FRASE DO DIA
Até que os leões comecem a produzir os seus historiadores, a história da caça irá apenas glorificar o caçador
Chinua Achebe
(nigeriano, fundador da literatura africana pós-colonial)
Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]
Até que os leões comecem a produzir os seus historiadores, a história da caça irá apenas glorificar o caçador
Chinua Achebe
(nigeriano, fundador da literatura africana pós-colonial)
De La Fontaine “Os dois galos”
São exemplo de feição
Para este ano começar
Em boa meditação
Após os apontados,
Como talismã,
No ano que terminou,
De Esopo e Florian
A toda uma grei irmã,
- Que assim o determinou
A lei cristã
Que homens e bichos irmana
Na reflexão humana:
Dois galos viviam em paz; uma galinha apareceu,
Eis que a guerra começou.
Amor, tu perdeste Tróia; e foi dest’arte
Que se formou
A questão envenenada
Em que o próprio Xanto, rio troiano,
(Juntamente com o Escamandro)
Foi tingido
Com o sangue dos deuses Vénus e Marte.
A notícia corre pela vizinhança.
A gente de crista ao espectáculo acorreu
Com prestança.
Mais de uma Helena da mais bela plumagem
Foi o prémio do vencedor; o vencido desapareceu
Falho de coragem.
Foi esconder-se no fundo do seu retiro,
Chorou, em fartas dores
A sua glória e os seus amores.
Os amores, que, ante a sua derrota,
O rival vaidoso
Exibia à vista dele.
Cada dia ele mirava, furioso,
A venerada imagem
A reacender o seu ódio e a sua coragem.
Afiava o bico, batia o ar e os flancos,
E, exercitando-se contra todos os ventos,
Armava-se de uma ciumenta raiva.
Mas não precisava disso. O seu vencedor
Sobre o tecto se foi empoleirar; e cantar a sua vitória.
Um abutre ouviu a sua voz de estentor:
Adeus amores, adeus glória.
Todo esse orgulho pereceu sob a garra do abutre.
Enfim, por um fatal retorno,
O seu rival venturoso voltou
A coquetear-se em torno daquela franga.
Deixo a pensar na sua lábia
Porque houve damas aos montes.
A Fortuna entretém-se a pregar destes golpes:
Todo o vencedor insolente trabalha para sua perda.
Desconfiemos da sorte de grande porte,
E tomemos cuidado connosco, sem falha,
Após o ganho de uma batalha.
Por isso se fala em roda da fortuna
Ou nos alcatruzes da nora que ora
Estão no alto ora lá por baixo.
Ora dentro ora fora
Do poço de água clara.
Mas eu não acho
Que quando se obtém
O tacho de qualquer luxo
Seja necessária tanta prevenção
Contra o desvio provável
Verdadeiramente insuportável,
E de decepção
Dessa roda da sorte forte
Em azar de morte.
Aqui, pelo menos,
Não vemos disso, não.
Que abutres somos
Os que subimos.
Sempre isso vimos.
Sem excepção.
O Acordo Ortográfico foi um processo infeliz, tratado nas costas da população dos países lusófonos, como se a língua fosse propriedade de um grupo de linguistas e os Governos tivessem legitimidade para mudar por decreto uma língua que não é propriedade sua, mas do país e dos cidadãos.
O percurso errático do Acordo Ortográfico arrasta-se há 23 anos (ou melhor, há 38, porque começou a ser pensado em 1975) e ainda não está legalmente em vigor, porque as populações dos vários países lhe resistem e porque, quando se tentou impô-lo pela força de um decreto, o resultado foi o caos.
O que faltará acontecer para que os sucessivos Governos reconheçam que pretendem a quadratura do círculo e que estas tentativas pura e simplesmente não funcionam?
Recentemente a Presidente Dilma adiou para 2016 a entrada em vigor do Acordo Ortográfico no Brasil, e, a acreditar nos jornais, tomou essa decisão unilateralmente, sem consultar os seus parceiros.
Pretende-se vender-nos a ideia patética de que o português de grafia uniformizada (vulgo, o "acordês") é a língua do poder e dos negócios. Seguindo o "acordês" todos seríamos, a reboque do Brasil, grandes potências emergentes, a caminho de um mundo magnífico de poder e riqueza, partilhado por 240 milhões de falantes. Será que não percebemos a irracionalidade desta ideia?
A verdade é que o Brasil - ele sim - é uma grande potência emergente, o que nos alegra porque também nós o amamos. Mas Portugal, e outros pequenos países lusófonos, jamais serão grandes potências ou terão o peso do Brasil. Esse peso não é partilhável, a nível nenhum.
Manter em cada país a sua variante da língua é uma marca de identidade e um património, que está acima do poder de qualquer Governo. Porque os Governos passam e mudam, mas as línguas não podem passar nem mudar como se fossem Governos.
É natural que o Brasil pretenda maior protagonismo liderando estas alterações linguísticas. Mas os restantes países lusófonos não têm nada a lucrar com isso, só têm a perder. E o Brasil, como grande potência emergente que já é, não precisa de nós, a não ser a nível simbólico. Porque, com Acordo Ortográfico ou sem Acordo Ortográfico, o Brasil vai sempre cuidar dos seus negócios e dos seus interesses, e só deles, o que é normal e legítimo: os países cuidam de si próprios, e tomáramos nós ter em Portugal quem defendesse os nossos interesses como Dilma defende os do Brasil.
Os laços e afectos só existem a nível das pessoas. A nível dos países, há apenas interesses. Não sentimos isso na pele, aqui na Europa?
Estas mudanças linguísticas são apenas uma jogada política. Em todos os outros aspectos, são incongruentes.
Só dois exemplos: se o Acordo Ortográfico é fundamental para que nos entendamos, então por que razão no Brasil os livros portugueses, escritos segundo o "acordês", são traduzidos para o português do Brasil como se estivessem escritos numa língua estrangeira? Por que razão "mesa de cabeceira" passa a "criado mudo", "ficou pasmado" a "ficou pasmo", "foi apanhado pela polícia" a "foi pego pela polícia" etc. etc.?
Por que razão a nós nunca nos passou pela cabeça traduzir para o português europeu Guimarães Rosa, João Ubaldo Ribeiro, Ruben Fonseca ou qualquer outro autor?
Por que razão as livrarias portuguesas têm bancas de livros brasileiros e a literatura do Brasil nos é tão familiar, quando o inverso não se verifica?
Por que razão há cada vez MENOS estudos de literatura portuguesa nas universidades brasileiras, e cada vez MAIS estudos de literatura brasileira nas universidades portuguesas?
A resposta é simples: porque Portugal se abriu há muitas décadas ao Brasil, cujos autores circulam livremente entre nós, porque os sentimos como se também fossem "nossos", enquanto o Brasil sempre levantou barreiras alfandegárias intransponíveis aos livros portugueses, que lá chegam a preços proibitivos, e na maior parte dos casos nunca chegam.
A solução não está em "acordizar", mas em ter um intercâmbio maior e mais simétrico, em conhecer-nos melhor, valorizando as nossas diferenças.
Quanto ao "acordês" ser a língua dos negócios, "acção" e "facto", por exemplo, são mais compreensíveis para qualquer estrangeiro do que "ação" e "fato" (porque mais próximas de "action" e "fact" em inglês, língua de recurso que é, e continuará a ser, a língua franca dos negócios internacionais).
No ponto em que estamos, temos dois caminhos:
O do senso comum, que é reconhecer que a língua portuguesa admite variantes, nos diferentes países onde é usada, o que só a enriquece. Não pode haver qualquer hierarquia entre os países lusófonos, nem entre as suas variantes linguísticas: Nenhum país é dono da língua, e nenhum é inquilino. Vamos deixar a língua evoluir naturalmente, a partir de dentro e não por decretos, porque ela é um organismo vivo, e cada país a usa a seu modo, como bem entende e quer, porque ela é sua e lhe pertence por direito próprio. Nenhum país tem o direito de policiar ou fiscalizar o uso da língua em qualquer outro país lusófono. O português não é uniformizável, qualquer acordo é um contra-senso. Mesmo que fosse possível "acordar" e "simplificar", o resultado seria imensamente empobrecedor.
Ou entendemos isto e desistimos de acordos, ou vamos persistir por muitas décadas neste processo delirante de acordos impossíveis - um acordo ortográfico falhado atrás de outro, seguido de um já anunciado acordo de vocabulário que irá ser igualmente falhado, e depois um acordo de sintaxe falhado, etc. etc. - ... até bater na parede de um imenso Desacordo final, que deixará profundo desgaste e feridas a todos os níveis, entre países que sempre souberam entender-se e conviver, respeitando e valorizando as suas diferenças.
Deixo ainda uma breve nota de carácter prático: certamente que é útil a existência de Vocabulários e Dicionários que abranjam as variantes usadas nos diversos países. Mas apenas como instrumentos de informação e de consulta, onde se encontrem respostas a perguntas como: em que variantes da língua se escreve húmido ou úmido, ou o que significam palavras como xiluva, caxinde, imbandas, quizumba, tambarina, cachupa, kebur, ipê etc. Mas considero que os Vocabulários e os Dicionários só fazem sentido sem qualquer valor normativo, cada país tendo direito exclusivo à sua variante da língua, sem imposições ou interferências de outro país.
14/03/2013
Teolinda Gersão
O homem vangloria-se de ter imitado o voo das aves com uma complicação técnica que elas dispensam.
A história aparece em parte contada no mais recente livro de João César das Neves As Dez Questões da Recuperação (Dom Quixote). Estou a pensar em dois quadros esclarecedores sobre a evolução do crédito bancário em Portugal a partir de 2008, para os quais oportunamente me chamaram a atenção. Dizem muito sobre o que nos aconteceu.
Quando procuramos culpados para a crise, costumamos apontar (depois, é claro, da crise do euro) a cupidez dos bancos que financiaram maus negócios públicos, fintaram os reguladores (como o BPN) e se fizeram pagar de uma forma absurda e improdutiva. A banca está no banco dos réus, aqui e em todo o lado. Salvem as pessoas, não os bancos, é o que se ouve. Não quero passar atestados de inocência a alguns dos bancos portugueses que abusaram do crédito bancário em operações duvidosas e tiveram o risco garantido pelo Estado. Temos tantos exemplos disso. Mas o que aconteceu ao crédito bancário, analisado no livro de César das Neves, não permite apenas atirar responsabilidades para cima dos bancos. Permite-nos perceber que foi o próprio Estado, a partir de certa altura, a levar o pandemónio para a actividade bancária.
César das Neves apresenta-nos dois factos sólidos desta "história impressionante". A primeira é que até 2008-2009 os bancos portugueses actuaram como instituições financeiras normais e prudentes na concessão de crédito. Dirigiram o crédito bancário sobretudo para as empresas e particulares em montantes razoáveis. A partir de 2008 a crise internacional produziu, como seria de esperar, a redução do acesso ao crédito. No entanto, se compararmos o crédito aos particulares com o crédito total que na mesma altura começa a ser concedido pelos bancos descobrimos uma significativa variação. Na segunda metade de 2009 o valor do crédito total dispara. Ficamos portanto com este cenário anormal: o crédito às empresas e pessoas em descida, mas o crédito total bancário a subir furiosamente num contexto económico adverso. Dois anos antes do resgate.
Não é difícil, seguindo César das Neves, imaginar o que se passou. Os nossos bancos transferiram o crédito às empresas para crédito ao Estado. O Estado vira-se em desespero para os bancos. As tendências de crescimento do crédito ao Estado atingem os 60% em 2009 e mais de 100% em Março de 2010. É assim que o Estado se aguenta, à deriva, apenas porque não dispunha de alternativa.
Este ponto é suficientemente importante para percebermos que não foi em 2011 que os mercados internacionais fecharam as torneiras para Portugal. Isso já tinha acontecido, demonstra César das Neves, dois anos antes. Apesar da perpétua negação da realidade. O Estado desestabilizou em absoluto o crédito bancário e afastou-o das empresas e da economia. Só quando os empréstimos da troika nos chegam em meados de 2011, e por pressão dos mesmos bancos, é que a situação é normalizada.
Fica explicado porque é que o poder político entendeu que era vital para os seus interesses dominar a actividade do crédito de instituições privadas. Mas não fica explicado porque é que os bancos aquiesceram. Daí que César das Neves coloque a pergunta do milhão de dólares: que misteriosas razões, e de qualquer maneira irracionais, levaram as instituições financeiras a aceitar tão mansamente este papel, vampirizadas pelos pedidos de crédito do sector público? Chantagem política? Vantagens do negócio? Foram e temos sido nós, contribuintes, a pagar esta aventura. Uma aventura que merecia ser contada por inteiro.
14/03/2013
Pedro Lomba
Público
No Brasil, umas das primeiras descrições geográficas e antropológicas se devem ao jesuíta português Fernão Cardim que chegou ao país em 1583 com o visitador Cristóvão de Gouveia. O Rio de Janeiro e Pernambuco mereceram dele atenção especial. E, pelo que descreve, em relação à grande produtividade e dificuldade de escoamento do açúcar, chegamos à conclusão que em mais de 500 anos o país continua com o mesmo problema, escoar as suas mercadorias. Na actualidade o Brasil teve, mais uma vez, uma safra recorde de soja, que hoje não consegue chegar ao seu destino, o exterior, por falta de silos suficientes, ferrovias, hidrovias, rodovias transitáveis, e portos em número satisfatório com adequada logística que permitam o seu escoamento. A China, um dos nossos grandes compradores, este ano, já suspendeu a sua milionária compra porque o país não consegue honrar o tempo de entrega do produto. Entra governo e sai governo, e tudo continua na mesma; perdas financeiras para quem produz, transporta e principalmente para o país, que, apesar esforço do agro negócio, uma das mais importantes alavancas económicas do Brasil, não conta com a devida atenção e cooperação do governo. O que será que está faltando? Visão, responsabilidade, comprometimento sério , e não demagogo, de quem nos governa, com certeza.
DESCRIÇÃO DE PERNAMBUCO
por Fernão Cardim
Não posso deixar de dizer nesta as qualidades de Pernambuco, que dista da equinocial para o sul oito graus, e cem léguas da Bahia, que lhe fica ao sul. Tem uma formosa igreja matriz de três naves, com muitas capelas ao redor; acabada, ficará uma boa obra. Tem seu vigário com dois outros clérigos, afora outros muitos que estão nas fazendas dos portugueses, que eles sustentam à sua custa, dando-lhes mesa todo o ano e quarenta ou cinquenta mil réis de ordenado, afora outras vantagens. Tem passante de dois mil vizinhos entre a vila e o termo, com muita escravaria de Guiné, que serão perto de dois mil escravos, os índios da terra são já poucos.
A terra é toda muito chã; o serviço das fazendas é por terra e em muitos carros; a fertilidade dos canaviais não se pode contar; tem sessenta e seis engenhos que cada um é uma boa povoação; lavram-se alguns anos duzentas mil arrobas de açúcar, e os engenhos não podem esgotar a cana, porque em um ano se faz de vez para moer, e por essa causa a não podem vencer, pelo que mói a cana de três a quatro anos; e com virem cada ano quarenta navios ou mais a Pernambuco, não podem levar todo o açúcar; é terra de muitas criações de vacas, porcos, galinhas, etc.
A gente da terra é honrada: há homens muito grossos de quarenta, cinquenta, e oitenta mil cruzados de seu: alguns devem muito pelas grandes perdas que têm com a escravaria de Guiné, que lhe morrem muito, e pelas demasias e gastos grandes que têm em seu tratamento. Vestem-se, e as mulheres e os filhos de toda a sorte de veludos, damascos, e outras sedas, e nisto têm grandes excessos. As mulheres são muito senhoras, e não muito devotas, nem frequentam as missas, pregações, confissões, etc; os homens são tão briosos que compraram ginetes de duzentos e trezentos cruzados, e alguns têm três, quatro cavalos de preço. São mui dados a festas. Casando uma moça honrada com um vianês, que são os príncipes da terra, os parentes e amigos se vestiram uns de veludo carmesim, outros de verde, e outros de damasco e outras várias sedas de várias cores, e os guiões e selas dos cavalos eram das mesmas sedas de que iam vestidos. Aquele dia ocorreram touros, jogaram canas, pato, argolinhas, e vieram dar vista ao colégio para os ver o padre visitador; e por esta festa se pode julgar o que farão nas mais, que são comuns e ordinárias.
Uberaba, 22/03/13
Porque é que os depositantes vão ser chamados a pagar um imposto especial? Não havia alternativas ou esta é a que menos onera os cipriotas? Portugal corre o risco de ter de aplicar uma medida semelhante? Leia aqui as respostas.
1. Porque é que Chipre precisa de um resgate internacional?
São fundamentalmente duas as razões apontadas para o Estado cipriota e, sobretudo, dois dos seus maiores bancos estarem na iminência da “bancarrota”: a forte exposição da sua frágil economia e sistema financeiro à Grécia (que foi o primeiro país do euro, ainda em Maio de 2010, a pedir assistência financeira externa e cuja dívida foi alvo de um perdão parcial que erodiu ainda mais a base de capital de bancos cipriotas); e o crescimento descontrolado do peso da banca cipriota, cujos activos estão avaliados em cerca de 800% do PIB do país. A título de comparação, no pico da crise, na Islândia a banca chegou a movimentar o equivalente a 980% do PIB do país; na Irlanda essa proporção rondou 440% do PIB.
2. Qual o valor de que o país precisa?
As necessidades financeiras do país – com 1,1 milhões de habitantes e que pesa 0,2% no PIB da Zona Euro - estão avaliadas em 17 mil milhões de euros. Em termos absolutos é um valor reduzido, mas em termos relativos está-se perante o maior resgate do euro: iguala o PIB cipriota previsto para 2013.
Os parceiros da Zona Euro chegaram agora a um pré-acordo no sentido de emprestarem 10 mil milhões de euros. Em contrapartida, Chipre terá de avançar com privatizações e outras reformas e gerar, no imediato, receitas adicionais da ordem de 5,8 mil milhões de euros – é aqui que entra a sugestão de um imposto extraordinário sobre o stock dos depósitos bancários. O FMI mostrou disponibilidade para contribuir para a montagem de um empréstimo internacional, mas ainda não avançou com números. Faltam pouco mais de mil milhões de euros para quadrar as necessidades de financiamento.
3. Porque é que o pedido de ajuda só agora foi equacionado?
Nicósia formalizou o pedido de assistência aos parceiros do euro ainda no Verão de 2012, mas o FMI e os europeus têm fortes suspeitas de a sua banca se ter convertido numa plataforma de lavagem de dinheiro sujo, oriundo das máfias russas. Querem garantias de que a legislação internacional sobre branqueamento de capitais está a ser efectivamente aplicada para evitar que empréstimos garantidos pelos contribuintes europeus salvaguardem sobretudo depositantes russos e dinheiro gerado em actividades ilegais, e pediram uma auditoria externa para o certificar.
Internamente o pedido de ajuda também gerou clivagens, pelo que se esperou pelo resultados das eleições (Chipre tem um sistema de governo presidencialista) que, na segunda volta, em 25 de Fevereiro, deram a vitória ao candidato pró-troika Nicos Anastasiades que defende uma maior aproximação à Europa, e um afastamento da Rússia, a quem o anterior Governo pediu um empréstimo de emergência de 2,5 mil milhões de euros.
4. Porque é que os depositantes foram envolvidos?
Para reduzir as necessidades de financiamento do Chipre e logo, o valor do empréstimo externo, evitando-se uma (ainda) maior explosão da dívida pública cipriota, o que poria em causa a sua sustentabilidade (ou seja, a capacidade de o país a ressarcir) e inviabilizaria também o eventual envolvimento do FMI. Com uma dívida pública que ronda actualmente 84% do PIB, se Chipre pedisse emprestado no exterior a totalidade dos 17 mil milhões de euros de que necessita para financiar o Estado e recapitalizar os seus bancos o rácio passaria para quase 200% do PIB.
5. E porque não se impuseram, antes, perdas aos investidores que compraram obrigações do Estado e dos bancos?
Porque a maioria da dívida pública cipriota foi emitida sob jurisdição do Reino Unido – que não contempla as chamadas CAC (cláusulas de acção colectiva, que permitem que os termos de uma obrigação possam ser alterados por uma super-maioria dos seus detentores) – o que tornaria praticamente impossível uma reestruturação ordenada como se fez na Grécia que – sublinhe-se – foi prometido pela Europa seria caso único e irrepetível. Por outro lado, a maior parte dos detentores de dívida pública e bancária são residentes cipriotas, que teriam de suportar inteiramente as perdas. Já boa parte dos depositantes são estrangeiros, sobretudo russos, o que permitirá aliviar o fardo sobre os cipriotas.
6. Porque é que se suspeita que Chipre se tenha convertido numa “lavandaria de dinheiro sujo da máfia russa”?
As entradas e saídas anuais de capitais russos de Chipre (que aderiu ao euro em Janeiro de 2008) terão rondado, anualmente, entre 2009 e 2011, os 120 mil milhões de euros – valor mais do que cinco vezes superior ao do PIB de Chipre, segundo dados do Global Financial Integrity. Esta organização não-governamental, presidida por Dev Kar, antigo economista sénior do Fundo Monetário Internacional (FMI), refere que muitas empresas russas instalaram-se em Chipre, beneficiando da baixa taxa de IRC de 10%, apenas para dar cobertura a circuitos financeiros que permitem "branquear" capitais gerados em negócios ilícitos. O "Financial Times" cita banqueiros de Nicósia, segundo os quais a taxa sobre depósitos custará só aos depositantes russos dois mil milhões de euros – ou seja, quase metade da receita de 5,8 mil milhões de euros que se pretende que o Governo obtenha com esta medida, reduzindo o valor do empréstimo externo.
7. O que é que está a ser proposto para os depositantes?
A proposta inicial do Governo era a de lançar uma taxa extraordinária de 6,75% sobre depósitos até 100 mil euros e de 9,9% sobre os de valor superior. Perante a comoção da população e a ameaça de chumbo do Parlamento, o Presidente cipriota sugere agora distribuição do esforço diferente. Até 100 mil euros, os depositantes serão taxados em 3%; entre 100 mil e 500 euros "pagam" 10% e é introduzida uma fasquia acima de 500 mil euros, que sofre um impacto fiscal de 15%. O montante da receita fiscal que se pretende angariar é o mesmo da proposta inicial: 5,8 mil milhões de euros.
O processo interno de negociação prossegue em Nicósia. Para travar uma fuga de depósitos, os bancos permanecerão encerrados até quinta-feira, 21 de Março e os levantamentos estão condicionados.
8. Porque não foram poupados os pequenos aforradores?
Segundo dois diplomatas envolvidos nas negociações citados pela Reuters, o Presidente cipriota terá recusado uma proposta do BCE de não taxar os pequenos depositantes por não querer uma taxa demasiado agravada, de dois dígitos, sobre os maiores. Os correspondentes em Bruxelas do Financial Times dão, por seu turno, eco ao comentário de um diplomata anónimo que, perante a recusa do Presidente cipriota, terá comentando que Nicos Anastasiades “só teria amigos ricos”. Mas o Presidente cipriota nega e diz que os termos da taxa extraordinária foram sugeridos por Bruxelas.
9. E envolver os depositantes é uma boa solução?
Não chegará a ser uma boa solução, mas envolver os depositantes para reduzir as necessidades de financiamento, logo o valor do empréstimo, logo a dívida de Chipre é para a maioria dos analistas e economistas a menos má das soluções possíveis no caso específico de Chipre, desde que seja percepcionada como tratando-se de um recurso único e irrepetível para não abalar a confiança. Cavaco Silva tem dúvidas de que esse “alicerce” do sistema bancário não tenha sido já ferido.
10. Portugal corre um risco idêntico?
É um cenário improvável. O Eurogrupo, o BCE e a Comissão Europeia sublinharam que esta é uma decisão que se aplica em exclusivo ao Chipre.
Carlos Costa, governador do Banco de Portugal, assegura que os portugueses "podem estar tranquilos" porque a tributação bancária "excepcional" ao Chipre "não é transponível para outros países". A DECO considera também "infundado" o receio de o imposto aos depositantes do Chipre ser alargado a Portugal.
Recebido por e-mail, Autor não identificado
CARICATURAS NA ESTAÇÃO DE METRO DO AEROPORTO DE LISBOA
Rafael Bordalo Pinheiro e o seu “Zé Povinho”. Caricaturista, desenhador, aguarelista e grande ceramista, tendo fundado a Fábrica de Cerâmica Bordallo Pinheiro, nas Caldas da Rainha. Irmão do pintor Columbano Bordalo Pinheiro. (Lisboa, 21 de Março de 1846 – 22 de Janeiro de 1905).
Frederico Duarte Carvalho
In http://paramimtantofaz.blogspot.pt/2012/07/os-lisboetas-de-antonio.html
1 – A sociedade ocidental conheceu nos últimos 100 anos mudanças sociais profundas, que entre outros (muitos) aspectos se reflectiu no papel da mulher. Alguns chamaram-lhe "emancipação da mulher". Não subscrevo. Como se a mulher, até há 100 anos, fosse por natureza e condição um ser dependente e subjugado. É essa a tese que muita propaganda quer fazer passar. Mas não é essa a verdade. Desde sempre vemos na história mulheres com papéis de grande relevo em muitas áreas – desde a política, à administração de grandes fortunas, na educação ou simplesmente na condução da vida familiar.
2 – As ideias iluministas e o racionalismo do século XVIII e XIX fixaram em legislações várias (entre elas o Código Civil Português de 1867 e de 1966) uma dependência da mulher em relação ao marido que não tem paralelo na Idade Média. Muitos de nós estudamos História em manuais marcados por aquelas ideologias onde se advoga ter tido a mulher na sociedade ocidental um papel subjugado e subalterno. Felizmente hoje já se vão publicando novas teses que mostram precisamente o inverso. Bastará ler "Rainhas Medievais de Portugal" de Ana Rodrigues Oliveira (Ed. Esfera dos Livros) cujo rigor de fontes e saber científico põe a claro os papéis de diplomata, governante, gestora, julgadora e empreendedora social de muitas das nossas Rainhas medievais.
Como em todos os tempos haverá mulheres com mais propensão para umas áreas e outras para outras. Mas acima de tudo o que vemos é que aqueles papéis eram exercidos por direito próprio e não por delegação ou condescendência de um qualquer marido ou pai.
3 – Das mulheres do povo, atenta a baixa alfabetização da sociedade não temos relatos históricos. Mas seguramente a nossa razão é capaz de discernir quem decidia do cultivo das terras, da contratação de empregados, da gestão de uma casa agrícola enquanto o marido estava na guerra. E, quantas mulheres após a viuvez não ficavam com vários filhos para criar e um património para gerir? Quem administrava a oficina do artífice ou o negócio do comerciante enquanto aqueles faziam longas viagens? Quem educava os filhos?
4 – Quando a legislação Napoleónica fixou a dependência da mulher em relação ao marido há um verdadeiro retrocesso histórico (para ter contas bancárias a mulher tinha de ter autorização do marido, etc., etc.).
Por isso, quando no século XX se fala em emancipação da mulher, apenas a podemos entender em relação ao período da história que vinha da Revolução Francesa (iluminismo).
5 – É verdade que com a mudança de paradigma económico e social trazido pela Revolução Industrial, pelas diferentes formas de alfabetização, pela divisão do trabalho, pelo uso massivo da máquina na gestão doméstica, o papel da mulher mudou profundamente. Aconteceu o acesso à Universidade e o trabalho fora de casa. Factos que em nada diminuem a condição feminina mas antes a tornam mais efectiva e real. A construção da Sociedade é de todos e para todos.
6 – Porém, tudo isso não nega a condição feminina. Mulher e homem são iguais em direitos e dignidade. Mas não são iguais na sua condição e nos respectivos papéis. Existem factores determinantes do feminino (e do masculino) dos quais saliento a maternidade. A capacidade para a maternidade mais do que um acto físico é um facto estruturante da condição feminina. É um olhar próprio sobre o mundo, a cultura, a família, o trabalho, os filhos (ou os sobrinhos e primos) e sobre o Amor.
Hoje quando se fala em "direitos da mulher" (contracepção, aborto, etc.) fala-se acima de tudo em negar a maternidade. Ainda há dias um relatório da UNESCO concluía que a melhor forma para combater a fome no mundo era promover "os direitos da mulher" nos países em desenvolvimento. Isto é, traduzindo… as mulheres têm de ser limitadas na sua capacidade para a maternidade. Que mundo!
7 – Em algumas circunstâncias o direito à maternidade é mesmo negado e proibido (vd. esterilização forçada) às mulheres com mais dificuldades. Outras vezes a liberdade de constituir família é paulatinamente afastada através de uma propaganda que sufoca o desejo que está dentro do coração de cada mulher. A mentalidade dominante impõe o "politicamente correcto" – a carreira que se sobrepõe à maternidade; o corpo que deforma com a maternidade; o "quero dar tudo ao meu filho"; a insegurança no casamento derivada da lei, etc., etc.
8 – Hoje em todo o mundo a mulher sofre uma descriminação, uma subjugação silenciada que o Futuro irá desvendar.
Não podemos calar. Em nome desta condição (de ser mulher) que gera alegria, felicidade, paixão pela vida, um coração que palpita na emoção e um Amor imenso, não calamos. Ser mulher é uma condição que me determina e Agradeço.
Isilda Pegado
Passos Coelho e Vítor Gaspar pediram mais tempo para baixar o défice, para pagar os juros da dívida e para cortar a despesa do Estado.
E deixaram cair a palavra maldita – ‘austeridade’ – e passaram a usar a palavra milagrosa – ‘crescimento’.
Eu percebo-os: estavam sozinhos.
Tinham contra eles todos os partidos da oposição, os sindicatos, os ‘senadores’ (de Mário Soares a Freitas do Amaral), os autarcas, alguns bispos, o CDS (que funciona com frequência como oposição dentro do Governo), os manifestantes que os perseguem por todo o lado chamando-lhes «gatunos», a maioria da comunicação social e os comentadores (inclusive muitos afectos ao PSD).
Este fenómeno dos comentadores é curioso.
Em Portugal, instalou-se a moda dos ‘políticos-comentadores televisivos’, isto é, dos políticos que, depois de deixarem a política ou estando momentaneamente fora dela, se dedicam ao comentário.
Os exemplos não têm fim: Marques Mendes, Marcelo Rebelo de Sousa, Augusto Santos Silva, Jorge Coelho, Pedro Santana Lopes, Manuel Maria Carrilho, António Costa, Bagão Félix, António Capucho, Manuela Ferreira Leite, Francisco Louçã, Nuno Melo, Paulo Rangel, Sérgio Sousa Pinto, Ana Drago, eu sei lá!
E estes ‘políticos-comentadores’ têm uma limitação: nunca deixam de ser políticos.
De pensar como políticos.
E, nessa medida, também gostam de ser populares.
Assim, mesmo os comentadores sociais-democratas começaram, a partir de certa altura, a dizer que bastava de ‘austeridade’ e se impunha começar a falar de ‘crescimento’.
Eles sentiam que, se continuassem a dizer «Não podemos abandonar já a austeridade, temos de levar até ao fim a consolidação orçamental, é cedo para falar de crescimento», começavam a perder audiência e popularidade (tal como os políticos perdem votos).
Mas terão razão?
Julgo que não: é cedo demais para o Governo mudar de discurso.
E, além disso, é enganador e é perigoso.
É enganador, porque o crescimento não depende do Governo; não basta estalar os dedos para a economia começar a crescer.
É perigoso, porque as pessoas podem pensar que os tempos de austeridade já lá vão e que podemos voltar alegremente ao passado.
Ora, não podemos voltar ao passado.
O discurso do ‘crescimento’ foi o que Sócrates andou a fazer durante seis anos, com os resultados que se conhecem.
Além disso, vamos crescer com que dinheiro?
Só pode haver crescimento com investimento.
Ora, o que conseguiu atrair algum investimento estrangeiro nos últimos anos (como o prova o sucesso das privatizações, que renderam mais do que o previsto) foi precisamente o cumprimento do programa de austeridade.
Porque os investidores pensaram: «Eles estão a ganhar juízo! Vão finalmente pôr as finanças em ordem».
Foi isso que deu credibilidade ao país lá fora e atraiu capitais.
Um discurso oco, assente em sonhos de crescimento que não temos dinheiro para sustentar, não teria atraído ninguém.
Mas há outra razão para não ir por esse caminho.
É que Portugal e a Europa não mais voltarão a ser o que eram.
Porquê?
Porque a crise não é conjuntural, é estrutural; não é passageira, é permanente.
Houve muitas fábricas que emigraram da Europa (e dos EUA) para outras paragens, houve muitos serviços que emigraram para outras paragens, houve investimentos que emigraram para outras paragens – para o Oriente, para a América do Sul, para África – e, como consequência disto, o Ocidente passou a produzir menos, os rendimentos das famílias caíram e o número de postos de trabalho diminuiu drasticamente.
O progresso tecnológico também contribuiu para isso.
Na portagem de Estremoz, por exemplo, trabalhavam até há poucos anos três ou quatro pessoas. Hoje, as cobranças estão automatizadas e já não há portageiros. Essas pessoas foram para onde? E isto não se passou só em Estremoz: passou-se no país todo, em muitas centenas de portagens. E não se passou só na Brisa: passou-se em centenas de empresas. Na Autoeuropa, a maior parte do trabalho de montagem e pintura é hoje realizada por robôs.
Portanto, a Europa e Portugal jamais voltarão a ser o que eram.
E é esse discurso que os políticos e os comentadores responsáveis deveriam fazer.
Mas não fazem, porque perderiam votos e audiências.
Têm de fazer um discurso cor-de-rosa.
E isto conduz-nos a outra ideia, muito mais inquietante: será a democracia compatível com uma austeridade prolongada?
Será a democracia compatível com o definhamento das nações e a queda dos rendimentos das pessoas?
Se calhar não é.
O alargamento da democracia na Europa coincidiu com um período de crescimento económico sustentado, de desenvolvimento, de abastança, de implantação da sociedade de consumo.
Mas, se a economia começar regularmente a definhar, tudo poderá ser diferente.
Basta olhar para Itália: o político mais responsável, o menos demagogo, o mais credível, o que mais falou verdade durante a campanha eleitoral – Mario Monti – foi cilindrado nas urnas.
Simultaneamente, dois comediantes foram os grandes triunfadores: um de direita, Berlusconi, o outro de esquerda, Grillo.
Isto diz tudo sobre a ‘responsabilidade’ dos eleitorados em tempo de crise.
As eleições – que são a pedra de toque das democracias – foram transformadas numa triste palhaçada.
E assim a Europa irá escorregando para o abismo.
Por culpa das circunstâncias madrastas, mas também por culpa dos políticos, dos comentadores e dos jornalistas – que não têm coragem para explicar que o mundo mudou, que o passado de abastança não vai voltar, que temos de nos habituar a viver com menos dinheiro.
Com medo de perderem votos, audiências ou leitores, políticos e comentadores semeiam ilusões.
Fazem promessas que não podem cumprir ou tecem comentários com propostas inexequíveis.
E de dia para dia a revolta crescerá, como uma onda irracional decidida a engolir as instituições e a democracia.
E os tolos aplaudem.
11 de Março, 2013
In
25 seguidores
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.