Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

A bem da Nação

AÍNDA A TEMPO...

 

 ...O ANJO CUSTÓDIO DE PORTUGAL

 

O 10 de Junho foi escolhido por ser também o Dia Nacional de Portugal, quando a nação portuguesa celebra a morte de seu maior génio, Camões.

 


Antecedentes históricos

 

O primeiro rei de Portugal, Dom Afonso Henriques, notabilizou-se não só pelo valor guerreiro e nobre, mas principalmente por uma grande santidade. É assim que o próprio Nosso Senhor Jesus Cristo lhe aparece para manifestar ao mesmo o desejo de fundar um grande reino através de seus descendentes e pedindo que coloque os símbolos da Paixão no brasão de Portugal.

 

Dom Afonso Henriques tinha uma grande e entranhada devoção ao Arcanjo São Miguel. Antes do rei haver tido a visão de Nosso Senhor, apareceu-lhe um Embaixador angélico, dizendo-lhe: "Sois amado do Senhor, porque sem dúvida pôs sobre vós, e sobre vossa geração depois de vossos dias, os olhos de sua misericórdia, até a décima sexta descendência, na qual se diminuirá a sucessão, mas nela assim diminuída, Ele tornará a pôr os olhos e verá". Em seguida, declara o próprio rei: "Obedeci, e prostrado em terra, com muita reverência, venerei o embaixador e Quem o mandava. E como posto em oração, aguardava o som, na segunda vela da noite ouvi a campainha, e armado de espada e rodela saí fora dos reais, e subitamente vi à parte direita, contra o nascente, um raio resplandecente indo-se pouco a pouco clareando, cada hora se fazia maior. E pondo de propósito os olhos para aquela parte, vi de repente, no próprio raio, o sinal da Cruz, mais resplandecente que o sol, e um grupo grande de mancebos resplandecentes, os quais creio que seriam os santos anjos.." O santo rei, chorando maravilhado com a visão, vê finalmente Nosso Senhor, que lhe diz: "Não te apareci deste modo para acrescentar tua fé, mas para fortalecer teu coração neste conflito, e fundar os princípios do teu reino sobre pedra firme. Confia, Afonso, porque não só vencerás esta batalha mas todas as outras em que pelejares contra os inimigos da minha cruz. Acharás tua gente alegre e esforçada para a peleja, e te pedirá que entre na batalha com o título de rei. Não ponhas dúvida, mas tudo quanto te pedirem lhes concede facilmente. Eu sou o fundador e destruidor dos reinos e impérios, e quero em ti e em teus descendentes fundar para Mim um império, por cujo meio seja Meu nome publicado entre nações mais estranhas. E para que teus descendentes conheçam Quem lhes dá o reino, comporás o escudo de tuas armas do preço com que Eu remi o género humano, e daquele por que Fui comprado pelos judeus, e ser-Me-á reino santificado, puro na fé e amado da minha piedade". Até os dias de hoje permanecem os estigmas da Paixão no escudo da grande nação portuguesa.

 

Um episódio demonstra quanto os homens que cercavam o rei Dom Afonso Henriques eram também de grande valor. O rei de Leão, Afonso VII, estava cercando as tropas de Afonso Henriques e a derrota deste parecia iminente. Egas Muniz, que fora educador de Afonso Henriques, vai até Afonso VII e empenha sua palavra de que seu antigo pupilo lhe prestaria obediência. Confiando na promessa do nobre português, o rei de Leão levanta o cerco. Como Dom Afonso Henriques não cumpriu a palavra, que aliás não dera, Egas Muniz vai até junto do rei de Leão, acompanhado da mulher e filhos, em traje de penitente, pedindo que o mesmo lhe castigue por não se ter cumprido o que prometera. E o castigo, Egas Moniz o sabia, poderia ser a pena de morte. Admirado com tal grandeza de alma, o rei manda de volta e em paz o fidalgo português.

 

Dom Afonso Henriques continua suas conquistas, principalmente contra os mouros. Em 1147 domina Santarém, que era um grande baluarte islâmico. Algum tempo depois, sob o comando pessoal de Al-Baraque, rei de Sevilha, Santarém é sitiada. O santo rei vê-se impotente para liderar a defesa dos cristãos pois estava ferido numa perna e sem poder montar a cavalo. Mesmo assim, arrisca-se e vai lutar pela defesa de seus homens em Santarém. Quando se encontrava no meio dos combates, Dom Afonso Henriques vê, junto de si, um braço levantado brandindo uma espada. Percebe claramente que um Anjo do Senhor estava a seu lado para protegê-lo.

 

Quando os combates estavam em sua fase mais renhida e sangrenta, o braço angélico começou a desferir mortais golpes contra os mouros, os quais fugiam aterrorizados e deixavam o campo de batalha à mercê dos soldados cristãos. Os próprios soldados agarenos, presos durante a batalha, confessaram ter visto o braço angélico armado com a espada a lhes deferir mortais golpes.

 

Como prova de gratidão por tão insigne favor divino, Dom Afonso Henriques fundou a Ordem militar com o nome de "São Miguel da Ala" (a palavra "ala" é aplicada no sentido de "levantada" ou "alada"), em honra daquela intervenção angélica. Seus descendentes estabeleceram o costume de colocar nos seus filhos os nomes dos três Arcanjos, São Miguel, São Gabriel e São Rafael, também em honra desta batalha.

 

Cresce a devoção ao Anjo de Portugal ao longo dos anos

 

A pedido do rei Dom Manuel e dos bispos portugueses, o Papa Leão X instituiu em 1504 a festa do «Anjo Custódio do Reino» cujo culto já era antigo em Portugal.

 

Oficializada a celebração tradicional, Dom Manuel expediu alvarás às Câmaras Municipais a determinar que essas festas em honra do Anjo da Guarda de Portugal fossem celebradas com a maior solenidade. Na referida festa deveriam participar as autoridades e instituições das cidades e vilas, além de todo o povo. Por determinação das Ordenações Manuelinas a festa do Anjo de Portugal era equiparada à festa do Corpo de Deus, já então a maior festa religiosa de Portugal, em que toda a nação afirma a sua Fé na presença real de Cristo na eucaristia.

 

Esta celebração manteve o seu esplendor durante os séculos XVI, XVII e XVIII, período em que Portugal mantinha grande poder e muita religiosidade, e decaiu no século XIX quando o país já estava em decadência.

 

De acordo com o testemunho dos Pastorinhos de Fátima, em 1915 e 1916 o Anjo de Portugal apareceu por diversas vezes a anunciar as aparições de Nossa Senhora nesta sua Terra de Santa Maria e deu aos Pastorinhos a comunhão com o «preciosíssimo corpo, sangue, alma e divindade de Jesus Cristo» como ele próprio declarou.

 

O culto do Anjo de Portugal teve o seu maior brilho nas cidades de Braga, Coimbra e Évora, especialmente na diocese de Braga, Sé primaz de Portugal, onde se celebrava a 9 de Julho.

 

No tempo de Pio XII a festa do Anjo de Portugal foi restaurada para todo o País e transladada para o dia 10 de Junho a fim de que o Dia de Portugal fosse também o Dia do Anjo de Portugal.

Nota: O que muitos desconhecem é o facto de Custódio significar protector e da Lenda de S. Jorge também fazer parte da História do Anjo Português. S. Miguel, S. Jorge são idênticos em diversos aspectos, daí o nosso povo antigamente ter cruzado ambas as histórias.

Hoje sabe-se que o nosso Anjo Custodio é o Arcanjo S. Miguel e também que o nosso padroeiro é o famoso Guerreiro S. Jorge...

 

In «Portugal misterioso»

 

Selecção de

 

 Pedro Aguiar Pinto

FALADURA DURA DURA

 

Porque cá, na freguesia

Usamos como sistema

Atacar em discursatas

Com muita sabedoria,

A moral e os costumes

E hoje em dia a economia,

Sobretudo,

Do governo que está em palco,

Bem sortudo,

Procurei em Florian

Uma mensagem irmã

Disto que hoje encontramos

Por cá.

Senão, vejamos:

 

 

A raposa pregadora

 

Uma raposa quebrada, gotosa, apoplética,

Mas instruída, eloquente, esperta,

Dominando a lógica

Pôs-se a pregar com acerto

No deserto.

O seu estilo era florido, a sua moral excelente

Segundo a ingénua gente.

Provava em três pontos que a simplicidade

Os bons costumes, a probidade,

Trazem, com pouco custo, essa felicidade

Que um mundo impostor nos apresenta

E nos faz pagar caro, sem a dar deveras,

Puras quimeras.

O nosso pregador nenhum êxito obtinha;

Ninguém aparecia excepto

Cinco ou seis marmotas,

Ou então umas corças devotas

Que viviam perto,

Longe do barulho, sem vizinhos, sem favor,

E não podiam pôr em dúvida o orador.

Ele tomou o bom partido de mudar de tema,

Pregou contra os ursos, os tigres, os leões,

Contra os seus apetites glutões,

A sua sede, a sua raiva sanguinária.

Toda a gente acorreu então aos seus sermões:

Veados, gazelas, cabritos monteses,

Neles achavam mil encantos;

O auditório saía sempre em copiosos prantos;

E o nome da raposa breve ficou famoso.

Um leão, rei do país,

Bom homem afinal e velho muito piedoso,

De a raposa ouvir ficou curioso.

A raposa mostrou-se encantada

Por poder, na corte, fazer a sua entrada:

Ela chega, ela prega, e, desta vez,

Ultrapassando-se a si própria,

Sem qualquer desfaçatez,

Ela espanta, ela aterra

Os ferozes tiranos do bosque,

Pinta a fraca inocência de ar tremente

Implorando, cada dia,

A justiça, lenta em excesso e de grave preço,

Do dono e do juiz dos reis.

Surpreendidos com tanta ousadia,

Os cortesãos olhavam-se sem nada dizer;

Porque o rei achava o discurso excelente.

A novidade por vezes faz-se amar sem rudeza

E mesmo em beleza.

Ao deixar o sermão, o monarca extasiado

Mandou chamar a raposa:

“Você soube agradar-me,

Disse-lhe ele, mostrou-me a verdade;

Eu devo-lhe um justo salário,

Uma boa recompensa:

Que me pede como preço

Das suas lições de truz?”

Respondeu a raposa, nada tensa:

“Senhor, alguns perus”.

 

Até dá a impressão

De que os que vão à televisão

Falar no seu conceito de justiça

Andam também à cata de perus

Quando criticam e condenam,

Segundo a sua visão

Sempre a mais conhecedora

Dos desconchavos da política

Dos governantes da nação.

É  do que todos gostamos:

Botar faladura,

Fura que fura.

Para isso não há preguiça,

Pese embora a muita asneira

Saída sem canseira

Da boca de cada um,

Que só não quer fazer nenhum,

Segundo o habitual

Neste nosso Portugal.

 

 

 Berta Brás

OS JOVENS TURCOS

 Um manifestante na avenida Istiklal, nas proximidades da praça Taksim em Istambul, a 14 de julho.

 

Os jovens turcos cresceram na era da Internet, falam inglês e querem poder consumir álcool, se assim desejarem, em qualquer altura do dia ou da noite, ou terem a liberdade de beijar, na rua, aqueles que amam. Evidentemente, não renegam nem a sua fé nem a sua religião, mas é claro que entendem essas limitações como uma ingerência no seu espaço privado, na sua liberdade pessoal.

 

Não é a pobreza que os empurra para a rua, mas a perceção de que vivem num país onde o regime político está longe dos seus ideais

 

Tudo isso está também de acordo com o atual estatuto geopolítico e geoeconómico do país. A Turquia é membro da NATO já há muito tempo e demonstra um crescimento económico positivo e uma constante subida do nível de vida. E porque representa uma ponte entre o Ocidente e o Oriente, os Estados Unidos sempre lhe dedicaram uma atenção especial. E é por isso que, mesmo com o nível de vida a subir, os jovens saem à rua. É claro que não pedem pão, mas liberdade. Não é a pobreza que os empurra para a rua, mas a perceção de que vivem num país onde o regime político está longe dos seus ideais. A imagem da professora da Universidade de Istambul, vestida à ocidental, a ser agredida pelas forças da ordem, é o símbolo máximo dessas manifestações.

 

A Turquia aproxima-se do “fim da História”

 

Após um longo período de regimes militares, o Governo de Erdoğan é, na verdade, um regime civil. Mas há um paradoxo na governação do país. É justamente um regime político civil que põe em perigo a estabilidade e o equilíbrio trazidos pelos (antigos ditadores) militares.

 

Cada vez que há eleições neste género de países, são ganhas por um partido religioso fundamentalista que promete o regresso à tradição. Foi isso que aconteceu no Egito e vai ser isso que, muito provavelmente, acontecerá na Síria ou noutros lados. Isso diz muito sobre a imensa distância que ainda separa a Turquia do nosso mundo ocidental.

 

Para resolver essa enorme contradição, o mundo muçulmano precisa de uma revolução religiosa, semelhante à Reforma [protestante] realizada por Martinho Lutero, que possa estabelecer um equilíbrio entre a sua fé religiosa e a aspiração tipicamente humana de civilização e estabilidade. A Turquia não pode partir do zero. Tem uma tradição, basta olharmos para qualquer período da sua história ou lembrarmo-nos de Kamal Atataurk no início do século XX.

 

A Europa e os Estados Unidos podem ajudar a negociar uma solução de paz social para manter a estabilidade do país, numa zona cinzenta em termos de conformidade com as normas da democracia: nem democrática, nem antidemocrática. Este país poderá ter um grande potencial para se tornar, a médio prazo, uma grande potência, membro da NATO e da UE, um verdadeiro vetor de civilização com uma fronteira com o sempre problemático Médio Oriente.

 

A liberdade económica traz consigo a liberdade política. Na Turquia, os sinais do “fim da História” – tal como o imaginaram Hegel e Fukuyama – estão mais próximos do que noutros Estados muçulmanos. Por “próximos”, entendam não um ano ou dois, mas talvez algumas gerações. Mas o que é que isso significa à escala da História e da paciência de que o tempo dá provas em relação a nós? É absolutamente essencial que até lá o país continue estável.

 

in «Dilema Veche», Bucareste

CURTINHAS CXIV

 

Papel 7 - excel 0

 

v  Quando a troika entrou em cena, a economia portuguesa, moldada durante anos por uma “bolha de crédito bancário” de enormes proporções (quando medida em termos do PIB), era uma economia profundamente deformada – mas ainda não em colapso total. As actividades X (que não contribuiam assim tanto para o emprego) e o BCE iam mantendo-a à tona como que por milagre.

 

v  Quem a observasse à distância deparar-se-ia com duas realidades distintas:

-     Ali, as actividades X (tolhidas por um contexto disfuncional e pela inflação que soprava das actividades G+D), se não prosperavam, pelo menos iam-se aguentando;

-     Acolá, a procura interna (e com ela o grosso do emprego) suspensa de uma “bolha de dívida” que poderia esvaziar a qualquer momento;

-     E, a envolvê-las, a realidade dos Bancos de cá, a realidade do Governo e a dura realidade do desequilíbrio externo (medido pelos deficits que a BTC vinha acumulando, ano após ano).

 

v  O Governo:

(i) com um passivo cujos juros (e encargos) absorviam uma fatia cada vez maior das receitas fiscais;

(ii) na ignorância de que as receitas fiscais registariam uma quebra pronunciada, mal a “bolha de crédito bancário” rebentasse;

(iii) com um padrão de Despesas Públicas que só poderia ser sustentado se não houvesse limite para a Dívida Pública;

(iv) enfim, sem acesso aos mercados financeiros internacionais (que, até então, tinham sido a fonte privilegiada do financiamento público).

 

v  Os Bancos de cá:

(i) com dívidas avultadas nos mercados financeiros internacionais (nomeadamente, nos mercados interbancários), que já não conseguiam refinanciar – e para as quais não dispunham de Capitais Próprios bastantes;

(ii) com Balanços inflados, para mais expostos a perdas não provisionadas que excediam amplamente os seus Capitais Próprios;

(iii) com custos operacionais de tal modo elevados que fariam do fim da “bolha de dívida” um pesadelo para a estabilidade do sistema de pagamentos (por força do crédito malparado).

 

v  Enfim, todos, Bancos de cá, Governo, Empresas (actividades S, I e G+D) e Famílias a depender, em última análise, da liquidez que o BCE, e só ele, estivesse na disposição de fornecer (daí as Caturrices “Ligados à máquina” de Setembro de 2010 em diante).

 

v  Perante este cenário, a troika decretou: austeridade e ajustamento. Mas, na miopía de Maastrich, adoptou como objectivo primeiro o equilíbrio orçamental (porque não um ligeiro superavit?) – e mandou começar pela austeridade (para os ajustamentos havia tempo, tanto mais que não produziriam efeito imediato no equilíbrio orçamental). Atendendo à rigidez da Despesa Pública, aumentar a carga fiscal era, não só a solução que estava mais à mão, como a única solução possível.

 

v  É, agora, evidente que a troika queria resultados rápidos [Porquê? Adiantei uma explicação em Curtinhas CVII]. Mas padecia de miopías bem mais profundas, com origem comprovada nos manuais por onde estudara: a liquidez não interessava para nada (a tese da neutralidade do dinheiro) – um fait divers que não tinha lugar nas suas folhas de excel.

 

v  Acontecia, porém, que a situação precária em que os Bancos de cá se encontravam obrigava-os a encolher, de urgência, os seus Balanços (na gíria, “desalavancar”), quando mais não fosse, para voltarem a satisfazer os rácios de solvência e, desse modo, terem a esperança de regressar quanto antes aos mercados interbancários internacionais (pelo menos, a estes).

 

v  Dito de outro modo, com troika ou sem troika a “bolha de crédito bancário” tinha chegado ao fim – e iria mirrar num ápice, mesmo se os Capitais Próprios dos Bancos fossem rapidamente reforçados. E quando uma “bolha de dívida” esvazia, quando os Balanços dos Bancos encolhem, a liquidez em circulação contrai-se na exacta medida dos empréstimos que sejam reembolsados e não sejam, em seguida, repostos (os empréstimos que ficam por pagar, esses, deixam intacto o volume da liquidez em circulação).

 

v  Provavelmente, bastaria a “desalavancagem” dos Bancos de cá, e a consequente contracção da liquidez em circulação, para repor o equilíbrio da BTC – à custa das actividades I, como é bem de ver (tal como aconteceria se se tivesse recorrido à desvalorização cambial). Não sei. Mas mandava a prudência que se aguardasse para ver os efeitos de tal dinâmica nas actividades S e D+G (logo, no emprego) e nos rendimentos das Famílias, em geral.

 

v  Como era previsível, os efeitos negativos dessa “desalavancagem” iriam ser especialmente sentidos:

(i) na restrição nominal das Famílias endividadas - que se tornou mais restritiva;

(ii) em algumas actividades I (viaturas, equipamentos) e D+G (construção e comércio local). Sendo que estas últimas eram preponderantes na oferta de emprego.

 

v  Uma dinâmica recessiva que, aliás, a política fiscal prontamente posta em prática mais acentuou. O Governo cortou a fundo nos investimentos públicos (construção, obras públicas), reduziu transferências sociais e agravou o IVA – o que veio acelerar o ritmo a que a procura interna já se contraia (daí, muito provavelmente, a rapidez com que o deficit da BTC foi regredindo). Ah! E se pagava mal, mal continuou a pagar.

 

v  Com estas medidas, o Governo teve o condão de:

(i) asfixiar actividades que pouco ou nada contribuiam para os deficits da BTC, mas que eram relevantes para o emprego (por exemplo: restaurantes);

(ii) transformar recessões localizadas, sectoriais (por isso mais fáceis de gerir), numa recessão generalizada a toda a economia. No capítulo dos disparates, não se podia pedir mais.

 

v  Há porém um aspecto intrigante em tudo isto. Dos impostos cobrados, alguns terão servido para liquidar os juros e encargos com a Dívida Pública Externa (o que retirava liquidez da circulação) - mas não a reduziram (pelo contrário, ela continuava a crescer). E o restante (que era a maior parte) retornou à economia sob a forma de despesas públicas correntes (mesmo descontando os atrasos nos pagamentos). Todavia, olhando para as quebras do PIB e, sobretudo, para a evolução do desemprego dir-se-ia que o acréscimo do IVA, também ele, tinha retirado liquidez da circulação. Como assim?

 

v  Suspeito que a psicologia tenha entrado em cena e feito das suas. É que o Governo estava a cometer mais dois erros crassos:

(i) criava um clima recessivo;

(ii) e alimentava gota a gota (diria, sadicamente) a incerteza sobre o alcance e a dimensão da austeridade.

 

v  Quem perdeu o emprego, esperou pelas prestações sociais. Quem ficou insolvente, desapareceu. Mas, os que continuavam empregados e as empresas que se mantinham em actividade decidiram, como a formiga, não gastar (reter, guardar, entesourar), preparando-se para um inverno que não sabiam quão rigoroso seria e quanto tempo (talvez anos) iria durar. E, com isso, a liquidez que restava circulava mais lentamente, dando a sensação de que o seu volume seria ainda menor.

 

v  Inepto na gestão das expectativas, o Governo teve a habilidade de provocar uma alteração profunda (ainda que, suspeito, temporária) nas intenções de Famílias e Empresas – fazendo com que a recessão se auto-alimentasse. Dito de outro modo: a austeridade desencadeou uma espiral recessiva.

 

v  Não surpreende, pois, que a queda na procura interna, além do efeito “virtuoso” na BTC, tenha provocado um efeito “perverso” nas receitas fiscais, que vieram por aí a baixo. Assistimos, então, a algo inacreditável: tentava-se atalhar e remediar uma crise desencadeada pelo excessivo endividamente externo recorrendo a mais Dívida Pública Externa, para financiar o OGE!

 

v  É fácil prever como será de JUN2014 em diante:

(i) maior grau de dependência social (com a saída dos imigrantes);

(ii) uma Dívida Pública Externa insustentável;

(iii) os Bancos de cá, minados pelo crédito malparado, ainda sem acesso aos mercados interbancários internacionais (e com o Governo a ter de proceder a repetidas injecções de capital);

(iv) desaparecida uma parte significativa das actividades I e, sobretudo, das actividades D+G;

(v) o desemprego acima dos 20% (salvo se a emigração replicar os anos ’60);

(vi) o deficit orçamental teimosamente acima dos 3% do PIB (apesar dos cortes a eito nas transferências sociais e na produção de bens públicos). Salva-se o equilíbrio da BTC. Vá lá!

 

v  À guisa de conclusão: À troika, o que lhe sobejava em (más) teorias, faltava-lhe em (boas) ideias. E para alinhar ideias, uma singela folha de papel é quanto basta - não havendo excel que valha, quando as ideias não prestam. Daí o título desta série de Curtinhas.

 

(FIM)

 

Post Scriptum: Desiluda-se o Presidente da República, desiluda-se o Governo, desiludamo-nos todos. Com uma Dívida Pública Externa bem acima dos 120% do PIB, “voltar aos mercados”, mesmo com a BTC e a execução orçamental equilibradas, só se uma entidade financeiramente poderosa e credível, prestimosamente, nos servir de fiador. E basta que um destes equilíbrios (o externo ou o interno) se rompa para que ninguém, em seu perfeito juízo, esteja na disposição de nos prestar tão subido favor. Nisto, a troika tinha razão.Enganou-se foi no caminho – e, pelo caminho, enganou-nos.

 A. Palhinha Machado

Julho de 2013

A ASPIRINA

 

 

 

Embora haja indicação de que os egípcios, cerca de 1.500 anos AC, já usavam infusões de plantas para atenuar dores, foi Hipócrates, o famoso médico grego que viveu cerca de 400 anos AC (há 2.500 anos), quem descobriu que uma infusão de folhas de salgueiro tinha propriedades analgésicas.

 

Mas foi só em 1828 que o Professor de Farmácia, alemão, Johann Buchner isolou a substância que produzia esse efeito. Como os salgueiros pertencem ao género Salix, foi-lhe dado o nome de “salicina”. Em 1853, Charles Gerhardt e, em1897, duma forma mais perfeita, Felix Hoffmann, sintetizaram esse composto e, como tinha reacção ácida, recebeu o nome de “ácido salicílico”.

 

Em 1899 a firma Bayer, combinando o ácido salicílico com acetato para dar o ácido acetilsalicílico, começou a comercializar esse medicamento com o nome de “Aspirina”. Ao longo de mais de um século, a Aspirina, o ácido acetilsalicílico, continua a ser um medicamento muito usado.

 

Além dos efeitos já conhecidos de analgésico, antipirético e anti-inflamatório, foram descobertos outros de grande utilidade embora também alguns inconvenientes como ser capaz de provocar úlceras, um mal que pode ser prevenido se a Aspirina for tomada depois de esmagada e diluída em água, que pode ser açucarada, e sempre acompanhada com comida.

 

Na segunda metade do século XX, além de se descobrir a forma como actua, ao nível molecular, descobriu-se que o ácido acetilsalicílico tinha um bom efeito para impedir a agregação das plaquetas do sangue, que causam entupimento das artérias, de que resultam tromboses e infarto do miocárdio, o chamado ataque cardíaco.

 

Tal como neste caso do ácido acetilsalicílico, muitos outros medicamentos começam por ser extraídos de plantas e só depois a química isola e sintetiza a substância activa.

 

 Miguel Mota

 

Publicado no Linhas de Elvas de 18 de Julho de 2013

DESDÉM

 

 

Se um inglês ao passar me olhar com desdém,
Num sorriso de dó eu pensarei: Pois bem!
Se tens agora o mar e a tua esquadra ingente,
Fui eu que te ensinei a nadar, simplesmente.
Se nas Índias flutua essa bandeira inglesa,
Fui eu que t'as cedi num dote de princesa.
E para te ensinar a ser correcto já,
Coloquei-te na mão a xícara de chá...


E se for um francês que me olhar com desdém,
Num sorriso de dó eu pensarei: Pois bem!
Recorda-te que eu tenho esta vaidade imensa
De ter sido cigarra antes da Provença.
Rabelais, o teu génio, aluno eu o ensinei
Antes de Montgolfier, um século! Voei
E do teu Imperador as águias vitoriosas
Fui eu que as depenei primeiro, e ás gloriosas
O Encoberto as levou, enxotando-as no ar,
Por essa Espanha acima, até casa a coxear



E se um Yankee for que me olhar com desdém,
Num sorriso de dó eu pensarei: Pois bem!
Quando um dia arribei á orla da floresta,
Wilson estava nu e de penas na testa.
Olhava para mim o vermelho doutor,
Eu era então o João Fernandes Labrador...
E o rumo que seguiste a caminho da guerra
Fui eu que to marquei, descobrindo a tua terra.


Se for um Alemão que me olhar com desdém,
Num sorriso de dó eu pensarei: Pois bem!
Eras ainda a horda e eu orgulho divino,
Tinha em veias azuis gentil sangue latino.
Siguefredo esse herói, afinal é um tenor...
Siguefredos hei mil, mas de real valor.
Os meus deuses do mar, que Valhala de Glória!
Os Nibelungos meus estão vivos na História.



Se for um Japonês que me olhar com desdém,
Num sorriso de dó eu pensarei: Pois bem!
Vê no museu Guimet um painel que lá brilha!
Sou eu que num baixel levo a Europa á tua ilha!
Fui eu que te ensinei a dar tiros, ó raça
Belicosa do mundo e do futuro ameaça.
Fernão Mendes Zeimoto e outros da minha guarda
Foram-te pôr ao ombro a primeira espingarda.



Enfim, sob o desdém dos olhares, olho os céus;
Vejo no firmamento as estrelas de Deus,
E penso que não são oceanos, continentes,
As pérolas em monte e os diamantes ardentes,
Que em meu orgulho calmo e enorme estão fulgindo:
São estrelas no céu que o meu olhar, subindo,
Extasiado fixou pela primeira vez...
Estrelas coroai meu sonho Português!


P.S.

A um Espanhol, claro está, nunca direi: Pois bem!
Não concebo sequer que me olhe com desdém.

 

 

 Afonso Lopes Vieira

 

(por Columbano Bordallo Pinheiro, 1902)

UM CONTO DE APULEIO

 

 

Lucius Apuleius (Madaura, actual Argélia, c. 125 - Cartago, actual Tunísia c. 170), é um famoso escritor e filósofo médio platónico romano.

 

Nasceu numa abastada e influente família proveniente de Itália: o pai fora Cônsul, a mais alta magistratura municipal da Roma antiga e deixara aos dois filhos uma substancial fortuna avaliada em dois milhões de Sestércios.

 

Transferindo-se para Cartago, aprofundou os conhecimentos de poesia, geometria, música e sobretudo de filosofia, cujos estudos concluiu posteriormente em Atenas.

 

Interessava-se também pelos ritos esotéricos: em Cartago, pelos mistérios de Esculápio, o deus grego da medicina e da cura e, em Atenas, pelos mistérios eleusinos, os ritos de iniciação ao culto das deusas agrícolas Deméter e Perséfone.

 

Casou-se com Emilia Pudentilla, viúva rica e foi acusado pelos parentes dela de ter usado magia para lhe obter o amor e, pior para os acusadores, a herança. Defendeu-se através da célebre Apologia. Contudo, a sua obra mais famosa é Metamorphoseon Libri XI (Onze livros de metamorfoses), mais conhecida como O burro de ouro. Escreveu também Floridas (fragmentos de discursos) e De Deo Socratis.

 

* * *

 

O conto Eros e Psique, a Bella Falabella, constitui a parte central de O burro de ouro e resume-se como segue:

 

Psique, muito bela e a mais nova das três filhas de um rei, começa a ser venerada pelos humanos e desencadeia a inveja e a ira de Vénus que procura vingar-se pedindo a seu filho Cupido que atraia Psique convencendo-a de que é um ser monstruoso que só de noite se lhe poderá unir e fazendo-a prometer que nunca lhe verá a cara sob pena de o perder para sempre.

 

Psique cumpre a promessa mas, espicaçada pela curiosidade, não resiste e, enquanto o seu amado dorme, vê-lhe a cara à luz duma lucerna e descobre o verdadeiro Deus do Amor. Mas, inadvertidamente, pica-se numa das suas flechas e inocula em si mesma o amor do Amor. Só que da lucerna cai uma gota de azeite a ferver que cai sobre Cupido, o queima e o desperta. Ferido, abandona Psique em cumprimento das ordens de Vénus e voa até ao Olimpo. Ela tenta agarrar-se ao amado mas não consegue detê-lo e cai por terra. Pede auxílio a Ceres e a Juno para que tragam Cupido de volta aos seus braços mas estes recusam ajudá-la para não ofenderem Vénus.

 

Desesperada, Psique rende-se a Vénus mas esta, zangada e vingativa, incumbe-a de quatro tarefas humanamente impossíveis de realizar. Contudo, Psique consegue cumprir três dessas tarefas mas sucumbe quase no final. Sensibilizado por tantas provas de amor, Cupido devolve-a à vida e pede a Júpiter que lhe conceda a graça do casamento. Júpiter acede e Psique é levada para o Olimpo onde bebe o licor da imortalidade.

 

Consumado o casamento, nasce uma filha, Voluptas.

 

* * *

 

Sim, há Contos equivalentes na mitologia moderna ocidental. Por exemplo, A bela adormecida, a Cinderela, a Gata Borralheira, o Capuchinho Vermelho em que a inocente menina vence as forças cósmicas do mal, o amor do seu amado divinizado triunfa e chega-se à exaltação suprema do bem.

 

MORAL DA HISTÓRIA

 

A Alma vence porque livremente aceita submeter-se ao verdadeiro Amor.

 

Lisboa, Junho de 2013

 

 Henrique Salles da Fonseca

 

 

BIBLIOGRAFIA:

  • Wikipédia
  • Mário Garcia, SJ, “O poder de Psiquein BROTÉRIA,      Novembro de 2012, pág. 377 e seg.

DEVANEIOS

 

NOVO SISTEMA HÉLIO – TÉRMICO AO SERVIÇO DA HUMANIDADE

 

 

1

 

 

Nos limites fronteiriços da região desértica de Mojave-Califórnia e numa nesga de 1600 hectares, a empresa norte-americana Ivanpah (com capital de US $2,2 biliões) está implantando um sistema revolucionário, gerador de energia eléctrica sem poluição nem produção de óxido carbónico.

 

Num esforço empreendedor, a Ivanpah empenha-se na construção de três gigantescas Torres de depósito de água, com 150 metros de altura, que canalizam a água ebuliente e superaquecida para uma conduta ligada à turbina geradora de electricidade.

 

Utiliza-se um processo gerador de energia eléctrica bastante diferente de qualquer outro sistema, até mesmo do sistema fotovoltaico accionado pelo intenso calor produzido pelas chapas de silicone instaladas no topo dos edifícios arranha-céus comerciais, industriais, habitacionais et alii.

 

Quando o sol se escurece temporariamente por algumas horas, o sistema fotovoltaico perde sua força, enquanto no sistema hélio-térmico a água efervescente continua em plena ebulição.

 

No novo sistema hélio-térmico, a incandescência de raios solares concentrados por milhares de espelhos é tão forte e visível que a retina ocular, fortemente protegida por óculos escuros, poderá avista-la à distância de 1,6 km, pois os peritos estimam essa luminosidade como equivalente a de 28.000 sóis!

 

A Ivanpah aguarda completar, pelos finais do corrente ano, a 1ª das três Torres de água com a produção de 392 megawatts, o suficiente para satisfazer o consumo de energia no seio de 140.000 lares californianos. Os milhares de espelhos são mantidos na devida angularidade pela ajuda de 173.000 heliostatos accionados por pequenos motores.

 

2

 

Há quase quatro anos que a Ivanpah anda empenhada na realização deste seu gigantesco projecto, envolvendo 80% o dispêndio de capital realizado, com o empréstimo de US $1,6 biliões do Governo Federal dos EUA e a módica comparticipação de GOOGLE com US $168 milhões.

 

Porém nem tudo correu bem à dita empresa. Ela foi obrigada a suspender os trabalhos de construção durante alguns meses para satisfazer as exigências ambientais de biólogos e de conservadores, que encontraram tartarugas de espécie protegida na zona de actuação da Ivanpah. Assim, a Ivanpah viu-se assoberbada com a transferência de 150 tartarugas para um local mais seguro, gastando-se nesta tarefa mais de US $50 milhões. A empresa tomou o compromisso de não operar em zonas ambientais nos seus futuros empreendimentos.

 

O novo sistema hélio-térmico tem a desvantagem de ser um processo mais caro do que outros processos geradores de electricidade: éolico, hidráulico, marítimo ou fluvial, bem como outros usando o carvão, gás natural, óleo petrolífero et alii.

 

Todavia a Ivanpah não desiste de prosseguir no seu caminho, firmemente convencida de que o sistema hélio-térmico perdurará nos próximos tempos. Nos países de intensa radiação solar, sobretudo nas zonas desérticas ou semidesérticas do Médio Oriente, há países que desejam seguir no encalce da Ivanpah, aguardando com grande interesse o resultado de suas operações. Nos princípios do corrente ano, Abu Dhabi acaba de inaugurar uma estação geradora hélio-térmica com 100 megawatts, enquanto o Governo da Arábia Saudita projecta investir no novo sistema US $100 biliões.

 

O sistema fotovoltaico, atrás referido, vai fazer-lhe uma grande concorrência. Sua popularidade aumentou com a baixa de preços unitários de um watt, graças aos avanços tecnológicos e, em especial, ao abaixamento em 27% do preço da importação da China das placas de silicone fornecidas a baixos preços por empresas particulares ou estatais chinesas. Em 2012 o sistema fotovoltaico instalou novas geradoras nos E.U.A., num total de 3,3 megawatts.

 

 

 

 Domingos José Soares Rebelo 

 

Alcobaça,20.07.2013

 

 

 

Fonte: Bryan Walsh, in TIME Magazine (Vol. 181, nº24 de 24.06.2013)

 

   

ANEDOTAS DE MOÇAMBIQUE


Em 2001


Não vale a pena ver sempre tudo pelo lado trágico mas, vez por outra, encarar as situações com boa disposição. Faz até bem à saúde.

 

Multa por osmose

 

Um grupo de portugueses que há pouco tempo visitou a África do Sul, alugou meia dúzia de carros e aí vai em passeio pelo Kruger Park, e Suazilândia. Da capital suazi à fronteira de Moçambique são uns escassos 150 quilómetros. Porque não ir lá almoçar? Lá vão os seis carros, passam a fronteira mesmo sem visto, deixando os passaportes no controle de fronteiras, porque se tratava de uma visita de um só dia. Um pouco adiante na estrada, a Polícia. Manda parar os da frente e começa a multá-los porque não levavam os cintos de segurança colocados. O último carro parou também, mesmo sem que tivesse recebido ordens para isso, mas porque viajava com o grupo. Aproxima-se o polícia:


- Tu também estás multado.

- Multa de quê?

- Cinto de segurança.

- Mas eu tenho o cinto colocado, como vê. Só parei porque venho junto com aqueles carros.

- Paraste, não paraste? Então também vais pagar a multa.

- ?!

 

A “doença” da pele

 

O Jorge é um trabalhador moçambicano, escuro, como seria de imaginar, que presta serviço na carpintaria da Casa do Gaiato. O “mestre” é um antigo gaiato de Portugal, português de sotaque fechado lá das bimbas do Minho, louro. Trata todo o mundo como se fossem cães infiéis! Foi possivelmente assim que o trataram em pequeno até ser recolhido em Paço de Sousa, para se tornar homem. Berra muito, com todos, mas não passa de berraria, e a maioria já o deixa a falar sozinho. De qualquer modo não é agradável passar o tempo todo a ouvir um sujeito berrar, tanto mais que não parece ser esse o melhor método de ensino. Mas...

Um dia o Jorge, depois de ter feito uma série de asneiras na montagem dumas janelas, ouviu uns “porros” a mais e foi queixar-se. No calor das suas queixosas divagações teve a infelicidade de apontar para o pulso e dizer ameaçadoramente:
- Se não fosse esta pele.

Eu, que estava assistindo, não participando, do problema, avancei para o Jorge, peguei no braço dele e:
- Não me diga que você está com um problema de pele. Chegue aqui à luz. Deixe ver. O melhor é você ir ao posto médico. Pode ser contagioso.

O Jorge entupiu. Entendeu a mensagem e riu. Daí em diante quando passava por ele sempre lhe perguntava se estava melhor da pele! Ganhei outro amigo!


Lá vai o comboio, lá vai...

 

Portugal, quando Senhor de Moçambique, seguiu à letra a filosofia do homem de visão, cujas ideias foram desumanamente aplicadas, António Enes. Assim, em condições que na maioria dos casos se consideram hoje condenáveis, habilitou-se a colónia, ou província, com uma razoável rede de caminhos de ferro, com mais de 3.500 quilómetros de extensão. Isso permitiu desenvolver o país, e continua a ser uma das fontes de divisas, pelos serviços prestados aos vizinhos Suazilândia, África do Sul, Zimbabwe, Zâmbia e Malawi. Mal ou bem, depois da devastadora guerra fratricida, os comboios continuam a circular, a maioria do equipamento muito degradado.

 

 

 

“Apeadeiro Diogo”. Ao fundo a Casa do Gaiato

 

Uma das linhas faz Maputo-Suazilândia, sobretudo para daqui trazer o açúcar e outros produtos de exportação deste vizinho. A quarenta quilómetros da capital, passado Boane, o terreno sobe um pouco, muito pouco, e lá vem a formação, uma locomotiva e trinta e cinco vagões, a ter que vencer aquela serra de uns quarenta metros de altitude!

Durante as primeiras semanas que ali estive assisti a algo interessante. As locomotivas não tinham força para carregar aquela parafernália toda por ali “a cima”! O declive não será talvez de 0,5 por cento, mas a verdade é que num determinado lugar o trem parava. O maquinista descia, andava a pé pouco mais de mil metros e ia à Casa do Gaiato pedir para telefonar para a Estação Central. Ficava por lá um bocado na conversa, até que uma a duas horas depois chegava outra locomotiva a dar o empurrãozinho necessário para tirar o trem dali! Não aconteceu uma vez só. Durante várias semanas isto acontecia quase sistematicamente. Por fim devem ter reparado os motores e o problema ficou resolvido! No ano anterior, ali mesmo em frente à Casa, onde está a moderna estação-apeadeiro, “Diogo”, nome do antigo proprietário português daquela machamba e onde no tempo da guerra algumas formações ferroviárias foram dinamitadas e destruídas, voltava da Suazilândia mais um comboio, sempre com os mesmos trinta e cinco vagões a reboque. Desta vez o trem desce. As grandes inundações afectaram tudo, até a estrutura dos aterros de assentamento da linha, a que se pode juntar aquilo que normalmente se chamaria falta de conveniente manutenção. Um dos carris não aguentou, abriu e... lá vão vinte e seis vagões descarrilados. Uns com açúcar, outros com combustível, outros com carga diversa. O maquinista seguiu viagem. Quando parou na estação seguinte é que lhe perguntaram:


- Ha! Ha! Como tu só traz nove vagões? Onde estão os outros, pá?

- Não sei!

 

Não sabia. Nem se deu conta que a máquina puxava mais folgada. Era a descer. Da Casa do Gaiato é que viram o acidente, para lá correram, alertou-se a central e mandaram vir bombeiros e ambulâncias porque no meio daquelas ferragens estavam dois homens presos! Lá vieram. Primeiro, soldados para não deixar que o povo saqueasse o açúcar e outros alimentos. Sete horas depois o socorro aos homens. Um entretanto não necessitava mais de socorro!

 

 

Um dos vagões ainda lá está... “perdido”!

 

Rio de Janeiro, Dez. 2001

 

 Francisco Gomes de Amorim

A SEMENTINHA, TAL QUAL A OUTRA

 

 

Após o suspense vivido com a proposta de coligação pelo PR entre os principais partidos, que ninguém contava que fosse aceite, Cavaco Silva veio confirmar o que já se sabia, que só servira para atrasar e prejudicar mais a governação económica do país, mas o nosso Presidente estava contente com o interregno, que, ao que parece, lhe permitira lançar semeadura profícua criando colaboracionismo e paz entre todos os portugueses, após as palmatoadas daquele.

 

Mas a questão das sementes citadas pelo Presidente como processo de frutificação, trouxe-me à mente a “sementinha” da Toada de Portalegre de José Régio, que essa, sim, frutificou em acácia ramosa, lá na casa tosca e bela e numa cepa da velha varanda, transplantada a seguir para junto dos ciprestes do cemitério

 

Eu não julgo que as sementes do nosso Presidente venham a ter o mesmo destino macabro da acaciazinha de José Régio, que, apesar de tudo, teve um efeito benéfico de apaziguadora espiritual. Só que não acredito nelas. Aqui o fruto das sementes é mesmo um paleio indestrutível. Estou a ouvi-los já, dentes arreganhados na ferocidade do saber que, acalmado o medo de perda da côdea, se prepara para continuar a derrubar.

 

 

…………………………………….

Senão quando o amor de Deus

Ao vento que anda, desanda,

E sarabanda, e ciranda,

Confia uma sementinha

Perdida entre terra e céus,

E o vento a traz à varanda

Daquela Minha Janela

Da tal casa tosca e bela

À qual quis como se fora

Feita para eu morar nela!
Lá no craveiro que eu tinha,

Onde uma cepa cansada

Mal dava cravos sem vida,

Nasceu essa acaciazinha

Que depois foi transplantada

E cresceu; dom do meu Deus!,

Aos pés lá da estranha casa

Do largo do cemitério,

Frente aos ciprestes que em frente

Mostram os céus,

Como dedos apontados

De gigantes enterrados...

Quem desespera dos homens,

Se a alma lhe não secou,

A tudo transfere a esperança

Que a humanidade frustrou:

E é capaz de amar as plantas,

De esperar nos animais,

De humanizar coisas brutas,

E ter criancices tais,

Tais e tantas!,

Que será bom ter pudor

De as contar seja a quem for!
O amor, a amizade, e quantos

Mais sonhos de oiro eu sonhara,

Bens deste mundo!, que o mundo Me levara,

De tal maneira me tinham, Ao fugir-me,

Deixando só, nulo, vácuos,

A mim que tanto esperava

Ser fiel,

E forte,

E firme,

Que não era mais que morte

A vida que então vivia,

Autocadáver...
E era então que sucedia

Que em Portalegre, cidade

Do Alto Alentejo, cercada

De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros

Aos pés lá da casa velha

Cheia dos maus e bons cheiros

Das casas que têm história,

Cheia da ténue, mas viva, obsidiante memória

De antigas gentes e traças,

Cheia de sol nas vidraças

E de escuro nos recantos,

Cheia de medo e sossego,

De silêncios e de espantos,

- A minha acácia crescia.
Vento suão!, obrigado...

Pela doce companhia

Que em teu hálito empestado

Sem eu sonhar, me chegara!
E a cada raminho novo

Que a tenra acácia deitava,

Será loucura!..., mas era Uma alegria

Na longa e negra apatia

Daquela miséria extrema

Em que vivia,

E vivera, Como se fizera um poema,

Ou se um filho me nascera.

 

 

 Berta Brás

Mais sobre mim

foto do autor

Sigam-me

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2024
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2023
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2022
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2021
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2020
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2019
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2018
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2017
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2016
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2015
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2014
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D
  144. 2013
  145. J
  146. F
  147. M
  148. A
  149. M
  150. J
  151. J
  152. A
  153. S
  154. O
  155. N
  156. D
  157. 2012
  158. J
  159. F
  160. M
  161. A
  162. M
  163. J
  164. J
  165. A
  166. S
  167. O
  168. N
  169. D
  170. 2011
  171. J
  172. F
  173. M
  174. A
  175. M
  176. J
  177. J
  178. A
  179. S
  180. O
  181. N
  182. D
  183. 2010
  184. J
  185. F
  186. M
  187. A
  188. M
  189. J
  190. J
  191. A
  192. S
  193. O
  194. N
  195. D
  196. 2009
  197. J
  198. F
  199. M
  200. A
  201. M
  202. J
  203. J
  204. A
  205. S
  206. O
  207. N
  208. D
  209. 2008
  210. J
  211. F
  212. M
  213. A
  214. M
  215. J
  216. J
  217. A
  218. S
  219. O
  220. N
  221. D
  222. 2007
  223. J
  224. F
  225. M
  226. A
  227. M
  228. J
  229. J
  230. A
  231. S
  232. O
  233. N
  234. D
  235. 2006
  236. J
  237. F
  238. M
  239. A
  240. M
  241. J
  242. J
  243. A
  244. S
  245. O
  246. N
  247. D
  248. 2005
  249. J
  250. F
  251. M
  252. A
  253. M
  254. J
  255. J
  256. A
  257. S
  258. O
  259. N
  260. D
  261. 2004
  262. J
  263. F
  264. M
  265. A
  266. M
  267. J
  268. J
  269. A
  270. S
  271. O
  272. N
  273. D