uma conjugação de valores interdisciplinares poderá ajudar a unificar e a enriquecer como meio, parcial embora, de obstar a uma progressiva degradação do nosso ensino, que originou a frequente análise do problema, subordinada ao tema do insucesso escolar no nosso país.
O século XX, ao caracterizar-se por uma cada vez maior desagregação trazida pela decomposição do átomo e da matéria, com reflexo sobre uma evolução tecnológica e científica cada vez mais alucinantes, sofrerá a influência de correntes de pensamento variadíssimas que naturalmente imprimirão a sua marca sobre a Literatura.
No início do século o Primeiro Modernismo ou da Geração da Revista “Orpheu” definir-se-á por um propósito desestabilizador de destruição dos valores tradicionais, ligados às correntes simbolista e saudosista, e de ataque ao conservadorismo burguês, aliados a um espírito inovador que, na esteira do futurista Marinetti, apregoa a máquina, o dinamismo, a velocidade, a simultaneidade, o progresso, o feio, num propósito dessacralizador da Arte.
O Surrealismo, surgido ainda no primeiro quartel do século, com André Breton, impregna-se dos conceitos da psicanálise, ao explorar literariamente o mundo fantasmagórico e incoerente do subconsciente.
O Segundo Modernismo, que vigorou em Portugal através da Geração da “Presença” de que José Régio foi o expoente maior, além do mérito de destacar os poetas da “Orpheu”, nomeadamente Pessoa, retoma uma atitude mais tranquila de contemplação narcísica desligada do mundo exterior, e de inquietação metafísica.
Suceder-lhe-á em breve, e em consequência das graves convulsões sociais do segundo quartel do século XX, a escola neo-realista, apoiada na ideologia marxista, tendente a intervir na solução social, ao defender uma tomada de consciência das classes trabalhadoras exploradas.
A esta literatura de empenhamento social, opor-se-á um literatura de cunho existencialista, de que Vergílio Ferreira, que se iniciou como neo-realista, será talvez o escritor mais convicto, sempre maleável a novas experiências literárias, como demonstrará posteriormente com a técnica do “novo romance”, apoiado este em técnicas narrativas onde não cabem a ordem comum nem os esquemas tradicionais subentendendo acção, personagens, elementos espácio-temporais, despidos uns e outros de valor efectivo, em benefício de uma multiplicação de valores diversos que passariam despercebidos na narrativa tradicional
Também o novo teatro ou “antiteatro”, no mesmo desígnio de subversão relativamente aos valores literários tradicionais, explorará a temática do absurdo, em que as personagens se comportam como “robots” grotescos, sem densidade psicológica, a acção inexistente ou circular, repetitiva, os elementos espaciotemporais destituídos de valor real, onde sobressaem figuras desarticuladas, sem vida interior, traduzindo, num universo de “non-sens”, o irrisório e cruel do destino humano.
A par da ideologia presidindo à expressão da obra literária, diversifica-se esta numa temática mais ou menos variada, de cariz as mais das vezes filosófico também. É por demais conhecido, por exemplo, o tema do devir, da mudança, repousando na fórmula heraclitiana – apesar da oposição dos eleatas, adeptos do estatismo, da unicidade – do homem banhando-se no rio, excluindo qualquer sentido de paragem ou repetição, e desde sempre poetas e prosadores exploraram o conceito:
- Num sentido mais objectivo, do desgaste físico que o tempo traz e a consequente instância epicurista ao gozo, formalizada no “carpe diem” horaciano, percorremo-lo desde os poetas clássicos, a Ricardo Reis, a António Gedeão…
- Num sentido mais pessimista ainda do fluir irreversível do tempo para a morte, encontramo-lo na angústia burilada e sintética dos poetas barrocos, na mais eloquente dos escritores românticos, em Cesário, António Nobre, Pessoa, que tão agudamente define o sentido do absurdo e do paradoxo, num existencialismo que reencontraremos nos escritores existencialistas do após-guerra, embebidos de Sartre, Camus e outros.
- Num sentido mais simbólico de um hegelianismo “avant la lettre”, a evolução espiritual da Alma no Auto do mesmo nome de Gil Vicente, segundo o conceito de tese, antítese e síntese, identificada a primeira com o Anjo e a segunda com o Diabo, sendo á Alma a síntese da luta antitética, síntese que inicialmente se processa num sentido descendente, de degradação materialista com a vitória do Diabo, e em seguida ascendente, de eleição espiritual, com a vitória do Anjo e o triunfo da Igreja.
O mesmo tema do devir, da mudança, que o romance português, desde a “Menina e Moça” a Garrett, aos romancistas contemporâneos, explora num sentido de inquietação espiritual ou psicológica, resultante de instabilidade temperamental, ou num sentido de continuidade temporal, apoiar-se-á, neste século XX, na corrente bergsoniana do fluir da memória e da consciência, de que é exemplo típico o romance de Agustina Bessa Luís, “A Sibila”, marco diferenciador de uma nova era literária, pela exploração alucinante de uma imagística e uma ironia riquíssimas, aliadas a um processo narrativo que, ao invés da linearidade, conjugada com frequentes analepses ou retrospectivas do romance estandardizado e pragmático do século XIX, feito para um público convencional, exigente de coerência e segurança, utiliza, pelo contrário, uma técnica exigente de constantes apelos e fugas, à maneira da rosácea gótica, em que as linhas de acção se movem num constante fluir e refluir de elementos trazidos por um processo evocativo, saltando constantemente no tempo e no espaço sem, todavia, quebrar a unidade e a progressão narrativas.
Estou a mudar de casa. E rasgo papéis, para na nova casa “do lar que sempre terei”- porque foi dos meus pais e a ela me prende tanta recordação de “como a família é verdade” - na nova casa conseguir enfiar tanto do que construí, a acrescentar aos objectos da vivência deles. “Estou só e sonho saudade” enquanto releio e rasgo, para poder caber. E reli este, escrito pelos anos oitenta que achei que caberia ainda na casa e neste nosso século, como reforço instigador do estudo da literatura em coesão interactiva com as demais disciplinas:
«REFLEXÃO SOBRE INTERDISCIPLINARIDADE E LITERATURA» - 1
Ao pretender-se estabelecer coesão e afinidade entre as várias disciplinas do curriculum escolar em mira de uma mais perfeita integração do aluno na realidade da sua integração pedagógica, a linha orientadora do princípio não ignorou, certamente, quanto a literatura, como reflexo da vida, através da expressão escrita, acentua, mais sugestivamente que qualquer outra disciplina, os pontos de contacto com aquelas.
Daí que, na reforma do Ensino subsequente ao 25 de Abril, consideremos como factor positivo a imposição do estudo do Português no Curso Complementar, independentemente das opções seguidas pelos alunos.
Propusemo-nos, pois, verificar, superficialmente embora, alguns dos aspectos identificadores da literatura com as realidades social e cultural já que, como veículo depurado da palavra, ela pode, mais directamente que qualquer meio artístico ou científico, expressar o mundo exterior ou interior do homem, pela utilização sempre enriquecida de terminologia que lhe é conferida pela evolução cultural.
Como qualquer outra forma de arte, a literatura pretende concretizar uma reflexão do homem individual sobre a realidade exterior e a transcendente, daí que a sua afinidade primeira com a Filosofia, como ciência esta que melhor responde à inquietação existencial do Homem, se nos imponha, através das suas formas naturais – Lírica, Narrativa ou Dramática.
Assim, no longo percurso da Literatura Portuguesa, cada época literária embebe-se, naturalmente, de uma ideologia “sui generis” com os conceitos filosóficos em vigor.
À religiosidade medieval, de tipo teocêntrico e dogmático, apoiando-se na autoridade dos textos, segundo preceitos escolásticos, seguir-se-á, na época clássica, a exploração de um idealismo neoplatónico, de par com o criticismo reformista e posteriormente a atitude experimentalista e o racionalismo cartesiano favorecedores de uma visão objectiva e lúcida na caracterização do homem universal.
Com o Romantismo, a inquietação religiosa, a busca do Absoluto, traduzem antes uma concepção pessimista do mundo e uma atitude polarizadora do “ego”, para se diversificarem em correntes cada vez mais variadas, que procuram essencialmente a solução para o problema social, já que o liberalismo defendido pelos filósofos da Revolução Francesa, juntamente com o progresso industrial do século XIX, conduzira, contrariamente às aspirações desses filósofos, ao desnivelamento social, pelo desenvolvimento do capitalismo e a consequente exploração do proletariado. No Realismo, não podemos alhear-nos, pois, da influência da doutrinação socialista sobre a temática dos escritores tal como, e correlativamente, da influência da doutrinação positivista bem como da importância do evolucionismo de Darwin ou do determinismo de Taine, de que os escritores naturalistas se inspiram para justificar a modificação dos comportamentos de acordo com o meio físico, a raça, as condições particulares do momento.